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Henfil não é pra qualquer um – o que ele veria no Brasil de hoje

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Graúna, personagem genial de Henfil, uma espécie de voz do inconsciente coletivo do Brasil

Por Luara RamosCamila Moreno, especial para os Jornalistas Livres

 

“Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar”

(João Bosco e Aldir Blanc)

Nesse ano completaremos 30 anos sem Henfil. Criador da Graúna, que marcou gerações de luta e militante pelas Diretas Já e por um país mais justo, democrático e igualitário, Henfil certamente se entristeceria se visse o que ocorre no Brasil de hoje, o país do golpe, onde aqueles que assaltaram o poder insistem em usar de maneira cínica até mesmo a linguagem e a arte de quem lutou contra toda a forma de opressão.

Henfil assistiria à campanha idealizada pelo seu irmão, “Natal sem Fome”, ter que ser relançada porque o país voltou pro Mapa da Fome. Henfil assistiria à história se repetindo com a operação da PF “A Esperança Equilibrista”, título, que remete à canção de João Bosco e Aldir Blanc – imortalizada na voz de Elis Regina – e que também faz menção ao “irmão do Henfil“, àquela época exilado. Esta música, que se tornou um hino da anistia, nos mostra o que parentes e sobreviventes dos horrores da ditadura já sabiam: a anistia “ampla, geral e irrestrita”, que também perdoou torturadores, não aplacou o terror, apenas o escondeu. A operação que levou professores coercitivamente parece rir dos que resistem, como se dissesse: o tempo de vocês dançarem na corda bamba se foi. O tempo da esperança acabou.

Desde sua promulgação em 1979, a Lei da Anistia não corrigiu o ranço da nossa sociedade policialesca, resultando em números assustadores de violência e abuso policial, que se antes aconteciam nos becos das favelas, com autos de resistência forjados gerando genocídio da juventude negra, agora são televisionados para o deleite de quem patrocina e apoia o assassinato de reputações porque ainda não podem apoiar a morte literal de seus adversários. O estado de exceção nunca foi exceção: herança maldita de um passado colonial e escravocrata, a polícia brasileira sempre foi política. E a política, como sabemos, há 500 anos é dominada por “herdeiros”.

A campanha “Natal sem Fome” foi relançada recentemente com apoio massivo de artistas como no passado recente. A classe artística agora empresta novamente sua imagem a uma campanha cujo objetivo é muito nobre. Afinal, como já disse Betinho: “quem tem fome tem pressa”. É possível afirmar, aliás, que os artistas foram os primeiros a sentir o golpe. Afinal uma das medidas de Temer assim que tomou posse foi dissolver o Ministério da Cultura, que até hoje ninguém sabe se realmente existe ou não, tamanho é o descaso com as políticas culturais. Mas voltando à campanha: sua última edição aconteceu há 10 anos, quando as políticas de erradicação da miséria ainda engatinhavam. De lá pra cá o Brasil saiu do Mapa da Fome, para o qual ameaça voltar devido às políticas de austeridade de Michel Temer. Os cortes expressivos em programas já considerados de sucesso, como o Bolsa Família, além da estagnação econômica, criaram o ambiente perfeito para o desespero. A cada dia é possível observar o crescimento de desempregados e, consequentemente, de trabalhadores informais e da população em situação de rua. As “reformas” aprovadas e as que devem vir em seguida, como a da previdência, também ajudam a empurrar os mais pobres para um cenário em que a humilhação é sempre o prato do dia. Com a nova legislação trabalhista nem mesmo o emprego será capaz de salvar da miséria e as novas leis para a aposentadoria querem que o povo trabalhe até a morte. Tudo isso sem falar no congelamento dos investimentos em saúde e educação por 20 anos, que vão piorar os índices de desenvolvimento. É retrocesso goela abaixo. Como diria Millôr, contemporâneo de Henfil n’O Pasquim: “O Brasil tem um enorme passado pela frente”.

