Conecte-se conosco

Segurança Pública

Por que a extrema-direita cresce em todo o mundo I: a insegurança

Publicadoo

em

Por Durval Muniz de Albuquerque Jr.,da Agência Saiba Mais

A vitória de Jair Bolsonaro nas últimas eleições brasileiras não pode ser analisada como um fenômeno isolado e com causas apenas internas ao país e a sua vida política. Não podemos atribuí-la a um mero engano por parte da população brasileira. Não podemos considerá-la um mero produto de manipulação via meios de comunicação de massas e redes sociais. Há um crescimento da extrema-direita em todo o mundo e não enxergar isso é adotar uma postura de avestruz. A vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas, embora como todo fenômeno histórico e político tenha sua individualidade e resulte de fatores singulares, já indiciava esse crescimento das forças de direita e extrema-direita em todo mundo. Governos de direita governam o Chile, a Argentina, a Colômbia, o Peru, o Paraguai, só para nos atermos a América do Sul. Em recentes eleições na província da Andaluzia, na Espanha, o partido de extrema-direita, saudoso da ditadura franquista, Vox, foi a quarta força mais votada, conquistando doze cadeiras no parlamento andaluz. A extrema-direita governa países europeus como Hungria e Polônia e divide com a extrema-esquerda, num curioso consórcio antiglobalização e antieuropeísta, o governo da Itália. O neonazismo ressurge com força na própria Alemanha onde conquistou postos importantes nas eleições locais e regionais. Na França, a candidata de extrema-direita Marine Le Pen alcançou o segundo turno nas últimas eleições, sendo derrotada por um candidato de centro-direita, Emmanuel Macron. Na Ásia e na África contam-se nos dedos os países que não são governados por ditadores ou por agrupamentos políticos conservadores, como é o caso das Filipinas, de Israel, da Arábia Saudita, do Irã, da Síria e da Turquia. Não podemos esquecer as ditaduras pretensamente de esquerda como as da Coreia do Norte e da China ou o governo autocrático de Vladimir Putin, na Rússia.

Ora, mas para entendermos este espraiamento de uma onda conservadora em todo mundo é preciso pensarmos o que está gerando nas populações esse desejo por governos conservadores e autoritários. Não é suficiente reduzirmos o fenômeno ao mero jogo das forças políticas e dos eventos eleitorais. Não é inteligente pensarmos que se trata de um fenômeno sem lastro social, econômico e cultural. Como podemos constatar nos últimos anos, no Brasil, a eleição de Bolsonaro é apenas uma consequência, uma resultante de um crescimento em nível social e cultural de consciências e sensibilidades conservadoras e reacionárias, quando não microfascistas. Jair Bolsonaro, infelizmente, não é uma excrescência, um fenômeno isolado, uma mera figura caricatural. Jair Bolsonaro se tornou presidente da República porque foi desejado por muitos, porque encarna os valores e as formas de pensar de milhares de pessoas no país, porque uma multidão de pessoas se vê nele representados. Ele é a encarnação de um tipo de subjetividade, de desejos, de valores, de ideias, de conceitos e preconceitos que estão disseminados na sociedade brasileira. Se o mito é a encarnação de uma subjetividade e de desejos microfascistas, seus seguidores e grande parcela daqueles que nele votaram partilham dessa mesma forma de ser sujeitos. É se enganar atribuir a mera fraude, a desinformação, a manipulação sua eleição. Ele, infelizmente, é a encarnação de formas de pensar e sentir que estão disseminadas no interior da sociedade, que eram minoritárias, em dado momento, mas que vêm se tornando, por motivações históricas, que devemos tentar diagnosticar, majoritárias.

Essa semana ressurgiu nas redes sociais uma entrevista dada pelo historiador inglês, Eric Hobsbawm, ainda no ano de 2001, quando de uma de suas passagens pelo Brasil. Nela ele previa um crescimento da direita e da extrema-direita, com o surgimento de outras formas de fascismo, inclusive atingindo a sociedade brasileira. Em conversa com o jornalista Roberto D’ Ávila ele apontava algumas das motivações históricas que, segundo ele, provocariam essa onda conservadora em todo mundo. A nova etapa do capitalismo, um capitalismo cada vez mais dominado pelo capital financeiro, um capitalismo que, sem o contraponto da existência dos países socialistas, entrava num rápido processo de ataque às conquistas sociais dos trabalhadores e da regulamentação estatal que levaram a constituição dos chamados Estados de Bem-Estar Social, notadamente na Europa e nos países centrais ao sistema. A emergência do discurso neoliberal se dava à medida em que o encerramento do período de expansão econômica iniciado no pós-guerra, anunciado pela chamada crise do petróleo, do início dos anos setenta, era atribuído ao processo de regulamentação das atividades econômicas por parte dos Estados, como forma de evitar a repetição de crises como a que ocorrera em 1929. Desde que os governos de Ronald Reagan, nos EUA, e Margareth Tatcher, na Inglaterra, adotaram as premissas neoliberais, o que se viu foi uma crescente liberalização das regras para funcionamento dos mercados e o constante ataque às conquistas feitas pelos trabalhadores em suas lutas, desde o século XIX. Como resultado, as sociedades capitalistas passaram a oferecer formas de vida cada vez mais inseguras e precarizadas, relações de trabalho cada vez mais informais, com desvalorização crescente do trabalho e do emprego como lugares de atribuição e construção de identidades sociais, sendo substituído pelo consumo. Ser consumidor e o que se consome passou a ser cada vez mais importantes para definir o lugar de alguém na sociedade do que no que ela trabalha ou faz.

