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Cultura Popular

O tempo de Mãe Stella de Oxóssi sempre será o agora!

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Por Yuri Silva e Marcos Rezende*
A comunidade negra e os religiosos de matriz africana choram, desde o final da tarde de quinta-feira, 27, a morte da ialorixá, escritora e intelectual Maria Stella de Azevedo Santos, conhecida no mundo do candomblé e no Brasil por Mãe Stella de Oxóssi.
Quinta sacerdotisa a liderar o Ilê Axé Opô Afonjá, um dos terreiros mais tradicionais da Bahia, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Mãe Stella era considerada a ialorixá viva mais influente do País.
Ela tinha 93 anos e morava há um ano em Nazaré, município do Recôncavo Baiano distante 80 km da capital da Bahia. Há 12 dias, por causa de uma infecção, estava internada no INCAR, hospital localizado em Santo Antônio de Jesus, a 108 km de Salvador.
A unidade hospitalar confirmou a morte em nota. “É com grande pesar que informamos que a paciente Maria Stella de Azevedo Santos, de 93 anos, devido a sepse [infecção generalizada] de foco urinário, bem como insuficiência renal crônica associada a hipertensão arterial sistêmica, veio hoje a óbito às 16 horas [no horário da Bahia]”.
Mãe Stella era autora de obras como ‘Meu Tempo é Agora’ (2010), ‘E Daí Aconteceu o Encanto’ (1988), ‘Òsósi (Oxóssi): o caçador de alegrias’ (2011), ‘O que as folhas cantam (para quem cantam as folhas’ (2014) e ‘Owé – Provérbios’ (2007), que lhe renderam, pelo conjunto da obra ao lado de outros livros, o posto de imortal da Academia de Letras da Bahia, ocupando a cadeira de número 33, cujo patrono é o poeta Castro Alves.
Sua obra, famosa por transpor a filosofia do candomblé da oralidade para o mundo da escrita, também tratava de temas como a liberdade religiosa, a importância das folhas para a religião, a hierarquia ritual do candomblé, costumes e modos religiosos, entre outros.
“Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima”, disse, certa feita, o escritor malinês Amadou Hampâté Bâ. A frase, que expressa a importância da transmissão oral no continente e a sensação de ouvir um sábio africano relatar suas experiências, talvez seja a que expressa com mais precisão a importância de Mãe Stella de Oxóssi.
A ialorixá esteve à frente do seu tempo. Quando escreveu seus livros, como o best-seller ‘Meu Tempo é Agora’, dizia que a tradição oral deveria ser escrita para que nada se perca – pensamento de vanguarda que ela deixa como legado, para além da luta política e das construções identitárias. Também transmitiu um mundo de informações e ensinamentos em conversas com amigos, filhos de santo e visitantes.
Os vídeos e até mesmo um aplicativo para smartphones lançados pela religiosa nos últimos anos, assim como uma biblioteca itinerante, são outros projetos liderados por ela que demonstram que Mãe Stella pensava além da época em que viveu.
A escritora ganhou duas vezes o título de Doutora Honoris Causa, pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), além de comendas da prefeitura de Salvador, do Governo da Bahia e do Ministério da Cultura.
Foi a primeira mãe de santo a tornar-se articulista de um jornal de grande circulação no País. No jornal A TARDE, o maior impresso baiano e um dos mais tradicionais do Nordeste, escreveu sobre religiosidade e outros temas entre 2011 e 2014.
Nascida em 2 de maio de 1925, em Salvador, Maria Stella de Azevedo Santos assumiu o Opô Afonjá em 1976, um ano após a morte de Mãe Ondina de Oxalá. O terreiro de nação ketu-iorubá foi fundado por Eugênnia Ana dos Santos, conhecida por Mãe Aninha, e também teve como líderes, na sequência, Mãe Bada de Oxalá e Mãe Senhora.
É um dos mais tradicionais templos religiosos de matriz africana da Bahia, fazendo parte de um seleto grupo conhecido como ‘as grandes casas do candomblé’. Fica localizado no São Gonçalo do Retiro, região do Cabula, periferia da capital baiana.
Casa de Xangô, orixá da Justiça, o Ilê Axé Opô Afonjá teve e continua tendo filhos de santo ilustres, como Vivaldo da Costa Lima, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Gilberto Gil, Carybé, entre outros, que ocuparam cargos de destaque na comunidade religiosa.
Conhecida pela calma e inteligência nas falas e textos públicos que fez e escreveu, Mãe Stella ocupou um espaço de destaque na religião, sendo talvez a representação mais famosa em atividade em todos os tempos. Uma espécie de ‘Papa’ informal do candomblé, ela também é considerada uma das primeiras intelectuais originárias das religiões de matriz africana – e, por isso, um marco histórico para a cultura afro-brasileira.
Foi obra dela o manifesto histórico em defesa do fim do sincretismo religioso no candomblé. Denominado de ‘Santa Bárbara não é Iansã’, o documento público foi assinado pelos principais pais e mães de santo das Bahia, à época, na década de 1970. Ela ainda mandou recolher todas as imagens de santos católicos do Afonjá.
“Quem é do orixá é que entende o sentido de cada obrigação. Não precisa de mistura para autenticar a validade. Minha esperança são os mais novos que entenderam que o candomblé é uma religião completa e cortaram esse vínculo”, disse a ialorixá, em 2001, ao Estadão, ao ser premiada com um Prêmio Multicultural promovido pela publicação paulista.
Batizada religiosamente de Odé Kayodé (‘o caçador traz alegria’, em tradução livre para o português), Mãe Stella faleceu justamente numa quinta-feira, dia da semana dedicado ao seu orixá, Oxóssi, ligado à caça, às florestas e aos animais.
O tempo de Mãe Stella, entretanto, sempre será o agora, seja que época for.
Oké Aro!
Yuri Silva é jornalista, especialista em política e na na cobertura de questões ligadas à cultura e as religiões afro-brasileiras
Marcos Rezende é historiador, ogã de Ewá e Ojuobá da Casa de Oxumaré

