Por ABED
A PEC 6/2019 foi votada em 1º turno na Câmara dos Deputados com muitas alterações em relação à proposta original do governo. Pela pressão dos movimentos sociais e da reação negativa da sociedade, os deputados rejeitaram o regime de capitalização que concorreria com o regime geral, as mudanças no Benefício de Prestação Continuada e os ataques à aposentadoria do trabalhador rural entre outros itens extremamente nefastos ao povo. Mesmo assim, a PEC continua desalinhada com a garantia dos direitos sociais prevista na Constituição e este documento indica pontos que mais precisam ser corrigidos no texto.
Antes disso é preciso dizer que a PEC continua sendo uma medida injusta, regressiva e recessiva. Injusta porque a maior parte da “economia” de gastos recairá sobre os trabalhadores com salários baixos e sobre servidores públicos que também recebem vencimentos de baixo valor. As projeções disponíveis indicam que quase 72% da redução de despesas nos próximos 10 anos virá da diminuição dos benefícios do regime geral e que mais 11% virá de cortes no abono salarial e no BPC. A reforma da previdência não toca nas condições que favorecem a concentração de renda e da riqueza na mão dos extremamente ricos, que se beneficiam de baixa tributação e todo o tipo de facilidades e tratamento privilegiado (desonerações das exportações de commodities, isenção tributária para lucros distribuídos e para juros sobre capital próprio, baixo grau de progressividade na tabela do IR, baixa tributação sobre grandes heranças e falta de regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, entre outras).
Por isso mesmo, além de injusta, a reforma é regressiva quando se considera essa perspectiva: ela é uma forma de fazer um ajuste fiscal sobre as costas dos trabalhadores e servidores de baixos vencimentos, preservando de qualquer sacrifício os muito ricos e poderosos.
Ao castigar a grande maioria das famílias, esta reforma tem um lado recessivo e contraproducente para o desenvolvimento socioeconômico do país. Ao contrário do discurso do governo, a reforma não vai fazer os empresários investirem e a economia do país crescer porque irá retirar poder de compra das famílias no futuro, afetando o mercado interno e as perspectivas de negócios. Além disso, a reforma irá agravar a exclusão e a pobreza na velhice, bem como estimulará a informalidade, com efeitos negativos no tecido social e no ambiente econômico.
A Reforma da Previdência afetará de forma profunda e desigual a população brasileira, pois essa política tem papel destacado na distribuição de renda entre pessoas e regiões. Dados de 2016, mostram que os benefícios sociais recebidos pela população do Norte e do Nordeste, são, respectivamente, três e quatro vezes o valor arrecadado pelo INSS nessas regiões. Esse fluxo de rendas, em comparação com o PIB regional, corresponde a 4% no Norte e a 9% no Nordeste. Os benefícios previdenciários não ultrapassam um salário mínimo em 84% dos casos, no NO, e em 85%, no NE, porém, apesar disso, são portadores de dinâmica econômica expressiva no contexto regional.
Ainda há tempo de retirar da PEC os elementos mais nefastos para que a reforma em andamento não seja tão negativa. A seguir listamos alguns desses elementos.
1) Redução do valor das aposentadorias. Com a regra de cálculo do valor da aposentadoria, de 60% do salário de benefício para quem completou o tempo mínimo de contribuição – 15 para a mulher no RGPS e 20, para o homem e para a servidora pública – mais 2% a cada ano adicional até o máximo de 100%, qualquer trabalhador que receba mais do que o salário mínimo terá rebaixamento do valor da aposentadoria em relação à regra hoje em vigor. Para as servidoras públicas, que se aposentarão com o mínimo de 25 anos de contribuição, o valor do benefício será de 60% da média mais 2% a cada ano adicional de contribuição além dos primeiros 20 anos. Na aposentadoria por idade o contraste entre as regras atuais e o que foi aprovado é ainda maior pois o valor mínimo cai dos atuais 85% da média das contribuições para 60% na eventual vigência da PEC. Ademais, a exigência de 40 anos de contribuição para a chamada aposentadoria “integral” (100% da média), para os homens, não é compatível com um mercado de trabalho cada vez mais deteriorado. Para as servidoras públicas, essa exigência desconsidera seu papel na vida familiar e a dupla ou tripla jornada que as sobrecarrega.
O valor da aposentadoria será também reduzido pela regra de cálculo da média dos salários de contribuição em que não se descartam os menores valores, como feito atualmente. Essa mudança afeta tanto os segurados do regime geral quanto do RPPS da União. A manutenção desse descarte é necessária para que a aposentadoria guarde uma relação mais próxima com o poder de compra do/a idoso/a nos anos que antecedem a inatividade e não represente deterioração da qualidade de vida.
A regra de cálculo resulta em situações injustas pois um maior montante de contribuições ao longo da vida laboral não gera o proporcional reflexo num valor de aposentadoria também maior. Em outras palavras, um montante total maior de contribuições não gera necessariamente aposentadoria de maior valor.
