O grito de guerra das mulheres em Santa Catarina ecoou durante a semana inteira em Florianópolis e em diversas cidades do Estado, marcando a aliança do movimento feminista com as lutas das minorias políticas golpeadas pelo neoliberalismo. Estudantes, trabalhadoras do campo e da cidade, negras, indígenas, quilombolas, transgêneros, donas de casa, profissionais do sexo, mulheres com deficiência: em cada universidade, em cada sindicato, em cada ONG, em cada escola, em cada parlamento elas pararam, debateram, denunciaram o crescimento da violência física e as investidas neoliberais contra os direitos da mulher, protestaram e ocuparam as ruas. Em torno de sete mil sacudiram Florianópolis na marcha unificada do dia 8 de março, mas o número de mulheres mobilizadas durante toda a semana em Santa Catarina ainda não foi calculado. “Foi uma semana histórica que vai mudar a consciência política das mulheres e marcar uma grande virada na resistência feminista”, avalia Shirley Azevedo, da coordenação do 8M.
No Dia 8, a insurreição começou às 6h30m da manhã, com a distribuição de panfletos no Terminal de Integração do Centro e só silenciou às 21h30 da noite, quando as participantes da Marcha Internacional do Dia das Mulheres retornaram para casa, depois de um catacraço. Das 9 às 18 horas, uma grande Tenda do 8MBrasilSC foi montada no Largo da Alfândega, onde a população participou de uma comovente tribuna livre para mulheres, debates acalorados, exibição de vídeos, esquetes teatrais, poesia, música e atendimento com profissionais de saúde e do direito. Da tenda, cerca de 300 manifestantes percorreram o calçadão da Felipe Schmidt para protestar contra a Reforma da Previdência em frente ao posto central do INSS. Às 17 horas, uma Assembleia de Mulheres aprovou o Manifesto 8M BrasilSC.
A concentração para a marcha iniciou às 18 horas, no Ticen, esquentada por maracatus, blocos de batuque e de capoeira e partiu às 19 horas para a Praça XV, arrastando milhares de mulheres com os corpos cobertos de mensagens contra o machismo, o racismo, a homofobia. “Protestamos contra as políticas de morte à vida e à diversidade que foram encorajadas e fomentadas pelo Golpe de Estado de 2016”, afirmou a coordenadora do Movimento Negro Unificado, Vanda de Oliveira Pinedo. Homens e crianças também aderiraram ao protesto, que teve como grande vilão as reformas trabalhista e previdenciária e o governo golpista de Temer. As palavras de ordem “Fora Temer” misturaram-se aos motes feministas e vibraram como um só canto de liberdade para mulheres e homens oprimidos pelo capitalismo e por um Estado que se ausentou das suas obrigações com as políticas públicas capazes de garantir o direito à vida.
Puxada por uma grande faixa lilás alusiva à greve internacional das mulheres, a multidão multicolorida e multipartidária parecia não ter fim quando adentrou a avenida Paulo Fontes. Bandeiras e cartazes que elas prepararam durante o fim de semana traziam mensagens fortes exigindo “Um basta à Violência e à Retirada dos Direitos” ou reclamando as companheiras abatidas pelo machismo ou pela homofobia: “Não estão todas. Faltam as que morreram” ou “Luto pelas Dandaras”. Mulheres da Juventude Comunista empunharam uma grande faixa com a imagem das militantes torturadas, assassinadas e desaparecidas pela ditadura. A elas se somaram outros blocos anarquistas e multipartidários e multicoloridos, com a cor lilás predominando e a alegria revolucionária sobrepondo a tristeza e a indignação pelo momento mais grave da história na retirada dos direitos das mulheres, conforme Kelly Vieira Meira, presidente do Conselho em Defesa dos Direitos da Mulher.
Quando se dirigiam à Ponte Colombo Salles, um impasse: impedido pela Polícia Militar de seguir em frente, uma parte do movimento se deteve diante do forte pelotão militar, disposta a enfrentar a repressão e ocupar a ponte ou a Beira-mar, que foram sempre pivô de muita violência policial na luta contra o golpe. Meia hora depois, acabou vencendo a proposta de retornar às ruas, onde o as mulheres do maracatu e do Cores de Aidê incendiaram novamente com o seu batuque de luta e de sororidade. Depois de uma votação em jogral, o movimento decidiu adentrar o Terminal e permitir que as trabalhadoras retornasse para casa sem pagar a tarifa.
A Marcha foi só o ponto culminante de uma programação que começou a ser preparada ainda em janeiro por mais de 40 entidades e se desdobrou em centenas de atividades, seminários, palestras, panfletaços, manifestações unificadas e descentralizadas na UFSC, Udesc, Unisul, INSS. No dia 7 de março, a filósofa Márcia Tiburi lotou o auditório da Assembleia Legislativa do Estado, onde perto de mil mulheres participaram do Seminário “Os direitos das mulheres na perspectiva dos novos tempos”, promovido pela bancada feminina do PT. Nessa palestra, ficou claro que o feminismo é a luta do século porque a luta das mulheres é o ponto de articulação de todas as outras lutas. “Ou a gente assume a política e luta nas ruas, nas instituições, no parlamento, ou vamos perder todos os direitos e voltar para casa brincar de casinha”, alertou a feminista. As mulheres responderam nas ruas a esse recado com um apitaço e um grito que nunca será esquecido.