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Amazônia

Çairé 2020: beleza, sincretismo e o “novo normal”

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Por: Leonardo Milano, em parceria com O Boto

Com mais de 300 anos de tradição e comemorado no mês de setembro, o Festival Çairé é uma grande manifestação folclórico-religiosa, de encontro entre a cultura indígena amazônica e a religião católica, introduzida com a chegada dos jesuítas. De origem indígena, a festa foi sendo modificada pelos portugueses ao longo dos anos e, hoje, todos os ritos e ladainhas são cantados em latim. Em 2005, a prefeitura de Santarém determinou que a palavra Çairé passasse a ser escrita com “s”, para se adequar à língua dos colonizadores.

Devido à Covid-19, o Çairé desde ano acontece de forma reduzida, para evitar aglomerações. Na última quinta-feira (10), o festival iniciou sua programação, com a Missa em Ação de Graça, seguida da Procissão Fluvial e da Carreata pelas ruas de Alter do Chão. Com o “novo normal”, trazido pela pandemia, as máscaras de contenção passaram a fazer parte do figurino dos participantes. 

A programação do Çairé de 2020 segue no dia 17 e se encerra no dia 19/09, com distribuição de Tarubá – bebida típica indígena – e a apresentação do grupo Espanta Cão. Confira a programação completa do Çairé deste ano, e as fotografias do primeiro dia do festival. 

Saiba mais em Sairé: a verdadeira resistência

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Ação Humanitária

Salve Mestras e Mestres. Financiamento coletivo emergencial

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Salve Mestras e Mestres

SALVE MESTRAS E MESTRES

Financiamento coletivo emergencial para apoiar mestres de cultura popular durante a pandemia

  Salve Mestras e Mestres

A iniciativa “Salve Mestras e Mestres!” é uma campanha de financiamento coletivo que tem como objetivo auxiliar mestras, mestres, brincantes e espaços de cultura popular de diversas localidades do Brasil. Devido à COVID-19, esses fazedores de cultura ficaram impedidos de realizar seus trabalhos e festividades, o que significa praticamente a paralisação total de suas atividades, bem como de toda a cadeia produtiva em volta destas manifestações.  Associado a isto, observa-se uma lacuna estrutural no processo de inclusão digital de diversas comunidades, o que dificulta ou torna inexistente a realização de atividades online que possam prover alguma renda, como lives, ou inscrição em editais.

A iniciativa “Salve as Mestras e Mestres!” pretende juntar R$ 36.000 (incluindo taxas da vakinha e transações bancárias), para serem distribuídos da seguinte forma:

  • R$ 500 para 20 mestras e 20 mestres;
  • R$ 300 para 10 brincantes da cultura popular;
  • R$ 1.000 para 10 espaços de coletivos de cultura tradicional.

