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América Latina e Mundo

“Oposição terrorista faz plebiscito para impulsionar luta contra Maduro”

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De Caracas, para os Jornalistas Livres

Desde abril deste ano, a oposição venezuelana tem promovido protestos diários nas principais cidades do país, que invariavelmente terminam em violência e depredação. Já se conta em mais de uma centena os mortos em episódios de barbárie que incluem dois queimados vivos, um linchamento, um degolado, oito eletrocutados em saques, além de seis soldados e policiais das forças de segurança assassinados.

Mas não há mal que não possa piorar. O presidente Nicolás Maduro Moros, chefe do governo da Venezuela, enfrentará neste domingo (16/julho) mais um difícil desafio, colocado pela oposição organizada na Mesa Unida Democrática, o MUD. Trata-se de plebiscito organizado de modo a recolher um rotundo “Não” ao herdeiro político de Hugo Chávez e à sua proposta de realização, no próximo dia 30 de julho, de eleições para a nova Assembleia Constituinte da Venezuela.

Esta será uma consulta popular que o partido chavista não reconhece e da qual não participa, já que organizada, gerida e fiscalizada por um consórcio de cinco reitores universitários de oposição, em detrimento do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), o Tribunal Superior Eleitoral venezuelano.

O governo acredita que o plebiscito deste domingo, por não ter garantia alguma contra fraudes, seja o espaço mais propício para a fabricação de uma impostura eleitoral amplamente desfavorável a Maduro e à continuidade do governo bolivariano. De posse dos “resultados” do plebiscito, a direita tentará deslegitimar o processo Constituinte convocado pelo presidente, ao mesmo tempo em que deverá fazer recrudescer a violência.

No Brasil, previsivelmente, os órgãos de imprensa tradicionais satanizam a Revolução Bolivariana, acusando-a de violência desproporcional, de ser uma Ditadura de tipo castrista, de ser responsável por uma guerra civil nos moldes da que toca a Síria sob o regime de Bashar Al Assad.

Raríssimas são as chances de escutar os argumentos chavistas –trata-se do velho recurso da invisibilização, sempre usado pela mídia convencional contra seus adversários políticos.

Neste encontro com o chavista Jesús Silva, 37 anos, advogado constitucionalista e professor da Universidade Central de Venezuela (UCV), os leitores brasileiros terão a possibilidade de conhecer a forma com que o governo bolivariano pretende aprofundar a Democracia Socialista do país e entender por que o chavismo chama de “terroristas” os movimentos encabeçados pela Direita.

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POR QUE O SENHOR CHAMA A OPOSIÇÃO DE “TERRORISTA”?

Não há um consenso entre especialistas para definir o que é terrorismo, mas eu me atrevo a propor um conceito breve. E me apoio na legislação venezuelana para isso. Trata-se basicamente do uso de violência com fins políticos. Isto é o que ocorre quando uma pessoa ou um grupo de pessoas comete atos violentos —que podem incluir o assassinato— com o objetivo de forçar o governo/Estado a fazer ou deixar de fazer determinados atos.

Aqui na Venezuela, os dirigentes oposicionistas convocam “manifestações pacíficas” entre aspas, já que sempre terminam com mortos e feridos, além da destruição. O objetivo é o de forçar o governo a aceitar suas exigências, entre as quais se contam a antecipação das eleições presidenciais e a renúncia do presidente [Nicolás Maduro], ainda que a ele reste mais de um ano de mandato… Ora, isto é terrorismo: uma violência letal, com a finalidade de submeter o Estado. Nossa Constituição, em sintonia com tratados internacionais, diz que a manifestação é um direito humano, que é um direito civil e político. Mas, evidentemente, essa manifestação deve ser sem violência e sem armas.

Nos últimos seis meses, todas as manifestações da oposição –que não são nem espontâneas, nem livres, ao contrário do que apregoa a mídia burguesa–, foram convocadas por uma unidade política, a Mesa de Unidade Democrática (MUD). Também ao contrário do que diz a grande mídia, essas manifestações não são “pacíficas” já que todas incluem violência e armas nas mãos dos manifestantes. Pois bem, na medida em que essas manifestações que se dizem “pacíficas”, mas encobrem terroristas, perdem o apoio popular, o núcleo terrorista, aquele composto por indivíduos mascarados e armados, se faz mais violento.

