Estado de Exceção
Justiça absolve jovens presos em ação que envolveu espião do Exército
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7 anos atrásem

Vitória dos estudantes! Os presos políticos conhecidos com “Os 18 do CCSP” foram inocentados após 2 anos.
O El País publicou uma reportagem da Ponte Jornalismo, veja abaixo.
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Chegou ao fim o processo judicial que acusava de associação criminosa e corrupção de menores 18 jovens detidos em 4 de setembro de 2016, diante do CCSP (Centro Cultural São Paulo), na região central da capital paulista, antes de uma manifestação contra o presidente Michel Temer (MDB), em uma operação policial que um juiz comparou aos crimes da ditadura militar e que envolveu a participação — nunca explicada pelas autoridades — de um capitão de inteligência do Exército, atuando sob identidade falsa e com práticas recorrentes de assédio sexual.
A juíza Cecília Pinheiro da Fonseca, da 3ª Vara Criminal do Fórum Criminal da Barra Funda, absolveu todos os réus nesta segunda-feira (22). Ela considerou que a polícia não conseguiu provar que os jovens se conheciam e nem que pretendiam cometer atos de vandalismo e violência contra policiais durante a manifestação. “A prova, portanto, é no sentido de pessoas reunidas, sem demonstração nem de intenção nem de prática efetiva de atos de violência nem de vandalismo: a manifestação pública é permitida e nenhum objeto de porte proibido foi apreendido, o que também afasta a prática da corrupção de menores”, afirmou na sentença.
“Os 18 do CCSP”, como ficaram conhecidos os réus, haviam sido denunciados pelo promotor de justiça Fernando Albuquerque Soares de Souza com base em um inquérito policial em que o delegado Fabiano Fonseca Carneiro, do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) apontava o porte de vinagre e de equipamentos de primeiros socorros como prova de crime, misturando as acusações com textos de articulistas conservadores, como Kim Katiguiri e Reinaldo Azevedo, e discursos em favor do “estabelecimento de limites” para “o direito de livre manifestação”.
“Havia indícios de que os réus seriam autores dos delitos em questão, mas tais indícios não foram corroborados nem fortalecidos de forma cabal, de modo que os elementos de prova são frágeis, sem autorizar decreto condenatório. Diante desse contexto, impõe-se a absolvição dos réus, por insuficiência probatória”, escreveu a juíza na sentença.
A magistrada também observou que a prisão dos jovens resultou de uma não de uma investigação “que tivesse identificado o grupo como parte de uma organização criminosa destinada à prática de delitos”, mas sim “de indicação de um popular de que havia um grupo de pessoas vestidas de preto no local, portando máscaras e gorros”.
A juíza também observou que os manifestantes nem ao menos chegaram a participar do protesto. “Acrescento que os manifestantes aqui listados nem sequer chegaram a participar do ato porque justamente foram obstados pelos policiais, não se podendo supor quais deles desistiriam, compareceriam de modo pacífico ou mesmo causariam algum transtorno, o que deveria ser objeto de apreciação individual”, escreveu. “A mera apreensão dos objetos, repita-se, todos de porte lícito, não enseja a conclusão de que o grupo ali estivesse para causar danos ao patrimônio público ou privado nem para agredir os policiais ou outros indivíduos, não havendo demonstração suficiente de que seriam usados para a prática de crimes.”

Os acontecimentos que culminaram na prisão dos 18 do CCSP remontam a 2014, data das primeiras referências à atuação do capitão de inteligência do Exército Willian Pina Botelho. Natural de Lavras (MG), Botelho formou-se em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), e fez mestrado em Operações Militares na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Em dezembro de 2014, o capitão criou no Facebook o perfil falso de Balta Nunes.