Temos que ter em conta que o capitalismo não é apenas um modo de produção de mercadorias, bens e serviços, o capitalismo também instaura modos de produção de subjetividades, modos de produção de sujeitos adequados a seu funcionamento. O capitalismo é inseparável da produção do sujeito burguês e do sujeito trabalhador, de subjetividades que se alojam e se sentem representadas por esses lugares de sujeito. A crescente perda de centralidade da figura do trabalhador na vida social, sua substituição pela figura do consumidor é uma das formas prevalecentes de produção de subjetividades no mundo contemporâneo, que vem atrelada à precarização dos empregos e das relações de trabalho, como a reforma trabalhista realizada por Temer bem exemplifica. Para entendermos a adesão de uma parcela crescente das classes trabalhadoras ao voto conservador, ao voto em forças políticas de direita e de extrema-direita, precisamos levar em conta essa insegurança existencial crescente produzida pela nova etapa do capitalismo. Essa insegurança se acentua a medida em que o avanço tecnológico significa a redução dos postos de trabalho e a desaparição de muitas atividades e profissões. O novo deslocamento global das populações da terra, induzida pelo crescimento da concentração da riqueza, o avanço da miséria e dos conflitos bélicos em várias partes do mundo, combinado com as informações sobre a realidade dos países centrais do sistema acessadas pelos novos meios de comunicação, também amplia a concorrência pelos postos de trabalho, contribui para o rebaixamento das taxas salariais, gerando o crescimento dos sentimentos de xenofobia e de racismo, sentimentos que encontram guarida e expressão políticas nas forças de direita e extrema-direita. As últimas eleições francesas são exemplares a esse respeito: grande parte das cidades que ficam nas áreas industrializadas e onde se concentra o eleitorado de origem operária deslocaram seu voto, tradicionalmente dado aos partidos de esquerda, para os partidos de direita.

A retórica da direita e da extrema-direita, com o reavivamento do nacionalismo, com críticas à globalização, aos acordos de livre-comércio, ao europeísmo (ou seja, a construção da Comunidade Europeia, no caso dos países desse continente), com a promessa de fechamento das fronteiras a entrada de imigrantes estrangeiros, com a promessa de expulsão dos imigrantes clandestinos tem calado fundo nas camadas trabalhadoras, notadamente nos países centrais do sistema. A vitória de Donald Trump, com o voto de grande parte dos grandes centros operários do país, explicita como essa necessidade de segurança existencial, essa necessidade de um mínimo de estabilidade na vida laboral, tem levado muitos daqueles que antes votavam nas forças da esquerda, se alinharem com as forças da reação. O choque que vemos esses dias entre republicanos e democratas, nos EUA, com a recusa da Câmara, onde os democratas possuem maioria, em aprovar os recursos para a construção do prometido muro na fronteira com o México, mostra que Trump sabe que sua reeleição depende do cumprimento dessa promessa simbólica de sua campanha. A eficácia desse muro para conter a imigração é bastante duvidosa, mas ele é fundamental na simbolização do fechamento das fronteiras nacionais para os invasores que veem roubar os empregos dos americanos, rebaixar as taxas salariais (já que aceitam trabalhar por salários mais baixos a medida que são clandestinos) e aumentar, inclusive, segundo a retórica da direita e da extrema-direita, a criminalidade. A reação protagonizada pelos médicos brasileiros em relação à vinda de médicos cubanos para o país, a reação provocada pela chegada dos imigrantes haitianos e, agora, dos venezuelanos, têm sido utilizadas pelas forças da direita no país para disseminar entre nós, um país de imigrantes, formado por gente desterritorializada de todos os quadrantes, esse discurso xenófobo e racista.

A nova crise global do capitalismo, instaurada desde o ano de 2008, foi motivada, exatamente, pela desregulamentação neoliberal promovida pelos países centrais do sistema, nos anos anteriores, o que levou a uma total perda de controle dos Estados sobre os fluxos de capitais, com o crescimento da centralidade dos paraísos fiscais e dos capitais provenientes de atividades criminosas e ilegais (tráfico de drogas, tráfico de armas, tráfico de pessoas, sonegação fiscal, branqueamento de capitais) para a reprodução do próprio sistema. Essa perda de controle também se deu no setor financeiro, com os bancos podendo realizar transações e movimentações financeiras sem o suficiente controle das autoridades fiscais e monetárias do países, o que levou a fraude nos balanços de vários bancos e o crescimento desordenado do meio circulante sem o correspondente em valores econômicos. A nova crise global do sistema levou a adoção, em vários países, de duras políticas de recuperação econômica sob a supervisão dos organismos internacionais, dos bancos centrais e dos mercados financeiros. As políticas de bem estar social foram culpabilizadas pelo discurso neoliberal pela quebra de vários países, atolados em dívidas com o setor financeiro e com enormes déficits fiscais, muitas dessas dívidas contraídas por governos conservadores e neoliberais sob o incentivo do próprio setor bancário e dos organismos financeiros internacionais como Banco Mundial, FMI, etc. Essas políticas de recuperação econômica, aplicadas, inclusive, por sucessivos governos ditos socialistas levaram a desmoralização e ao descrédito crescente dos partidos mais à esquerda no espectro político, o que também favoreceu o crescimento da direita e da extrema-direita em vários países. No Brasil, apesar de quase uma década de sucesso e boa gestão econômica por parte do Partido dos Trabalhadores, a crise econômica de 2008 criou as condições para que as forças de oposição no país subissem o tom das críticas ao governo e, posteriormente, articulassem um verdadeiro cerco e boicote ao governo Dilma, no Congresso Nacional, impedindo que ela tomasse as medidas necessárias, inclusive para corrigir erros cometidos na gestão da economia, o que terminou por levar a população a culpar o PT por uma crise que não foi ele que gerou e cuja solução ainda estar por ser encontrada.

