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O Império Bolsonaro no vale da miséria

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O cunhado não gostou quando uma parte de sua fazenda, fruto de invasão de terras, virou quilombo. Capangas destruíram a nova plantação de bananas assim que o processo de reconhecimento da área foi finalizado, em setembro passado. Por sua vez, em 2015, uma das irmãs se apossou do lote urbano de mais de 800m2 que foi regularizado por um programa voltado a pequenos posseiros. Seis meses depois, ela vendeu o lote para o prefeito do município. Já o núcleo familiar da caçula dos cinco irmãos de Jair Bolsonaro alugou 3 imóveis, sem licitação e na faixa dos R$ 8 mil por mês, para prefeituras do Vale do Ribeira, uma das áreas mais pobres do Estado mais rico do Brasil.

É nessa região que Jair Bolsonaro morou até os 18 anos de idade, quando saiu para o serviço militar. Filho de um dentista prático e de uma dona de casa, viveu na pacata cidade de Eldorado Paulista. O município hoje tem pouco mais de 15 mil habitantes, 40% deles ganhando menos de dois salários mínimos. Não por acaso, o município sofre com o segundo pior índice de mortalidade infantil do Estado.

Mas Eldorado Paulista também é o quarto maior município em extensão territorial de São Paulo. No começo do século passado, foi apelidado de “Amazônia Paulista” e, em 1993, reconhecido pela Unesco como “Reserva da Biosfera do Patrimônio Mundial”. Cerca de 70% do território é coberto por Mata Atlântica protegida por reservas e parques, estações ecológicas e áreas de proteção ambiental naturais tombadas, além de 26 quilombos e cerca de 50 comunidades remanescentes de quilombos. Mas Bolsonaro diz que não quer saber de nada disso. É obcecado por minérios como nióbio (usado em siderurgia) e tório, um elemento químico radiativo.

Natural de Campinas, foi em Eldorado que Bolsonaro se criou. E é aquela região que explica algumas das obsessões do ex-capitão, a começar pela idolatria à caserna. Bolsonaro adora dizer que sua “vocação” militar foi despertada no começo dos anos 1970, quando a região do Vale do Ribeira viu-se ocupada por 2.500 homens do Exército, auxiliados por um contingente não determinado de policiais cedidos pelo governo de São Paulo, que caçavam míseros 17 militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), sob o comando do guerrilheiro Carlos Lamarca, este sim, um mito. Pois não é que os soldados, depois de bloquear a BR-116, a Rodovia Régis Bittencourt, além de estradas vicinais, depois de prender 120 pessoas e varrer a Mata Atlântica com helicópteros, depois – por fim – de bombardear áreas civis suspeitas de abrigarem os guerrilheiros com bombas de napalm jogadas de cargueiro B-26 da FAB; depois disso tudo, Lamarca conseguiu furar o bloqueio do Exército e fugir.

Nada menos do que 41 dias de fome e cerco depois, e Lamarca conseguiu escapar da maior mobilização da história do II Exército, atual Comado Militar do Leste. O baile que o guerrilheiro deu no Exército marcou indelevelmente o psiquismo do menino Jair Bolsonaro, que até hoje promete vingar-se da esquerda.

A família do candidato à presidência – que chama ocupantes de terras e fazendas improdutivas de “terroristas” e pretende não “dar nenhum centímetro” de terra para reservas indígenas e quilombolas – está espalhada por todo o Vale do Ribeira. Lá, os Bolsonaros construíram um império. Em municípios como Barra do Turvo (o mais pobre do Estado), Jacupiranga, Pariquera-Açu, Miracatu e outros que compõem a área de baixíssimos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), o clã dos Bolsonaro contabiliza mais de 60 imóveis. Agregam-se ao sobrenome presidenciável os dos cunhados José Orestes Fonseca Campos e Theodoro da Silva Konesuk, considerados os mentores financeiros da família. Mas não só de casas, fazendas e terrenos vive a próspera família. Além das propriedades, eles são donos de empresas. Muitas.

