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Feminismo

NOTA PÚBLICA – O Brasil está a disposição dos turistas. Nós, mulheres, NÃO!

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“Para: Senhor Presidente da República

O Coletivo MPT Mulheres, movimento integrado por membras do Ministério Público do Trabalho, Rede Feminista de Juristas – DeFEMde, Movimento da Mulher Negra Brasileira – MMNB, Mulheres pela Justiça, ColetivA de Mulheres Defensoras Publicas do Brasil, Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, Federação das Mulheres Paulistas, Confederação das Mulheres do Brasil, Coletivo Mais Respeito, Coletivo de Mulheres do SINTRAJUD, Associação de Juízes pela Democracia – AJD, Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD, Coletivo MP Transforma, Defensores pela Democracia, ANPT – Associação Nacional de Procuradores do Trabalho, Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho – IPEATRA, juristas, professoras, pesquisadoras, profissionais, estudantes e pessoas abaixo assinadas, vêm manifestar repúdio à declaração pública do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, durante café da manhã com jornalistas, no dia 25/04/2019, no Palácio do Planalto, em que afirma: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro”.

A declaração do Chefe de Estado, que pode ser considerada violação da honra, da imagem e da dignidade de mulheres e pessoas LGBTI+, parece exortar a comunidade internacional para uma imagem estereotipada do Brasil, como paraíso sexual, em que mulheres estariam à disposição de homens estrangeiros, como objetos sexuais, desconstruindo décadas de trabalho de organizações e instituições no combate ao turismo sexual, à exploração sexual comercial, à violência de gênero e à discriminação por orientação sexual, bem assim contrariando as políticas de promoção e valorização da cultura brasileira como fomento ao turismo no país.Mais de 250 mil crianças e adolescentes são vítimas de exploração sexual no Brasil, segundo dados da UNICEF. A Organização das Nações Unidas calcula que o tráfico de seres humanos para exploração sexual movimenta cerca de 9 bilhões de dólares no mundo, e só perde em rentabilidade para o mercado ilegal de drogas e armas. Se somarmos somente quatros anos de 2012 a 2016 de denúncias feitas (53.151) ao Disque 100, e considerarmos as estimativas do canal de denúncia, chegaremos a uma média assustadora de crianças exploradas sexualmente no Brasil: 513 vítimas a cada 24 horas. Segundo o Disque 100, apenas 7 em cada 100 casos são notificados.

O tráfico internacional para fins de exploração sexual tem como principais alvos mulheres e meninas, tendo o aliciamento objetivo de fins de exploração, tais como, a prostituição, a exploração sexual, trabalhos escravos, tráfico de órgãos, dentre outras diversas hipóteses. De acordo com o Escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) para Drogas e Crime (UNODC), as mulheres representam entre 55 e 60% das vítimas. Estudos ainda apontam que mulheres e meninas negras são as maiores vítimas da exploração sexual (Unicef e SINAM 2013).

No Brasil, de acordo com dados apresentados pela Organização das Nações Unidas (ONU), o tráfico de pessoas atinge cerca de 2,5 milhões de vítimas, e, no mundo, obtém lucro médio de 32 bilhões de dólares anual, do qual 85% advêm da exploração sexual. Estudo realizado entre os anos de 2005 e 2011 aponta ainda que cerca de 475 vítimas do tráfico de pessoas identificadas pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), 337 sofreram exploração sexual.

Por todo o exposto, a presente nota é assinada por todas as pessoas, movimentos e coletivos a seguir, em repúdio às declarações do Senhor Presidente da República.

São Paulo, 28 de abril de 2019.

