Justiça condena Guararapes por terceirização de facções de costura, mas nega indenização

Por Rafael Duarte I Agência Saiba Mais 

O juiz da 7ª Vara do Trabalho Alexandre Érico da Silva confirmou a tese defendida pelo Ministério Público do Trabalho sobre o modelo de terceirização adotado pela empresa Guararapes Confecções S/A no controle operacional das facções de costura no interior do Rio Grande do Norte contratadas através do programa estadual Pro-Sertão. O magistrado, no entanto, não entendeu que havia dano moral coletivo no caso e negou o pedido de indenização aos trabalhadores explorados, no valor de R$ 37,7 milhões, feito pelo MPT.

Na sentença expedida sexta-feira (26), o juiz determinou apenas o pagamento de R$ 30 mil pela empresa referente às custas processuais.

Pela sentença, a Guararapes também será obrigada a se responsabilizar pelos direitos individuais dos trabalhadores contratados via facções de costura:

– Declarando procedente, em parte, os pedidos para reconhecimento da terceirização entre as facções e a demandada Guararapes Confecções S/A, devendo ser responsabilizada pelas obrigações pecuniárias que porventura tenham sido geradas desde a contratação de cada empresa de facção, decorrentes do descumprimento de normas de segurança e de todas as normas de natureza laboral pactuadas com os trabalhadores ali vinculados, decisão que vincula, no que couber, as pessoas intervenientes que integraram a ação. Tudo na forma e limites da fundamentação supra que passa a fazer parte desta conclusão como se tivesse aqui escrita para fins de limites da coisa julgada”, escreveu.

Existem 61 facções de costura em atividade no Rio Grande do Norte cadastradas no Pro-Sertão, programa criado em 2013 pelo governo Rosalba Ciarlini que prometia revolucionar o sertão potiguar, mas que se mostrou mais um modelo de exploração de mão de obras barata no Estado para obtenção de lucro sem retorno para a sociedade, conforme escreveu o próprio magistrado na decisão:

 “Efetivamente, a demandada (Guararapes) adotou como estratégia de redução de custos a via da terceirização de sua atividade-fim, isso atrelado a benefícios fiscais concedidos pela Sudene e Governo do Estado do RN, fato confirmado em depoimento do seu preposto e documento ID c1f89ce. Essa prática demonstra que o dinheiro público foi usado em benefício da empresa sem que esta efetivamente tenha se preocupado em dar a sociedade uma resposta positiva, mantendo seus postos de trabalho diretos, e procurando diminuir seus custos de outras maneiras que não driblar a legislação laboral travestida de adesão ao “Pró Sertão”, disse.

Funcionários da Guararapes fizeram manifestação de apoio aos patrões na época da denúncia

Apesar da comprovação do modelo de terceirização implementado pela Guararapes, que detinha o controle operacional das facções no interior do Estado, “entende o Juízo que a situação exposta não é suficiente para reconhecer a ocorrência do dano moral coletivo indenizável. Assim, julgo improcedente o pedido”, escreveu.

Repercussão

O caso ganhou repercussão nacional em 2017 em razão do montante reivindicado a título de danos morais coletivos e também pela reação do empresário Flávio Rocha, dono do grupo Riachuelo/Guararapes, que acusou o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Norte de perseguição.

O destempero de Rocha o levou à condenação por injúria na Justiça Federal, em julho de 2018, após ofender publicamente a procuradora do Trabalho Ileana Neiva Mousinho, única mulher a integrar, ao lado de outros 10 procuradores, a equipe da força-tarefa responsável pela investigação das condições de trabalho nas facções de costura no interior do Rio Grande do Norte.

Flávio Rocha afirmou em fevereiro que sua candidatura à presidência seria uma traição ao Brasil 200
Dono das lojas Riachuelo/Guararapes, Flávio Rocha foi condenado por injúria em julho de 2018

Terceirização comprovada

O juiz Alexandre Érico da Silva que julgou a ação do MPT no processo das facções de costura afirmou na decisão que a Guararapes transferia a atividade industrial da empresa para as pequenas fábricas de costura:

– Salta aos olhos algumas situações que, para este julgador, ficaram comprovadas pelos elementos de prova trazidos aos autos: a demandada atua transferindo parte de sua atividade industrial para pequenas fábricas mediante contratação em regime de facção, o que denota uma verdadeira terceirização de sua atividade fim; em que pese nem todas as facções terem como cliente exclusiva a demandada, fica claro que o poder desta impõe situações que não permitem uma efetiva negociação ou barganha quanto ao trabalho contratado, sendo certo que esses critérios são usados indistintamente para todas, tratando-se, na realidade, de um típico contrato de adesão;

Facção de costura em São José do Seridó

O magistrado também constatou outras práticas da Guararapes na tentativa de disfarçar o modelo denunciado pelo MP. O número máximo de 30 empregados por facção, por exemplo, também confirmou a tese da acusação:

– A quantidade de empregados de cada facção não passa dos 30, o que dá a estas, no máximo, a qualidade de empresa de pequeno porte e, assim, podem receber benefícios fiscais diferenciados, o que não seria o caso da demandada se assumisse diretamente essa atividade, além do que as facções se eximem ou diminuem outras obrigações, a exemplo da contratação de menores, deficientes, etc. Veja ainda que, em alguns casos, mais de uma facção com CNPJs distintos pertencem a mesma pessoa ou grupo de pessoas, possibilitando, artificialmente, a manutenção desses benefícios. Cita-se aqui o exemplo de uma das testemunhas da demandada, o sr. Ricardo Benedito Medeiros Neto, que faz parte de onze empresas diferentes atuando no mesmo ramo industrial (confecções) e todas contratadas da demandada; Assinado eletronicamente.

Ele citou na decisão o fato de que pelo menos 20 facções, segundo informação do preposto da Guararapes em depoimento, tiveram o contrato rescindido por conta de descumprimento da legislação trabalhista, demonstrando que, pelo menos cerca de 600 trabalhadores (número estimado) ficaram sem emprego e sem proteção já que, pela rigidez financeira de cada facção, uma rescisão contratual em massa gera um custo que não teria como suportar, se considerar que na maioria delas a liquidez é mínima e existem outras obrigações assumidas, a exemplo de financiamento bancário para aquisição de maquinário”.

Depoimento do diretor industrial da Guararapes Jairo Amorim confirmou tese da terceirização

As teses da acusação e da defesa 

A ação do MPT pedia que a Justiça reconhecesse o vínculo de emprego entre a Guararapes e os trabalhadores atuais e os futuros contratados pelas facções de costura de vestuário. Além disso, os procuradores exigiam a adoção pela empresa de medidas legais de proteção ao meio ambiente de trabalho em todos os estabelecimentos de facções.

Os procuradores do Trabalho pediam também que, caso não fosse reconhecido o vínculo, que a empresa fosse responsabilizada solidariamente pelo cumprimento de todos os direitos e encargos sociais decorrentes dos contratos de emprego firmados pelas facções, em face da configuração de grupo econômico.

A Guararapes alegou na defesa falta de legitimidade do MP para fazer a denúncia, evocou aplicação da nova lei de terceirização aprovada no governo Temer e pediu a anulação do processo também por ausência da formação de litisconsórcio passivo necessário.

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