Por Cristiane Sampaio do Brasil de Fato
As últimas informações oficiais divulgadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) a respeito do futuro da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) aumentaram o estado de alerta na estatal, que vive um processo de desmonte desde setembro de 2016, sob a gestão de Michel Temer (MDB), após o golpe que depôs Dilma Rousseff (PT).
Em nota interna publicada nesta segunda-feira (28), a direção da empresa anunciou o corte de cargos comissionados nas sedes de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão. Além disso, informou que o programa Repórter Brasil Maranhão, produzido pela TV Brasil no estado, deixa de existir a partir desta terça-feira (29).
O comunicado ocorre cinco dias após o anúncio, pelo governo, de um “plano de reestruturação da EBC”. A medida foi anunciada na última quarta-feira (23) como uma das metas previstas para os primeiros 100 dias de governo, embora o propósito não tenha sido detalhado junto à imprensa nem aos funcionários.
Apesar de afastar, pelo menos neste início de governo, a ideia de extinção da EBC, que foi ventilada por Bolsonaro no ano passado, o anúncio sobre as mudanças na estrutura da empresa foi recebido com fortes críticas por trabalhadores e especialistas.
A jornalista Tereza Cruvinel, primeira diretora da empresa e uma das responsáveis pela fundação da estatal, em 2008, lamentou a extinção Repórter Brasil Maranhão. Veiculado pela TV Brasil no estado, o programa estava no ar há mais de 30 anos.
“É uma medida horrível, que desvaloriza a produção de conteúdos locais. O Brasil é um país onde as grandes emissoras de TV produzem a partir de Rio e São Paulo, inundando o Brasil a partir de notícias verticais, então, é muito ruim acabar com o telejornal local que a TV Brasil faz em São Luís”, afirma.
Uma nota publicada no final da manhã desta terça por entidades sindicais que reúnem radialistas e jornalistas de Brasília, do Rio de Janeiro e de São Paulo, além da Comissão de Empregados da EBC, criticou as novas medidas anunciadas. O documento também lembrou a história da TV no Maranhão, que já conta com 50 anos e, antes da criação da EBC, operava como “TVE”.
“Não é razoável colocar uma pá de cal em cima de tudo isso dessa forma atabalhoada. Inclusive a lei de criação da EBC estabelece a exigência de veiculação de conteúdos regionalizados”, ressaltam as entidades.
TV Brasil
Outra possível grande mudança, esta ainda não oficialmente confirmada, ronda o futuro da EBC: a junção da TV Brasil com a NBR, emissora responsável pelas transmissões oficiais do governo. Cogitada desde o ano passado, a novidade foi divulgada nesta segunda (28) pelo jornal O Estado de São Paulo como o próximo passo do governo em relação à empresa.
Tereza Cruvinel destaca que as duas têm naturezas distintas: enquanto a TV Brasil, pelo seu caráter público, é originalmente voltada à produção de conteúdos de interesse comum e social, numa relação direta com a ideia de cidadania, a TV NBR cumpre um papel oficioso, sendo destinada à veiculação de conteúdos de interesse dos governos de plantão, como agendas oficiais, entre outros.
“Isso é retrocesso, é antidemocrático, porque a TV pública e os canais públicos, em geral, são aprimoramentos da democracia, no sentido de garantir mais pluralidade, mais diversidade no sistema de radiodifusão. Então, esse anúncio de ontem é lamentável”, complementa.
Cenário
Os anúncios dos últimos dias sobre os rumos da empresa aumentaram o clima de dúvidas e apreensão que prevalece entre o corpo de funcionários da EBC desde 2016.
Em conversa com o Brasil de Fato, a jornalista Carol Barreto, da Comissão de Empregados da EBC, disse que os trabalhadores não têm conseguido manter um fluxo de comunicação com a direção, o que dificulta o acesso a informações oficiais sobre os planos do novo governo para a empresa. Com isso, os funcionários vivem um cenário marcado pela ocorrência constante de boatos.
“A gente escuta muita conversa de corredor mas, oficialmente, a gente não tem nada, e segue sem saber o que vai acontecer. Muito embora já, em grande medida, se tenha afastado o fantasma da extinção da EBC, que era uma coisa que o Bolsonaro repetia o tempo todo, por outro lado, a gente também não sabe como é que vai sobreviver”, desabafa.
