Os sem-teto vão para cima do Alckmin

Fotos: Lina Marinelli

Por Laura Capriglione e Lina Marinelli, especial para os Jornalistas Livres


Foi vitoriosa a ação de cerca de 600 famílias de trabalhadores sem teto, que ocuparam desde as primeiras horas da madrugada de segunda-feira (26/10) o emblemático terreno conhecido como “Quadrilátero”, encravado no bairro da Luz, centro de São Paulo, onde funcionou a antiga rodoviária de São Paulo.

O terreno, 18 mil metros quadrados, que foi desapropriado pelo governador José Serra visando à construção de um centro cultural (ainda no papel) com teatro e escola de dança, encontra-se abandonado desde 2010, sem qualquer movimentação de obras. E foi nele que os sem-teto miraram, como forma de forçar a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, empresa do Governo Estadual, vinculada à Secretaria da Habitação, a estabelecer negociação com a Frente de Luta pela Moradia, FLM.

Chovia às 5h, momento em que os sem-teto quebraram os cadeados do portão principal do terreno. O chão de terra e areia, logo se veria, tinha se transformado em um gigantesco lamaçal pelo aguaceiro que caía sobre a cidade. Os sem-teto chafurdavam naquele pântano, construindo grandes barracas de lona para proteger as famílias, muitas crianças incluídas.

A vizinhança acompanhava atenta à movimentação dentro do “Quadrilátero”. A dançarina aposentada Octacília de Andrade, de 85 anos, puxou conversa. Ela diz que paga R$ 70 de diária em uma das espeluncas que atendem pelo nome de “hotel” ali na rua dos Andradas. Dá R$ 2.100 por mês com direito a roupa lavada e café da manhã no boteco encardido que fica logo embaixo. Água e luz incluídos. “Um apartamento popular seria minha chance de comprar umas roupinhas e sapatos novos”, disse. Apesar da chuva e do frio da madrugada, Octacília calçava apenas chinelos de dedo.

Trata-se de uma situação que a FLM conhece muito bem. Na carta aberta que distribuiu à população, o movimento de moradia explica:

“O violento aumento do preço dos aluguéis impede a locação de qualquer espaço para moradia de nossas famílias. Qualquer cômodo precário custa entre R$ 800 e R$ 1.000,00, enquanto nossos rendimentos não acompanharam a escalada desses preços. Agrava a situação ainda o aumento extorsivo do custo de água e da luz. Se pagamos o aluguel, não comemos e se comemos não pagamos o aluguel.”

Também os usuários de crack foram ver a agitação dentro do “Quadrilátero”. Mas nada de acender por ali os cachimbos com a pedra –os seguranças da FLM não permitiam. “Aqui tem criança. Precisamos protegê-las”, disse um dos militantes parrudos, encarregados da guarda da portaria.

À tarde, as dirigentes da FLM, Carmen Silva Ferreira, Ivaneti de Araújo e Jomarina Abreu Pires da Fonseca foram recebidas pela CDHU. Saíram comemorando o atendimento habitacional e emergencial a 300 famílias do “Quadrilátero”; a inclusão das famílias de sem-teto que se encontram cadastradas na Prefeitura nos programas habitacionais da CDHU; a possibilidade de o movimento indicar prédios desativados para a compra direta pela CDHU, visando ao seu restauro e rápida transformação em moradia popular. E uma nova reunião no dia 4 de novembro com a Secretaria Estadual de Habitação já está marcada.

Satisfeitos com os avanços obtidos, os ocupantes deixaram o “Quadrilátero” às 18h, depois de uma assembleia. Como reza a mística dos sem-teto, saíram gritando seu mantra: “Quem não luta tá morto!”

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