Uma liminar de Reintegração de Posse expedida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ameaça acabar com a paz e o sossego de 52 famílias de camponeses(as) da Comunidade Olaria Barra do Mirador, na Fazenda Mata do Japoré, no município de Miravânia, no extremo Norte de Minas Gerais. No ano de 2000, há exatos 19 anos, 52 famílias de camponeses (as) sem-terra da região ocuparam a fazenda Mata do Japoré, que, com cerca de 6 mil hectares, estava totalmente improdutiva e abandonada, ou seja, sem cumprir sua função social, o que exige a Constituição de 1988.
Cansados de esperar pela enrolação do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), os/as camponeses/as, entre os anos de 2002 e 2003, dividiram por conta própria o latifúndio em 52 lotes com 40 hectares cada, em média. Desde então, as famílias produzem milho, feijão, mandioca, queijos e doces, além de criarem gado, porcos e galinhas para o seu próprio sustento e alimentarem a economia local do pequeno município de Miravânia, com cerca de 7 mil habitantes.
Ao longo de 19 anos, as 52 famílias camponesas firmaram ali suas vidas, criaram raízes culturais no território, construindo casas de alvenarias, criando pequenos animais, cultivando roças de milho, feijão e mandioca. As famílias produzem farinha para o seu sustento e para o abastecimento da cidade de Miravânia e região. O Acampamento da fazenda Mata do Japoré é responsável por mais de 50% da farinha produzida no município de Miravânia. Vários benefícios de políticas públicas para convivência com o semiárido foram implantados nessa comunidade camponesa, tais como: água para abastecimento humano e produção de alimentos, com cisternas de captação de água de chuva, cisterna calçadão, telhadão e pequenos barramentos.
Nota do site A Nova Democracia afirma: “Desde que começaram a produzir em seus próprios lotes, os camponeses da Comunidade Olaria Barra do Mirador conquistaram, com seu próprio trabalho, com o suor de seus rostos, uma vida mais digna. A maioria das famílias já possui casas de alvenaria, cercas, pastos formados, currais, embarcadores, motocicletas e automóveis. Organizados na sua Associação, os camponeses já conquistaram, por meio de verbas públicas, energia elétrica em parte das casas, caixas para captação de água da chuva, barragens, terreirões, maquinário para processamento de grãos e a própria sede da associação. Todas as famílias possuem a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP), cartões do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e Cadastro Ambiental Rural (CAR)”.
A resistência dos camponeses de Miravânia remonta a história de luta do campesinato do norte de Minas Gerais que, há décadas, particularmente durante ditadura militar, civil e empresarial, teve suas terras griladas por latifundiários por meio da atuação de jagunços.
Em 2013, o empresário Walter Arantes Santana conhecido como Waltinho, chegou à região e comprou a área em conflito. Walter é um dos sócios da rede de Supermercados BH da capital mineira. Walter, recentemente, esteve preso por envolvimento em lavagem de dinheiro durante a “Operação Lava Jato”. Walter também comandou o cruel despejo das famílias da Fazenda Marilândia, no município de Manga. Somente na comarca de Januária, Walter Arantes possui 11 processos abertos, em sua maioria por crimes ambientais. Em Belo Horizonte, o latifundiário responde a dezenas de processos, dentre os quais “enriquecimento ilícito”.
Há 17 anos tramita na Justiça uma ação de reintegração de posse contra essas 52 famílias camponesas que até o momento nunca foram ouvidas e, por isso, não tiveram direito ao contraditório e nem à ampla defesa no processo. Agora, a Vara de Conflitos agrários do TJMG expediu um mandado de despejo. Nestes dias realizou-se uma reunião do Comitê de crise em Miravânia para discutir a desocupação da área.
Situação semelhante a das famílias que vivem há 21 anos na Fazenda Marilândia, no município de Manga, no Norte de Minas. É o mesmo proprietário que hoje ameaça e quer expulsar essas famílias.
As famílias clamam por justiça! A situação é preocupante e bastante tensa.
As famílias vêm recebendo o apoio da Liga Camponesa dos Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia.
Dia 31 de maio último (2019), dezenas de camponeses e apoiadores da luta pela terra compareceram ao ginásio da Escola Estadual Dona Maria Carlos Mota, em Miravânia para um Ato público contra expulsão das famílias camponesas da Comunidade Olaria Barra do Mirador. Participaram representantes da Associação dos Pequenos Produtores do Projeto de Assentamento Olaria Barra do Mirador, da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), da Comissão Estadual de Jovens Trabalhadores Rurais da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado Minas Gerais (FETAEMG), da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) do Norte de Minas e Sul da Bahia, vereadores e o presidente do Conselho de Desenvolvimento Comunitário de Miravânia (CODECOM). O Ato teve apoio da Articulação Rosalino, do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA) e do Comitê de Apoio à Luta pela Terra.
No Ato Público, Wilson Lojor, diretor da Escola Estadual Dona Maria Carlos Mota, ressaltou: “É muito importante que as famílias permaneçam nas suas terras, pois são elas que movimentam o comércio da cidade e não podem ser expulsas do lugar onde nasceram e foram criadas para as capitais, enfrentar o desemprego e todos os problemas que afligem os pobres nas grandes cidades“.
Um dos camponeses da Comunidade Olaria Barra do Mirador disse que todas as famílias estão determinadas a resistir a qualquer tentativa de despejo. Ele disse: “Não vamos aceitar que Waltinho chegue aqui em nossa cidade e ache que é dono de tudo! Não vamos entregar de mãos beijadas aquilo que conquistamos com tantos anos trabalhando na enxada, facão e foice, dia e noite! Não reconhecemos esta decisão desta dita justiça, que está claramente puxando a sardinha para o lado dos latifundiários. Não vamos sair das nossas roças para ir criar nossos filhos nas favelas das grandes cidades, desempregados, vivendo de bicos. Agora estão falando em negociação, que “vão nos dar três hectares”. Como vão nos dar uma coisa que já é nossa? Isto é conversa para boi dormir, querem nos enrolar para, depois que a poeira baixar, expulsar todo mundo e usar nossas terras para engordar seus gados”.
O Ministério Público da área de Conflitos Agrários e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, também da área de Conflitos Agrários, estão ingressando com recursos judiciais para derrubar esta Liminar de Reintegração de Posse que é inconstitucional, imoral, sem legitimidade e atenta contra os direitos humanos fundamentais das 52 famílias camponesas que há quase 20 anos dão função social à propriedade e lá constituem uma Comunidade Camponesa produzindo para o sustento próprio e também do povo da cidade de Miravânia, inclusive.
As famílias clamam por justiça! A situação é preocupante e bastante tensa. As famílias vêm recebendo o apoio da Liga Camponesa dos Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia. E contam também com o apoio da Comissão Pastoral da Terra.
Assinam esta Nota:
Associação dos Pequenos Produtores do Projeto de Assentamento Olaria Barra do Mirador;
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)
Belo Horizonte, MG, 5 de junho de 2019