Mentindo sobre seu nome e história de vida, o oficial passou pelo menos dois anos monitorando os movimentos sociais em São Paulo, tanto em protestos de rua como em encontros e reuniões fechadas. Em setembro de 2015, “Balta” comprou 15 banquinhos de plástico para manifestantes do Terra Livre, movimento de luta por terra e moradia, em troca da promessa de um dia conhecer uma ocupação. No mesmo ano, o capitão participou de reuniões da Frente Povo Sem Medo, que reunia o PT e outros partidos de esquerda, além de movimentos sociais como MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e UNE (União Nacional dos Estudantes), e participou de um encontro chamado Comunicadores Sem Medo, ocorrido em 4 e 5 de junho em uma das casas do Coletivo Fora do Eixo, segundo denúncia da Mídia Ninja.
Um dos principais métodos de monitoramento usado pelo capitão era a aproximação com as mulheres, por meio de ações que frequentemente descambavam para o assédio sexual. Uma de suas frentes de batalha era o aplicativo de paquera Tinder, onde se exibia numa foto de sunga, com os cabelos desgrenhados que havia deixado crescer sobre o antigo corte militar, acompanhada de uma frase em inglês falsamente atribuída a Karl Marx (“Democracia é o caminho para o socialismo”). Fora do aplicativo, o capitão se comportava como se o mundo fosse um imenso Tinder, distribuindo o tempo todo cantadas a mulheres que mal conhecia, principalmente via Facebook e Whatsapp.
Nas conversas online, o capitão saía fazendo declarações de afeto e insinuações sexuais para mulheres que havia acabado de conhecer. “As meninas ele cantava mesmo, chamava no privado”, recorda uma militante que o conheceu nos grupos de discussão de política no Whatsapp. Se com os homens o capitão ainda ensaiava algumas conversas tímidas sobre política, nos papos com as mulheres logo partia para tentativas de sedução. Mesmo sem qualquer intimidade, vinha logo com “eu gosto de você” ou “saudades de você”. Dizia “estou carente” e, se a interlocutora não reclamasse de cara, completava com “você também está carente de carinho”. Eram abordagens que frequentemente davam errado.
Enquanto viveu como Balta, o capitão Botelho morou no apartamento 906 da avenida Brigadeiro Luís Antônio, 3249, registrado em nome do general de brigada Manoel Morata Almeida, primeiro-comandante da Base e Administração e Apoio do Ibirapuera e ex-capitão do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), ele próprio um participante, segundo El País, de ações de infiltramento contra estudantes nos anos finais da ditadura militar.

Em 4 de setembro de 2016, um domingo, o Centro Cultural São Paulo foi escolhido como ponto de encontro para um grupo de manifestantes que pretendia ir a um protesto contra o presidente Michel Temer na Avenida Paulista. O encontro havia sido marcado em grupos de Whatsapp, que haviam sido criados por jovens que não pertenciam a movimentos organizados nem a partidos políticos, mas queriam um grupo para ir à manifestação, pois tinham medo da repressão policial — na mesma semana, em 31 de agosto, o estilhaço de uma bomba jogada pela PM havia perfuradoo olho esquerdo de uma estudante, Deborah Fabri. Havia estudantes do movimento secundarista, militantes antifascistas e gente que estava debutando nos protestos.
Poucos se conheciam pessoalmente. Infiltrado no grupo, com o nome falso de Balta, estava o capitão Willian Pina Botelho.

O grupo se encontrou diante do CCSP por volta das 15h. Em poucos minutos, foram cercados por uma enorme operação policial, que, segundo os jovens, reunia pelo menos 30 homens, dez viaturas, ônibus e helicóptero. Uma adolescente tomou uma chave de braço no pescoço, segundo testemunhas. Todas as mulheres — apenas elas — foram obrigadas a passar por uma revista íntima no banheiro do metrô. “Vocês não falavam que era uma ditadura? O sonho de vocês não era ser preso pela ditadura? Tá aí, agora vocês estão sendo presos pela ditadura”, é o que uma das detidas relata ter ouvido de um policial.
Outro dos detidos, o secundarista Gabriel Cunha, contou à Ponte que provocou um dos PMs, soltando um malicioso “hum…” quando o policial o revistou passando a mão entre suas pernas. A provocação custou caro, segundo Gabriel: o PM deu um soco entre suas costelas e ainda “plantou” com o jovem uma barra de ferro que encontrou ali perto, dizendo que o jovem é que levava o objeto, com a intenção de atacar policiais na passeata.
