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Campinas

Nós viemos para bagunçar os lugares da mesa.

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Por Taina Aparecida Silva Santos, publicado em Negro Belchior.

Falar sobre o atual panorama da luta por cotas nas universidades estaduais paulistas, em particular na Unicamp, me remete a pensar numa epígrafe contida no texto Racismo e sexismo na cultura brasileira, de Lélia Gonzáles. Ela diz o seguinte:

“Foi então que uns brancos muito legais convidaram a gente prá uma festa deles, dizendo que era pra gente também. Negócio de livro sobre a gente, a gente foi muito bem recebido e tratado com toda a consideração. Chamaram até para sentar na mesa onde eles estavam sentados, fazendo discurso bonito, dizendo que a gente era oprimido, discriminado, explorado. Eram todos gente fina, educada e viajada por esse mundo de Deus. Sabiam das coisas. E a gente foi sentar lá na mesa. Só que tava cheia de gente que não deu prá sentar junto com eles. Mas a gente se arrumou muito bem, procurando umas cadeiras e sentando bem atrás deles. Eles tavam tão ocupados, ensinando um monte de coisa pro crioléu da platéia, que nem reparam que se apertasse um pouco até que dava para abrir um espaçozinho e todo mundo sentar junto na mesa. […] A gente tinha que ser educado. E era discurso e mais discurso, tudo com muito aplauso. Foi aí que a neguinha que estava sentada com a gente deu uma de atrevida. Tinham chamado ela pra responder uma pergunta. Ela se levantou, foi lá na mesa pra falar no microfone e começou a reclamar por causa de certas coisas que tavam acontecendo na festa. Tava armada a quizumba. A negrada parecia que tava esperando por isso prá bagunçar tudo. E era um tal de falar alto, gritar, vaiar, que nem dava prá ouvir discurso nenhum. Tá na cara que os brancos ficaram brancos de raiva e com razão. […].”

Pensando na experiência que tive em participar da construção da luta por cotas, enquanto membro do  Núcleo de Consciência Negra da Unicamp me dedicarei ao longo deste texto a narrar a forma que fomos e estamos sendo recebidos nessa “festa”. Coloco isto não apenas como denúncia do racismo corriqueiro que enfrentamos cotidianamente em espaços brancos e elitistas como as universidades do estado de São Paulo, mas, também, enquanto uma proposta de fazer uma discussão sobre o lugar da luta antirracista nas agendas dos movimentos sociais. Nesse caso, daqueles que compõem a comunidade acadêmica e pouco se importam em dialogar com o movimento negro.

A resistência da Unicamp em, pelo menos, discutir a implementação do sistema de cotas no ingresso dos cursos de graduação há muito vem sendo denunciada por negras e negros que passaram por essa universidade. Numa breve conversa com antigos membros do NEN – Núcleo de Estudos Negros, que existiu há, aproximadamente, dez anos , é possível tomar conhecimento da presença desses debates e questionamentos de longa data. Depois de todo esse tempo, ocorreram novas configurações da organização negra e da luta antirracista na Unicamp, o que culminou na existência do atual Núcleo de Consciência Negra e da Frente Pró-Cotas, que, em 2015, potencializaram os acúmulos que resultaram na implementação da reserva de vagas para negros e indígenas em alguns programas de pós-graduação. A conquista da reserva de vagas em alguns programas de pós do IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas abriu os caminhos. No ano de 2016, o programa da Faculdade de Educação também implementou e, na última semana, a pós-graduação do Instituto de Economia também se somou à adoção dessa política.

Nesse percurso, a necessidade da implementação de cotas no sistema de ingresso dos cursos de graduação evidenciou-se ainda mais, pois, nenhuma política de ação afirmativa que a Unicamp utilizou, até então, foi eficaz no que se refere ao acesso de negras e negros. Ao ser colocada em cheque a credibilidade do PAAIS (Programa de Ação Afirmativa para a Inclusão Social,) a discussão causou mais impactos que trouxeram à tona muitas sutilezas do racismo presente na cultura brasileira e que orientou as maneiras que fomos recebidos nessa “festa”.

