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Golpe

#Paris: Na cidade das luzes, o Brasil está no centro do debate!

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Por Bruno Falci e Karina Morais, de Paris, Especial para o Jornalistas Livres

A última semana em Paris (15 a 21 de setembro) foi bastante intensa no que se refere ao debate acerca da conjuntura política no Brasil. O Jornalistas Livres acompanhou essa agenda e, hoje, destacamos alguns dos acontecimentos que se inserem nesse debate, ora centralizando as discussões em torno do Brasil, ora dialogando com as pautas que borbulham na efervescência do nosso cenário político. Em todas os eventos subimos conteúdos exclusivos, que nossos leitores podem retomar ao visitar nossa página. De todo modo, comprometidos com a circulação dessas informações, sintetizamos aqui o que acompanhamos dessa semana tão intensa na cidade mais visitada do mundo.

Festa da Humanidade

Nos dias 13, 14 e 15, aconteceu a Fête l’Humanité, um dos maiores festivais de esquerda da Europa, organizado pelo Partido Comunista Francês (PCF), por onde circulam cerca de 600 mil pessoas. O evento reúne partidos e organizações do mundo todo, que se encontram para debater temas importantes que envolvem a micro e a macropolítica, bem como celebrar a resistência, envolvidos por shows, performances, exposições e uma diversidade de opções gastronômicas. A festa ocorre há 84 anos e, nesta edição, a ex-presidenta Dilma Rousseff foi convidada de honra. Além de participar da cerimônia de encerramento, com um aclamado discurso sobre a democracia no Brasil, Dilma estampou também a capa do jornal l’Humanité, que informava sua presença em defesa da liberdade de Lula. E não é a primeira vez que uma liderança do Partido dos Trabalhadores é destaque do jornal. Lula protagonizou o editorial do l’Humanité por duas vezes e por duas vezes figurou na capa, sendo que a de maior repercussão o destacava enquanto candidato ao Prêmio Nobel da Paz.

Para além da presença da primeira mulher eleita à presidência no nosso país – impedida de terminar seu mandato por conta da articulação de um golpe extremamente machista e misógino – o debate sobre o Brasil se expressou de várias formas ao longo do festival: por meio de intervenções artísticas em defesa de Lula Livre, por meio de faixas e cartazes em vários estandes de outros países e por meio de debates que se voltavam à discutir o avanço da ultradireita no Brasil e a consequente perda de direitos das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros.

 

https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/439439976672392/

Veja a cobertura feita do grande espaço da fête de L´Humanite pelos Jornalistas Livres.

Em roda de conversa sobre a sucessão de golpes e sanções contra a América Latina, dado o avanço do imperialismo sobre nossos povos e territórios, dirigentes de diversos partidos de esquerda se colocaram solidários ao povo brasileiro pelo sistemático desmonte nas políticas sociais, sucateando a saúde, a educação e precarizando as condições de trabalho e de vida. Representantes dos partidos comunistas da Venezuela, da Colômbia, do Peru e da França enviaram saudações ao Brasil, por meio do Jornalistas Livres. Confira:

 

 

O estande France Amerique Latine, além do Comitê de Paris, dividia espaço também com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), com a Frente Brasil Popular (FBP), com o Comitê Libérez Lula e com uma banca da campanha das argentinas pela legalização do aborto. Disponível estava o abaixo-assinado pela anulação dos julgamentos de Lula, que se somarão a outras 96562 assinaturas arrecadadas em plataforma online. Walter Sorrentino, presidente do PCdoB, discursou acerca da importância da liberdade de Lula dentro do processo democrático e foi também neste espaço que o Coletivo Xote interviu com música, dança e performances, denunciando a ruptura democrática com a prisão política de Lula.

Depoimento de Diana Daros, do Setor de Educação do MST e coordenadora pedagógica do Instituto de educação Josué de Castro (uma escola do MST).