Os policiais detiveram ao todo 21 pessoas, incluindo três adolescentes. Um dos 18 adultos presos naquela tarde nem ao menos pretendia ir à manifestação: o estudante de jornalismo Felipe Paciullo Ribeiro conta que estivera na biblioteca do CCSP para pesquisar um livro sobre vinil e acabou preso junto com os demais. A versão é confirmada pelo depoimento de familiares e amigos, bem como por prints de conversas no Whatsapp.
Botelho foi inicialmente detido junto com eles, mas foi liberado — até hoje, a Secretaria da Segurança Pública não explicou o porquê. Já os 18 maiores de idade e os 3 adolescentes foram colocados em um ônibus e num carro da PM e levados ao Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), órgão da Polícia Civil que costuma lidar com crimes de alto calibre ligados a organizações criminosas, como roubo de cargas e fraudes financeiras.
Outros estudantes presos também foram levados para o Deic naquela noite. Policiais militares apresentaram na delegacia cinco adolescentes que teriam sido flagrados com pedras dentro da mochila, na Avenida Paulista. Segundo o soldado Marcelo Adriano Nowacki, da 2ª Companhia do 7º Batalhão da PM, um dos responsáveis pela prisão, os adolescentes “provavelmente com certeza” iriam cometer uma violência naquela noite. O mesmo soldado confirmou à Ponte que havia uma “ordem do comando” para levar ao Deic qualquer participante da manifestação contra Temer que fosse preso naquela noite.

Começava ali uma sequência de ilegalidades praticadas pela Polícia Civil de São Paulo. Todos os 26 detidos, inclusive os oito adolescentes, foram mantidos incomunicáveis no Deic ao longo de até 8 horas. Nenhum dos advogados que se dirigiu até a delegacia, localizada no Carandiru, zona norte, teve acesso aos presos. O delegado Fabiano Fonseca Barbeiro, da 1ª Delegacia de Investigações Gerais, só permitiu que os pais dos adolescentes entrassem no Deic para ver seus filhos. Falar com eles, contudo, estava proibido.
Na única vez em que saiu da delegacia para falar com os advogados, ainda no início da noite, o delegado Fabiano afirmou, diante da reportagem da Ponte, que não permitiria a entrada dos defensores antes de decidir que procedimento iria adotar com os jovens. “O status deles é ‘detidos para averiguação’. Quando iniciar o procedimento de polícia judiciária, os advogados poderão acompanhar”, afirmou. A “detenção para averiguação” é uma prática ilegal, sem previsão na Constituição Federal.
Os advogados e os pais dos maiores de idade só puderam entrar na delegacia às 23h40, acompanhando uma comissão formada por três políticos do PT: o ex-senador Eduardo Suplicy, o deputado federal Paulo Teixeira e o vereador Nabil Bonduki. No Deic, os advogados descobriram que o Fabiano Fonseca Barbeiro pretendia fazer um registro de ocorrência misturando as histórias dos 21 detidos no CCSP com a dos cinco adolescentes presos na Paulista. Com a pressão dos advogados, o delegado recuou e concordou em fazer dois boletins de ocorrência separados.
No final da madrugada, os 18 adultos e as três adolescentes detidos no CCSP foram autuados por associação criminosa e corrupção de menores.
As alegações em torno da prisão dos 18 do CCSP ganharam ares de farsa na coletiva de imprensa concedida no dia seguinte, à tarde, pela Polícia Militar. Sobres os detidos levados ao Deic, o comandante do CPC (Comando de Policiamento da Capital), coronel Dimitrios Fyskatoris, afirmou: “Essas pessoas declararam, sim, porque eu tenho registro da declaração delas, que faziam parte de um grupo que estava reunido para praticar atos de desordem na cidade, que eram parte de várias células que estavam espalhadas pela cidade”. Nenhuma dessas afirmações, contudo, constava dos boletins de ocorrência elaborado pelo Fabiano Fonseca Carneiro. Os tais “registros de declaração” mencionados pelo coronel simplesmente não existiam.