O primeiro espanto, de boa parte das pessoas atingidas pela discussão, foi a possibilidade de não estarmos loucos e a cotas serem uma saída para democratização do acesso à universidade pública. Entendo que boa parte desse desconhecimento pôde ser oriundo de ignorância, mas a experiência das federais foi praticamente ignorada por essas bandas. Isso foi e ainda é muito nítido: é incrível o número de pessoas, entre elas, professores e professoras, que não tinham noção, e muitos, nem interesse em relação ao que ocorreu nas outras universidades brasileiras. Entre trancos e barrancos seguimos num terreno um pouco menos desconfortável, mas ainda sim, nada favorável. Esse marco pode ser ilustrado pela possibilidade de, já em alguns espaços durante os debates, a ideia de qualquer pessoa poderia ser racista no Brasil não fosse tratada como loucura.

 

Foto de Rafael Kennedy

 

O avanço e ganho político nesse embate, no qual se destacou o processo de luta pelas cotas, ficaram marcados por um momento nunca visto na Unicamp até 2016: uma greve de aproximadamente cem dias, na qual as reivindicações das cotas raciais, sociais e ampliação da permanência estudantil foram o carro chefe. Claro que isso não poderia ocorrer sem ter tido uma acirrada disputa. Foram longos e desgastantes afrontes para que isso fosse possível. Nos ápices das discussões, momentos em que tivemos que falar sobre branquitude, por exemplo, fomos acusados de estarmos “atrapalhando a discussão”.

Quando passamos da fase de falarmos sozinhos ou para nós mesmos, o racismo foi reconhecido enquanto problema, porém, de maneira superficial, sem a profundidade e atenção que merece. Começamos a ser convidados para as festinhas, em que, no primeiro momento, “os brancos legais” falavam sobre todo o assunto de gente entendida, faziam “as discussões políticas” e depois nos cediam lugar na mesa para falar de “problemas específicos”, como se não tivessem responsabilidade nenhuma sobre, absolutamente, nada. Entretanto, não foram poucas as vezes que esperavam, somente, uma fala sobre nós: o lugar de negro – vítima, do oprimido – sem agência e sem resposta. A partir de então, algumas resistências passaram a fazer mais sentido para mim e foi possível perceber que mais coisas informavam os anseios de quem tinha expectativa que os negros “estivessem na universidade para sambar”.  Sutilezas que escancaram as leituras racializadas que são feitas dos nossos corpos e das nossas ações num espaço como este.

As afirmações corriqueiras passaram a ter algo a mais, inclusive uma clássica: a que as pessoas negras são invisíveis quando ocupam lugares de produção de conhecimento, de poder, ou seja, aqueles em que se naturalizou a presença de brancos. Eu não discordo, porém acho que a situação é um pouco mais complexa e o debate deve ser mais qualificado para não nos aprisionarmos no perigo de uma história única, como alertou Chimamanda Ngozi Adichie. Além disso, ficarmos atentos para o que, quem ou do que provém esse silenciamento é um bom começo.

No exercício de se isentar da discussão sobre relações raciais, aqueles que têm boa retórica usam como defesa, e até mesmo como álibi, a “questão de classe”. De maneira simplista subordinam a raça a ponto de quase apagá-la às custas de manter a integridade das questões “maiores”… de gente fina e educada. O lugar do subemprego ocupado por trabalhadoras e trabalhadores negros na universidade é volta e meia usado como um objeto para demonstrar empatia à população negra e conhecimento sobre o problema do racismo. Discurso que se acaba nele mesmo quando não se dá importância para que uma política como as cotas poderia ter na vida de famílias como as dessas pessoas que, no limite, são como as família de poucos pretos e pretas que ainda são os únicos nas suas salas. Frente a isso, quando chegamos nessa “festa” e tomamos o microfone para falar sobre isso, “está armada quizumba”, a possibilidade de passarmos despercebidos se esvai e se iniciam as tentativas de desqualificação e silenciamentos. No entanto, reconhece que nos calar não tem sido uma tarefa fácil, pois nós viemos para mudar os lugares na mesa.