 

https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/2438581336232197/

Apresentação do Coletivo Xote

Dilma na Sorbonne

Cá desse lado do Atlântico, a agenda de Dilma Rousseff foi bastante concorrida. Logo na sequência, a ex-presidenta fez uma longa e disputada conferência na Universidade Paris-Sorbonne (Paris IV), que ocorreu no último 17 de setembro, sob o título: “O Brasil é o país do futuro? Juventude, educação e democracia”. Foi a primeira fala da presidenta após a aparição pública de Michel Temer que confessou ter participado da articulação do golpe, que a impediu de terminar seu mandato.

Veja a Fala de Dilma Rousseff abaixo

 

Logo na primeira fileira, Marcia Tiburi, filósofa, candidata a deputada federal nas últimas eleições pelo Partido dos Trabalhadores e que se autoexilou por conta de ameaças, ressaltou a importância do pronunciamento de Dilma naquele momento:

 

 

No dia seguinte, em 18 de setembro, ocorreu outra conferência com a ex-presidenta Dilma, no Instituto Superior de Relações Exteriores (IRIS), com o eixo “Crise do sistema mundial: quais são as perspectivas democráticas?”, dando continuidade ao debate acerca da defesa da democracia no Brasil e no mundo.

 

https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/707520256428968/

Fala da Dilma Rousseff no IRIS (Parte 1)

 

https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/1390650461091836/

Fala da Dilma Rousseff no IRIS (Parte 2)

Entre tantas atividades, duas grandes manifestações ocorreram em Paris. Uma, do Coletes Amarelos e, no mesmo dia, em 21 de setembro, pela Greve Climática. Essa segunda responde a uma ação global, em que diversos países organizaram greves, atos e atividades na perspectiva de chamar a atenção para as alterações climáticas no mundo todo, e que diz respeito diretamente aos abusos do mercado, bem como dos governos que não cumprem acordos internacionais de sustentabilidade. Nesse sentido, o debate acerca do que ocorre hoje na Amazônia é central e foi tema também aqui. O “Dia do Fogo”, em que latifundiários, madeireiras e grileiros atearam fogo em diversas áreas da Amazônia, estimulados pelos pronunciamentos públicos e a postura conivente de Jair Bolsonaro, é pauta no mundo todo e reforça o quanto a comunidade internacional reprova essa ação criminosa, que segue dizimando comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Além, é claro, de impor um problema de outra ordem: as propostas dos países imperialistas de intervenção estrangeira e armada na Amazônia. O fato é: no Brasil, na França e no mundo, a Amazônia é a pauta da vez.

https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/451165458837385/

Coletes Amarelos são violentamente reprimidos pela policia de Emanuel Macron, veja a cobertura do confronto feita pelos Jornalistas Livres

Primeiro dia de Greve Climática em Paris. Um grande ato reuniu dezenas de milhares de pessoas que caminharam da Place de la Nation  até Bercy onde atividades, discursos e debates aconteceram ao longo do dia.

Depoimento de Célia Xakriabá, liderança indígena brasileira, que é uma das participantes em destaque da greve climática em Paris.

https://www.instagram.com/p/B2pAe_7BR9X/?igshid=nkbsdi9ennqw

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Segundo dia de greve climática em Paris segue reunindo dezenas de milhares de pessoas.