Pouco depois da coletiva da PM, no Fórum Criminal da Barra Funda, a história sofreu uma reviravolta. Ao final da audiência de custódia (destinada a definir se suspeitos presos podem responder aos processos em liberdade), o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo determinou o relaxamento da prisão dos 18 adultos. O juiz afirmou que não havia ilegalidade na posse de qualquer dos objetos apreendidos com eles, como vinagre e material de primeiros socorros, nem indícios de que os jovens tivessem intenção de praticar algum delito. Comparou a ação do governo paulista à ditadura militar: “O Brasil como Estado Democrático de Direito não pode legitimar a atuação policial de praticar verdadeira ‘prisão para averiguação’ sob o pretexto de que estudantes reunidos poderiam, eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em manifestação ideológica. Esse tempo, felizmente, já passou”.
Na saída do Fórum, filhos abraçaram seus pais e secundaristas cantaram palavras de ordem. Vinte e quatro horas após a prisão, parecia que a história havia chegado ao fim. Ninguém imaginava o que estava por vir.
Na noite da prisão, assim que os detidos no CCSP chegaram ao Deic e viram que um deles, Balta Nunes, não estava na delegacia, desconfiaram que pudesse ser um agente infiltrado — um um P2, nome dado aos policiais do serviço reservado da Polícia Militar, que atuam em investigações. A suspeita chegou ao conhecimento da Ponte, que passou a analisar as redes sociais de Balta, repleta de sinais de um perfil falso: a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), por exemplo, afirmou que não havia ninguém com o nome de Balta ou Baltazar Nunes entre seus alunos, embora ele afirmasse ter estudado lá. A reportagem descobriu que Balta estava no Tinder, onde suas conversas frequentemente misturavam paquera com perguntas sobre as manifestações anti-Temer.
Àquela altura, Balta estava procurando diversos militantes, nas redes sociais, para tentar convencê-los de que não era um infiltrado. Disse que havia sido preso, sim, mas levado para outra delegacia e libertado após pagar R$ 1.200 em suborno para um delegado da Polícia Civil. No dia 6 de setembro, contudo, quando a reportagem da Ponte o procurou via WhatsApp, o capitão percebeu que sua máscara havia caído. Apagou os perfis de Balta nas redes sociais e disse adeus a todos os contatos, inclusive duas conhecidas do Tinder com quem estava tentando combinar um ménage à trois (“forçando uma barra, sabe?”, segundo uma delas). Avisou que voltaria a Lavras (MG) para cuidar do “pai doente” e pediu: “Rezem por mim”.
A reportagem localizou o Instagram de Botelho e mostrou suas imagens para cinco pessoas que haviam sido enganadas por Balta. Todas confirmaram: era a mesma pessoa. A reportagem com a denúncia saiu no dia 9 de setembro e motivou aberturas de inquérito no Exército, na Procuradoria de Justiça Militar, no Gecep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), e na Promotoria da Justiça Militar. Nenhuma das investigações deu em nada.
Até hoje ainda persiste, depois de dois anos, um procedimento investigatório criminal, em andamento na Procuradoria da República em São Paulo, no Ministério Público Federal, que analisa as ações de Botelho. Responsável pela investigação, o procurador Marcos Angelo Grimone já disse à Ponte que busca saber quem deu a ordem para as atividades do militar.
Logo após a prisão dos manifestantes, em setembro de 2016, o capitão Botelho saiu em férias de lua-de-mel no exterior. O oficial foi transferido de São Paulo e passou a servir no Comando Militar da Amazônia. No final do ano, recebeu um presente de Natal: em dezembro daquele ano, foi promovido a major “por merecimento” e viu a remuneração básica bruta do seu salário aumentar de R$ 10.624,15 para R$ 14.592,80.