Um levantamento na Junta Comercial de São Paulo aponta, pelo menos, 19 foram registradas em oito municípios. Se forem contabilizadas as filiais das lojas “Campos Mais” (Magazine Campos Mais, Campos Móveis e Campos Materiais de Construção), e da “Art’s Móveis”, de móveis e produtos eletrônicos, em 13 cidades, são cerca de 30 empreendimentos, de acordo com uma reportagem da revista Época de setembro passado.

A crise econômica parece que não abalou a família: 14 lojas foram abertas nos últimos oito anos. À boca miúda, diz-se que o shopping em construção em Eldorado também é do grupo, assim como um empreendimento em hotelaria no centro de Cajati, no litoral Sul.

Um dos negócios mais peculiares da família em Eldorado é a casa lotérica “Trilha da Sorte”, registrada como “Casa Lotérica Bolsonaro ME Ltda”. O empreendimento está no nome do irmão do candidato, Angelo Guido Bonturi Bolsonaro, e desperta a curiosidade. Uma rápida busca no Google, afinal, explica como loterias fazem lavagem de dinheiro sujo: basta o criminoso pagar mais do que o prêmio em troca de um bilhete sorteado.

Na cidade, também fica a loja de sapatos da mãe, dona Olinda Bonturi Bolsonaro, de 92 anos. Ela mora no mesmo prédio do comércio. Todo esse patrimônio, no entanto, não inclui aquele formado pelo próprio núcleo familiar do candidato à presidência e seus três filhos políticos.

Uma série de reportagens publicada no começo do ano pelo jornal Folha de S. Paulo apontou que os quatro acumulariam mais de R$ 15 milhões em 13 imóveis. Entre eles, os de Brasília – apesar de o candidato à presidência e seu filho Eduardo, que é deputado federal, receberem R$ 6,1 mil por mês de auxílio-moradia pela Câmara dos Deputados, benefício a que teriam direito apenas os parlamentares sem casa em Brasília.

A conta feita pra estimar o patrimônio, porém, não contabiliza bens como carros que vão de R$ 45 mil a R$ 105 mil, um jet-ski, além de aplicações financeiras, em um total de R$ 1,7 milhão, como consta na Justiça Eleitoral e em cartórios. As dúvidas sobre transações suspeitas de lavagem de dinheiro e de enriquecimento após começar a atuar na política não foram esclarecidas pelo Bolsonaro-pai nem pelos Bolsonaros-filhos.

Toda a família e seus tentáculos, por sinal, estão proibidos por Jair Bolsonaro de dar entrevistas. Apesar disso, os Jornalistas Livres foram atrás dos personagens, empreendimentos e atividades do clã no Vale do Ribeira. A partir de documentos, relatos, dados fornecidos por cartórios de registros de imóveis, pela Junta Comercial de São Paulo e no Tribunal de Justiça de São Paulo, traçamos, ao menos em parte, pistas do império dos Bolsonaros.

O cunhado fazendeiro que não gosta de quilombos

Theodoro da Silva Konesuk é casado com Vânia Rubian Bolsonaro, a caçula dos irmãos do candidato à presidência pelo PSL. Há pouco mais de um mês, Konesuk perdeu uma área de 55 hectares de uma de suas fazendas para a Associação dos Remanescentes de Quilombos da Barra de São Pedro do bairro Galvão, em Iporanga. A propriedade, em áreas devolutas que pertencem à União e ao Município, foi ocupada por seu pai, que foi prefeito da cidade de Eldorado por dois mandatos, entre os anos 60 e 80. Os quilombolas aguardavam a regularização da terra desde 2013, quando a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e o governo paulista entraram como o processo de reintegração de posse. Theodoro Konesuk não se manifestou. Mas parece que não gostou da sentença.