Sabemos que um dos principais motivos da vitória de Bolsonaro foi seu discurso prometendo segurança. Erra quem acha que a necessidade de segurança se deve apenas à criminalidade e à violência que atinge níveis assustadores no país. A violência urbana, a falta de segurança pública, no entanto, só exacerba e explicita a sensação de insegurança que o próprio estágio atual do capitalismo promove. Quando Marx, já no Manifesto Comunista de 1848, dizia que com o capitalismo tudo que era sólido se desmancharia no ar, ele apontava para a capacidade de geração de insegurança que o sistema capitalista trazia. O capitalismo tem como uma de suas características o de ser um modo de produção que está permanentemente revolucionando a sua própria forma de funcionamento. Desde o século XIX, todas as lutas sociais e políticas se deram no sentido de conter as tendências desterritorializantes, as tendências desestruturantes do capitalismo. O que se conseguiu com as políticas inspiradas pelas ideias do economista John Maynard Keynes e graças às lutas operários foi tentar regular e conter as forças e fluxos caotizantes que o capitalismo produz em seu funcionamento. O capitalismo é gerador de insegurança a medida que está permanentemente alterando sua própria regulamentação, seus regramentos, suas formas de funcionamento, suas bases tecnológicas, deslocando sua produção de espaços, alterando as relações de trabalho e emprego. Quando as pessoas, no Brasil, estão clamando por segurança, elas atribuem a insegurança que sentem aqueles que são execrados como bandidos ou como corruptos todos os dias na televisão. A insegurança, que é existencial, que é promovida pelas formas de vida precarizadas pelo capitalismo, é atribuída a um outro que se torna o bode expiatório do mal estar causado por vivermos em constante incerteza. Isso é um passo para que esse mal estar e essa insegurança se tornem simpatia e empatia com o candidato que diz que bandido bom é bandido morto, que irá dar permissão para a polícia matar indiscriminadamente os ditos bandidos, que diz que os corruptos mofarão na cadeia (desde que não seja aqueles de estimação do candidato), com o candidato que promete matar todos os vermelhos (causadores de insegurança), que promete dar a cada um uma arma para se defender desse bode expiatório, que é o bandido. Quando Regina Duarte, bolsonarista de carteirinha, já expressava seu medo na campanha de 2002, seu medo, sentimento ligado à insegurança existencial, é causado por uma sociedade que tem na competição e no conflito de classes a sua forma nuclear de organização. Bolsonaro venceu, entre outras coisas, porque, até mesmo por ser um ex-militar, por envergar uma farda, simbolize o que seria alguém capaz de oferecer segurança, num mundo de pessoas inseguras. O crescimento da bancada da bala, esse ministério coalhado de homens fardados, os vários agentes de segurança eleitos para cargos majoritários, explicitam essa busca e necessidade de segurança, que no caso do Brasil são potencializadas pela extrema violência com que convivemos, violência que tem raízes históricas e que é preciso discutir. A busca de forças políticas que representam a ordem e a segurança é resultado, portanto, da crescente insegurança existencial promovida pelo próprio capitalismo. Nos próximos artigos iremos comentar outros aspectos e fatores geradores dessa insegurança, como a precarização dos sistemas de previdência e saúde, como a privatização dos serviços públicos, como o fim da estabilidade no emprego no setor público, como a crise do próprio sistema político e as profundas mudanças culturais, institucionais e de valores que vivenciamos desde, pelo menos, a década de sessenta do século XX, quando o capitalismo dava os primeiros passos na direção dessa nova etapa de seu funcionamento, não apenas econômico, mas social e existencial, pois, afinal, o capitalismo não é uma entidade abstrata, sobre-humana, ela é encarnado por pessoas que, em todas as faixas sociais, vivem vidas muito mais desreguladas e sem amparos institucionais e legais (quem sabe o aumento da corrupção entre as elites dirigentes do sistema não se deva também à própria insegurança em que vivem, executivos que ganham milhões, que se deslocam pelo mundo constantemente, que nem casa ou família direito têm, que podem perder o emprego e o poder a qualquer momento, tratam de acumular de maneira fraudulenta a maior quantidade de recursos em busca de uma segurança de vida).

O estágio atual do capitalismo se caracteriza pela criação de formas vida e de trabalho cada vez mais precárias. A informalidade (um dos objetivo a ser alcançado pela política trabalhista do governo Bolsonaro, segundo ele mesmo) crescente das relações de trabalho, o crescimento das formas de trabalho temporário, a rotatividade dos postos de trabalho, a previsão de possíveis reduções de salário previstas em contratos de trabalho, a chamada flexibilização do trabalho, o fim mesmo da ideia de especialização e profissão, a competição crescente por postos de trabalho precarizados, a destruição permanente de postos de trabalho e de profissões, a exigência neoliberal de que cada um seja um empresário de si mesmo, que se vejam como capital humano, que tenham sucesso e poder sem que as condições para isso sejam dadas, produzem subjetividades e sujeitos inseguros, carentes de certezas e de ordem, o que é um caldo de cultura extremamente favorável para o crescimento de forças políticas que se propõem a produzir a ordem, a segurança e a certeza, em todos os âmbitos. Num mundo em que tudo parece naufragar, em que todos parecem surfar sobre ondas enfurecidas, em que tsunamis varrem periodicamente as praias e as casas de nossas vidas, essas forças reativas e reacionárias aparecem como a tábua de salvação, o restolho salvador em que se agarrar e navegar, a rocha que sobrou para se agarrar, o último porto e lugar seguro para se habitar. O encarniçamento, a violência, o aferramento com que as pessoas combatem a favor dessas forças da reação só demonstram o quanto para elas essas opções reacionárias são importantes existencialmente, o quanto elas parecem ser o único e último refúgio em um mundo hostil e perigoso. Os bolsominions são pessoas inseguras e desorientadas em busca de algo e alguém para se agarrar como verdadeiras salvações em um mundo desertado de segurança e ordem. Em um mundo distópico, as únicas utopias que restaram (e a crise ou a morte delas é outro componente a ser comentado) são utopias regressivas e saudosistas de um mundo seguro e previsível. O que eles não sabem é que não é o comunismo, os vermelhos, o petismo, os petralhas, o lulismo, o bolivarianismo, quem provocam e são motivo da insegurança, do mal estar, do medo de que sentem, é o capitalismo, a que tanto defendem. Regina Duarte e seu marido fazendeiro do agronegócio pensam que é o petismo que gera o medo e a insegurança que sentem, ledo engano querida ex-namoradinha do Brasil: é o capitalismo mesmo, cara pálida!