Após a exposição do capitão, a reação das autoridades foi lenta e contraditória. No dia seguinte, a Secretaria da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB) negou em nota “a existência de uma operação conjunta na ocasião citada pela reportagem” e afirma que “não conhece o homem apontado pela reportagem como um suposto oficial das Forças Armadas”. Já o comandante-geral do exército, general Eduardo da Costa Villas Boas, em entrevista à Rádio Jovem Pan, afirmou que “houve uma absoluta interação com o governo do estado” na prisão dos jovens do CCSP, sem dar mais detalhes.
O Ministério da Defesa levou mais de três meses para apresentar sua primeira explicação: uma resposta a um requerimento de informação apresentado pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL). “Não houve repasse de informações para a PMSP [Polícia Militar do Estado de São Paulo] e as prisões foram fruto de uma abordagem padrão, na qual foram identificados objetos suspeitos”, afirma o ofício assinado pelo general de divisão Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, chefe do gabinete do comandante do Exército, enviado em 19 de dezembro.
Sobre a atuação do capitão, o ofício do Exército afirmou que “não há que se falar em infiltração, uma vez que o grupo que foi preso, naquela data, não era uma organização criminosa, mas sim de livre adesão”, que “manifestava-se de maneira ostensiva no ambiente cibernético e nas ruas, podendo receber tantos e quantos fossem os interessados em dele participar”. Para o Exército, o capitão não violou direitos “ao dar a aparência de aderir à conduta do grupo, nem ao observar-se as suas ações em tudo aquilo que fez de maneira ostensiva”.
O ofício do Exército assegura que o capitão Botelho estava legalmente autorizado a desenvolver “atividades de inteligência” em São Paulo. A autorização estaria baseada em dois decretos federais: um, publicado em 8 de agosto, que determinava o emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem (GLO) nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, e outro, de 31 de agosto, que estendia a mesma determinação para a cidade de São Paulo.
O documento de resposta do Exército afirma que o capitão não praticou infiltração, mas confirma que há acompanhamento de movimentos sociais: “O acompanhamento, quando executado, é realizado no contexto em que são inseridos, a fim de identificar vetores que possam, aproveitando-se de sua legitimidade, promover ações ilícitas”.
Sobre as denúncias de assédios sexuais cometidas pelo capitão em sua identidade como Balta, o Centro de Comunicação Social do Exército deu uma resposta de uma linha: “O Exército não comenta atividade de foro íntimo de seus integrantes”.
Enquanto Botelho recebia uma promoção “por merecimento”, as notícias que chegaram para os jovens que ele havia enganado não eram tão boas. Ao receber o relatório do inquérito do delegado Fabiano Fonseca Carneiro, o promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza, do Ministério Público Estadual de São Paulo, entendeu que, sim, tinha em mãos um caso de crime real. Na denúncia que escreveu, em 15 de dezembro de 2016, o promotor afirma que os 18 adultos detidos no CCSP “associaram-se para a prática de danos e danos qualificados consistentes na destruição, inutilização e deterioração do patrimônio público e privado e lesões corporais em policiais militares”.
Para justificar a denúncia, o promotor aponta o fato de a polícia ter apreendido com os manifestantes frascos com vinagre (“utilizado para minorar os efeitos do gás que a polícia usa para debandar arruaceiros”) e materiais de primeiros socorros (“que seriam utilizados em comparsas que viessem a sofrer lesões no confronto com policiais militares”) e um “disco de metal que seria utilizado como escudo”, além de uma câmera fotográfica, que os suspeitos usariam para “registro de ações criminosas e posterior divulgação em redes sociais e outros meios de veiculação de ideias”.
Tanto o delegado como o promotor ignoraram a presença do coronel Botelho, como se nunca houvesse existido.
Após ouvir a defesa dos jovens, a juíza Cecília Pinheiro da Fonseca emitiu um despacho, em 21 de agosto de 2017, considerando que a denúncia do MP havia conseguido apontar indícios de que o grupo detido no CCSP teria se reunido para destruir patrimônio público e privado e ferir policiais militares. Em 12 de dezembro, após três audiências, a juíza encerrou a fase de instrução do processo.