O clima de censura ao trabalho dos jornalistas, crescente desde 2016, também permanece. Ao longo dos últimos dias, o Brasil de Fato ouviu, em off, diferentes profissionais que atuam na TV Brasil, na Agência Brasil e na Rádio Nacional, consideradas como os principais veículos da empresa.
Eles foram unânimes em destacar que a autonomia da EBC sempre foi um desafio, desde a sua fundação, mas sublinharam que a empresa tem vivido uma piora crescente nesse quesito, com a adoção de uma linha editorial cada vez mais orientada para o interesse dos governos, e não para o interesse público.
Na semana passada, por exemplo, profissionais que produziam matéria sobre a saída do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) do Brasil foram censurados pelas chefias. O parlamentar, conhecido pela forte oposição aos governos de Temer e Bolsonaro, tem vivido, nos últimos tempos, um agravamento das ameaças de cunho político e por isso renunciou ao seu terceiro mandato paras se proteger fora do país.
O caso foi amplamente noticiado pela mídia nacional e também pela imprensa internacional, mas não foi publicado em nenhum veículo da EBC, que mantém TVs, rádios e páginas na internet. Segundo a direção da empresa, a decisão foi “jornalística”.
“Elas (as chefias) não alegaram nada. No início, ainda havia uma preocupação em tentar inventar justificativas, mas agora não tem mais nem isso. A orientação é só não falar sobre isso. É assim que tem funcionado”, conta Carol Barreto.
Estrutura
O receio atual dos funcionários está relacionado também ao enxugamento dos quadros da empresa. A exoneração anunciada pela EBC esta semana, por exemplo, atingiu mais de 40 pessoas, incluindo superintendentes, gerentes de jornalismo, coordenadores de jornalismo e de operações, entre outros.
Na TV Brasil do Maranhão, onde houve a mais recente extinção de programa, foram quatro pessoas. Trabalhadores da emissora disseram aoBrasil de Fato, nesta terça (29), que a mudança “praticamente inviabiliza o funcionamento do telejornalismo local”.
As exonerações se inserem num contexto de redução de quadros que se desenrola desde 2016. Dados oficiais levantados pela reportagem junto à direção da EBC mostram que os dois PDVs (Planos de Demissão Voluntária) lançados pelo governo Temer levaram à saída de 342 empregados, no total.
Em 2016, a EBC tinha 2.467 funcionários e mantém, atualmente, 2.016. O número, fornecido pela empresa na última sexta-feira (25), ainda não leva em conta as exonerações desta semana – que incluem concursados e não concursados.
Do total de 2.016 trabalhadores, 1.710 são do quadro efetivo. Há ainda outros 228 terceirizados, além dos comissionados.
O contexto de redução da força de trabalho tem levado a um cenário que potencializa o receio de demissão por parte dos funcionários, que são contratados via concurso público como celetistas e, portanto, sem o mesmo tipo de estabilidade dos servidores públicos.
Atualmente, os trabalhadores lidam com um boato de que a empresa irá lançar, em breve, um novo PDV. O cenário dificulta até mesmo o registro de denúncias sobre os casos de censura e outros problemas junto, por exemplo, ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF). É o que afirma Gésio Passos, da coordenação da entidade.
“Os funcionários estão apreensivos. O que está sendo noticiado é justamente um retrocesso em relação a todos os avanços que houve com a criação da EBC. O medo é tão grande que a gente tem sido pouco pautado em relação à questão da cobertura porque o receio maior das pessoas é perder o emprego, mas a discussão é constante”, afirma.
O que diz a empresa
A nota interna publicada pela EBC nesta segunda-feira (28) afirma que o objetivo das mudanças anunciadas seria “adequar a empresa à meta de otimizar despesas, com vistas à sustentabilidade até 2022, conforme estabelecida no Planejamento Estratégico da Empresa”.
Procurada pela reportagem nos últimos dias para tratar das críticas relacionadas aos casos de censura e ao aprofundamento da linha editorial de caráter governista, a direção respondeu que “os veículos da EBC têm como orientação produzir um jornalismo profissional e de prestação de serviços de interesse dos brasileiros”.
O Brasil de Fato também perguntou qual a opinião da direção a respeito da possível unificação da NBR com a TV Brasil, mas a empresa não respondeu a esse questionamento.