O trabalho científico e acadêmico de muitas pessoas negras sobre o assunto ainda continua sob um silêncio ensurdecedor, pois mesmo nossa argumentação sendo bem fundamentada, ela não vale, simplesmente porque inclui o pensamento de pessoas que a comunidade acadêmica deixa à margem. A atuação política do movimento negro brasileiro, que pauta as cotas raciais já em termpos anteriores à redemocratização, não conta e torna-se enfeite, pois, para muitos, a política de reserva de vagas “foi um mecanismo de cooptação que o Partido dos Trabalhadores – PT utilizou para conquistar essa população”. Foi, também no sentido de sanar esse “desconhecimento” da realidade que assombra o Brasil que foram organizadas três audiências públicas durante o segundo semestre de 2016. Foi um evento proveitoso, que contou com intelectuais, ativistas de movimentos sociais, estudantes de dentro e fora da Unicamp, cursinhos populares e etc. Desse processo, resultou um material elaborado pelo Grupo de Trabalho responsável pela organização dessas audiências que contém as transcrições, resumo das falas e, ainda, uma proposta para que a Unicamp adote as cotas raciais como política de ação afirmativa.

Nas vésperas da votação do Conselho Universitário que irá decidir se a Unicamp implantará as cotas ou não, continuamos sendo ignorados por muita gente que ainda têm coragem de dizer esse não é o caminho para prosseguirmos nessa luta e até que precisamos de mais tempo para fazer esse debate, pois “a Unicamp precisa cuidar dos negros de dentro para depois incluir os de fora”. Posicionamentos que não são de se espantar e também não são inéditos- a experiência das universidades federais nos ensinaram  boas lições nesse sentido.

Após 2012, ano no qual a discussão sobre cotas tomou âmbito nacional, uma série de estudantes e professores de uma universidade “de ponta” alegam incompreensão sobre o assunto e continuamos na saga de convencer essas pessoas que direitos sociais não são privilégio para os brancos. Espero que o dia 30 de maio seja um dia mudança, pois se, até lá, não conseguirem entender que negros e negras também são cidadãos deste país, não terão motivos para mais tarde nos chamarem de radicais.

Taina Aparecida Silva Santos* – Milita no movimento negro e no movimento de mulheres negras da cidade de Campinas; graduanda em História no  IFCH/ UNICAMP.

 

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Campinas

Famílias da Comunidade Mandela fazem ato em frente à Prefeitura de Campinas

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Comunidade Mandela Luta por Moradia

Em busca de uma solução, mais uma vez, moradores tentam ser atendidos

Os Moradores da Comunidade Mandela  fizeram nesta quinta-feira (17), um ato de protesto em frente à Prefeitura  de Campinas. O motivo da manifestação  é o   impasse  para o  problema da moradia das famílias que se arrasta desde 2016. E mais uma vez,  as famílias sem-teto  estão ameaçadas pela reintegração de posse, de acordo com despacho  do juiz  Cássio Modenesi Barbosa, responsável pelo processo a  sua decisão  só será tomada após a manifestação do proprietário.
Entretanto, o juiz  não considerou as petições as Ministério Público, da Defensoria Pública que solicitam o adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19, e das especificidades do caso concreto.
O prazo  final   para a  saída das famílias de forma espontânea  foi encerrado no dia 31 de agosto, no dia  10 de setembro, dez dias depois de esgotado o a data  limite.

As 104 famílias da Comunidade ” Nelson Mandela II” ocupam uma área de de 5 mil metros quadrados do terreno – que possui 300 mil no total – e fica  localizado na região do Ouro Verde, em Campinas . A Comunidade  Mandela se estabeleceu  nessa área em abril de 2017,  após sofrer  uma violenta reintegração de posse no bairro Capivari.

Negociação entre o proprietário do terreno e a municipalidade

A área de 300 mil metros quadrados é de propriedade de Celso Aparecido Fidélis. A propriedade não cumpre função social e  possui diversas irregularidades com a municipalidade.

 As famílias da Comunidade Mandela já demonstraram interesse em negociar a área, com o proprietário para adquirir em forma de cooperativa popular ou programa habitacional. Fidélis ora manifesta desejo de negociação, ora rejeita qualquer acordo de negócio.