As três adolescentes que foram detidos junto com os 18 e que teriam sido “corrompidos” pelos adultos acabaram inocentados. Em 4 de maio de 2017, a promotora Mariana Apparício de Freitas Guimarães, da 1ª Vara Especial da Infância e da Juventude da Capital, solicitou o arquivamento do inquérito realizado pelo delegado Carneiro, por falta de provas. Para a promotora, “o só porte dos objetos apreendidos” não permitiria concluir que as meninas estavam reunidas para destruir patrimônio ou atacar policiais. Para isso, segundo Guimarães, seriam necessárias outras provas, que a investigação não trouxe. “Mas o que se tem nos autos é que o grupo foi abordado por policiais militares, não em razão de uma investigação que teria identificado o grupo como uma ‘célula’ do grupo ‘Black Blocs’ ou outra organização criminosa destinada à prática daqueles crimes, mas sim após singela indicação de um popular de que havia um grupo de pessoas vestidas de preto no local, que portavam máscaras e gorros”, escreveu.
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Censura
Militares fazem o que sabem de melhor: esconder os mortos
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5 anos atrásem
09/06/20
Imagine uma epidemia que se alastra rapidamente e mata entre 10% e 20% dos infectados. Imagine que essa epidemia mata principalmente crianças e em especial as da periferia, com menor acesso ao saneamento básico e à saúde. Agora, imagine que por três anos os meios de comunicação sejam censurados nas reportagens sobre a epidemia, que os médicos sejam proibidos de dar entrevistas e que o Ministério da Saúde, controlado por militares, não divulgue os números corretos sobre a doença e as mortes. Isso já aconteceu no Brasil, e não faz tanto tempo assim.
Entre 1971 e 1974, pelo menos 60 mil pessoas de sete estados brasileiros (40 mil só em São Paulo, o epicentro da epidemia) foram infectadas pela bactéria causadora da meningite. Até hoje é impossível precisar quantos morreram. Mas para impedir o que achavam ser uma histeria dos médicos, os militares decidiram esconder esses fatos, e os mortos, da população. Centenas, talvez milhares de crianças, aliás, foram enterradas na mesma vala comum clandestina do cemitério de Perus, na capital paulista, onde eram jogados os corpos de dissidentes políticos torturados e mortos pelo Doi Codi.
Um ótimo vídeo curto sobre a epidemia de meningite e a maquiagem de dados da ditadura militar está disponível no canal Meteoro.doc. Ontem, o canal publicou um novo vídeo, tratando especificamente da atual maquiagem de dados e da disputa de narrativas entre o novo governo militar, que teoricamente ainda não é uma ditadura, e os meios de comunicação para se informar ou desinformar a população.
O tratamento governamental da epidemia de meningite dos anos 1970 só vai mudar em 1974, com um novo general no poder e a aquisição pelo governo de 80 milhões de doses da vacina. Sim, já havia vacina para a meningite e o governo sabia que se tivesse feito uma campanha de vacinação anos antes, teria poupado milhares de vidas. Mas pra que admitir um genocídio se podia dizer que havia um “milagre econômico”? É como disse a ex-secretária da Cultura, Regina SemArte: é muito peso carregar essa fileira de mortos.

Telegrama da Polícia Federal ordenando a censura nos dados sobre a epidemia de meningite. Fonte: Twitter do historiador Lucas Pedretti @lpedret. Como os telegramas não tinham pontuação, usavam a sigla VG para vírgula e PT para ponto final.
Assim, em julho de 1974, com a admissão oficial de que havia uma epidemia, o jornalista Clovis Rossi, então trabalhando no jornal O Estado de São Paulo, preparou uma grande reportagem de capa, intitulada Epidemia de Silêncio, na qual dizia: “Desde que, há dois anos aproximadamente, começaram a aumentar em ritmo alarmante os casos de meningite em São Paulo, as autoridades cuidaram de ocultar fatos, negar informações, reduzir os números referentes à doença a proporções incompatíveis com a realidade — ou seja, levando, deliberadamente, a desinformação à população e abrindo caminho para que boatos ocupassem rapidamente o lugar que deveria ser preenchido per fatos. Fatos que as autoridades tinham a obrigação, por todos os títulos de esclarecer ampla e totalmente”. Leia a matéria completa aqui.