1. Coletivo MPT Mulheres
2. Rede Feminista de Juristas – DeFEMde
3. Movimento da Mulher Negra Brasileira – MMNB
4. Mulheres pela Justiça
5. ColetivA de Mulheres Defensoras Publicas do Brasil
6. Marcha das Mulheres Negras de São Paulo
7. Federação das Mulheres Paulistas
8. Confederação das Mulheres do Brasil
9. Coletivo Mais Respeito
10. Coletivo de Mulheres do SINTRAJUD
11. Associação de Juízes pela Democracia – AJD
12. Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD
13. Coletivo MP Transforma
14. Defensores pela Democracia
15. Coletivo das Mulheres Defensoras da Defensoria de São Paulo
16. Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT
17. ANPT – Associação Nacional de Procuradores do Trabalho
18. Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho – IPEATRA
19. Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – AASTP
20. CONACATE – Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado
21. AATC- Associação dos Advogados Trabalhistas de Campinas
22. AMATRA 12 – Associação dos Magistrados do Trabalho da 12ª Região
23. Centro Acadêmico 22 de Agosto – Direito PUCSP
24. Comissão de Direitos Humanos da OABSP
25. Movimento 133 – OABSP
26. Subsecção Guarulhos da OABSP
27. Associação Paulistana de Conselheiros e Ex Conselheiros Tutelares
28. ARONATRA- Associação Rondoniense da Advocacia Trabalhista
29. AATMS- Associação dos Advogados Trabalhistas de Mato Grosso do Sul
30. ARAT -Associação Roraimense da Advocacia Trabalhista
31. AATEPI- Associação dos Advogados Trabalhistas do Piauí
32. ATAT -Associação Tocantinense de Advogados Trabalhistas – ATAT
33. JUTRA – Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho
34. ACAT -Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas
35. AATDF – Associação de Advogados Trabalhistas do Distrito Federal
36. AGATRA – Associação Goiana dos Advogados Trabalhistas
37. AATAL – Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Alagoas
38. AATP – Associação dos Advogados Trabalhista do Estado de Pernambuco
39. ACAT – Associação Catarinense dos Advogados Trabalhistas
40. AFAT – Associação Fluminense de Advogados Trabalhistas
41. AATP – Associação dos Advogados Trabalhistas de Pernambuco
42. ATEP – Associação da Advocacia Trabalhista do Estado do Pará
43. AESAT – Associação Espírito-Santanense de Advogados Trabalhistas
44. AATPR – Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná
45. ATRACE – Associação dos Advogados Trabalhistas do Ceará
46. AATRAMAT – Associação dos Advogados Trabalhista do Estado do Mato Grosso
47. ABAT – Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas
48. ANATRA-Associação Norte-riograndense dos advogados trabalhistas
49. AMAT-Associação Mineira dos advogados Trabalhistas
50. AGETRA – Associação Gaúcha de Advogados Trabalhistas
51. ALAL – Associação Latino Americana de Advogados Trabalhistas
52. Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal em São Paulo – SINTRAJUD
53. Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério Público da União/SP
54. ACEASPP – Associação Cultural e Educacional dos Amigos do Sítio do Pica-Pau Amarelo
55. SINTRAJUS – Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
56. Associação dos Servidores do MPT e MPM
57. Associação de Base dos Trabalhadores do Judiciário de São Paulo
58. Federação Nacional dos Advogados – FENADV
59. Marcus Orione – Professor da Faculdade de Direito da USP
60. Marcus Barbeirinho – Professor e Magistrado
61. Ana Amélia Mascarenhas Camargo – Advogada e Professora da PUCSP
62. Maria Isabel Cueva Moraes, desembargadora do trabalho, TRT2
63. Karen Luise Vilanova Pinheiro – Juíza de Direito
64. Roberto Parahyba de Arruda Pinto – Advogado e ex-Presidente da ABRAT
65. Marcelo D’ Ambroso- Desembargador TRT4
66. Jorge Luiz Souto Maior – Professor da Faculdade de Direito da USP
67. Márcia Cunha Teixeira – Advogada
68. Márcia Semer – Presidenta do Sindiproesp Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo
69. Ronaldo Lima – Professor de Direito do Trabalho da USP
