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Em Cuba é ínfima a cifra de crianças sem amparo familiar, ainda assim alguns vivem em instituições especializadas mas poucos são entregues em adoção.

Se alguém em Cuba tem a garantia de total proteção do estado e da sociedade, esse alguém são as crianças cubanas. 100% delas estão na escola e recebem das famílias cubanas e autoridades um tipo de atenção prioritária com a qual não estamos acostumados a ver. Em Cuba, crianças não desaparecem, não são sequestradas, jamais são agredidas sob qualquer forma e muito menos ficam desamparadas. Mas o que ocorre com aquelas que se enquadram no que conhecemos como abandono familiar? Esse artigo da jornalista cubana Neisy Martinez Miranda conta um pouco sobre essa realidade. A jornalista passa a contribuir com os Jornalistas Livres em uma série de artigos sobre a vida cotidiana em Cuba.

Por NEISY MARTINEZ MIRANDA

Alexis tem oito anos. Vive junto a outros nove em um abrigo para menores sem amparo familiar [no bairro da região central de Havana] de La Lisa. Sua mãe padece de transtornos psicológicos e ele não conhece seu pai. Desde os dois anos foi internado ali já que não havia quem pudesse assumir e cuidar de suas necessidades.

Segundo o último informe da Unicef, como Alexis existem na ilha [de pouco mais de 11 milhões de habitantes] um total de 400 crianças na mesma situação.

Antes de janeiro de 1959, a atenção a órfãos e abandonados na maior das Antilhas era quase inexistente. Muitos eram acolhidos por seus padrinhos católicos, ou seja, aqueles que seus pais escolhiam para que batizassem seus filhos e cuidassem deles em caso de falecimento. Outros, recebiam abrigo nas chamadas casas de parto ou de beneficência, de origem privada e religiosa. Muitos viviam nas ruas.

A Revolução cubana criou em 1984 os Lares para crianças sem amparo familiar e Círculos Infantis Mistos, todos regidos mediante o Decreto Lei Nº 76 do Conselho de Estado e atendidos diretamente pelo Ministério da Educação, através de suas diretorias de Educação Pré-escolar e Especial.

“São centros de assistência social onde se proporciona aos pequenos desamparados condições de vida semelhantes às de uma família. São poucos no país, já que muito poucos necessitam”, explica Alfredo Morffy, funcionário do Departamento de Educação Especial do Ministério de Educação (MINED).

O governo emprega os melhores recursos humanos, materiais e financeiros para fazer desses centros um lugar familiar, com número reduzido de habitantes (não mais que vinte). Aí permanecem seguros até sua adoção ou até completarem a maioridade.

Como comenta María de la Paz  Mesa Vález, diretora do Lar de La Lisa, estas instituições oferecem ao menor todo o cuidado possível, tanto material como espiritualmente: “Sabemos que não é suficiente, por isso importa nosso esforço. Algumas vezes eles poderiam se sentir rejeitados pelos que estão ao seu redor, porque talvez olhem para eles com pena ao imaginar o quão grande foi o seu sofrimento, mas não é assim, porque os ajudamos nos estudos, eles se tornam independentes, conseguem emprego, constroem seus lares e têm filhos que nunca vão abandonar”.

Segundo Yamila González Ferrer, advogada e especialista da União de Juristas de Cuba, “a maioria dos pequenos que habitam estes lugares estão aí por problemas de moradia ou porque os pais estão reclusos ou sofrem de transtornos mentais, em todos estes casos os pais não perdem a guarda do menor, razão pela qual a criança não pode ser entregue para adoção. Daí o pequeno número de crianças que possuem as características para serem adotadas, as cifras são realmente minúsculas”.

Milhares de casais cubanos com problemas de fertilidade gostariam de adotar um menor.

Margarita Reyes foi abandonada desde pequena. Seus avós eram falecidos e sua mãe preferiu sair da ilha [migrando] para o Norte sem deixar atrás nenhum tipo de vínculo; assim a menina foi adotada e hoje, apesar de manter comunicação com a mãe biológica, ela reconhece como seus pais verdadeiros àqueles que a receberam em seu lar sem se importar com os laços sanguíneos. 

Nos casos de adoção, Cuba prioriza o bem estar da criança mediante processos de aclimatação com os futuros protetores. Para isso se estuda de perto as famílias substitutas: primeiro se incorpora o pequeno ao ambiente doméstico durante os períodos de férias, e assim, paulatinamente, adquirem um caráter pré-adotivo. E este acaba sendo o modo mais seguro de garantir a felicidade do pequeno.

Este mecanismo, estabelecido no artigo 99 do Código da Família, garante o melhor desenvolvimento e educação do menor desvalido. Também se encarregam várias estruturas sociais, entre elas o Ministério do Interior, os CDR [Comitês de Defesa da Revolução] e a União de Juristas de Cuba, mas os principais responsáveis são o Departamento de Educação Especial do Ministério de Educação e a Defensoria correspondente ao lugar de residência do menor.

Conforme afirma José Victoriano Alambarri Herrera, funcionário do Ministério Público de Havana, a adoção requer um complexo trâmite legal, que pode ser solicitado de duas formas: perante um escritório de advocacia coletiva, quando os pais biológicos dão seu aval, ou por meio do Ministério da Educação, se os menores residirem em lares, círculos mistos ou outras instituições.

Normalmente, é necessário um procedimento judicial ou administrativo para cada caso, geralmente chamado de “jurisdição voluntária”, porque não deve haver conflito. O Ministério Público verifica se a criança possui as características necessárias para ser adotada: menores de 16 anos, abandonados intencionalmente pelos pais ou em qualquer estado de abandono por aqueles que os têm sob seus cuidados, desde que extinto o pátrio poder, por morte ou privação de ambos.

“Quando os menores residirem em lares ou círculos infantis mistos, os diretores dessas instituições devem dar seu consentimento, acompanhado de relatório detalhado sobre sua personalidade, motivos pelos quais foram entregues para adoção, entre outras informações importantes; justificando assim o estado de abandono do menor e informando as características da criança aos novos pais e demais pessoas envolvidas no processo ”, explicou a assessora jurídica Benilde Ulloa.

O procurador só pode emitir o parecer depois de ter garantido através de inquéritos preliminares quais são as verdadeiras intenções dos adotantes para com a criança. Se o procedimento for solicitado por mais de uma pessoa, elas devem ter união legal (casamento).

É também aconselhável que haja um conjunto de requisitos de natureza material e normativa: 25 anos de idade, pelo menos 15 a mais do que o adotado, estar em condições de atender às suas necessidades econômicas e ter as condições morais de cumprir os deveres estabelecidos.

Muito trabalho está sendo feito para garantir a felicidade e segurança do menino ou menina cubana sem proteção filial; aqui eles não são filhos de ninguém, mas sim filhos da Revolução, que zela com especial cuidado por seus sonhos e esperanças.


Fotos extraídas da imprensa cubana
Tradução: Juliana Medeiros

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1 Comment

1 Comments

  1. Dejanile Gonçalves dos Santos

    29/08/20 at 4:36

    Como nosso País é atrasado em relação as crianças.

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América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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