Mas o proprietário  e a municipalidade  – por intermédio da COAB (Cia de Habitação Popular de Campinas) – estão negociando diretamente, sem a participação das famílias da Comunidade Mandela que ficam na incerteza do destino.

As famílias querem ser ouvidas

Durante o ato, uma comissão de moradores  da Ocupação conseguiu ser liberada  pelo contingente de Guardas Municipais que fazia  pressão sobre os manifestantes , em sua grande maioria formada pelas mulheres  da Comunidade com seus filhos e filhas. Uma das características da ocupação é a liderança da Comunidade ser ocupada por mulheres,  são as mães que  lideram a luta por moradia.

A reunião com o presidente da COAB de Campinas  e  Secretário de  Habitação  – Vinícius Riverete foi marcada para o dia 28 de setembro.

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Ação Humanitária

Vítimas da Covid-19 e seus familiares recebem homenagem e solidariedade

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Em Campinas, interior de SP, coletivo se organiza contra o apagamento da memória  das verdadeiras vítimas da pandemia

Hoje,  05 de setembro, aconteceu pela  manhã  no centro da cidade  o “Ato Vidas Interrompidas” promovido  pelo   Coletivo 1000vidas. O  ato foi planejado para evitar aglomeração e foi transmitido ao pela página https://tv.socializandosaberes.net.br,    com  falas e intervenções artísticas  que iniciaram no Largo do Rosário .

Ato Vidas Interrompidas – Campinas-05-09-2020 Foto: Fabiana Ribeiro

Na sequência, os participantes seguiram em cortejo para a Praça Bento Quirino . Na praça – marco zero da cidade – está localizado o monumento-túmulo de Carlos Gomes, que  recebeu uma instalação artística com o intuito de homenagear às vítimas do Covid-19. Dessa forma foram colocados mil laços de fitas representando cada vida perdida para a doença, na cidade de Campinas.

Ato Vidas Interrompidas – Campinas-05-09-2020 Foto: Fabiana Ribeiro

Na  semana passada, Campinas superou as 1000 mortes confirmadas, sendo o 11º município brasileiro com mais óbitos causados pela Covid-19.
 Campinas ainda tem mais óbitos pela doença que 15 capitais de estado do Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, entre elas Curitiba, Belo Horizonte e Porto Alegre, que são mais populosas e que têm 969, 944 e 663 mortes confirmadas, respectivamente.

Ato Vidas Interrompidas – Campinas-05-09-2020 Foto: Fabiana Ribeiro

O coletivo

O Coletivo 1000vidas nasceu da indignação de algumas pessoas com o apagamento da memória de amigos, familiares, conhecidos e cidadãs/ãos que estão morrendo ou sofrendo com o Covid-19 sob um manto de apatia de governantes e de parte da imprensa que nos têm tratado como estatísticas de adoecimentos e mortes aceitáveis frente às necessidades da economia e do mercado.  Movido pelo sentimento incômodo da indignação, o  coletivo propõe ações  que desvelem as narrativas   das famílias e as dores de suas perdas e pretende realizar diversas outras  atividades , uma das propostas é um Memorial Virtual  na forma de uma página na internet dando voz e prestando  homenagens, a quem partiu e a quem sofre por estas vidas interrompidas prematuramente. O memorial conta com apoio do Conselho Municipal de Saúde de Campinas.

 Integram o coletivo mais de 40  movimentos organizados de trabalhadores, sociais, culturais e outros.

Mais retomada de atividades e número de vítimas continua crescendo

No dia 02 de setembro, o Prefeito de Campinas – Jonas Donizette (PSB) assinou o decreto que autoriza a retomada de atividades culturais, como museus, cinemas e teatros, além de permitir eventos, convenções e serviços de bufê adulto, a partir de 04 de setembro .

A Prefeitura de Campinas (SP) informou, neste sábado (5), que foram confirmadas mais 10 mortes por novo coronavírus, além de outros 344 casos. Com isso, a cidade chegou a 1.069 óbitos provocados pela covid-19, e 29.327 moradores infectados.