Continue Lendo
Click para comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Segurança Pública

Advogados. Os campos de concentração no Pará

Os advogados, a censura e as agressões

Publicadoo

em

Agressão dos agentes prisionais

“Cala a tua boca senão tu vai levar um soco”.

Essa foi a frase proferida pelo agente prisional concursado Marcos Vinícius da Costa Villanova antes de desferir um soco na advogada Dra. Juliana Borges Nunes.

Agressão dos agentes prisionais

.

Advogados: Agressões físicas

“Ele me chamou de preta, vagabunda, além de outros xingamentos”.

Juliana foi agredida defendendo o direito de um colega advogado exercer seu ofício. Foi agredida dentro de um contexto que é negado diariamente. Negado pela Seap e ignorado pela sociedade paraense.

Josiel Abreu advoga a seis anos. Foi na unidade prisional chamada Colônia que ele foi interpelado pelo agente que exigiu que o advogado lhe mostrasse anotações de seus clientes. Essas anotações são invioláveis.

“Ele usou a frase, Aqui não é pra fazer anotação. Você não pode entrar com papel aqui.”

Durante a discussão o agente Vila Nova chamou Josiel de “analfabeto de procedimentos”.

Agressão dos agentes prisionais
Grupo de advogados acompanhando Juliana par prestar depoimento. O medo de exercer a profissão entre a classe é constante.

O artigo 7 da lei 8.906/1994 garante a “inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”. 

O agente Marcus Vinicius Vila Nova não conhece a lei e nem o artigo. É fruto de um estado totalitário, da misoginia e do racismo. O agente não socou o advogado Josiel. Ele socou Juliana. Uma mulher negra em uma posição de poder e respeito e isso é algo que a pseudo autoridade não tolera. Uma mulher negra em posição de poder.

O agente prisional precisou ser contido pelo seu coordenador de plantão que conseguiu retirar a pistola do coldre de Marcos Vila Nova no meio da discussão. 

Na delegacia prestando depoimento, Juliana pergunta chorando para o Delegado de plantão:

“Ele vai precisar me matar? Matar algum de nós pra que vocês façam alguma coisa Doutor?”

Advogados paraenses e o Estado
A advogada Dra. Juliana Borges Nunes presta depoimento

Um dos jornais paraenses que foram à delegacia para cobrir a matéria, o Jornal O Liberal, não coletou o depoimento da advogada. Alegou que a mesma estava em depoimento e por isso foi inviável falar com a agredida. Na mesma matéria o Liberal conseguiu facilmente uma nota da SEAP assim como fotos do agente prisional com sua camisa rasgada como prova da violência da advogada.

Na matéria do Jornal paraense, a impressão que temos é de que o agente prisional é a vítima. Juliana foi xingada de vagabunda e chamada de preta antes do soco ser desferido em seu rosto. Mas a SEAP acredita ser o agente prisional a vítima assim como a mídia local.

Sistema prisional paraense
Delegacia onde Juliana prestou seu depoimento. O agressor não foi até a delegacia. O delegado teve de ir até o agente em Santa Izabel para sua oitiva.

Para entender como o agente prisional se tornou vítima no episódio de agressão insólito é preciso ler a matéria completa aqui no Jornalistas Livres onde destacamos uma campanha de censura promovida pelo Governo do Estado do Pará.

Marcos Vinícius Vila Nova que de acordo com a SEAP, foi agredido pela advogada. Além da camisa rasgada, o agente concursado não apresenta nenhuma marca de violência.

Nessa série iremos abordar as denúncias de tortura e corrupção dentro da SEAP PARÁ sob a gestão duvidosa do Secretário de Administração Penitenciária Jarbas Vasconcelos recebidas por advogados. Na primeira parte falamos sobre Patrick, um detento que segue em tratamento domiciliar por ter contraído Tuberculose na unidade prisional na qual cumpria pena.

Nesta segunda parte iremos abordar o lado da história contada por alguns advogados que, assim como seus clientes reclusos, também têm passado por constrangimentos e assédio do lado de fora dos muros de Americano. Falaremos também sobre a censura promovida pelo Governador Hélder Barbalho e sobre o desmonte da Comissão de Direitos Humanos assim como o Conselho Penitenciário.

Sistema prisional paraense
Patrick. Sua história foi mostrada na primeira parte dessa série de matérias sobre a SEAP.

Os relatos apresentados são de advogados que, apesar de todo o clima de terror dentro do Estado do Pará, se mostram resilientes na postura. Profissionais que têm suas vidas, e de familiares, envolvidas em ameaças de morte e assédio durante o exercício de sua profissão. São homens e mulheres que desafiam o coronelismo regional e estão enfrentando o sistema de opressão vigente.

André Leão, Advogados Antifascistas declarou:

“Hoje uma advogada, no seu exercício de suas funções prerrogativas, foi socada por um agente penitenciário dentro do Complexo de Americano. Fazem isso com operadores do direito, que estão em liberdade. Imagina o que podem estar fazendo com as pessoas cumprindo pena?”  

No dia 17 de julho, às 16h 46m, o advogado André Leão, que já integrou a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA) escreveu uma postagem no Twitter sobre situações ocorrendo no sistema penitenciário de Belém do Pará.

“Relatos de tortura ocorrendo no Complexo de Americano. Na Colônia Agrícola apenados e advogados relatam que os encarcerados são torturados por agentes prisionais, são obrigados a ficarem na luz solar mais tempo que o previsto e não podem olhar para o rosto dos servidores penais.”

Advogados paraenses e o Estado
Dr. André Leão. O advogado levantou dúvidas sobre a administração carcerária em um tuíte.

A partir daí começaram a chegar mais denúncias e informações de outros advogados, familiares de presos e de agentes prisionais. Detentos sofrendo torturas física e psicológica, assédios por parte de agentes DAS a advogados e a outros agentes prisionais concursados. 

Arquivos de vídeo e imagens, assim como os áudios de pedidos de intervenção legal, impressionam pela variedade de personagens envolvidos. Não são apenas os parentes dos reclusos, vítimas das torturas ainda cumprindo pena, mas também agentes prisionais implorando por uma intervenção surpresa de advogados e juízes para que estes apareçam no complexo de Americano sem aviso, pois só assim seria possível constatar a barbárie.