Mas, claro, militares não gostam que digam quais são suas obrigações e publiquem que estão desinformando a população. Assim, a matéria de Rossi foi censurada e em seu lugar o Estadão publicou um trecho do poema Os Lusíadas, de Luís de Camões.
Por causa da Lei da Anistia, de 1979, os militares jamais foram responsabilizados criminalmente pelas mortes na pandemia e nem pelas torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres de dissidentes políticos. Mas talvez a história não se repita com a pandemia de coronavírus. Ontem, o Supremo Tribunal Federal, atendendo a uma ação dos partidos Psol, PCdoB e Rede Sustentabilidade, determinou a divulgação diária das informações sobre os dados de Covid-19 até às 19h30, pelo Ministério da Saúde. E também ontem, o Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, decidiu analisar a denúncia do PDT de genocídio promovido pelo Governo Bolsonaro. Esse é um caso raro, já que normalmente o TPI só julga ex-governantes acusados de crimes contra a humanidade.
Brasília
Manifestações mostram que Bolsonaro desliza sem volta para o precipício
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5 anos atrásem
09/06/20
Por Ricardo Melo*
Que me perdoe Dacio Malta, um dos mais destacados jornalistas do país e produto de uma linhagem que vem de Octavio Malta, co-fundador da Última Hora e um dos mais brilhantes profissionais da grande imprensa quando ela podia ser chamada deste nome.
Mas o último artigo de Dacio aqui publicado, sobre o impeachment de Bolsonaro, ficou no meio do caminho.
Ele tem toda razão ao afirmar que Bolsonaro merece o impeachment diante da atitude do genocida, expulso do exército como terrorista, frente à Covid-19. Mas oscila quando diz que seus outros crimes foram “absolvidos” porque foi eleito em 2018.
Ora, Bolsonaro não foi eleito sob regras democráticas. Primeiro, beneficiou-se do impeachment irregular de uma presidenta legitimamente eleita. Depois, contou com o apoio sórdido de uma ação judicial conduzida contra Lula pelo seu futuro ministro, hoje “desafeto”, o infecto Sérgio Moro. Qualquer dúvida a respeito desaparece quando se consultam os diálogos trazidos a público pelo “The Intercept Brasil”. Lá se revela o caráter criminoso e parcial com que o Marreco de Curitiba manipulou o processo. Não bastasse isso, Bolsonaro beneficiou-se de uma máquina milionária de mentiras, orientada por assessores americanos e financiada por empresários brasileiros para espalhar fake news contra seus adversários.
Não fosse tudo isso, Lula teria ganho as eleições com folga ainda no primeiro turno. Até a rampa do Planalto sabe disso.
Bolsonaro é um presidente fraudulento, ilegítimo, com ou sem covid-19. Um usurpador. Sua trajetória neofascista, misógina, homicida, armamentista, desenvolvida durante 30 anos no Congresso, só se tornou “maioria nominal” graças a expedientes liberticidas e, sobretudo, porque contou com o apoio da elite apodrecida que prefere qualquer coisa, menos governos com algum viés social.
Sim, estes traços tenebrosos ganham tintas mais carregadas quando ele age como homicida assumido diante de uma pandemia devastadora. Transformou o Ministério da Saúde dirigido por militares desqualificados em um esconderijo de cadáveres.
Mas isso é apenas o ápice da trajetória de um desequilibrado a serviço do grande capital e seus asseclas na grande mídia, nas Forças Armadas, no Judiciário e no Legislativo. Bando de acólitos anti-Brasil. O conjunto da obra já é mais do que suficiente para expulsar Bolsonaro e sua gangue do poder que ele e sua turma de milicianos tomaram de assalto, pisoteando meios democráticos elementares.