70. Rogerio Uzun Fleishmann – Procurador do Trabalho
71. Silvana Abramo M. Ariano – Desembargadora
72. Almara Mendes – Procuradora do Trabalho aposentada
73. Osvaldo Sirota Rotbande – Advogado e ex-Presidente da ABRAT
74. Jefferson Calaça – Advogado e ex-Presidente da ABRAT
75. Luís Carlos Moro – Advogado e ex- Presidente da ABRAT
76. Nilton da Silva Correia – Advogado e ex-Presidente da ABRAT
77. Silvia Lopes Burmeister – Advogada e ex-Presidenta da ABRAT
78. Moema Baptista – Advogada e ex-Presidenta da ABRAT
79. Clair da Flora Martins – Advogada e ex-Presidenta da ABRAT
80. Miguel Torres, presidente da Força Sindical
81. Maria Auxiliadora dos Santos, secretaria da Mulher da Força Sindical
82. Adilson Araújo, presidente da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
83. Celina Áreas, secretaria da Mulher da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
84. Antônio Neto, presidente da Central de Sindicatos Brasileiros
85. Antonieta de Cassia de Faria (Tieta), secretaria da Mulher da Central de Sindicatos Brasileiros
86. Antônio Calixto Ramos, presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores
87. Sonia Maria Zerino, secretaria da Mulher da Nova Central Sindical de Trabalhadores
88. Otávio Pinto e Silva, advogado e Professor de Direitos do Trabalho da USP
89. Eleonora Bordini Coca, desembargadora do trabalho TRT da 15a Região
90. Buna Müller Stravinski, juíza do trabalho substituta da 15a Região
91. Elinay Ferreira – juíza do trabalho substituta TRT 8
92. Patrícia Maeda – Juíza do Trabalho Substituta – TRT15
93. Laura Cavalcanti de Morais Botelho, juíza substituta do TRT6
94. Laura Benda, juíza do trabalho e presidenta da AJD
95. Reijjane de Oliveira – juiza de Direito Estado do Pará
96. Núbia Guedes. Juiza do trabalho
97. Desirré Bollmann, juiza do trabalho do TRT 12
98. Leandra da Silva Guimarães, juíza do trabalho da 15 região
99. Katiussia Maria Paiva Machado, Juíza do Trabalho Substituta do TRT2
100. Olga Camilo, RG 5.256.000-4
101. Maria José Rigotti Borges, Juíza do Trabalho
102. Andrea Cristina de Souza Haus Bunn juiza do trabalho
103. Patrícia Pereira de Sant’Anna – juíza titular TRT 12
104. Daniele Correa Santa Catarina – desembargadora TRT 17
105. Kenarik Boujikian, cofundadora da Associação Juizes para a Democracia
106. Rita de Cássia Scagliusi do Carmo Juíza Do Trabalho da 15a Região
107. Amanda Ribeiro dos Santos – Promotora de Justiça – MPPR
108. Chimelly Louise de Resenes Marcon – Promotora de Justiça – MPSC
109. Caroline Maciel – MPF/RN
110. Luciene Angélica Mendes – Procuradora de Justiça- MPSP
111. Henriqueta de belli Leite de Albuquerque – promotora de justiça de Olinda/PE
112. Monica Sofia Pinto Henriques da Silva – Promotora de Justiça – MPMG
113. Luciana Albuquerque Prado – Promotora de Justiça- MPPE
114. Analúcia Hartmann, MPF/SC
115. Eliana Volcato Nunes – Procuradora de Justiça –MPSC
116. Solange Linhares – Promotora de Justiça – MPMT
117. Valderez Deusdedit Abbud – Procuradora de Justiça MPSP/SP
118. Renata Conceição Nóbrega Santos, Juíza do Trabalho e membra da AJD
119. Uda Schwartz, juíza de Direito, TJRS
120. Gabriela Lenz de Lacerda, Juíza do Trabalho
121. Célia Regina Ody Bernardes, Juíza Federal e membra da AJD
122. Herika Machado da Silveira Cecatto – Juiza substituta do TRT da 12ª Região
123. Alice Grant Marzano – Auditora Fiscal do Trabalho
124. Marilena Indira Winter – Vice Presidenta da OAB/PR, advogada, professora de Direito Civil da PUC, Procuradora do Município de Curitiba
125. Maria Madelena Selvatici Baltazar – Advogada e Procuradora do Estado ES
126. José Hildo Sarcinelli Garcia
127. Antônio Fabrício de Matos Gonçalves – advogado e ex-Presidente da ABRAT
128. Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de São Paulo
129. Movimento Mulheres do MP
130. CONAPETI – Comitê Nacional de Adolescentes pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
131. Carmen Dora de Freitas Ferreira – Conselheira Consultiva da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo ”