Nas ruas, nas redes e na academia

Essa semana ocorreu também, entre 18 e 21 de setembro, o Seminário Internacional ABRE Paris (Associação de Brasilianistas na Europa), reunindo pesquisadores do mundo todo, em especial da comunidade europeia, que se dedicam a estudar o Brasil, a partir de diversas áreas e temáticas. O evento ocorreu na École des Hautes Études en Sciences Sociales e contou com uma mesa dedicada especificamente ao debate sobre a nova direita no Brasil. Também integrou a programação do evento a inauguração, em Paris, do Jardin Marielle Franco, que ocorreu no último sábado e contou com a presença da família de Marielle (mãe, pai e filha), de sua antiga chefe de gabinete e amiga de infância do Complexo da Maré, a deputada da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Renata Souza (PSOL), a filósofa auto exilada e ex-candidata a governadora no Rio de Janeiro, Marcia Tiburi (PT), a liderança indígena Célia Xakriabá, além de alguns vereadores de Paris, representando a prefeitura. Dezenas de pessoas vieram acompanhar a inauguração e uma enorme fila de pessoas de diversas partes do mundo se formou na entrada do jardim. Por todos os lados, plaquinhas informando que Marielle foi assídua defensora dos direitos humanos. Marielle Franco era vereadora no Rio de Janeiro pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e seu assassinato ocorreu 14 dias após ser nomeada relatora da Comissão que iria acompanhar a intervenção militar no Rio de Janeiro e 04 dias depois de ter denunciado a violência policial na comunidade de Acari, comunidade na Zona Norte do Rio de Janeiro. Sua morte segue sem respostas, mas com inúmeros indícios de que se trata de mais uma vítima da política do extermínio promovida pelo fascismo que hoje avança no Brasil.

depoimentos da Mãe e do Pai de Marielle Franco.

Depoimento de Renata Souza, deputada Estadual do PSOL no Rio de Janeiro, ex-chefe de gabinete de Marielle Franco.

Depoimento exclusivo de Célia Xakriabá , liderança indígena brasileira

Depoimento da filosofa Márcia Tiburi.

Depoimento do vereador de Paris, Hermano Sanches Ruivo, do Partido Socialista Francês, representante da Prefeitura, quer saber quem mandou matar Marielle Franco.

https://www.instagram.com/tv/B2sTLRUhTe_/?igshid=ub7gbp68a0vr

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nós, Jornalistas Livres, temos acompanhado atentamente os debates que envolvem o Brasil e a América Latina, cá no dito “Velho Mundo”. Essa semana em Paris, mais uma vez, reafirma o quanto se faz presente entre a comunidade internacional as discussões acerca das rupturas democráticas que vem sendo praticadas no Brasil, promovidas por um governo ilegítimo e que só se sustenta por meio de golpes e uma sucessão de medidas de austeridade. A compreensão de que Lula é um preso político e, portanto, não há democracia no Brasil enquanto seu processo não for anulado, é amplamente defendido por aqui. Em todos os eventos em que participamos, parece consensual a leitura de que Lula foi impedido de disputar as eleições por se tratar da maior liderança de esquerda no Brasil, capaz de polarizar com a direita e barrar o projeto do golpe. São questões que seguem em pleno vapor não só entre a militância organizada, mas também entre os parlamentares europeus, a sociedade civil e a comunidade científica. Hoje, somos manchete no mundo, mas as notícias que circulam não são de tempos prósperos. Por outro lado, revelam a construção de respostas coletivas que cada vez mais internacionalizam o debate sobre o que ocorre hoje em nosso país. 

 

Mãe e Pai de Marielle Franco na Inauguração do Jardim. Foto: Bruno Falci / Jornalistas Livres

Jardim Marielle Franco, Paris. Foto: Karina Morais / Jornalistas Livres,

 

Inauguração do Jardim de Marielle Franco em Paris. Foto: Bruno Falci / Jornalistas Livres

#LulaLibre #LiberezLula #MarielleVive

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Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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#EleNão

EDITORIAL – HOJE É DIA DE LUTO! PERDEMOS O MENINO GABRIEL

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Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Perdemos um camarada valoroso, um menino negro encantador de feras, um sorriso no meio das bombas e da violência policial, um guerreiro gentil que defendeu com unhas e dentes a Democracia, a presidenta Dilma Rousseff durante todo o processo de impeachment, e o povo brasileiro negro e pobre e periférico, como ele.

Gabriel Rodrigues dos Santos era onipresente. Esteve em Brasília, na frente do Congresso durante o golpe, em São Paulo, nas manifestações dos estudantes secundaristas; em Curitiba, acampando em defesa da libertação do Lula. Na greve geral, nas passeatas, nos atos, nos encontros…

O Gabriel aparecia sempre. Forte, altivo, sorrindo. Como um anjo. Anjo Gabriel, o mensageiro de Deus

Estamos tristes porque ele se foi hoje, no Incor de São Paulo, depois de um sofrimento intenso e longo. Durante três meses Gabriel enfrentou uma infecção pulmonar que acabou levando-o à morte.