Recentemente vimos imagens que mostram essas pessoas usando explosivos contra sete guardas nacionais, que ficaram queimados. Então, não estamos em presença de manifestações pacíficas… não estamos em presença de um rio humano que é produto de uma grave crise econômica e social, que sai às ruas por fome, a reclamar que o governo tome providências. Não! Trata-se de uma estrutura complexa, que inclui uma unidade de mando, a Mesa de Unidade Democrática, que convoca, promove e faz a agenda. É a cabeça.

Conjuntamente com essa cabeça, há massas de pessoas, uma quantidade não desprezível —temos de reconhecer–, que são os verdadeiros manifestantes. É gente que odeia o chavismo, que odeia o governo, mas que não está armada.

Por fim, rodeados por esses manifestantes, estão os bandos armados. São pessoas que têm armas de fogo ou artesanais, são os que usam máscaras ou capuzes e são as pessoas que atacam nossos soldados, guardas nacionais e policiais. Também atacam manifestantes chavistas ou simples pedestres que eles identifiquem como um chavista ou partidário do governo. Geralmente são pessoas pobres, afrodescendentes, gente com camisas vermelhas. Os tais bandos armados atacam como terroristas, queimam, torturam, assassinam.

Esta é a estrutura do terrorismo na Venezuela. Um terrorismo de novo tipo, porque se fundamenta em uma aparência de “manifestação pacífica”, mas que termina com indivíduos fortemente armados atacando gente inocente e os efetivos de segurança.

Poder-se-ia argumentar que essas pessoas só estão se defendendo de uma repressão brutal de um suposto Estado Malfeitor Bolivariano. Mas, se assim fosse, estes senhores fortemente armados não atacariam as forças de segurança antes que se produzisse qualquer ato de contenção.

E aqui é necessário fazer uma diferenciação. Uma coisa é a contenção, que é fazer frente a uma violência aberta por manifestantes. Outra coisa é a repressão, que é quando um Estado Malfeitor e inimigo dos Direitos Humanos agride aqueles que não estão cometendo nenhum ato de violência.

Insisto nesta questão da violência, porque creio que a situação midiática internacional nos é negativa. Creio inclusive que em países que são nossos amigos há a crença de que o Estado venezuelano está se excedendo no uso da força para reprimir manifestações pacíficas. Morderam o anzol.

 

https://www.youtube.com/watch?v=TTqhdt0zzpU

Recentemente tivemos um helicóptero que disparou 15 vezes contra nosso Supremo Tribunal de Justiça. E isso não mereceu destaque e nem a condenação internacional. Mas um grupo de indivíduos não-identificados entra no Parlamento, enfrenta os deputados da oposição e, em menos de 20 minutos, a CNN em inglês apresenta o fato como uma grande notícia contra o governo bolivariano. A verdade é que eles têm aparatos de informações, têm redes que funcionam com maior velocidade do que as nossas –se é que nós temos essas redes.

O insignificante, nas mãos deles, torna-se grandioso. Já o ataque que sofremos, um ato claramente terrorista cometido por pessoa identificada e notório inimigo do governo, passa despercebido.

 

QUAL A POSSIBILIDADE DE SE RECUPERAR O DEBATE POLÍTICO NA VENEZUELA?

Perdemos o espaço do debate político na Venezuela, como produto da ação do inimigo. Estamos no plano do tudo ou nada. Estamos no plano das reações, das agressões. Não estamos no plano da discussão de ideias. Porque o inimigo político de nosso governo, de nosso povo e do socialismo quer uma discussão primitiva. Quer a polarização, a naturalização da violência como forma de fazer política.

As redes sociais, o Twitter, o Facebook, o Instagram, o Whatsapp etc. mostram que chegamos a uma etapa de naturalização da violência. Que é o ambiente mais cômodo para o terrorismo. Aqui se mata um guarda nacional e temos milhares e milhares de venezuelanos que celebram este ato. Por quê?

