Lado Norte do País: aqui também tem Rep!

“Rep e Poesia no Monte” na comunidade Monte das Oliveiras, periferia da zona norte de Manaus. Foto: Isis Medeiros

Fotografia e texto por Isis Meideiros, para os Jornalistas Livres

Revisão por Henrique F. Marques

O Hip hop é um gênero musical de uma subcultura iniciada durante a década de 1970, em comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas de Nova Iorque. O criador do movimento, Afrika Bambaataa, estabeleceu quatro elementos essenciais na cultura Hip Hop: o Rap, o DJing, Breakdance e o Graffiti.
RAP* em inglês significa “Rhythm And Poetry”, mas ao traduzirmos para o português, utilizamos a palavra REP*, “Ritmo E Poesia”.

Dia 08 de abril aconteceu mais uma edição do “Rep e Poesia no Monte” na comunidade Monte das Oliveiras, periferia da zona norte de Manaus.
O evento acontece desde 2016, quando o músico independente, ‘Denny Vira Lata’, decidiu organizar espaços que agregassem arte e cultura nas periferias da cidade com um único objetivo: utilizar do rep e da poesia pra despertar a comunidade para o pensamento revolucionário!

Denny Vira Lata”, idealizador do “Rep e Poesia no Monte”, na cidade de Manaus. Foto: Arquivo Pessoal

A idéia de Denny era promover eventos uma vez por mês integrando literatura marginal e tradicional dentro das periferias da cidade. Segundo ele, o foco principal da iniciativa é utilizar da poesia e do rep crítico e engajado pra dar visibilidade aos artistas dentro de suas próprias comunidades para que possam também conquistar independência para se sustentarem da arte, já que a maioria sempre viu isso como algo impossível.  Desde então os eventos acontecem sem nenhum apoio institucional, mas contam com o apoio de alguns comerciantes da região.

Dessa vez, o evento contou com ajuda da Lan House da comunidade, que garantiu a divulgação patrocinando xerox dos panfletos, flyers enquanto o próprio Denny garantiu a produção das faixas que foram colocadas na entrada da rua e no campo de areia da comunidade. O som chegou emprestado pelo amigo, o outro cedeu o local que diariamente funciona como uma lanchonete e o estúdio de tatuagem de outro amigo da comunidade doou três tatuagens pra usarem na rifa para arrecadar uma ganinha à mais pra cobrir os gastos. Tudo pronto. Um a um ia chegando no cair da tarde pra ver os grafiteiros já pintando os muros da vizinha enquanto o som já rolava nas caixas convidando a comunidade à chegar mais.

Nessa edição se apresentou a Banda Musicato, o grupo de rap ‘Código da Rua MC’s’, o mano ‘K2d’ com a batalha de rep e o próprio ‘Denny Vira Lata’. A cada nova apresentação fui descobrindo vários talentos escondidos naqueles montes tão pouco (re)conhecidos. Um deles iniciou no microfone fazendo uma crítica social aqui, o outro questionou o esquecimento do Norte no mapa do Brasil, o outro veio debochando do fato do mundo achar que o Amazonas só tem índio, logo mais o tema eram as eleições de 2018… A cada nova temática eu ia me surpreendendo com o nível de debate daqueles moleques tão novos e tão antenados com a realidade. Como fazer o mundo conhecê-los? Minha cabeça ia fazendo voltas.

Thiago Gomes, conhecido como ‘Zoio’, é um graffiteiro amazonense que também apresentou seu trabalho no evento da comunidade. Natural de Autazes(baixo Amazonas), estampa seu trabalho em Manaus há 18 anos como forma de crítica à sociedade.  Por toda cidade de Manaus é possível ver seus personagens ‘zumbis’ pelos muros. “Identifiquei-me com o estilo Zumbi, pois foi uma maneira de me expressar para a sociedade em forma de protesto. Critico a decadência do proletariado, prontamente escravo do sistema capitalista em que vivemos nesse país. Represento o zumbi de várias formas, sejam animais ou pessoas, e principalmente pessoas públicas, para externar o meu repúdio com a desumanização mecânica da sociedade.” Desabafa ele.
“Eu gostaria que o Brasil conhecesse o meu trabalho, pois é voltado para a militância, independente da cultura hip-hop, meu objetivo é externar meu repúdio à luta de classes.” Completa.