Estamos tristíssimos, mas precisamos manter em nossos corações a lembrança desse menino que esteve conosco durante pouco tempo, mas o suficiente para nos enriquecer com todos os seus dons.

Enquanto os Jornalistas Livres estiverem vivos, e cada um dos que o conheceram viver, o Gabriel não morrerá.

Porque os exemplos que ele deixou estarão em nossos atos e pensamentos.

Obrigada, querido companheiro!

Tentaremos, neste infeliz momento de Necropolítica, estar à altura do Amor à Vida que você nos deixou.

 

 

Leia mais sobre quem foi o Gabriel nesta linda reportagem do Anderson Bahia, dos Jornalistas Livres

 

Grande personagem da nossa história: Gabriel, um brasileiro

 

 

 

 

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Golpe

Presidência cavalga para fora dos marcos do Estado de Direito

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Por Ruy Samuel Espíndola*

O Governo, num Estado de Direito, deve ser eleito, e, depois de empossado, deve ser exercido de acordo com regras pré-estabelecidas na Constituição. Essas são as regras do jogo, tanto para a tomada do poder, quanto para o seu exercício, como ensina Norberto Bobbio. Governo entendido aqui como o conjunto das instituições eletivas, representadas por seus agentes políticos eleitos pelo voto popular. Governo que, numa República Federativa e Presidencialista como a brasileira, é exercido no plano da União Federal, pela chefia do Executivo, pela Presidência da República e seus ministros, como protagonistas e pelo Congresso Nacional, com os deputados federais e senadores, como coadjuvantes.

Ao Governo, exercente máximo da política, devem ser feitas algumas perguntas, para saber de sua legitimidade segundo o direito vigente: quem pode exercê-lo e com quais procedimentos? Ao se responder a tais questões, desvela-se o mote que intitula este breve ensaio.

Assim, pode-se dizer “Governo constitucional” aquele eleito segundo as regras estabelecidas na Constituição: partido regularmente registrado, que, em convenção, escolheu candidato, que, por sua vez, submetido ao crivo do sufrágio popular, logrou êxito eleitoral. Sufrágio que culminou após livre processo eleitoral, no qual se assegurou, em igualdade de condições, propaganda eleitoral e manejo de recursos para a promoção da candidatura e de suas bandeiras, e que não sofreu, ao longo da disputa, nenhum impedimento ou sanção do órgão executor e fiscalizador do processo eleitoral: a justiça eleitoral. Justiça que, através do diploma, habilita, legalmente, o candidato escolhido nas urnas, a se investir de mandato e exercê-lo. Um governo constitucional, assim compreendido, merece tal adjetivação jurídico-politica, ainda que durante o período de campanha ou antes ou depois dele, o candidato e futuro governante questione o processo de escolha, coloque em dúvida sua idoneidade, ou mesmo diga que não estará disposto a aceitar outro resultado eleitoral que não o de sua vitória, ou, após conhecer o resultado da eleição, diga que o conjunto de seus adversários podem mudar para outros países, pois não terão vez em nossa Pátria e irão para a “ponta da praia” .

O Governo constitucional, sob o prisma de seu exercício, após empossado, é aquele que respeita a mínimas formas constitucionais, enceta suas políticas mediante os instrumentos estabelecidos na Constituição: sanciona e publica leis que antes foram deliberadas congressualmente; dá posse a altas autoridades que foram sabatinadas pelas casas do congresso; não usa de sua força, de suas armas, a não ser de modo legítimo, respeitando a oposição, as minorias e os direitos fundamentais das pessoas e de entes coletivos; administra os bens públicos e arrecada recursos públicos de acordo com a lei pré-estabelecida, sem confisco e de modo impessoal; acata as prerrogativas do Judiciário e do Legislativo, ainda que discorde ou se desconforte com suas decisões; prestigia as competências federativas, tanto legislativas, quanto administrativas, etc, etc. Promove a unidade nacional, em atitudes, declarações públicas e políticas concretamente voltadas a tal fim.