Dias depois de os quilombolas receberem o direito à terra, lideranças do quilombo contam que os capangas do cunhado de Jair Bolsonaro destruíram o cercado e as recém-plantadas mudas de bananeiras das 32 famílias da comunidade, segundo reportagem do site www.deolhonosruralistas.com.br.

O relatório técnico do Itesp realizado em 2000, época de análise dos territórios do bairro Galvão, chamou atenção para os altos níveis de violência na região e até um assassinato ocorrido em conflitos de grilagem das terras. Ao defender a demarcação das terras quilombolas, o documento feito pela antropóloga Maria Celina Pereira de Carvalho afirma que “o sistema agrícola dessas comunidades permanece o mesmo que era praticado pelos antepassados há duzentos, trezentos anos, apoiado em um saber-fazer que exige profundos conhecimentos da natureza e seus ritmos”.

Aponta ainda que há décadas os descendentes de homens e mulheres negros escravizados lutam contra a construção de uma barragem, ao longo do rio Ribeira de Iguape, que forneceria energia elétrica para uma empresa do grupo Votorantim, e também contra mais três barragens que seriam construídas pela Companhia Energética de São Paulo que, segundo dados do Instituto Socioambiental, inundariam cerca de 60% do território de inúmeras comunidades negras da região.

Além da propriedade em Iporanga, constam em nome de Konesuk, nos serviços registrais de imóveis, ocorrências nas cidades de Apiaí, Cananéia, Eldorado, Iguape, Itanhaém, Jacupiranga, Miracatu, Peruíbe, Registro e Sorocaba. Em sua fazenda em Registro, há negócios de extração de areia e gado de corte em sociedade com o empresário Maurici Ribeiro Botelho Junior, dono de uma empresa de terraplenagem e de uma transportadora que tem em seu registro de atividades o comércio atacadista de ferramentas, cigarros, cigarrilhas e charutos, artigos de viagem, tecidos, lustres, couros, lãs e peles, jóias, relógios e bijuterias, inclusive pedras preciosas e semipreciosas lapidadas.

A irmã Vânia e os aluguéis para prefeituras: sem licitação

Ela é casada com o empresário que perdeu parte de suas terras para quilombolas, Theodoro da Silva Konesuk, e começou seus negócios na venda de artigos para pesca e camping, há 23 anos. Mudou de ramo em 2011 e hoje o casal tem 11 lojas Art’s Móveis. As seis no nome de Vânia Bolsonaro estão registradas como de pequeno porte e as do marido como Eireli, que separa o patrimônio empresarial do pessoal.

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Os portais de transparência dos municípios da região apontam que Vânia e Theodoro Konesuk já alugaram imóveis para as prefeituras de Cajati, Iguape e Jacupiranga. Todos sem licitação. Entre eles, locação firmada em 2014 do imóvel que hospeda a Delegacia Civil em Cajati. Em Iguape, o nome de Vânia consta como locadora do imóvel destinado à administração do Paço Municipal. Em um ano de aluguel, a partir de março de 2015, a irmã do presidenciável embolsou R$ 90 mil. A locação foi estendida por mais um ano, a R$ 8.325 mensais, totalizando outros R$ 99.906 até março de 2017. Em Jacupiranga, desde 2010, o imóvel onde funciona a Câmara Municipal é do marido, Theodoro Konesuk. Atualmente, ele cobra R$ 8.000 mensais pelo espaço.

Maria Denise: a empresária-posseira e fazendeira

 

Na cidade de Barra do Turvo, a mais pobre do Vale do Ribeira, houve regularização de fundiária urbana realizada pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) em 2015. Maria Denise Bonturi Bolsonaro, irmã do candidato à presidência que já declarou a intenção de criminalizar movimentos sem-terra, foi beneficiada pelo programa “Minha Terra”. Ela recebeu a concessão de um lote de 869,28 m2 na cidade. A propriedade do terreno era do município.