Thiago Gomes, conhecido como ‘Zoio’, é um artista amazonense. Fotos: Arquivo Pessoal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vitor Collares, conhecido como ‘K2d’ apresenta a batalha de rima Fotos: Isis Medeiros

 

 

Me surpreendi muito com a apresentação do Vitor Collares, conhecido dentro do hip hop como K2d, um moleque novo de 19 anos da comunidade de Jorge Teixeira, zona leste de Manaus, que há 5 anos já vem demonstrando que tem muito potencial pra ir mais longe. Conversamos um tempo e ele mostrou sua indignação com o momento político atual do Brasil e questionou o esquecimento da cultura do Norte, incomodado com o fato do país pouco saber sobre o que eles tem produzido por lá.

“Os temas que eu gosto de cantar nas minhas músicas são as desigualdades no movimento hip hop e das regiões do Brasil.  Também falo do pré-conceito e das minhas crenças sobre a religião cristã.” Revelou o menino. “O Brasil precisa saber que o Norte não e só índio, nós temos sim a cultura indígena mas não é só isso, aqui nós temos nossas produções. Aqui a gente sabe tudo que acontece no Brasil, a gente vê tudo que eles fazem, mas eles não veem o que a gente faz aqui, aqui tem muita gente foda, mas aqui não temos valor. Os caras da cena do rep do resto do Brasil não entendem sobre rep de verdade porque a maioria diz que rep é união, mas isso tudo é hipocrisia mano! Eu vejo eles aceitarem sul, leste, oeste e esquece do norte, tá ligado, mano? Aqui no Norte o rep sempre teve vivo mano! Você já ouviu falar em Isaac Mesquita, Igor Muniz e Vitor Xamã? Questionou K2d sobre o apagamento dos artistas do Norte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Batalha de rima com apresentação de K2d. Fotos: Isis Medeiros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando procurei Denny – organizador do evento, para conversar sobre a diferença dos movimentos de arte e cultura que acontecem no Norte, ele me explicou que os saraus de poesia que já acontecem em Manaus ainda não atingem a periferia e explicou: “Eles se tornaram em encontro academicista, na maioria das vezes um debate social só dentro das universidades. Esse discurso não atinge o traficante que está na esquina vendendo droga e o maluco novinho que tá fumando um. É preciso levar esses debates pra dentro da periferia, já que a periferia não está dentro da universidade pra adquirir esse conhecimento, e é lá na quebrada que precisa acontecer um ação libertária.” Justificou ele.

‘Lucka Brasil’, vocalista da banda “Código da Rua MC’s” Fotos: Isis Medeiros

 

 

 

 

 

 

 

 

Os grupos iam se apresentando enquanto nós continuávamos informalmente a conversa. “A galera do hip hop e das batalhas por exemplo, quase não se adere às lutas de causa sociais, acham que manifestação é perda de tempo. “Eu mesmo acho que os movimentos sociais são muito engessados, muito acadêmicos, não agregam diretamente para a periferia. Acho que aqui ninguém tem interesse de ouvir essas coisas chatas como eles falam não! Nós da quebrada precisamos mostrar, mais do que falar, a gente tem capacidade de chegar no cenário nacional, tem uma movimentação que pode fazer muito, mas a gente precisa de espaço pra mostrar isso na prática.”  Criticou o idealizador do evento.

Quando eu perguntei sobre o que era a revolução que ele dizia, ele me explicou: “A gente precisa deixar de achar que é normal viver numa situação tão desigual. A periferia tem que deixar de pensar que é assim mesmo. Temos um governo que rouba pra caramba e a gente acha que é normal. Tá errado! A periferia precisa acreditar que a gente tem que ser igual de verdade. A moçada da periferia precisa se conscientizar das coisas, entender que a gente não escolhe a nossa classe e a nossa posição social. (…)  No dia em que a gente não mais aceitar as coisas como são, nós vamos querer mudar as coisas, nesse dia a gente vai conseguir tomar os rumos de uma revolução.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Batalha de rima. Fotos: Isis Medeiros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sem muitas interrupções, ele continuou explicando do que se tratava tal revolução: “Despertar a consciência é só o começo da revolução! Depois da consciência é ir pro confronto. Às vezes vamos precisar ir pra rua manifestar, às vezes vamos precisar enfrentar a polícia, aguentar a repressão, ir preso e depois voltar pro mesmo lugar! A gente precisar ir pro enfrentamento intelectual pra discutirmos sobre nossos direitos com o policial, por exemplo. A gente precisa saber confrontar verbalmente pra não sermos mais injustiçados com o abuso de poder deles. A maioria não tem preparo intelectual pra debater com a polícia sobre os nossos direitos e acaba só sendo reprimido injustamente.” Desabafou Denny.