Henfil se entristeceria com a situação da educação, o principal alvo desde os primeiros minutos do golpe. A Reforma do Ensino Médio feita por meio de medida provisória lembra bastante certos acordos “MEC-Usaid” que colocavam o sistema educacional brasileiro totalmente a serviço dos interesses estadunidenses. A educação que prevê senso crítico é chamada agora de doutrinadora. Henfil talvez desse risada, talvez ficasse chocado, ao saber que Paulo Freire se tornou um inimigo do país e que a principal questão a ser corrigida na nossa educação é a ideologia de gênero e a doutrinação política. Agora a nova “reforma” prioriza o ensino técnico também para atender as demandas do capital internacional, visando baratear a mão de obra e esvaziar a formação, uma vez que prioriza disciplinas tecnicistas em detrimento da história, da filosofia e da sociologia. A oferta do espanhol substituída pelo inglês, decisão que combina com o esvaziamento do Mercosul. Empregos? Só se for os que não pagam nem a corda com a qual nos enforcaremos. E aqui é preciso ressaltar a perversidade da relação entre o desmantelamento da indústria nacional, a recessão econômica que, vendida como herança maldita do governo Dilma, só fez piorar com a crise política e mais uma vez a “deforma trabalhista” que foi aprovada sob a justificativa de que acabaria com o desemprego, mas seus defensores não lembraram que o Brasil ainda registrava sensação de pleno emprego no início de 2014 sem precisar retirar nenhum direito do trabalhador!

Além do ensino médio, as universidades – outrora motivo de orgulho para a juventude que via na graduação uma oportunidade e do país para a produção de conhecimento – agora é atacada como gasto, sob o discurso de que não gera emprego ou riqueza e que estudantes custam caro. A UERJ resiste, mas seus servidores (assim como milhares da gestão criminosa de Sérgio Cabral) já não recebem há algum tempo. Na UFSC a perseguição resultou no terrível e ainda mal explicado suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier. A narrativa na grande mídia é a mesma já usada anteriormente com políticos: primeiro acusa, depois se apuram os fatos. E o fato é que na manhã do dia 06 de dezembro, reitor, vice-reitora e mais 7 professores da UFMG foram levados coercitivamente para depor sob a acusação de desvio de verba do Memorial da Anistia.

A denúncia contra os professores da federal mineira não apresenta provas e os depoentes nem sequer receberam qualquer aviso. Foram levados à força, mesmo que nunca tenham se recusado a prestar esclarecimentos. A obra em questão, que se arrasta desde 2008 principalmente devido a problemas técnicos – uma vez que se trata de um prédio histórico – não recebe repasse do Ministério da Justiça desde o ano passado. O delegado responsável afirma que foram desviados pelo menos R$ 4 milhões sob um esquema de bolsas de pesquisa não pagas e uma “editora fantasma”. A investigação que começou em março deste ano ainda não deu conta de produzir provas, mas garantiu o espetáculo do dia. A vice-reitora Sandra Regina Goulart Almeida foi eleita para ocupar o principal cargo da universidade e a composição da lista tríplice seria na semana seguinte. Coincidência?

Quem quiser crer no acaso, que fique à vontade, Henfil não acreditaria. Mas próximo ao aniversário do Ato Institucional nº5, que feriu de morte artistas, instaurou a censura, perseguiu e matou militantes da resistência, nos deparamos com o recrudescimento da polícia, aparelhada escancaradamente para servir aos interesses de quem deveria ser alvo de suas operações. O Brasil, um dos países-alvo da Operação Condor, que espalhou terror e retrocesso durante décadas de ditadura na América Latina – com contribuição bélica e econômica dos EUA historicamente registradas – nunca revisitou seu passado e todas as vezes que tentou fazê-lo, sofreu com a represália dos setores mais conservadores da sociedade que não apenas financiaram os anos de chumbo, como se beneficiaram deles. Ou será que a Rede Globo vai pedir desculpas novamente depois de 50 anos?

E quais seriam os interesses por trás da intimidação de professores? O golpe é contra quem pensa, quem produz intelectualmente, quem questiona, quem critica, quem ri, quem dança, quem interpreta, quem canta, quem sonha… Porque o golpe é antes de tudo um projeto de entrega. O desmonte da Petrobras foi só o início. Vale voltar um pouco na história e lembrar que os indícios da existência de uma grande reserva de petróleo são da década de 1970, mas naquela época, auge da ditadura e do “milagre econômico”, o Brasil não tinha nem sequer tecnologia para explorar as riquezas do seu próprio quintal. Preferia, no entanto, ser eterno capacho dos Estados Unidos, estes sim mui “solidários” e diretamente interessados no ouro negro que movimento economias mundiais. Corta para 2012, quando sob pressão do Movimento Estudantil, é aprovado o investimento dos royalties do pré-sal para a educação. Àquela época, durante o 65º Congresso de Entidades Gerais da UNE, que ocorria num Rio de Janeiro que recebia ao mesmo tempo a Rio+20 e a Cúpula dos Povos, o debate amadurecia sobre como, por quê e para quem destinar o dinheiro vindo da exploração, ao mesmo tempo em que se falava em energia renovável e até se deveríamos de fato utilizar o petróleo como fonte de energia, uma vez que todos sabem seu potencial devastador numa conjuntura de aquecimento global.