De acordo com o site do Itesp, o programa “Minha Terra” consiste em um projeto social do Governo do Estado de São Paulo “voltado a pequenos posseiros da cidade ou do campo que, devido à insegurança dominial sobre os imóveis que ocupam, convivem com conflitos pelo uso e posse da terra e com sérios obstáculos para o desenvolvimento social e econômico das comunidades.” Seis meses depois de receber o lote, entretanto, Maria Denise Bonturi Bolsonaro o vendeu para o atual prefeito da cidade, o médico Jefferson Luiz Martins, eleito pelo PSDB em 2014.

Constam, nos registros da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo, 12 (doze!!!) menções a imóveis no CPF de Maria Denise nas cidades de Eldorado, Jacupiranga, Itanhaém e Miracatu. Vale citar só alguns:

  • Uma casa residencial de 762,50m² no perímetro urbano da cidade de Jacupiranga

  • Uma área de terra urbana de 941,96m² no perímetro de Jacupiranga

  • Uma área de terra urbana com 190,48m², na cidade de Pariquera-Açu

  • Um lote de terreno urbano na cidade de Barra do Turvo

Documento original

Separada há 5 anos, ela foi casada por 30 anos com José Orestes Fonseca Campos, dono da rede de materiais de construção “Campos Mais”, que inclui 14 filiais da Magazine “Campos Mais” (saiba mais no perfil abaixo). Seus filhos também são empresários. Osvaldo está no mesmo ramo da família. Já a empresa de Orestes oferece peças de vestuário, calçados, suprimentos de informática e suporte técnico em tecnologia da informação. Os Bolsonaro Campos também são donos de duas fazendas, uma de gado e outra de banana.

 

O ex-cunhado José Orestes e o impressionante crescimento em tempos de crise

2015 foi um ano excelente para o ex-cunhado de Jair Bolsonaro José Orestes Fonseca Campos, que foi casado com Maria Denise Bolsonaro Campos, quando ele inaugurou mais três filiais da Magazine “Campos Mais”. O crescimento do negócio de materiais de construção de fato impressiona. Em cinco anos, entre 2005 e 2010, foram abertas oito lojas espalhadas por todo o Vale do Ribeira e litoral Sul. O último empreendimento, no ano passado, foi em Jacupiranga. Mas, para ampliar ainda mais os negócios, José Orestes montou outra empresa. Agora é dono da incorporadora, construtora e administradora de bens imobiliários “Campos Mais”. Além da gestão de imóveis, as atividades da empresa incluem construção de edifícios e hotéis. Na cidade onde mora, Cajati, está construindo um hotel e espaço de eventos.

Diante de todas essas informações, fica evidente que os ataques do candidato Jair Bolsonaro às comunidades quilombolas e a movimentos, como o MST e o MTST, são hipócritas e criminosos. Os sem-terra e os sem-teto são humildes e pobres que ocupam propriedades improdutivas, enquanto os parentes de Jair Bolsonaro, riquíssimos, invadem terrenos públicos para transformá-los em objeto de especulação imobiliária e cobiça. Eles querem auxílio-moradia, mas só para eles!

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2 Comments

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  1. MARIA APARECIDA LOBO

    19/01/19 at 22:09

    Ah! Agora faz sentido todo o fascismo de Jair Bolsonaro! Não conhecia toda essa trajetória de vida feita pelo Bozo. Não será possível decididamente esperar nada mais dele.

  2. Juliana

    22/08/20 at 22:12

    Porque se referiu ao nosso vale como vale da miséria? Nós temos muitas riquezas para cá, é muito triste para mim ler isso.

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Nota da ABI – Bolsonaro mente na ONU e envergonha o Brasil

No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.