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Campinas

Em meio à Pandemia a Comunidade Mandela amanhece com ameaça de despejo

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O dia de hoje (31/08) será decisivo para as 108 famílias que vivem na área ocupada na região do Jardim Ouro Verde em Campinas, interior de São Paulo.  Assim sendo, o último dia do mês de agosto, a data determinada como prazo final para que os moradores sem-teto deixem a área ocupada, no Jardim Nossa Senhora da Conceição.   A comunidade está muito apreensiva e tensa aguardando a decisão do juiz  Cássio Modenesi Barbosa – da 3ª Vara do Foro da Vila Mimosa que afirmou só se manifestar sobre a suspensão ou não do despejo na data final, tal afirmativa só contribuiu ainda mais para agravar o estado psicológico e a agonia das famílias.

A reintegração é uma evidente agressão aos direitos humanos  dos moradores e moradoras  da ocupação, segundo parecer socioeconômico  do Núcleo  Habitação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo . As famílias não têm para onde ir e cerca de entre as/os moradoras/es estão 89 crianças menores de 10 anos, oito adolescentes menores de 17 anos, dois bebês prematuros, sete grávidas e 10 idosos. 62 pessoas da ocupação pertencem ao grupo de risco para agravamento da Covid-19, pessoas idosas e com doenças cardiológicas e respiratórias, entre outras podem ficar sem o barraco que hoje as abriga.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara de Campinas e o Ministério Público (MP-SP) se manifestaram em defesa do adiamento da reintegração durante a pandemia. A Governo Municipal  também  se posicionou favoravelmente  a permanência após as famílias promoverem três atos de protesto. Novamente  a  Comunidade  sofre com a ameaça do despejo. As famílias ocupam essa área desde 2017 após sofrem uma reintegração violenta em outra região da cidade.

As famílias

Célia dos Santos, uma das lideranças  na comunidade relata:

“ Tentamos várias vezes propor  a compra do terreno, a inclusão das famílias em um programa habitacional, no processo existem várias formas de acordo.  Inclusive tem uma promessa que seriam construídas unidades habitacionais no antigo terreno que ocupamos e as famílias do Mandela  seriam contempladas. Tudo só ficou na promessa. Prometem e deixam o tempo passar para não resolver. Eles não querem. Nós queremos, temos pressa.  Eles moram no conforto. Eles não têm pressa”

Simone é mulher negra, mãe de cinco filhos. Muito preocupada desabafa o seu desespero

“ Não consigo dormir direito mais. Eu e meu filho mais velho ficamos quase sem dormir a noite toda de tanta ansiedade. Estou muito tensa. Nós não temos para onde ir, se sair daqui é para a rua. Eu nem arrumei  as  coisas porque não temos nem  como levar . O meu bebê tem problemas respiratórios e usa bombinha, as vezes as roupinhas dele ficam sujas de sangue e tenho sempre que lavar. Como vou fazer?”

Dona Luisa é avó, mulher negra, trabalhadora doméstica informal e possui vários problemas de saúde que a coloca no grupo de risco de contágio da covid-19. Ela está muito apreensiva com tudo. Os últimos dias têm sido de esgotamento emocional e a sua saúde está abalada. Dona Luisa está entre as moradores perderam tudo o que possuíam durante a reintegração de posse em 2017. A única coisa que restou, na ocasião, foi a roupa que ela vestia.

“ Com essa doença que está por aí  fica difícil  alguém querer dar abrigo  para a gente. Eu entendo as pessoas. Em 2017 muitos nos ajudaram e eu agradeço a Deus. Hoje será difícil. E eu entendo. Eu vou dormir na rua, junto com meus filhos e netos.
Sou grupo de risco, posso me contaminar e morrer.
E as minhas crianças? O quê será das crianças? Meu Deus! Nossa comunidade tem muitas crianças. Esses dias minha netinha me perguntou onde iríamos morar? Eu me segurei para não chorar na frente dela. Se a gente tivesse para onde ir não estaria aqui. Não é possível que essas pessoas não se sensibilizem com a gente.
Não é possível que haja tanta crueldade nesse mundo.”

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