Espalhe e assine a petição pública:

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Feminismo

“Estupro culposo”, culpa da vítima?

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Por Sonia Coelho*

O caso de André de Camargo Aranha veio à tona nas redes sociais por conta de sua absolvição pela denúncia de estupro de vulnerável. Segundo o The Intercept Brasil, durante o processo o promotor Thiago Carriço de Oliveira apresentou a tese de que não se pode comprovar, na conduta do acusado, a intenção de estuprar, a capacidade de perceber que Mariana não poderia consentir.

A audiência foi gravada e mostra como as vítimas de violência são revitimizadas pela Justiça que deveria acolhê-las. O tratamento à denúncia de estupro feita por Mariana Ferrer escancarou o que nós do movimento feminista temos denunciado sistematicamente: o quanto o Judiciário brasileiro é machista, misógino, patriarcal.

O advogado de defesa de André Aranha, Cláudio da Rosa Filho, armou um show contra Mariana, chegando a falar de sua roupa e de sua conduta para “justificar” o estupro. Expondo e julgando fotos que nada tinham a ver com o caso, e usando uma série de questões morais, tentou justificar que Mariana tivesse consentido com o estupro. É inaceitável que juiz e promotor presenciem a humilhação e o assédio moral proferidos pelo advogado de defesa em relação à vítima e não façam nada, não se pronunciem nem interrompam o advogado.

Não existe estupro “sem querer”

A interpretação do caso pela promotoria afirmou, segundo citação da Folha de São Paulo, que “não restou provada a consciência do acusado acerca de tal incapacidade, tendo-se, juridicamente, por não comprovado o dolo do acusado”– o que o portal The Intercept Brasil resumiu como “estupro culposo” em sua reportagem. O caso revela a dificuldade que as vítimas de crimes de estupro enfrentam para ver os agressores punidos, especialmente quando eles são brancos e ricos. O que Mariana relata é que o estupro aconteceu numa situação em que estava absolutamente vulnerável, sem condições de tomar qualquer decisão. Estupro não é acidente e a palavra da vítima deve prevalecer.

Embora a sentença não tenha citado a classificação do “estupro sem intenção” ou “estupro culposo”, a discussão do tema é essencial para evitar que mais uma tese seja emplacada no Judicário para absolver estupradores no Brasil. Teses machistas estão sendo retomadas no Judiciário, como as de “defesa da honra” e “violenta emoção”. São muitas as teses que o Judiciário brasileiro tem aceitado para manter a impunidade dos agressores no Brasil. Isso só fortalece a cultura do estupro.

O estupro não é um exercício da sexualidade. O estupro é o exercício do poder dos homens sobre as mulheres. Serve para colocar as mulheres no lugar de subordinação, e foi isso que essa audiência tentou: colocar Mariana Ferrer num lugar de subordinação.

O recente caso do jogador de futebol Robinho apresenta uma situação semelhante: ele mesmo dizia que a mulher sequer tinha condição de ficar em pé ou se expressar, mas continuou dizendo que ela quis, e que aquilo não era problemático porque “nem era sexo”. Essa é a tese machista de que os homens não têm essa capacidade de discernir, e é muito perigosa porque aceita como consentimento situações em que o consentimento é impossível. Na nossa sociedade, há um acobertamento dessas situações de violência, propondo uma aceitação como se fosse “algo da vida”. Isso é a banalização do estupro.

Os dados recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública são alarmantes: em 2015, acontecia um estupro a cada 11 minutos, um dado já muito preocupante; em 2019, a situação piorou muito, passando a um estupro a cada oito minutos. Além disso, nesse período de pandemia que nos exigiu aumentar o isolamento social, vimos diversos estudos apontando um aumento ainda maior dos números de estupro e violência contra a mulher no Brasil. O que o Estado tem feito para se responsabilizar por essa calamidade?