 

O projeto foi lançado na última quarta-feira (27) e contará com atividades online em suas redes sociais, como Instagram e Facebook, incluindo lives com artistas e fazedores de cultura de diversas partes do país durante as sextas, sábados e domingos do mês de junho. As atrações confirmadas para este final de semana são Marcelo Jeneci (SP), (sábado, 30/5 às 20h) e Bumba Boi da Floresta de Mestre Apolônio (MA) (domingo, 31/5 às 17h e às 20h)  . A Programação completa será informada em nossas redes sociais ao longo do mês.

O movimento é uma iniciativa autônoma independente de brincantes envolvidos em diversas manifestações populares. “Se para toda sociedade esse é um momento difícil, como estão nossos mestres, que tanto nos ensinaram, que tanto podem ensinar e tem se dedicado a manter as tradições populares pelo país por toda suas vidas? Esse foi o pensamento que gerou este projeto e que conta com a sensibilidade de todos os que puderem contribuir para ajudar nossos mestres”.

 

As doações podem ser feitas pelo link: www.vakinha.com.br/vaquinha/salve-as-mestres-e-os-mestres

Ou via depósito bancário:

Salve Mestras e Mestres  – Banco 260 – Nu Pagamentos S.A.

CPF: 22839554836 (Juliana Bueno)

Agência 0001

Conta 91881534-8

 

Acompanhe:

Instagram: https://www.instagram.com/salvemestrasemestres/

Facebook: https://bit.ly/2XFRtpW

Vídeo de divulgação: https://youtu.be/yHwXcQkrY2Q

Contato: salveosmestres@gmail.com

Idealização: Juba Carvalho, Luiza Fernandes, Juliana Bueno, Leandro Dias, Júlia Coelho, Savana Regina, Telita Arantes, Sofia Fajersztajn e Daniel Brás.

Identidade visual: Daniel Brás

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Arte

Opanijé Atotô, um manifesto sonoro e poético de cura

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Opanijé Atotô

OPANIJÉ ATOTÔ | João Nascimento

Em tempos de pandemia, João Nascimento se recolhe no quilombo urbano Afrobase localizado na periferia da zona oeste de São Paulo para compor a música “Opanijé Atotô”, obra que marca o início de sua carreira autoral com o lançamento de um videoclipe, que conta com a direção artística e edição de vídeo de Achiles Luciano.

Nascido no Morro do Querosene, criado nos sambas de roda das festas de Carurú, nas gingas mandingas das rodas de capoeira e ao som dos berimbaus de seu pai Dinho Nascimento, João possui uma versatilidade musical ancorada na pluralidade de ritmos e referências sonoras da cultura negra, bem como, vivências e habilidades em tocar diversos instrumentos de percussão, cordas e eletrônicos, presentes nos arranjos da música “Opanijé Atotô, o qual foi executado por ele próprio. A música é uma composição inédita de saudação, evocação e homenagem ao Orixá Obaluaiê, um manifesto sonoro e poético de cura em tempos de crise generalizada pelo Covid19.

João Nascimento possui um vasto currículo artístico musical, diretor-fundador da Cia de Dança negra Treme Terra e responsável por participar da produção musical de importantes discos podendo citar “Zumbi Somos Nós” da Frente 03 de Fevereiro; “Cultura de Resistência” e “Terreiro Urbano” da Cia Treme Terra; “Sinfonia de Arames” da Orquestra de Berimbaus do Morro do Querosene; “Rapsicordélico” de Gaspar Z’África Brasil; “Laboratório Sonoro de Ritmos Afro-Brasileiros” de Afro2; entre outros. Atualmente está produzindo o disco “Hip-Hop Caboclo” de Gaspar Z`África Brasil e “Ifé Bogbo Aiyê” de Mestre Lumumba.

Como músico instrumentista, João Nascimento já acompanhou importantes artistas como Nasi da Banda Ira!, Emicida (o qual possuem uma parceria na composição da música “Guerreiro de Aruanda” que também é assinada e interpretada por Gaspar Z’África Brasil), Tião Carvalho, Adriana Moreira, Banda Rastapé, entre outros. Integrante da Frente 3 de Fevereiro, participou dos espetáculos “Futebol”, “Esquinas de Mundos” e da produção do documentário Zumbi Somos Nós. Também integrou a Banda Baião de 4 e Quinteto Abanã. Na área do cinema, junto com Firmino Pitanga assinam a direção do documentário longa-metragem Danças Negras.

O Single “Opanijé Atotô” foi produzido no estúdio Kalakuta, com mixagem de Lindenberg Oliveira, podendo ser apreciada nas seguintes plataformas digitais: Youtube, Facebook, Instagram, Spotfy, Deezer, entre outras.

 

Conheça mais:

https://www.facebook.com/Estudiokalakuta

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