André conta que os relatos chegam há alguns dias e não só sobre a capital, mas também falam sobre irregularidades no interior do estado.

Ele conta que a SEAP está, “de alguma forma, dificultando até o atendimento dos próprios advogados junto aos internos”.

André continua:

“Inicialmente é preciso dizer que as famílias somente estão tendo acesso aos seus familiares presos por meio da teleconferência. Os advogados estão sim tendo acesso aos seus clientes, mas isso está sendo feito de forma completamente desordenada, a comunicação entre advogado e os apenados se resta prejudicada. Há relatos de falta de uso de máscaras no complexo e que há muitos presos com tuberculose, outros diversos problemas. Juízes não estão liberando a saída, mesmo com diagnóstico de risco para a Covid-19. A gente percebe que está acontecendo algo muito estranho com essas denúncias.”

André Leão e outros advogados, deram entrada em um protocolo junto ao Ministério Público do Pará pedindo averiguação de fatos e denúncias. O documento foi encaminhado por ele para Gilberto Valente Martins. Procurador Geral de Justiça.  Segue um trecho do documento:

Carta de repúdio

“Outros relatos versam sobre o envio de comida estragada aos encarcerados que estão em regime fechado. Além de espancamento por cacetete e gás lacrimogêneo em horários noturnos para todos os internos do Complexo. Práticas que precisam ser apuradas, investigadas e punidas caso sejam verdadeiras. Alguns servidores da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária relatam também perseguição e total descumprimento da Lei de Execução Penal por outros servidores e gerentes da instituição. Muitas denúncias não tiveram identificação das pessoas por medo de represálias pois são internos, familiares, advogados e até servidores da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária.”

O principal objeto de denúncias é Carlos Alex Valino Figueredo. Diretor do Centro de recuperação penitenciário do Pará 2 (CRPP 2). Capitão Valino do COPE, como é conhecido.

Manifestação dos agentes prisionais
Faixa colocada na frente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará por agentes prisionais em manifestação recente por direitos da classe.

O Capitão Alex Valino está sendo investigado pela Corregedoria geral penitenciária da SEAP por ações e iniciativas que vão de impedir que o almoço ou a janta sejam servidos, tiros de bala de borracha na cabeça de detentos, dificultar e impossibilitar a visita dos advogados com seus clientes.

No caso das denúncias da Dra. Herna Azevedo, advogada criminalista que vem sofrendo assédio, Alex Valino nega todas por não conseguir recordar se a advogada estava agendada para atender seus clientes. Ele não recorda os nomes de três detentos atingidos com balas de borracha, entre eles um atingido na cabeça, não recorda ter visto qualquer situação de tortura e maus tratos, nunca deu nenhuma ordem a qualquer dos agentes prisionais da área de segurança para bater, agredir ou torturar um detento.

Sistema prisional paraense
Complexo Penitenciário Santa Izabel

Outras denúncias são da utilização de gás lacrimogêneo de madrugada, presos obrigados a passar mais tempo tomando banho de sol, presas da unidade feminina sentando nuas em cima de formigueiros, espancamentos aleatórios na madrugada, retirada dos colchões das celas para que os detentos durmam na pedra (estrutura construída nos dormitórios onde são colocados os colchões) com o chão molhado, proibições como a de beber água por horas e a retirada de cadeiras de roda e muletas de presos incapazes de se locomover por apresentar situação de saúde frágil.

Após as denúncias, a Seap lançou duas notas de esclarecimento negando todas as denúncias como visto na matéria anterior.

Logo após a secretaria negar todas as denúncias, uma outra situação corrobora a crise administrativa penitenciária. O programa local da comunicadora Karol Resende, falando sobre as denúncias de tortura em Americano, é censurado e proibido de ir ao ar.

Censura. A política pública de Hélder Barbalho

Quem conta sobre o episódio de censura é a apresentadora que também é Presidente Estadual da Federação Nacional dos Comunicadores do Estado do Pará.

“Fui procurada pela Advogada Criminalista Herna Azevedo que me apresentou provas sobre as torturas nos presídios.”

Em uma live no Facebook, Karol Resende desabafa para seus seguidores sobre o episódio:

“Eu não imaginava que fosse esbarrar no que está acontecendo aqui no Estado do Pará. Estamos vivendo um estado fascista. Nós não podemos falar nada que envolva o Governador do Estado ou que respingue na imagem dele por cargos de indicação.”

Assédio, ataques pessoais e desrespeito ao Direitoe aos advogados

Herna Azevedo, advogada criminalista relata:

“As torturas estão acontecendo aos sábados. O próprio diretor tá fazendo as torturas aos fins de semana que é quando não tem advogado, ninguém da saúde e nem do administrativo.”

No programa que traria luz sobre a crise carcerária no estado do Pará, a advogada criminalista, Herna Azevedo, faria o relato sobre os casos de violência contra seus clientes.

Advogados paraenses e o Estado
A advogada criminalista, Dra. Herna Azevedo

A advogada nos contou sobre assédios que vem sofrendo ao visitar seus clientes assim como o impacto desse assédio por parte da SEAP em sua vida pessoal onde até seu marido foi usado como objeto para ameaças.

Ela conta que desde a intervenção está impossibilitada de ter acesso a seus clientes. Até seu marido, artista conhecido de Belém do Pará, foi usado como ameaça. O esposo de Herna vem sendo acusado de ser um criminoso faccionado. As tatuagens do marido da advogada foram citadas para outros advogados, que estavam em visita profissional, e relataram para Herna as conversas absurdas.

“Hoje me colocaram para falar com um cliente apenas. Cancelaram um monte de agendamentos meus. Mas porque me colocaram só com esse cliente?  Porque se porventura eu fale sobre algo que ocorreu lá esse cliente vai sofrer sanções né porque vão saber automaticamente que foi ele que me falou. Mas eu entrei com mandado de segurança pra poder falar com 17 clientes.”