Porque a cúpula da oposição instalou suas idéias, seus sofismas, sua falsa racionalidade para induzir ao erro. Por exemplo: se um guarda é assassinado, está-se matando um esbirro, uma pessoa que se dedica profissionalmente a executar ordens violentas de uma autoridade, um agente a serviço do regime castro-comunista. Portanto, esse homicídio transforma-se em um ato de justiça do povo. Tinha de matar! Foi merecido!

Esta é a mensagem que os grandes meios repetem todos os dias: Sempre a violência do lado opositor é justa. Enquanto isso, a que é cometida pelos efetivos militares em legítima defesa será injusta.

 

 

 

 

Orlando Figuera, 22, foi queimado vivo durante ato da oposição. Com 80% do corpo atingido pelas chamas, o jovem morreu em 4/6

Eles mandam kamikazes para atacar as bases militares, provocam com violência os soldados, lançam bombas incendiárias para queimar os edifícios públicos… E, quando o efetivos militares respondem, bem, aí os grande meios dizem que ocorre um crime de Estado. Mas o que há é o legítimo direito de defesa! Em nenhum tratado internacional se estabelece que os soldados de qualquer parte do mundo devem se deixar assassinar por terroristas. O que se exige, na legítima defesa, é o uso proporcional da força, de acordo com o ataque que se recebe. Se você me ataca com um pau, eu não posso me defender com uma granada. Mas, se você me ataca com qualquer coisa que possa me matar, eu posso, seja militar ou civil, responder em legítima defesa.

Em 1989, houve manifestações na Venezuela [contra o governo de Carlos Andrés Perez], por causa de um pacote de medidas neoliberais que liberava os preços e promovia privatizações maciças. O povo saiu às ruas. Em aproximadamente três dias, a repressão aplicada pelo governo de então matou 3.000 pessoas, grande parte assassinada pelas costas. Eu acho que qualquer morte é lamentável; não há um número bom e um número mau. Mas precisamos ter as proporções exatas do que está ocorrendo. Estamos há 100 dias com confrontos diários por causa das provocações dos terroristas e temos 100 mortos.

O QUE É A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE CONVOCADA POR NICOLÁS MADURO?

Nove setores terão representação especial

A Assembléia Nacional Constituinte deve ser um grande fórum político em que participem setores da sociedade venezuelana de diversos âmbitos. Não é casualidade que o método eleitoral para escolher os membros da Constituinte inclua precisamente o que, no Direito Constitucional Espanhol, se conhece por “discriminação positiva”. Trata-se, por um lado de reconhecer que os grupos socialmente vulneráveis não têm igual possibilidade de participar de entidades políticas. De outro lado, trata-se de criar os mecanismos para que as diferentes classes e setores sociais possam ser representadas. Quer dizer, quanto mais desvantagem sofre um setor social, mais necessária é a discriminação positiva, dando-lhe mecanismos para ele se iguale.

É preciso reconhecer que é ficcional a igualdade em uma sociedade que é profundamente desigual. Não têm a mesma possibilidade de ser membro da Constituinte (caso ela seja eleita pelo voto universal, burguês, classicamente conhecido) o operário e o patrão; o dono dos meios de comunicação e o trabalhador da fábrica, por exemplo.

A direita venezuelana diz que a Assembleia Nacional Constituinte convocada pelo presidente Nicolás Maduro tem um método eleitoral desigual, que está a serviço do partido do governo, que seria uma afronta ao voto universal, direto e secreto. Mas eu reivindico essa metodologia porque, no passado, nosso parlamento, nossa assembleia nacional, nosso congresso, foram claramente órgãos políticos com uma hegemonia de empresários, de donos de meios de comunicação, de proprietários dos meios de produção e obviamente esses parlamentos do passado (me refiro ao período que antecedeu à chegada de Hugo Chávez ao poder) foram parlamentos a serviço do capitalismo, da privatização, do neoliberalismo.