O “Governo constitucionalista”, por sua vez, além de ascender ao poder e exercê-lo, tendo em conta regras constitucionais, como faz um governo constitucional, defende o projeto constitucional de Estado e Sociedade, através do respeito amplo, dialógico e progressivo do projeto constituinte assentado na Constituição. Respeita a história política que culminou no processo reconstituinte e procura realizá-lo de acordo com as forças políticas e morais de seu tempo, unindo-as, ainda que no dissenso, através da busca de consensos mínimos no que toca ao projeto democrático e civilizatório em constante construção sempre inacabada. E governo constitucionalista, no Brasil, hoje, para merecer esse elevado grau de significação político-democrática e civilizatória, precisa respeitar a gama de tarefas e missões constitucionais descritas em inúmeras normas constitucionais que tutelam, entre outros grupos sociais, os índios, os negros, os LGBT, os ateus, os de inclinação política ideológica à esquerda, ou a à direita, ou ao centro, sem criminalização ou marginalização no discurso público de quaisquer tendências ideológicas. É preciso o respeito ao pluralismo político e aos princípios de uma democracia com níveis de democraticidade que não se restringem ao campo majoritário das escolhas políticas, mas, antes, se espraiam para as suas dimensões culturais, sociais, econômicas, sanitárias, antropológicas e sexuais etc, etc.

Governos que ascenderam sem respeito a normas constitucionais, como foi o de Getúlio Vargas em 1930 e o que depôs João Goulart em 1964, são inconstitucionais. E governo que se exerce fechando o congresso e demitindo ministros do STF, como se fez em 1969, com a aposentação compulsória dos ministros da Corte Suprema Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal, são governos inconstitucionais, arbitrários, autocráticos, fora do projeto civilizatório e democrático de 1988.

O ponto crítico de nosso ensaio é que um governo pode ascender de modo constitucional, mas passar a ser exercido de modo inconstitucional e/ou de modo inconstitucionalista. O governo do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é um exemplo deste último e exótico tipo: consegue ser inconstitucional e inconstitucionalista no seu exercício, embora investido de maneira constitucional.

E o conjunto de declarações da reunião ministerial de 22/4, dadas a conhecer em 22/5, é um exemplo recente a elucidar nossa asserção: na fala presidencial, a violação ao princípio da impessoalidade (art. 37, caput, CF) ressoa quando afirma que deseja agir para que familiares seus e amigos não sejam prejudicados pela ação investigativa de órgãos de segurança (polícia federal). Na fala do ministro da Educação, quando afirma “que odeia” a expressão “povos indígenas” e os “privilégios” garantidos a esses no texto constitucional, o que indica contrariar o constitucionalismo positivado nos signos linguístico-normativos “população”, “terras”, “direitos”, “língua”, “grupos” e “comunidades indígenas”, constantes nos artigos 22, XIV, 49, XVI, 109, XI, 129, V, 176, § 1º, 215, § 1º, 231, 232 da CF e 67 do ADCT. Essa fala ministerial, aliás, ressoa discurso de campanha de 2018, quando o então candidato disse, no clube israelita de São Paulo: “No meu governo, não demarcarei nenhum milímetro de terras para indígenas. Também há inconstitucionalismo evidente na fala do Ministro do Meio Ambiente quando defendeu que se fizessem “reformas infralegais” “de baciada”, “para passar a boiada”, “de porteira aberta”, no momento em que o País passa pela pandemia de covid-19, pois o foco de vigília crítica da imprensa não seria o tema ambiental, mas o sanitário e pandêmico, o que facilitaria os intentos inconstitucionalistas contra a matéria positivada nos arts. 23, VI, 24, VI e VII, 170, VI, 174, § 3º, 186, II, 200, VII, 225 e §§ da CF.