Hoje já não podemos decidir nada, o pré-sal foi entregue e os brasileiros não verão benefício algum. Outro fato daquele junho de quatro anos atrás: golpe “institucional” no Paraguai. A “casualidade” se dá por causa de um nome: Liliana Ayalde. A embaixadora que serviu até poucos meses antes da queda do presidente eleito Fernando Lugo se transferiu para o Brasil onde atuou até janeiro de 2017. Até os menos afeitos a teorias da conspiração devem estranhar tantos movimentos semelhantes. E caso ainda duvidem bastante é só dar uma rápida olhada nos documentos vazados pelo Wikileaks: de âncora racista da vênus platinada até presidente golpista e o José Serra (que ocupou o Itamaraty quando virou ministro de Relações Exteriores do golpe), que nunca escondeu sua vontade de entregar o petróleo nacional nas mãos dos EUA, diversos personagens já passaram pelas conversas com embaixadores, empresários e representantes dos interesses norte-americanos. Se o Brasil fosse um país sério essa gente já estava detida por crime de lesa-pátria e Henfil poderia escrever uma nova versão de seu “diário de um cucaracha” que alguns brasileiros parecem mesmo ter sangue de barata correndo em suas veias.

Henfil assistiria a uma nova experiência neoliberal sendo implantada no país, onde a ordem é privatizar tudo, inclusive a educação, o conhecimento e a arte, que é o último refúgio de humanidade que uma sociedade pode ter. Ficaremos condenados à exportação de commodities, à flutuação dos preços internacionais (comandados pela mão bem visível das maiores economias e potências bélicas mundiais). Exportar inteligência? Tecnologia? Isso não é papel de um país de “terceiro mundo”. A terceira via construída pelos BRICs padece sob a ganância de quem paga a miséria dos outros povos em dólar. Por isso os ataques não são apenas no plano econômico. Não basta empobrecer a população e convencê-la de que a meritocracia é possível numa sociedade desigual: é preciso torná-la completamente imbecil. Só assim se mina a resistência, só assim os canalhas serão eternos vencedores. E sabemos todos que os “vencedores” é que contam a história. Depois de estar na China (antes da Coca Cola!), Henfil veria suas principais críticas ao modelo chinês implantadas de maneira arbitrária agora bem perto, na sua própria terra.

Graúna, o bode Francisco de Orelana e o cangaceiro Zeferino: cadê a Esperança?

Talvez Henfil chorasse ao ver que o maior líder popular vivo no Brasil pode ser condenado sem nenhuma prova, somente para não ser Presidente da República. Em um país que nunca acertou suas contas com o passado, uma denúncia significativamente menor que as malas do Geddel gera tanto constrangimento e o Estado de Direito segue sendo violado, não é necessário só resistir: é urgente contra-atacar. Henfil certamente lutaria, nas ruas, com ideias e com arte, pois sabia que na luta de classe todas as armas são boas. É bem verdade o que Henfil escreveu em uma de suas cartas-crônica para a dona Maria, sua mãe: “O atual sistema, para governar, nos fez pessimistas. E pessimista não dorme, não faz amor, não faz partidos, não incomoda, não reclama, não briga. Que diabo de país é este? Pessimistas de todo o Brasil, uni-vos! Somos a maioria. Às ruas!”

Um artista como Henfil, que sabia que o verdadeiro humor deve ser um soco no estômago de quem oprime, não teria motivos para rir, mas inúmeros motivos para continuar lutando.

 

ÀS RUAS!

 

*Luara Ramos é mineira, mas atualmente mora no Espírito Santo. Otimista incansável, acredita no amor, no time do GALO e no poder popular.

*Camila Moreno é carioca, mineira, brasiliense e vascaína. Acredita no povo organizado e no poder da arte.

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1 Comment

1 Comments

  1. Ana Maria Matos de Sá

    14/02/18 at 10:42

    Parabéns Luara, que texto maravilhoso, precisamos de vida inteligente e esperança. Tenho 62 anos e não consigo acreditar em nosso retrocesso, outra vez…. e as ruas vazias….

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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