Denunciar não pode acarretar em mais violências

A situação de Mariana Ferrer escancara uma realidade gravíssima. Oestupro já é um crime subnotificado, pela dificuldade de denunciar e ser ouvida. Muitas meninas e mulheres sentem vergonha de denunciar e expor sua intimidade, sua vida pessoal, seus traumas. A dificuldade aumenta quando não há confiança com a Justiça. O que aconteceu com a Mariana é uma prova dessa dificuldade: a vítima torna-se ré, torna-se culpada e é exposta, enquanto o violador sai impune e preservado, porque a palavra dele detém mais poder e confiança.

São várias mulheres e meninas que passam a vida convivendo com o fantasma do estupro que viveram sem conseguir denunciar, exatamente por medo e por vergonha. É por isso que muitas mulheres só conseguem falar sobre o que viveram depois de muitos anos. A desresponsabilização do Estado gera ciclos profundos de violência, anos de silêncio e dor, e afeta até mesmo a saúde mental das mulheres.

No Judiciário, a injustiça tem gênero, classe e raça. É bastante perceptível que a Justiça hoje criminaliza e ataca aqueles que oferecem algum risco ao sistema, ao mesmo tempo que permite a violência contra esses setores. O sistema que protege André de Camargo Aranha (um empresário branco que pode pagar por um dos advogados mais caros de Santa Catarina) é o mesmo que permite que a Polícia Militar assassine e encarcere a população negra, violando de forma brutal os direitos humanos.

Os homens poderosos acusados de estupro têm uma segurança de que as mulheres não vão ter coragem de denunciar e que, mesmo que denunciem, seu dinheiro e posição social são argumentos suficientes para jogar a culpa nas mulheres, dizendo que elas que “não se comportaram como deveriam”. Esse tipo de postura conivente do Judiciário dá a certeza para esses homens de que eles podem continuar estuprando e violentando as mulheres. E esse é um problema da Justiça brasileira e de toda a sociedade.

Isso significa que a Justiça só irá se mexer se nos mobilizarmos. Até 2005, por exemplo, o casamento do estuprador com sua vítima anulava o crime no Brasil. Não fosse o avanço do movimento feminista sobre esse tema, talvez isso ainda vigorasse até hoje. São diversos os casos de violência contra a mulher em que a manifestação do movimento feminista foi crucial para que a Justiça avançasse e a violência recuasse.

Só o feminismo pode mudar a nossa realidade

Graças à luta do movimento feminista, temos avanços importantes para que haja justiça diante de casos de violência e estupro.

Já tivemos muitos avanços, como a aprovação da Lei Maria da Penha em 2003, que possibilitou toda uma gama de políticas públicas de enfrentamento à violência. Ainda assim, precisamos de uma série de políticas que consigam concretizar o que está escrito nas leis, e isso só é possível com o movimento feminista organizado e com a responsabilização do Estado. No período dos governos do PT na Presidência da República, tivemos uma Secretaria de Política para as Mulheres responsável por políticas e programas muito importantes contra a violência e por ampliação da autonomia das mulheres. Infelizmente, muitas delas foram desmontadas pelo governo golpista de Temer ou pelo Ministério da Família de Damares e Bolsonaro.

Todas essas experiências nos mostram que, além de um sistema de justiça efetivo, é preciso uma série de políticas públicas para combater a violência. Essas políticas precisam ser permanentes, e se concretizar na vida das pessoas: serem acessíveis em todos os cantos das cidades, terem orientação feminista, combaterem a violência de forma integral. Para isso, não basta a política nacional. Políticas no âmbito estadual e municipal são cruciais, tanto para garantir a efetivação das políticas e dos serviços públicos, quanto para relacioná-las com a realidade de cada território, enfrentando os desafios próprios e se articulando com as organizações de mulheres e comunitárias em cada lugar.

O caso de Mariana Ferrer é mais um que mostra a necessidade da luta feminista e a necessidade de pensarmos em políticas para o combate à violência contra a mulher, incluindo aí um amplo debate sobre como esses casos são tratados pela Justiça brasileira. Precisamos nos manifestar e exigir que esses casos sejam tratados com a seriedade que lhes é devida. Temos que lutar para denunciar esse caso, fazê-lo retornar para um novo julgamento, onde haja respeito e o combate à violência seja levado a sério. Não iremos aceitar teses machistas, criadas para manter a impunidade do estupro no Brasil.