Outras falas e atitudes presidenciais ainda mais recentes, e de membros do governo, contrastam com as normas definidoras da separação de poderes, da federação e da democracia, princípios fundamentais estruturantes de nossa comunidade política naciona. A nota do general Augusto Heleno, chefe do GSI, ao dizer que eventual requisição judicial do celular presidencial pelo STF, levaria à instabilidade institucional, traz desarmonia e agride ao artigo 2º, caput, da Constituição Federal. “Chega, não teremos mais um dia como hoje” e “Decisões judiciais absurdas não se cumprem”. Essas falas presidenciais, após o cumprimento de mandados judiciais no âmbito do inquérito judicial do STF, ordenados pelo Ministro Alexandre Moraes, agridem o mesmo dispositivo constitucional, com o agravante do artigo 85, II e VIII, da CF, que positiva ser crime de responsabilidade do presidente atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário. E o atentado contra a democracia poderia ser também destacado na fala do filho do Presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro, que declarou estarmos próximos de uma ruptura e que seu pai seria chamado, com razão, de ditador, a depender das atividades investigativas do judiciário, tomadas como agressões ao governo de seu genitor. E o atentado contra a federação se evidencia nas falas presidenciais contra os governadores e prefeitos que estão a tomar medidas sanitárias no combate a covid-19, em que o presidente objetiva desacreditá-los e incitar suas populações contra esses chefes dos executivos estaduais e municipais, para que rompam o isolamento social, com agressão patente aos artigos 1º e 85, II, da Constituição. Os ataques diários aos órgãos de imprensa e a jornalistas, assim como sua atitude contra indagações de repórteres, também afrontam o texto da constituição da República: 5º, IX e XIV, 220 §§ 1º e 2º, protegidos pelo art. 85, III, da CF.

Em nossa análise temporalmente situada e teoricamente atenta, o conjunto de declarações públicas conhecidas do então deputado federal Jair Bolsonaro, desde seu primeiro mandato parlamentar, alcançado em 1990, portanto após o marco constitucional de 1988, embora constituam falas inconstitucionais e inconstitucionalistas, não servem para descaracterizar a “constitucionalidade” de sua eleição em 2018. Embora ainda reste, junto ao TSE, o julgamento de ação de investigação judicial eleitoral por abuso dos meios de comunicação social, que poderão ganhar novos elementos de instrução resultantes da CPI no Congresso sobre fake news e do inquérito judicial do STF com objeto semelhante. Sua eleição presidencial se mantém válida, assim como sua posse, enquanto essa ação eleitoral não for julgada definitivamente  pela Suprema Corte eleitoral brasileira.

Algumas de suas falas públicas inconstitucionalistas e inconstitucionais pré-presidenciais devem ser lembradas: “Erro da ditadura foi torturar e não matar”; “O Brasil só vai mudar quando tivermos uma guerra civil, quando matarmos uns trinta mil, não importa se morrerem alguns inocentes”; “Os tanques e o exército devem voltar às ruas e fechar o congresso nacional”, etc. E durante o processo eleitoral de 2018, falas inconstitucionalistas também foram proferidas: “No meu governo, não demarcarei um milímetro de terras para indígenas”. “O Brasil não tem qualquer dívida com os descendentes de escravos. Nossa geração não tem culpa disso, mesmo porque os próprios negros, na África, escravizavam a si mesmos”, entre outras.

A resposta a nossa indagação: embora tenhamos um governo eleito de modo constitucional – até decisão final do TSE -, ele está sendo exercido de modo inconstitucional e de modo inconstitucionalista. A Presidência da República atual, caminha, inconstitucionalmente para fora do marco do Estado de Direito. E o passado pré-presidencial do presidente da República demonstra que o seu inconstitucionalismo governamental não é episódico e sim coerente com toda a sua linha de pensamento e ação desde seu primeiro mandato parlamentar federal.

  • Advogado – mestre em Direito UFSC Professor de Direito Constitucional – Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SC – Membro Consultor da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB – Imortal da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cadeira 14, Patrono Advogado Criminalista Acácio Bernardes. 

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