2) A exigência de mínimo de 20 anos de contribuição causará desproteção para os trabalhadores. O texto exige que os futuros segurados do sexo masculino contribuam no mínimo 20 anos para obter a aposentadoria. Essa condição não é compatível com o que se espera do mercado de trabalho no futuro, pois o desemprego estrutural tende a ser elevado, a informalidade alta, a rotatividade acelerada e o nível de remuneração baixo, dificultando o acúmulo de contribuições.
3) As regras de transição continuam restritas. Embora haja diversas regras alternativas de transição, os requisitos de idade, tempo de contribuição e pedágio são tão elevados que relativamente poucos trabalhadores do setor privado e servidores irão delas se beneficiar. Uma das regras, supostamente a mais favorável, exige pedágio de 100%, enquanto que para os próprios parlamentares é exigido um pedágio de 30% e para os militares, de 17%. Esse pedágio deve ser reduzido, pois a transição deve ter amplo alcance para os atuais segurados, reconhecendo as contribuições efetivadas sob as regras atuais.
4) Arrocho no valor das pensões por morte. Dois mecanismos afetarão o valor das pensões que serão concedidas, a partir da aprovação da emenda, aos dependentes de segurados do Regime Geral e dos servidores ativos e aposentados da União. Primeiro, o sistema de cotas reduz significativamente o valor da pensão para o cônjuge sem filhos, para 60% do valor da aposentadoria. Segundo, a pensão é desvinculada do salário mínimo, salvo em casos excepcionais (única renda formal, dependentes com deficiência grave). Se mantido o sistema de cotas, a cota familiar deveria ser mais elevada e a vinculação da pensão ao salário mínimo deveria ser mantida.
5) O abono salarial poderá ter valor menor do que um salário mínimo. O texto aprovado é pior do que o original neste aspecto pois o abono poderá ter valor menor do que 1/12 do salário mínimo por mês trabalhado. É preciso assegurar que ao menos esse valor mensal seja garantido.
6) As aposentadorias especiais por agentes nocivos ficam praticamente inviabilizadas. A exigência de idade mínima, tempo de contribuição e tempo de atividade sob condições nocivas fará com que o trabalhador se submeta a condições prejudiciais à sua saúde e que aumentam o risco de doenças e de morte precoce. Os efeitos humanos e sociais são bastante graves. Além disso, o tempo de trabalho nessas atividades não poderá ser mais convertido em tempo normal e a atividade com risco à integridade física não é considerada como especial. Assim como se fez para os policiais, é preciso considerar as atividades em que o trabalhador enfrenta tais riscos.
7) Os parâmetros previdenciários são desconstitucionalizados. Salvo a idade mínima de aposentadoria, os demais parâmetros e regras de cálculo de benefícios passam para a legislação infraconstitucional podendo, em muitos casos, serem definidos em leis ordinárias. É preciso que o tempo mínimo de contribuição seja trazido para o texto constitucional, e que outros parâmetros tenham um status jurídico que assegure sua estabilidade e transmita segurança para os contribuintes dos regimes previdenciários.
8) A privatização dos benefícios não programados foi mantida e poderá ameaçar a sustentação de um regime previdenciário público. O atendimento a benefícios como a pensão por morte, o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez, o auxílio-reclusão, além do seguro acidente de trabalho poderão ser repassados para o setor privado.
9) Os Regimes de Previdência Complementar dos servidores públicos poderão ser entregues à iniciativa privada, privando os servidores da possibilidade de participarem da gestão dos fundos de pensão.
10) As contas das Seguridade Social são segregadas, pondo fim a um orçamento integrado que corresponde ao propósito de integração das ações de saúde, previdência e assistência e que precisa ser posto em prática.
11) O super ricos ganharão ainda mais com a reforma pois, além de não contribuírem para o ajuste fiscal, com a reforma da previdência obtêm maior proteção para seus ganhos com juros sobre a dívida pública a taxas exorbitantes. O governo não priorizou a necessária revisão do sistema tributário regressivo existente no país que poderia corrigir injustiças e ajudar no combate à má distribuição de renda. Não bastasse isso, o agronegócio exportador foi agraciado com a confirmação da isenção de contribuições previdenciárias sobre as vendas de commodities ao exterior.
10) As contas das Seguridade Social são segregadas, pondo fim a um orçamento integrado que corresponde ao propósito de integração das ações de saúde, previdência e assistência e que precisa ser posto em prática.
11) O super ricos ganharão ainda mais com a reforma pois, além de não contribuírem para o ajuste fiscal, com a reforma da previdência obtêm maior proteção para seus ganhos com juros sobre a dívida pública a taxas exorbitantes. O governo não priorizou a necessária revisão do sistema tributário regressivo existente no país que poderia corrigir injustiças e ajudar no combate à má distribuição de renda. Não bastasse isso, o agronegócio exportador foi agraciado com a confirmação da isenção de contribuições previdenciárias sobre as vendas de commodities ao exterior.
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