(*) Sonia Coelho é militante da Marcha Mundial das Mulheres, assistente social e candidata a vereadora em São Paulo.

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Feminismo

Estupro e feminicio em Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros

A cidade conhecida nacionalmente pelo clima esotérico, energia positiva e atrai turistas que exalam positividade, não tem sido um lugar seguro para as moradoras locais

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Republicação do jornal Metrópoles, por Anderson Costolli

APolícia Civil de Goiás (GO) investiga um caso de violência sexual que deixou os moradores de Alto Paraíso (GO), um dos principais destinos turísticos de Goiás, revoltados. Uma mulher, identificada como Oigna Rodrigues da Silva, 43 anos, foi estuprada e, devido aos graves ferimentos provocados pela brutalidade, morreu. Ela chegou a ser socorrida e encaminhada para o hospital da cidade, mas não resistiu.

O caso ocorreu nessa quarta-feira (16/9). Oigna foi encontrada em casa, por uma equipe do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), bastante machucada e o Serviço de Atendimento Móvel Urbano (Samu) foi acionado. A vítima recebeu o atendimento na unidade de saúde, com adoção dos procedimentos e protocolos indicados às vítimas de violência sexual, mas veio a óbito na manhã dessa quinta-feira (17/9).

A Secretaria Municipal de Saúde do município de Alto Paraíso disse que os serviços de segurança pública foram notificados das lesões que a paciente apresentava, através de exame comprobatório de corpo delito preenchido pelo médico de plantão.

O prefeito de Alto Paraíso, Martinho Mendes da Silva, repudiou o caso de violência e disse, por meio de nota, que acionou a PCGO, “solicitando uma atuação severa e investigação rigorosa”.

Oigna era uma mulher bastante conhecida no município. Por ter sofrimentos psíquicos, era atendida pela equipe da Secretaria de Assistência Social e do CRAS havia 12 anos, segundo a prefeitura.

Segundo o boletim de ocorrência, a vítima tinha um atendimento marcado com a assistente social do CRAS para quarta-feira (16/9), mas a paciente não compareceu. Desconfiada, uma equipe foi até a casa da mulher, que não atendeu a porta. Pela janela, uma das assistentes sociais avistou os pés de Oigna, que estava caída no chão.

Com a ajuda de uma vizinha, a funcionária do CRAS conseguiu entrar na casa de Oigna e a encontrou caída, de bruços, com vários ferimentos no rosto e com muito sangue no chão. “Ela estava sem consciência, sangrando, porém, respirando de forma ofegante”, consta no boletim.

Ao chegarem ao local, os atendentes do Samu fizeram os primeiros socorros e verificaram que o sangue na roupa da vítima já estava seco, o que indicava que os ferimentos haviam ocorrido tinha algum tempo.

Os sinais de violência sexual só foram identificados no hospital, no momento em que os funcionários da unidade davam banho em Oigna. “Ela possuía sinais de agressão física no tórax, seio, e também laceração na vagina, em decorrência de uma violência sexual”, diz o documento. Oigna aguardava pela transferência para um hospital em Goiânia, quando teve uma parada respiratória e faleceu.

Delegado da Polícia Civil de Goiás à frente do caso, Danilo Meneses diz que o crime foi cometido com requinte de crueldade. “Já identificamos um suspeito e pretendemos dar uma resposta à sociedade o quanto antes. O crime é realmente chocante. Inadmissível”, disse o delegado.

“Justiça por Oigna”

Nas redes sociais, um coletivo de mulheres de Alto Paraíso clama por segurança, uma vez que ninguém foi preso. O grupo organiza, ao menos, duas manifestações e exigem respostas das autoridades que investigam o caso.

Nesta sexta-feira (18/9), às 17h, ocorre a Marcha Justiça por Oigna, com concentração na Praça do Canãa. A orientação é que todas as mulheres compareçam ao protesto de roupas pretas e levem velas.

Uma nova manifestação está marcada para a próxima segunda-feira (21/9), desta vez em frente à Prefeitura Municipal de Alto Paraíso. O ato Justiça por Oigna começa às 10h.