Paradoxalmente, esse alucinado só está de pé por causa do isolamento que ele tanto ironiza. Estivesse segura de sair às ruas sem colocar em risco a própria vida, a população já teria dado cabo deste excremento. Isto já começou a mudar como mostraram as manifestações de domingo.
Este será o curso inevitável dos próximos momentos.
*Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.
Leia mais Ricardo Melo em:
Pandemia: 1% mais rico do País não está nem aí para as mortes dos pobres

Mais de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens foram submetidos ao assassinato e à tortura de forma programada pelos nazistas com o objetivo de exterminar judeus e outras minorias. Nos primórdios da Itália fascista, os camisas negras – milícias paramilitares de Mussolini – espancavam grevistas, intelectuais, integrantes das ligas camponesas, homossexuais, judeus. Quando a ditadura fascista se estabeleceu, dez anos antes da nazista, Mussolini impôs seu partido como único, instaurou a censura e criou um tribunal para julgar crimes de segurança nacional; sua polícia secreta torturou e matou milhares de pessoas. Em 1938, Mussolini deportou 7 mil judeus para os campos de concentração nazista. Sua aliança com Hitler na 2ª Guerra matou mais de 400 mil italianos.
Perdoem-me relembrar fatos tão conhecidos, ao alcance de qualquer estudante, mas parece necessário falar do óbvio quando ser antifascista se tornou sinônimo de terrorista para Jair Bolsonaro. Os direitos universais à vida, à liberdade, à democracia, à integridade física, à livre expressão, conceitos antifascistas por definição, pareciam consenso entre nós, mas isso se rompeu com a eleição de Bolsonaro. O desprezo por esses valores agora se explicita em manifestações, abraçadas pelo presidente, que vão de faixas pelo AI-5 – o nosso ato fascista – ao cortejo funesto das tochas e seus símbolos totalitários, aqueles que aprendemos com a história a repudiar. Jornalistas espancados pelos atuais “camisas negras” estão entre as cenas dessa trajetória.
A patética lista que circulou depois que o deputado estadual Douglas Garcia(PSL-SP) pediu que seus seguidores no Twitter denunciassem antifascistas mostra que o risco é mais do que simbólico. Depois do selo para proteger racistas criado pela Fundação Palmares, e das barbaridades ditas pelo seu presidente em um momento em que o mundo se manifesta contra o racismo, e que lhe valeram uma investigação da PGR, essa talvez seja a maior inversão de valores promovida pelos bolsonaristas até aqui.
A ameaça contida na fala presidencial e na iniciativa do deputado, que supera a lista macartista pois não persegue apenas os comunistas, tem o objetivo óbvio de assustar os manifestantes contra o governo e de açular as milícias contra supostos militantes antifas, dos quais foram divulgados nome, foto, endereço e local de trabalho.
É a junção dos “camisas negras” com a Polícia Militar, que já se mostrou favorável aos bolsonaristas contra os manifestantes pela democracia no domingo passado em São Paulo e no Rio de Janeiro. E que vem praticando o genocídio contra negros impunemente no país desde sua criação, na ditadura militar, muitas vezes com a cumplicidade da Justiça, igualmente racista.
Como disse Mirtes Renata, a mãe de Miguel, o menino negro de 5 anos que foi abandonado no elevador pela patroa branca de sua mãe, mulher de um prefeito, liberada depois de pagar fiança de R$ 20 mil reais, “se fosse eu, a essa hora já estava lá no Bom Pastor [Colônia penal feminina em Pernambuco] apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”. Irresponsável. Note a generosidade de Mirtes com quem facilitou a queda de seu filho do 9º andar.
Neste próximo domingo, os antifas vão pras ruas. Espero não ouvir à noite, na TV, que a culpa da violência, que está prestes a acontecer novamente, é dos que resistem como podem ao autoritarismo violento. Quem quer armar seus militantes, e politizar forças de segurança pública, está no Palácio do Planalto. É ele quem precisa desembarcar. De preferência de uma forma mais pacífica do que planejam os fascistas para mantê-lo no poder.
Por: Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
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