Herna continua o relato agora sobre as torturas:

“Ele tava me falando que agora as torturas estão acontecendo aos sábados. O próprio diretor tá fazendo as torturas aos fins de semana que é quando não tem advogado, ninguém da saúde e nem do administrativo.

Ele os coloca pra fora do pavilhão dando borrifada de spray de pimenta, batendo nos dedos deles e agora ele falou que já sabe como torturar sem deixar marcas porque nos que deixaram marcas eu levei pro IML e foi feita a perícia neles. Agora ele pega a toalha molhada e afoga os presos. Tem um preso meu chamado Luan Williams Freire da Silva. Esse é o preso que mais sofre no CRPP2, tanto por parte do Capitão Valino quanto por parte do Chefe de Segurança Machado e pelos policias penais. Eu perguntei porque ele fazia isso com o detento Luan. Ele respondeu que se ele quisesse atrapalhar a vida do Luan ele podia. Ele ia canetar, encher o Luan de processos disciplinar penitenciário que atrapalha na progressão do preso.”

Ela reitera que o preso Luan corre risco de vida já que é o preso que é o mais torturado da Unidade CRPP2.

O desmonte dos Direitos Humanos e do Conselho Penitenciário

Juliana Fonteles, integrante do setor de Direitos Humanos da OAB, nos diz:

“Eles partiram pra cima da gente. Nos desrespeitaram e nos coagiram ao ponto de dizer que se ficássemos ali algo podia acontecer com a gente.”

Advogados paraenses e o Estado
Advogada Dra. Juliana Fonteles

Juliana Fonteles foi quem protagonizou essa luta como Presidente da Comissão dos Direitos Humanos através do Conselho Penitenciário do Estado na sua gestão. Juliana é filha de Paulo Fonteles, advogado sindicalista que foi morto na década de oitenta no período pós ditadura. Juliana é ameaçada de morte constantemente e tem seu telefone grampeado. Ela nos conta o esquema do Governador e de seu secretário da SEAP para desarticular a luta da Comissão de Direitos Humanos no Estado do Pará.

“É vergonhoso toda a esquerda do Pará estar calada pra essa crise Carcerária. PT, PSol e PCdoB. Isso me enoja. Ninguém quer defender preso porque não dá voto. A esquerda está calada na mão desse governador fascista.”

Esse governador nomeou como secretário de justiça dos Direitos Humanos o filho do inimigo histórico dos Direitos Humanos e maior representante da Bancada da Bala. Então o Direitos Humanos estava sendo desoxigenado e perseguido pelo fascista do Governador do Estado, o filho do Éder Mauro e pelo Jarbas Vasconcelos que leva uma rixa com a OAB Pará e comigo pra dentro da Secretária e transforma essa rixa em política pública contrariando órgãos importantes como o Ministério público Federal e o ministério público do estado. O Copen Pará não é só a Juliana Fonteles entende? São instituições que fazem parte da fiscalização da execução penal desse estado. Quando estourou Altamira eu já era presidente da Comissão dos Direitos humanos e já era presidente do Conselho Penitenciário do estado.

Sistema prisional paraense
Complexo Penitenciário Santa Izabel

A comissão de direitos humanos por lei não pode fazer inspeção carcerária, mas o Conselho Penitenciário pode. Existe a prerrogativa legal de entrar a qualquer hora em qualquer presídio. Quando fizemos ano passado a inspeção em Americano o procurador federal Dr. Ricardo Negrini ouviu um dos detentos que trabalhava no Sol afirmando na frente dos agentes que existia tortura e assim ele disse que precisaríamos fazer a oitiva dos presos.

Foi aí que se iniciou o assédio violento por parte dos agentes e pelo chefe da FTIP Maycon César Rottava que era secretário de assuntos penitenciários e que responde por ação de improbidade administrativa. Eles partiram pra cima da gente. Nos desrespeitaram e nos coagiram ao ponto de dizer que se ficássemos ali algo podia acontecer com a gente.

Em setembro de 2019 houve uma audiência judicial pra combater a violação da prerrogativa da OAB que permitia a fiscalização nos presídios por parte do COPEN assim como os advogados cerceados de entrar nos cárceres para atender seus clientes. Foi determinado que nós entrássemos. Quando foi em outubro o Governador Hélder Barbalho mandou uma lei a toque de caixa pro parlamento do Pará e a minha gestão foi golpeado. Era um mandato de 4 anos e independe de mudança de governo. Nesse ponto ele coloca a SEAP como membro que fiscaliza ela mesma. Nesse dia, na ALEPA foi uma guerra.

Dra. Juliana afirma:

“Todo o parlamento do Pará está comprado pelo governador com exceção de quatro deputados. Hélio Faustino, a Dra. Heloisa, o Thiago Araújo e a Marinor Brito. Então nesse dia lutamos pra que a SEAP não assumisse o Conselho Penitenciário do estado do Pará por que como é que a Secretaria vai assumir o Conselho que fiscaliza ela mesma? Em janeiro o Conselho Penitenciário deixa de existir. A sala foi fechada e as atividades foram encerradas. Há oito meses não existe fiscalização carcerária no estado. Nem o Governo do Estado e nem SEAP se pronunciaram após a divulgação da primeira matéria desta série produzida pelo Jornalistas Livres.”

A SEAP continua negando qualquer denúncia. Emitiu duas notas de esclarecimento com ameaças veladas aos advogados e vem investindo em anúncios publicitários que são veiculados em redes sociais como o twitter onde o conteúdo versa sobre o tratamento digno a que os reclusos são submetidos como instalações limpas e atendimento médico para reclusas grávidas.

Nota oficial
Grupo de advogados acompanhando Juliana para prestar depoimento. O medo de exercer a profissão entre a classe é constante.

Coincidentemente o investimento ocorreu logo após a divulgação da primeira matéria e da participação catastrófica de Jarbas Vasconcelos no Bom Dia Pará que vai ao ar pela TV Liberal.