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Belo Horizonte

A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

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Texto: Lucas Bois
Revisão: Ágatha Azevedo

Escutar notícias, ouvir uma narração e ser levado por uma trilha sonora… O que antes poderia ser um programa de rádio, hoje talvez seja um episódio de podcast. Esse fenômeno que invadiu a internet há poucos anos, continua em constante crescimento no número de ouvintes e se expande também na variedade de assuntos oferecidos. Atualmente, grande parte dos temas de podcasts estão relacionados à pandemia da COVID-19 ou ao contexto sócio-político decorrente do bom ou mau enfrentamento dos governos a essa crise mundial sanitária. No nosso país, a pandemia escancara as desigualdades ao evidenciar os problemas sociais que separam as classes econômicas da população.

Diante desse contexto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez decidiram mergulhar no mundo do podcast para contar histórias de mulheres brasileiras que enfrentam a pandemia, além dos desafios diários vividos cotidianamente. “A gente tem certeza que as mulheres sempre tem as melhores soluções. Ao reunir essas histórias, trazemos muitas ideias e inspirações, formando uma grande ciranda. Daí veio o nome do podcast: Cirandeiras“, conta Joana.

Para conhecer melhor esse espaço de webrádio e feminismo, os Jornalistas Livres fizeram um bate-papo com as jornalistas que contam sobre o processo de produção, a pandemia e a relação desse projeto com a democratização da comunicação.

Como começou

Raquel Baster e Joana Suarez já dividiam afinidades pelas pautas feministas e bastou apenas uma semana de quarentena para que colocassem o projeto do podcast em ação. Joana, que vem do jornalismo de redação, conta que já vinha se aproximando da rede de podcasts, refletindo sobre a acessibilidade do áudio e seu poder de democratizar: “A maioria dos textos que eu faço são textos enormes e tenho a certeza que muita gente não lê, principalmente as mulheres sobre quem eu falo. O áudio me atraía muito porque leva as pessoas a imaginarem, criar cenários e ir para outra dimensão. Agora na pandemia onde as pessoas estão confinadas, o podcast virou uma companhia, uma forma de sair de casa.”

Já Raquel trouxe ao universo do podcast, sua experiência com a comunicação popular: “Eu sempre trabalhei muito com rádio comunitária e me interesso por essa forma de comunicação que está mais próxima das pessoas. Por mais que ainda seja um novo tipo de mídia, o podcast traz as características do rádio, como as histórias contadas através de uma narração.”

Como é produzido

Muitas vezes, quem escuta um podcast não imagina o que pode estar por trás de sua produção. Segundo as jornalistas, a primeira coisa a fazer é pensar no tema e escolher as mulheres para as entrevistas, por elas chamadas de “cirandeiras”.

“Geralmente o episódio tem a ver com uma pauta que já trabalhamos anteriormente e assim, procuramos mulheres que já tivemos contato. Por coincidência, toda vez que decidimos uma pauta, acontece algo nacionalmente que se conecta ao programa.” Joana lembra que o episódio recente Pandemia na internet sobre segurança digital foi ao ar na mesma semana em que o Senado brasileiro discutia o projeto de lei que combate fake news, enquanto outra discussão acontecia nas redes sobre a exposição de dados pessoais dos usuários do aplicativo FaceApp.

Após o primeiro contato, elas fazem uma pesquisa sobre a cirandeira, enviam as perguntas e dão algumas dicas à entrevistada de como fazer uma boa gravação utilizando o próprio WhatsApp. Como essa orientação, muitas vezes, não é suficiente, nem sempre os áudios tem a melhor qualidade, “mas na pandemia tá tudo justificado”, comenta Joana.

Com as respostas da entrevistada, o roteiro chega a ter mais de 10 páginas e leva de 20 a 30 horas para sua elaboração. A cada episódio, uma delas toma à frente a função de escrever o roteiro, incluindo referências pessoais, e em seguida, a parceira acrescenta a sua parte. “A gente percebe que às vezes um tema muito comum para uma, pode ser muito complexo para a outra. A gente vai se complementando para facilitar o entendimento de quem escuta”, conta Raquel.

