Meu pai lavrador, sonhava com a Reforma Agrária

Foto de Celso Maldos
“Durante seu governo, Presidente, meu rosto foi um dos que fizeram os aeroportos parecerem rodoviária”.
De: Dalva
Para: Cartas para Lula
Belo Horizonte, 10 de abril de 2018.
Querido Presidente Lula,
Sou Dalva, mulher do povo, mãe de filho. Sou a oitava de uma família de dez irmãos. Pais lavradores. Era assim que meu pai orgulhosamente se definia: um lavrador! Morreu jovem, de doença de chagas. Morreu sonhando com a reforma agrária e um pedacinho de chão que fosse seu. Minha mãe, como a sua, era analfabeta. Das letras, porque o mundo ela lia como ninguém. Meu pai trabalhou a vida toda como meeiro em terras de outros. Quando não conseguia terra para plantar era o empreendedorismo da mamãe que colocava comida na mesa. Vendíamos bolo e pastel numa mesinha na praça, durante as festas do padroeiro da cidade; merenda no grupo escolar e no ginásio; Q-suco gelado no campo nos dias de futebol. Lembra do Q-suco, Presidente? O gelo era fornecido pelos vizinhos, pois não tínhamos geladeira. Mamãe também fazia sabão artesanal do óleo do coco, não o da bahia, mas o de espinho, misturado com um tipo de soda cáustica artesanal, fabricada a partir de cinzas. “Quebrei muito coco para pagar essa casa”, ela repetiu a vida toda, orgulhosa.Também vendíamos verduras que mamãe caprichosamente arrumava num balaio e saíamos oferecendo pela vizinhança. Essa atividade era mais difícil, pois a maioria das casas, a exemplo da nossa, também tinha horta. Eu fico irritadíssima quando ouço críticas à ascensão ao consumo da classe C, realizada no seu governo. Normalmente, quem faz essas críticas nunca precisou pedir gelo ao vizinho para tomar uma limonada gelada.
Fico pensando em como o bolsa família teria feito diferença em nossas vidas. Talvez mamãe não precisasse fazer, como fez muitas vezes, farofa de picão. O Senhor conhece picão, Presidente? Sim, é aquele mato. Pois, como a sua mãe, a minha também muitas vezes não teve o que dar de comer para os filhos. Se naquela época tivéssemos bolsa família, empreendedora do jeito que era, D. Dulce teria feito uma revolução com o dinheiro. Tenho certeza que ela seria como uma das milhares de mulheres, chefes de família, que devolveram o cartão, quando não precisavam mais do benefício.
Dos dez filhos, seis fizeram universidade pública, Presidente. Seis! Estatística interessante para filhos de trabalhadores rurais, não é? Muitas vezes indo a pé por não ter o dinheiro da passagem. Fico pensando como a nossa vida teria sido mais fácil se na época tivéssemos o Reuni, o Fies, o sistema de cotas, o minha casa minha vida, o pronatec… Mudamos para Belo Horizonte no começo da década de 1980, com a taxa de desemprego mais alta que a história do país já teve. Foram muitos sub-empregos, muita dificuldade. Chegamos a morar 8 pessoas em um barracão de 3 cômodos. Naquela época o Senhor já irritava a elite com as greves no ABC. Lembro quando o Senhor foi preso e quando saiu da prisão para acompanhar o enterro da sua mãe. A orfandade é pra sempre, não é presidente? Minha mãe também se foi, há 7 anos. Uma das poucas vezes que a vi no trato com o lápis foi para aprender a escrever seu nome para votar no Senhor, em 1989. Depois de terminada as obrigações de dona de casa, ela sentava na mesa da cozinha e ficava lá, com o lápis e o papel num desajeito de quem só tinha coordenação motora para o trato com a enxada. O lápis exigia uma coordenação motora fina que era demais pra ela. Mas mesmo assim, ela conseguiu aprender a escrever: L U L A. A partir do seu governo, Presidente, a minha vida e da minha família mudou radicalmente. Meus sobrinhos já têm uma vida diferente. Quase todos fizeram graduação. Uma sobrinha acabou de se formar num dos melhores cursos de Relações Internacionais do país, pelo FIES. Danadinha, ela! O Senhor precisa ver. Outra faz doutorado em agronomia. Tem uma que é estatística, outra fez letras e biblioteconomia. Tem também pedagoga, administradora; uma fazendo direito e outra psicologia, ambas pelo FIES. Não precisaram arrancar as folhas brancas e costurar para customizar novos cadernos ou levar o pouco material escolar na sacolinha reciclada de arroz ou açúcar, como fazíamos na infância. Muitos na minha família adquiriram carro e terminaram a construção da casa que durou décadas, graças à redução de impostos do seu governos e da presidenta Dilma. No seu governo eu voltei a estudar, fiz especialização, mestrado e doutorado. E com bolsa, Presidente. Também realizei um estágio doutoral “sanduíche” em Lisboa, onde morei por nove meses com meu filho, bancada pelo povo brasileiro, através do governo do PT. Vi, com meus próprios olhos, como o perfil do aluno brasileiro que fazia estágio no exterior mudara. Muitos estudantes negros e das classes populares. Conheci vários professores fazendo pós-doutorado. Quando terminei minha graduação em 1995, estudar fora do país era privilégio dos filhos da elite. Durante seu governo, Presidente, meu rosto foi um dos que fizeram os aeroportos parecerem rodoviária. Meu filho não teve que esperar mais de 30 anos para andar de avião. Muitas amigas e amigos meus passaram em concursos e estão lecionando nas universidades ou nos institutos federais e em cursos criados em seu governo. Por tudo isso, Presidente, sou muito agradecida ao Senhor. Saiba que tem muita gente aqui fora lutando e resistindo para que a injustiça que estão fazendo seja reparada. Espero, um dia, encontrá-lo pessoalmente para conversarmos sobre dona Dulce e dona Lindu, essas duas mulheres incríveis que nos fizeram ser quem somos. Força, aí! Se cuida! In
Um grande abraço, Presidente Lula.
Dalva Maria Soares
#cartaparalula

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. O latifúndio foi uma das chagas na história de nosso país

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