Sistema prisional paraense
Condições de moradia e higiene em dormitórios sem colchões com superlotação.

Abaixo uma das falas que beira a realidade alternativa do secretário. Uma mostra pública de que o Governo do Estado ainda acredita que o autoritarismo com que eles vêm gerindo o estado ainda é um segredo:

“Você entrará no presídio e dará bom dia para os presos. Os presos darão bom dia pra você, cumprimentarão você. Uns estarão trabalhando, outros estarão estudando e outros estarão em diversas atividades que têm em todas as unidades prisionais durante o dia. Nós estabelecemos um programa que quer assegurar a Dignidade do preso.”

Jarbas Vasconcelos. Secretário de Administração Penitenciária do Estado em entrevista ao Bom dia Pará ao vivo.

Complexo Penitenciário Santa Izabel

Veja também o primeiro capítulo da série:

https://jornalistaslivres.org/tortura-os-campos-de-concentracao-do-estado-do-para/

Texto e fotos: João Paulo Guimarães

Continue Lendo

#EleNão

Os camisas negras de Bolsonaro

Publicadoo

em

Mais de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens foram submetidos ao assassinato e à tortura de forma programada pelos nazistas com o objetivo de exterminar judeus e outras minorias. Nos primórdios da Itália fascista, os camisas negras – milícias paramilitares de Mussolini – espancavam grevistas, intelectuais, integrantes das ligas camponesas, homossexuais, judeus. Quando a ditadura fascista se estabeleceu, dez anos antes da nazista, Mussolini impôs seu partido como único, instaurou a censura e criou um tribunal para julgar crimes de segurança nacional; sua polícia secreta torturou e matou milhares de pessoas. Em 1938, Mussolini deportou 7 mil judeus para os campos de concentração nazista. Sua aliança com Hitler na 2ª Guerra matou mais de 400 mil italianos.

Perdoem-me relembrar fatos tão conhecidos, ao alcance de qualquer estudante, mas parece necessário falar do óbvio quando ser antifascista se tornou sinônimo de terrorista para Jair Bolsonaro. Os direitos universais à vida, à liberdade, à democracia, à integridade física, à livre expressão, conceitos antifascistas por definição, pareciam consenso entre nós, mas isso se rompeu com a eleição de Bolsonaro. O desprezo por esses valores agora se explicita em manifestações, abraçadas pelo presidente, que vão de faixas pelo AI-5 – o nosso ato fascista – ao cortejo funesto das tochas e seus símbolos totalitários, aqueles que aprendemos com a história a repudiar. Jornalistas espancados pelos atuais “camisas negras” estão entre as cenas dessa trajetória.

A patética lista que circulou depois que o deputado estadual Douglas Garcia(PSL-SP) pediu que seus seguidores no Twitter denunciassem antifascistas mostra que o risco é mais do que simbólico. Depois do selo para proteger racistas criado pela Fundação Palmares, e das barbaridades ditas pelo seu presidente em um momento em que o mundo se manifesta contra o racismo, e que lhe valeram uma investigação da PGR, essa talvez seja a maior inversão de valores promovida pelos bolsonaristas até aqui.

A ameaça contida na fala presidencial e na iniciativa do deputado, que supera a lista macartista pois não persegue apenas os comunistas, tem o objetivo óbvio de assustar os manifestantes contra o governo e de açular as milícias contra supostos militantes antifas, dos quais foram divulgados nome, foto, endereço e local de trabalho.

É a junção dos “camisas negras” com a Polícia Militar, que já se mostrou favorável aos bolsonaristas contra os manifestantes pela democracia no domingo passado em São Paulo e no Rio de Janeiro. E que vem praticando o genocídio contra negros impunemente no país desde sua criação, na ditadura militar, muitas vezes com a cumplicidade da Justiça, igualmente racista.

Como disse Mirtes Renata, a mãe de Miguel, o menino negro de 5 anos que foi abandonado no elevador pela patroa branca de sua mãe, mulher de um prefeito, liberada depois de pagar fiança de R$ 20 mil reais, “se fosse eu, a essa hora já estava lá no Bom Pastor [Colônia penal feminina em Pernambuco] apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”. Irresponsável. Note a generosidade de Mirtes com quem facilitou a queda de seu filho do 9º andar.

Neste próximo domingo, os antifas vão pras ruas. Espero não ouvir à noite, na TV, que a culpa da violência, que está prestes a acontecer novamente, é dos que resistem como podem ao autoritarismo violento. Quem quer armar seus militantes, e politizar forças de segurança pública, está no Palácio do Planalto. É ele quem precisa desembarcar. De preferência de uma forma mais pacífica do que planejam os fascistas para mantê-lo no poder.

Por: Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

Continue Lendo

#EleNão

A quem interessa ser profeta do caos?

