Infância refugiada pelo Oriente Médio: retratos de conflitos

A questão da imigração e do refúgio está muito presente nas discussões brasileiras atuais, seja pelos venezuelanos que estão vindo ao Brasil graças à crise econômica, criada pelos bloqueios ao país, seja pelo muro criado por Trump no Estados Unidos, para impedir a entrada dos mexicanos. 

 

Esse livro, porém, nos leva a realidades mais distante das nossas: Palestina (Faixa de Gaza), Síria, Líbano e Turquia. A fotógrafa cearense Karine Garcez (45) percorreu esses países entre 2012 e 2015, tendo focado seu trabalho especialmente nas crianças refugiadas; nas suas brincadeiras, nas suas pequenas alegrias em meio a tão grandes tristezas. 

 

É um livro que nos leva a entender um pouco mais da natureza humana, de sua capacidade de renascer, de crescer, e, por fim, de se reconstruir. Não há bomba que desfaça o espírito humano, nem guerra que nos detenha ao plantarmos paz. 

 

Acredito que as fotografias de Karine Garcez tem esse poder de plantar paz, de humanizar o desumanizado, de nos mostrar a complexidade das situações e das pessoas; não é o choro ou a tristeza que perpassam pela construção de uma boa fotografia, e, sim a realidade em suas diversas esferas, em seus muitos momentos. As crianças têm o poder de revelar a verdade, mesmo nas fotografias. 

 

Confira abaixo a entrevista com a fotógrafa: 

 

Quem é Karine Garcez? 

 

Cearense espivitada, arretada, ‘aguniada’ com as questões sociais e políticas nacionais, internacionais, com os rumos da humanidade, com o que podemos fazer pra melhorar, como criar mecanismo pra que as cidades sejam ambientes saudáveis, não o que se tornou. 

 

Como você começou sua militância pela questão Palestina? 

 

Sou a favor da Palestina desde meus tempos de escola, mas me aprofundei no assunto quando fui estudar sobre o Islã. Eu visitei primeiro a Palestina porque surgiu o convite para ir a Gaza, em uma missão humanitária. Era algo que sempre quis fazer, desde que comecei a estudar o Islã, para poder rebater as agressões que sofria por causa da mídia falando do mundo árabe e da comunidade muçulmana, da qual pertenço. Depois da oportunidade de Gaza não parei mais. Pra mim a Palestina é uma luta pela proteção da humanidade. 

 

Qual foi essa missão humanitária?          

 

Em Gaza (2012) levamos medicamentos, alimentos e roupas para os palestinos. Na missão humanitária a Turquia, Líbano e Síria atendemos as vítimas do conflito Sírio com medicamentos, distribuição de alimentos, agasalhos, querosene para aquecedores. A segunda missão foi de 2014 a 2015, foram três viagens por ano, cada uma com duração de um mês. 

Como você foi a essas missões? Por quais organizações? Como conheceu essas organizações? 

 

Fui pela ONG Al Wafaa Campaign. Conheci o presidente da organização enquanto fazia o Hajj (Hajj é a peregrinação a Meca realizada pelos muçulmanos), e ele me convidou para participar, eu fui e nunca mais me desliguei da organização. 

 

Como foi para você fazer as fotografias nas viagens? 

 

Foi super tranquilo, as pessoas são muito acessíveis, principalmente as crianças, e conhecer a cultura fez toda a diferença na relação que mantive com eles, por isso o meu trabalho foi muito tranquilo e as pessoas ainda me ajudavam. Houve episódios em que eles não permitiram que outros fotógrafos fizessem fotos deles, mas me chamaram para fotografá-los. 

 

Por quê? 

 

Porque as pessoas chegavam fotografando, enfiando a câmera na cara deles, eu ia com calma, criava uma relação, depois perguntava se poderia fotografar. Os outros não pediam autorização, e com as mulheres é bem complicado,elas não gostam, sentem como invasão de privacidade. Eu não pedi para eles fazerem pose, ou ficarem em pé em algum lugar, apenas recebia o que me ofereciam. 

 

 

Como você teve a ideia de fazer um livro só com as fotografias das crianças?

 

Foi por causa da exposição que fiz com as fotografias, primeiro eu tentei fazer uma exposição…Fui a quatro lugares diferentes, mas nenhum me aceitou. Disseram que é um tema muito longínquo da realidade local (eu vivo em Fortaleza), mas para mim a arte é sobre aproximar as pessoas, criar empatia onde antes só existia distância. Na minha quarta tentativa consegui, o professor diretor Dilmar Miranda do Museu da Imagem e do Som do Ceará abraçou de cara a ideia da exposição. O difícil foi conseguir dinheiro para o material de divulgação, como banners e folhetos; felizmente alguns sindicatos, como a APEOC (sindicato dos professores) não apenas me ajudou com material como levou 10 ônibus com estudantes para ver a exposição. A exposição foi em dezembro de 2016, começou no dia 16 de dezembro, e a ideia para o livro veio logo depois, graças a uma amiga jornalista, Beatriz Burgel, que sugeriu que eu tentasse um edital de cultura do Estado do Ceará. Eu achei que era bobagem, que não iria conseguir, mas ela sentou e fez tudo, só entreguei os documentos necessários. Fomos selecionadas para o edital, mas o dinheiro só foi liberado três anos depois, sendo que os preços haviam sido alterados, tinham aumentado, mas o dinheiro do edital continuava sendo o mesmo. Foi por isso que tentei duas vezes o financiamento coletivo, onde consegui 5% do valor que precisava. No final ficou assim: 70% financiado pelo edital, 3 mil reais pelo financiamento coletivo, e 4 mil do meu próprio bolso. Para quem não tem uma renda fixa quatro mil reais é muita coisa, tive que parar um semestre da faculdade para fazer o livro ( É por isso que só vou lançar o livro agora, mesmo já tendo o material pronto há três anos. Pelo menos pude fazer mais fotos enquanto esperava pelo dinheiro. 

 

Com que você trabalha, Karine? Nos conte mais sobre sua vida. 

 

Sou de uma cidadezinha do interior do Ceará chamada Antônio Diogo, já trabalhei com agricultura, fui vendedora de loja, organizadora de eventos, representante comercial. O problema é que depois que me converti ao Islã nunca mais consegui trabalho, ninguém me contrata. Tive que procurar outro tipo de emprego, agora faço roupas para mulheres muçulmanas, estou vendendo comida vegana e cosméticos veganos para sobreviver em feiras veganas, estudo fotografia. Mudei minha vida.   

 

Como suas viagens são subsidiadas? 

 

Vou todo ano aos países do Oriente Médio por meio de uma parceria firmada em 2015 com uma agência de viagens, eu reúno o grupo de pessoas interessadas em fazer trabalho humanitário em regiões como Líbano ou Egito, vou como guia (já que falo árabe e conheço a região). Não ganho nada pelo trabalho como guia, o nosso acordo é que eles pagam as passagens, a viagem. A primeira viagem, em 2012, foi por minha conta. Em fevereiro de 2018 reuni um grupo de 11 pessoas para ir ao Líbano, onde tentei encontrar as crianças que havia fotografado, mas não foi possível vê-las. Esse ano, 2019, fomos em julho para o Líbano e Egito. Meu objetivo é ir duas vezes por ano, ano que vem estou planejando um grupo para o Irã em julho e outro para Jordânia e Egito ou Jordânia e Líbano. Essa última, para o final do ano que vem, ainda não está totalmente organizada. A segunda viagem deve ocorrer em setembro.  

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