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No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.
Sem qualquer compromisso com a verdade, o presidente afirmou que seu governo pagou um auxílio emergencial no valor de mil dólares para 65 milhões de brasileiros carentes, durante a pandemia. O auxílio foi de 600 reais.
Bolsonaro mentiu
O presidente responsabilizou, ainda, índios e caboclos pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que alcançam níveis nunca antes vistos no País. Todas as investigações, inclusive de órgãos oficiais, indicam que fazendeiros estão na origem das queimadas.
Como se vê, de novo Bolsonaro mentiu.
O presidente transferiu a responsabilidade para governadores e prefeitos pelos quase 140 mil mortos vítimas do coronavírus. Todo o país é testemunha de sua leviandade, ao classificar a pandemia de “gripezinha” e ir na contramão dos procedimentos defendidos pelas autoridades de Saúde.
Assim, mais uma vez Bolsonaro mentiu.
A ABI, com a autoridade de seus 112 anos de existência em defesa da democracia, dos direitos humanos e da soberania nacional, repudia esse comportamento que vem se tornando recorrente e conclama o povo brasileiro a não aceitar o verdadeiro retrocesso civilizatório que o governo está impondo ao País.
Paulo Jeronimo – Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

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Sem papas na língua. Juliano Medeiros no Dialogando de hoje

Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

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Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? No Programa Dialogando desse domingo (26/07), 18h, o Pastor Fábio recebe Juliano Medeiros, presidente do PSOL para um papo sobre eleições e aprendizados da pandemia que passa por uma das fases mais críticas do momento, onde prefeituras e governos de vários Estados do país programam reabertura de mais uma parcela considerável de setores, enquanto isso, a mídia normaliza as curvas ascendentes do número de infectados pelo Coronavírus.

Outra pergunta que precisa ser respondida é qual é o sentido das eleições serem realizadas ainda neste ano? Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

Assista, compartilhe. comente e mande perguntas no Facebook.

Juliano Medeiros é um jovem dirigente político da esquerda brasileira e desde janeiro de 2018 ocupa a presidência do Partido Socialismo e Liberdade. Historiador e Mestre em História pela Universidade de Brasília, é Doutor em Ciências Políticas pela mesma instituição.

Co-autor e organizador de Um Mundo a Ganhar e Outros Ensaios (Multifoco, 2013), Um Partido Necessário – 10 anos do PSOL (Fundação Lauro Campos, 2015) e Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017), colabora com sites, jornais e revistas no Brasil e exterior.[2]

Em 2018 coordenou a campanha de Guilherme Boulos à Presidência da República pelo PSOL[3] e, no segundo turno, após decisão do partido, passou a integrar a coordenação da campanha de Fernando Haddad[4]. Desde a vitória de Jair Bolsonaro, participa do Fórum dos Presidentes de Partidos de Oposição[5].

Durante mais de uma década Juliano Medeiros foi dirigente da corrente interna Ação Popular Socialista – Corrente Comunista do PSOL. Em Junho de 2019, a APS-CC se fundiu com o Coletivo Rosa Zumbi e mais oito coletivos regionais para fundar a Primavera Socialista, atualmente maior tendência do PSOL, da qual Juliano também é dirigente.[6]

Fábio Bezerril Cardoso é Pastor, cientista social, ativista social e Cofundador & Coordenador da Escola Comum e atualmente apresenta o Programa Dialogando, todos os domingos, às 18h. É um dos pastores progressistas que têm lutado pela defesa dos povos periféricos e costuma não ter papas na língua para falar sobre a realidade desses lugares. A produção é de Katia Passos, com arte de Sato do Brasil.

Conheça mais sobre a atuação do Pastor Fábio https://www.facebook.com/fabio.bezerrilhttps://www.facebook.com/fabio.bezerril

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Hilário Ab Reta Awe Predzaw e a história de um povo, historicamente, moído pelo ódio ou indiferença

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Por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, militante do Movimento de Meninos(as) de Rua e Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno

 

 

Hilário Ab Reta Awe Predzaw, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.

Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.

A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.

Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!

No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.

O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.

Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.

No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a lingua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.

No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.

Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.

Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.

Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo…

A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.

O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.

Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.

Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.

Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [H OJ E], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.

Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.

Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.

Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!

Este texto foi escrito com informações coletadas com as alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.

A elas e a toda turma, meu carinho e solidariedade.

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