Publicadoo

em

Por Jacqueline Muniz, Ana Paula Miranda e Rosiane Rodrigues
Imagens de autoria dos Jornalistas Livres, capturadas em protestos, no último final de semana, em São Paulo e na França
A advertência de não realização de manifestações políticas, fundada no medo e na promoção do pânico social, é um atentado à democracia, uma forma de extorsão de poderes, de dirigismo monopolista das pautas plurais e das reivindicações divergentes de sujeitos que são diversos em cor, classe, renda, gênero, orientação sexual, instrução, etc. A advertência sob a forma de ameaça produz paralisia decisória de lideranças, imobilismo social e lugares resignados de fala, que seguem aprisionados nas redes sociais, na política emoticon do “estamos juntos” até o próximo bloqueio, diante da comunhão de princípios com diferença de opiniões: “você deve ir ao shopping, mas não a passeata”.
A fabricação de conjecturas apocalípticas e suposições catastróficas com roupagem analítica é um recurso de persuasão de via única, impositiva, que aponta para um sentido hierárquico e, até mesmo autoritário, de quem se acha portador de uma verdade ‘revelada’ sobre os atos políticos e de uma razão superior sobre os fatos da política. A fala profética é uma fala moralista, ilusionista, que, por meio do uso da fé e do afeto, inocula nas pessoas uma culpa antecipada por suas escolhas para desqualificar seus arbítrios e fazê-las rebanho dependente de um guia despachante do juízo final. Este projeto de poder necessita fazer crer que o pessimismo visionário e proselitista é mais real que a própria realidade vivida e que deve fazer parte do cálculo das ovelhas boas e más, dos aliados e opositores de ocasião. A fala profética serve aos senhores da paz, da guerra e do mercado, sem distinção. É um jogo ardiloso do ganha ou ganha em qualquer circunstância ou resultado obtido.
A quem interessa ser o profeta do caos? Ao próprio profeta que, inventor do jogo do quanto pior melhor, sacrifica seus seguidores feito gado, gasta a tinta das representações com seu próprio manifesto e promove a tensão entre espadas para se manter como o grande  conselheiro conciliador.  
Os profetas do caos são como uma fênix que ressurgem da crise que criam. Eles se apresentam como proprietários das representações políticas, à direita ou à esquerda, em cima e embaixo. Eles se oferecem como mediadores dos conflitos que provocaram, como tradutores intérpretes na Torre de Babel que criaram entre nós.  A ameaça (do caos, da morte e do cerceamento da liberdade) não serve como advertência. Os profetas do caos produzem o medo, moeda de troca fundamental para a construção de milícias, para vender os seus remédios (previsíveis, amargos e inócuos). Para eles, não importa se os doentes morrem ou vivem, o que importa é que, doentes ou não, consumam suas previsões do passado.
É notório que as polícias no Brasil têm tradição em policiar eficazmente o entretenimento lucrativo dos blocos de carnaval, shows e aglomerações em campeonatos de futebol. Nesses casos, sua atuação se dá na manutenção do status quo dos públicos, constituída a partir das atividades de contenção e dispersão das multidões. Já para o controle de pessoas que ocupam o espaço público sob a forma de protestos de todos os matizes políticos, apesar de ser um fenômeno relativamente recente e não haver protocolos policiais escritos e validados, sabemos que esses eventos se tornam encenações, nas quais janelas são abertas para oportunistas de todas as ordens, para acertos de contas da polícia dos bens com a polícia do bem, incluindo os ‘caroneiros’ de manifestação que comparecem por motivos completamente alheios às pautas dos protestos.
Nesses espetáculos públicos que encenam os jogos da política aprendemos coisas muito básicas, sejamos nós manifestantes ou espectadores: sempre haverá a presença de agentes infiltrados (que ajudam na contenção) e de provocadores, para providenciar a dispersão. A infiltração de agentes de inteligência por dentro dos movimentos sociais remonta uma antiga estratégia estadunidense da década de 1960. Ou seja, muito antes do surgimento dos Black Bloc. Nos últimos 60 anos, acumulou-se um aprendizado sobre o uso do espaço
público relativo ao círculo do protesto (aglomeração, deslocamento,  ato de encerramento e dispersão) que permite que os movimentos saibam lidar com esses elementos internos. 
Neste mesmo período aprendemos, também, que o que torna legítimo um protesto não é a quantidade de indivíduos reunidos em um território específico por um período de tempo determinado, mas os modos de ocupação do espaço público e a construção coletiva de uma agenda política que os mobilize e tenha impacto na sociedade. A produção de dossiês intimidatórios, com a participação de agentes públicos, também não é novidade. Os constrangimentos da exposição de dados acabam por jogar na lama do “tribunal digital” os adversários, fortalecendo a promoção de linchamentos virtuais, de direita ou de esquerda.
O governo Bolsonaro não é o único que tem disseminado o medo para sabotar os mecanismos de cooperação e mobilização sociais, substituindo práticas de coesão por coerções e cruzadas moralistas vindas de cima, de baixo e ao redor. Discursos do medo contra ou a favor de Bolsonaro são péssimos conselheiros porque dão a #Elenão um tamanho e uma agilidade política irreal, retirando-o do isolamento político em que se encontra para nos fazer acreditar que, quando chegarmos às ruas, imediatamente um cabo e um soldado fecharão o Congresso, o STF e tirarão as emissoras e os portais de internet do ar. O medo transforma Bolsonaro num bicho papão, num monstro mítico incontrolável que atira hordas de zumbis (com cabelos tingidos de acaju) contra todos nós.
O medo disseminado faz com que as pessoas vejam gigantes onde há sombras e abram mão de seus direitos e garantias em favor de um ‘libertário do agora’ que prometa proteção. Mas o profeta-liberador de hoje será o seu tirano de amanhã!
O rigor científico não permite que nós, pesquisadores, determinemos como os movimentos sociais devem se comportar, nem que sejam pautados por oráculos que anunciam profecias que se autorrealizam. A contemporaneidade produziu os ativismos acadêmicos, mas eles não devem substituir jamais a liberdade dos sujeitos de decidir suas agendas, nem servir de chofer dos movimentos sociais em direção à “Terra sem Males”, um mundo idílico sem conflitos e, por sua vez, sem a política. A ciência pode contribuir com diagnósticos da realidade e oferecer alternativas que considerem, inclusive, que a negação dos conflitos monopoliza o debate e as representações, obscurecendo as negociações dos interesses em disputa. Quando a decisão científica está acima da pactuação social ela deixa de ser ciência e passa a ser doutrina, retira da sociedade a responsabilidade pelas escolhas que faz, para o bem e para o mal.
Ao  olharmos a história vemos que os discursos de “lei e ordem” são utilizados sempre a serviço dos interesses do Estado e seus grupos de poder. Viver sob o jugo da espada não é novidade para as pessoas para quem o isolamento social é uma prisão histórica dos direitos de cidadania, e não um privilégio de classes. A juventude, principalmente a negra, conhece de perto a violência policial, e sabe que nem em casa está protegida.
Sobre as autoras do texto: 
JACQUELINE MUNIZ,antropóloga, professora da UFF.
ANA PAULA MIRANDA, antropóloga, professora da UFF
ROSIANE RODRIGUES, antropóloga, pesquisadora do INEAC/UFF.

Continue Lendo

Trending