Esta metodologia proposta por Maduro tem embasamento jurídico na Carta Magna vigente, já que aprofunda a possibilidade de participação dos setores excluídos – operários, indígenas, camponeses, pescadores, estudantes, pessoas com deficiências, aposentados e membros de conselhos comunais, que são formas de organização popular para uma democracia direta.

Trata-se claramente de uma igualdade por diferenciação. Dará a possibilidade de disputar uma vaga na Constituinte aos setores que historicamente foram preteridos por sua condição sócio-econômica. Este é o enfoque favorável ao proletariado, favorável à classe social do trabalho, frente ao enfoque clássico, liberal e burguês de que todos pode se eleger e todos têm uma igualdade automática para concorrer nas eleições.

Sabemos que todas as democracias classicamente conhecidas são plutocráticas, já que sempre favoráveis a quem tem mais dinheiro para fazer mais propaganda. Já se sabe que quem é mais pobre perde a possibilidade de fazer mais propaganda e, portanto, de alcançar votos.

A assembleia constituinte com esta ampla oportunidade de participação conferida a todos os setores da sociedade venezuelana servirá para esse grande reencontro nacional dos 30 milhões de venezuelanos e não apenas aqueles que serão eleitos em diferentes setores sociais. Uma vez instalada a Constituinte, é preciso que se estabeleça um regime de trabalho de modo a que diferentes grupos e movimentos sociais participem, proponham, discutam, critiquem e reclamem. E que, nestes seis ou 12 meses que dure essa Constituinte, haja um grande encontro nacional. Isso não pode ser feito por um partido, mas sim por uma constituinte que seja a máxima representação do povo.

E, se a cúpula da oposição quer se auto-excluir, bem, que se auto-exclua. O importante é que fique isolada. Sem povo que a siga. Porque, quando os terroristas têm um povo que os segue, temos um problema político. Quando os terroristas ficam sem o povo, então o problema se converte em um problema policial, militar. São coisas diferentes.

A Constituinte não pode funcionar como o escritório do partido, senão como órgão que convoca todas as pessoas a participar, inclusive a oposição. E que isso apareça em cadeia nacional. Que critiquem, que opinem , e que se oponham, que exijam. que proponham suas idéias, que se mostrem. E que o povo julgue.

COMO O SR. AVALIA O PLEBISCITO DE DOMINGO (16/07)?

Se fosse simplesmente uma pesquisa da oposição, estaria tudo ok, seria o exercício de um direito. Mas, no contexto de 100 dias de mortes violentas, é evidente que ante a perda de respaldo popular a toda esta violência, a oposição quer um ato pseudo-jurídico que justifique um reimpulso de sua violência.

Explico: eles celebrarão seu plebiscito ou sua suposta consulta popular sem a fiscalização da autoridade eleitoral. O resultado será que, dos 20 milhões de inscritos para votar na Venezuela, 19,999 milhões “vão querer”, entre aspas, que o governo caia. Isso é o que vão declarar. Os votos serão eles que contarão, dando um amplo espaço para a fraude. O suposto resultado do plebiscito vai ser a exigência de que não se faça uma Assembléia Nacional Constituinte. Que se desaplique nossa Constituição. Então, trata-se de um ato privado, de agentes privados, para exigir dos agentes públicos que deixem de aplicar a nossa constituição e apliquem a lei desses grupos. Obviamente, o Estado legitimamente constituído dirá que não. E a palavra de ordem para os seguidores da oposição será “Saiam às ruas, porque o tirano faz ouvidos moucos para o que está sendo exigido por 20 milhões de venezuelanos”. Não é uma consulta popular. É um episódio que servirá para justificar mais terrorismo, mais marchas, mais ações violentas com pessoas armadas.

Deram-nos golpes muito sérios. Em 2014 nos mataram 43 pessoas, com essa modalidade de terrorismo oculto sob a falsa máscara das “manifestações pacíficas”. Hoje, nos matam 100 pessoas e podem ser muito mais, já que acredito que o conflito está longe de acabar. Não se pode usar a Democracia para delinquir e nem para burlar a legalidade revolucionária. O Estado não pode ser ingênuo e tem de estabelecer um marco de tolerância zero contra o terrorismo.

 

América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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