Depois do roteiro, vem a hora da gravação que exige algumas preparações, como escolher um horário silencioso do dia para gravar, desligar a geladeira e armar um pequeno estúdio caseiro com edredons. “O legal do podcast é que é uma mídia barata. Basta ter um celular, internet e gambiarras”, conta Joana dando risadas.

Retorno dos ouvintes

As jornalistas contam que 75% das pessoas que ouvem o podcast são mulheres e pertencem ao grupo social que elas convivem. Além do desafio de expandir a rede de ouvintes, elas relatam que ainda é uma grande dificuldade fazer com que o podcast retorne às pessoas entrevistadas e a outras mulheres que não estão acostumadas a esse tipo de mídia.

Raquel conta que a cirandeira Lia de Itamaracá, entrevistada no episódio Pandemia na Ilha, só pôde escutar o podcast após seu produtor viajar até a ilha onde mora para mostrá-la pessoalmente em seu celular. Lia é uma das mulheres brasileiras que ainda não fazem parte dessa grande rede de internet em 2020.

Um infográfico produzido pelo site iinterativa utilizando as fontes do IBOPE, Spotify Newsroom e ABPod, mostra que cerca de 45% do público dos podcasts é formado por homens, do sudeste do país, que pertencem às classes A e B e tem entre 16 e 24 anos. Segundo a pesquisa feita em 2019, 32% dos entrevistados nem sabiam o que é um podcast.

Se o podcast ainda é limitado a uma pequena parcela da população, o WhatsApp talvez possa ser um lugar mais democrático para a sua difusão. As jornalistas contam que decidiram fazer os episódios em formatos pequenos de até 30 minutos para conseguir enviar pelo aplicativo de mensagens e garantir que o podcast alcance o maior número de pessoas.

Democratização da comunicação

Para a jornalista Raquel Baster, é inevitável discutir o alcance dos podcasts sem pensar na democratização dos meios de comunicação no Brasil. Apesar do surgimento das novas mídias, grande parte das informações veiculadas é controlada por um conglomerado de grandes empresários que atendem os interesses privados dessa própria elite.

Segundo ela, “não adianta inventar a roda do podcast, sem falar da estrutura da comunicação no Brasil. Para tornar (a comunicação) mais acessível, precisamos discutir a concentração midiática. A internet ainda não é acessível para grande parte da população brasileira. Precisamos que o maior número de pessoas tenham acesso, mas que possam também alcançar os meios de produção.”

No episódio sobre trabalhadoras rurais, a entrevistada Verônica Santana fala sobre a dificuldade das agricultoras em conseguir se comunicar durante a pandemia, visto que o trabalho sempre foi presencial. “A gente tem muita dificuldade, tanto no domínio dessas ferramentas, como no desafio de que a internet não funciona na maioria dos nossos territórios rurais. No campo, a internet ainda não é uma realidade.”, diz Verônica.

Segundo a pesquisa TIC Domicílios, apenas 50% da população rural tem acesso a internet e esses números podem diminuir ainda mais de acordo com o recorte social e econômico.

Por outro lado, Joana revela seu otimismo no poder das novas mídias: “Acho que o podcast vai se democratizar como aconteceu com o Instagram. Quando a gente poderia imaginar ter acesso a sotaques das pessoas do sertão do Cariri?” Joana se refere ao podcast BUDEJO, de Juazeiro do Norte, e cita ainda o Radionovela produzido por alunos da UFPE em Caruaru, no agreste pernambucano, que narra em formato de radionovela O Alto da Compadecida em Tempos de Pandemia, adaptação da obra de Ariano Suassuna.

Para onde vai essa Ciranda

O podcast Cirandeiras teve início durante a pandemia, portanto grande parte dos seus episódios tem esse tema como contexto. No entanto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez pretendem continuar os episódios futuramente, indo a diferentes locais do Brasil para entrevistar de perto as mulheres que conduzem “as cirandas”.

Os episódios das Cirandeiras estão disponíveis nas plataformas mais conhecidas de podcast e tem a cada quarta-feira um novo episódio. Também estão presentes no Instagram, onde ocorrem as lives com as outras mulheres dentro das temáticas dos programas.

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