Quando perguntei para eles quais são os planos futuros do “Rep e poesia no Monte”, ele disse que a meta é transformar o evento em um festival para unir saraus de poesia e rep e fazer algo semelhante aos SLAM’s de poesia que já acontecem em outras capitais. “Eu sei que o processo não é rápido, mas também não precisa ser à passos de tartaruga. É preciso cativar, atrair a galera da periferia para nossos eventos e eles começarem a despertar para uma visão mais ampla e mais crítica de uma porrada de fatores, aí sim vamos transformar a realidade das periferias.” Concluiu.

“Mulheres In Rima”

Outra iniciativa poderosa é da artista Cida Ariporia, que desde 2003 usa o Hip Hop como instrumento de transformação social na comunidade Mutirão, zona norte de Manaus.

Cida Ariporia, compõe o coletivo ‘Mulheres in Rima’, mulheres do hip hop de Manaus. Foto: Arquivo Pessoal

O bairro onde vive e atua é um celeiro de talentos da cultura Hip Hop, o segundo pólo da cidade. O objetivo do HipHop para ela é salvar vidas, trazer melhorias para a comunidade, principalmente para a juventude. Desde o princípio ela se despertou para as lutas por direitos das mulheres, enfrentamento e empoderamento através do feminismo e ajudou a trazer esses elementos para a cultura do Hip Hop.

Cida é precursora de inúmeras iniciativas envolvendo mulheres para fazer o debate da luta por direito e visibilidade. Organizou os primeiros encontros regionais de graffiti e de skate feminino de Manaus, além de fundar o primeiro coletivo organizado de mulheres do Hip Hop, composto por grafiteiras, djs, anarko feministas, mc’s e bgirls. Fundou junto com outras mulheres um grupo de rap feminino chamado “Mulheres em Rima” que trabalha o empoderamento feminino através das musicas. Desde então vem fazendo inúmeros eventos, rodas de conversas e iniciativas para contribuir com o empoderamento de outras mulheres e falar da realidade através da música e cultura.

Sobre a visibilidade da cultura do norte do país, Cida defende: “Quero que o restante do país nos veja como protagonistas e não como coadjuvantes, porque temos pluralidade de cultura. Produzimos arte e cultura que tem história e valoriza tanto os povos originários do Brasil quanto a população negra, da periferia. Gostaria que não nos taxassem de inferiores, porque as oportunidades pra nós são mais difíceis.”

Grupo de rep ‘Código da Rua MC’s’ – Aqui também tem REP! Foto: Isis Medeiros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pra quem quer conhecer um pouco das produções do rap no Norte e Nordeste, pode ouvir:

Disco de Denny Vira Lata

soundcloud.com/rimologiamanauara

Norte e Nordeste
A.L.M.A Part: Victor Xamã & Diomedes Chinaski – Flores Artificiais https://www.youtube.com/watch?v=U4RRfI-JRvA

Manaus e Pernambuco
Matheus Coringa & Baco Exu do Blues – $port$ujo
https://www.youtube.com/watch?v=-dVfyZ3oG5s

Manaus

Cypher Sinais do Norte – [ T4F Gang: Willis, Yumi, B.onin, Caipora, K2D Clover]
https://www.youtube.com/watch?v=x-hLgXEU-jc

Encontro das Águas (Victor Xamã)
https://www.youtube.com/watch?v=FJQvqXv8cmg

Os monstro que chama de norte (Victor Xamã)

https://www.youtube.com/watch?v=VMyEUwnt0aQ

 

Hey Joe (Victor Xamã)

https://www.youtube.com/watch?v=N49ZQiBcfqc

Daluz – Marejando
https://www.youtube.com/watch?v=30AKcR8oqr8

“ARKAIca” [Igor Muniz Part. Ian Lecter]
https://www.youtube.com/watch?v=i36dXH21Arg

“Rep e Poesia no Monte” na comunidade Monte das Oliveiras, periferia da zona norte de Manaus. Foto: Isis Medeiros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

COMENTÁRIOS

3 respostas

  1. Que meus irmãos amazonenses sejam cada dia mais donos e orgulhosos de si, de seu sangue, de sua cultura, de seu poder. E que suas vozes reverberem por toda a redondeza da Terra.

  2. Matéria linda muito interessante, lado norte do país aqui tem cultura arte é muito HipHop, cultura periférica que sobrevive e faz ações decqualidade e transformação dentro e fora das periferias manauaras.

  3. Massa o caminho é esse é o amazonas tá longe de parar

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