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Violência Policial

 Governador eleito do Rio de Janeiro quer usar negros e pobres como alvos de atiradores

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Henrique Oliveira*

 

O ex juiz federal Wilson Witzel (PSC) foi eleito governador do Rio de Janeiro com 60% dos votos válidos no segundo turno, derrotando o candidato Eduardo Paes do (DEM). Wilson Witzel é servidor público com passagens pela Marinha e o Instituto da Previdência do Município do Rio (Previ – Rio). É professor e ex presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio e Espírito Santo, com uma carreira de 17 anos no judiciário. Na sua campanha para governador, se apresentou como um político não profissional e com experiência no combate a corrupção, completamente desconhecido, ganhou popularidade na reta final das eleições após declarar apoio a Jair Bolsonaro (PSL). O centro do seu discurso se baseou nos pilares do combate à corrupção e à criminalidade, cujo slogan era “mudando o Rio com juízo”. Além de surfar na “Onda Bolsonarista”, que varreu o Brasil e o estado do Rio de Janeiro, onde Bolsonaro só perdeu para Haddad em três cidades. Witzel enfrentou Eduardo Paes, que tem um histórico de aliança com o grupo político do PMDB que está preso, entre eles o ex governador Sérgio Cabral.

Embora tenha feito campanha se dizendo um candidato anti corrupção, Wilson Witzel foi filmado durante uma palestra a juízes do Trabalho, ensinando o que ele chamou de “engenharia”, para o recebimento de gratificação de acúmulo. A gratificação de acúmulo é estipulada num valor de R$ 4 mil, a Lei 13.093, de janeiro de 2015, institui os benefícios para juízes federais de primeiro e segundo graus, sendo pago aos magistrados por acumulação de juízo e acumulação de acervo processual. No vídeo, Wilson Witzel diz que recebe o acúmulo de gratificação dizendo que “expulsa o juiz substituto da Vara”, que todo mês, por 15 dias, o juiz substituto sai da Vara e ele recebe a gratificação. Mas há uma ressalva na lei, de que a gratificação não pode fazer com que o salário ultrapasse o teto de R$ 37 mil. Porém, um levantamento do jornal O Globo na folha de pagamento da Justiça Federal, entre os anos de 2015 a 2017, demonstrou que o salário de Wilson Witzel ficou acima do teto, numa média de R$ 40.954.

O discurso contra a criminalidade de Wilson Witzel também não se mostrou muito firme, porque a revista Veja publicou uma troca de mensagem envolvendo Wilson Witzel e o advogado Luis Carlos Cavalcanti Azenha, condenado por tentar subornar policiais Militares em 2011, na tentativa de fuga da Rocinha, do traficante Antônio Lopes Bonfim, o Nem. Segundo a revista Veja, o advogado contou que manteve durante anos uma forte relação com Witzel, que em nome da amizade, Azenha se tornou uma espécie de coordenador de campanha, pedindo doações, organizando almoços e jantares com apoiadores. Nas mensagens trocadas, o advogado lamenta que Witezel tenha saído de um evento sem antes ter ouvido um elogio. Em resposta, o ex juiz disse que o “advogado o representa”. Outra mensagem é um convite de Wilson Witzel, que estava com um amigo em casa dizendo ao advogado: “Quando quiser venha”.

Em sua campanha Wilson Witzel entrou em atrito com o seu filho trans Eric Witzel, que disse que se sentiu usado pelo Pai, pois tinha pedido para que a sua condição de trans não fosse citada por Witzel em palanque, porque não iria aceitar que o Pai se promovesse em cima de algo que não é verdadeiro. Erick Witzel disse também que nunca conversou com o Pai sobre a sua condição de trans, mas que o pai tinha aceitado a sua maneira. Perguntado se iria votar em Wilson Witzel, o filho disse que o Pai “representava o PSC e toda a sua bancada conservadora e que eles tinham visões políticas totalmente diferentes”.

Uma das principais bandeiras de governo de Wilson Witzel é a segurança pública, em meio a campanha num encontro reservado e fora da sua agenda oficial, Witzel se reuniu com integrantes das forças de segurança, na sede da Associação de Oficiais Militares Estaduais do Rio de Janeiro (AME – Rio), onde disse que se for necessário vai cavar mais covas para enterrar criminosos e fazer navios presídios. E que a partir do dia 29, pós eleição, estava declarado guerra ao crime organizado. Nessa mesma reunião Wilzon Witzel defendeu a “lei do abate”, dizendo que “um bandido de fuzil, só outro fuzil para paralisa ló, que o policial terá ordem para atirar, se o policial for questionado na justiça terá apoio da defensoria pública.” Além de expor toda a sua política belicista, ao dizer que iria pedir a Polícia Militar que faça um uniforme para o governador.

E relembrando sobre o seu passado como ex fuzileiro naval, o governador eleito ainda disse que se pudesse iria trabalhar com a farda camuflada por debaixo da toga. A última vez em que se usou navios presídios no Brasil foi na Ditadura Militar, a exemplo do navio Raul Soares que ficou setes meses ancorado no Porto de Santos, onde se encarcerou  trabalhadores, sindicalistas e oposicionistas da Ditadura. Inclusive, a Comissão da Verdade relevou que a tortura durante a Ditadura Militar começou antes da existência da luta armada, já em 1964 o regime prendeu 50 mil pessoas, utilizando também os navios presídios.

Em entrevistas concedidas a Globo News e ao jornal Estadão, Wilson Witzel voltou a defender a “lei do abate”, e que usaria atiradores de elite, os snipers, para executar pessoas que estejam portando fuzil. Ao ser questionado na Globo News sobre os casos em que pessoas foram mortas por PM’s nas favelas por carregarem uma furadeira ou guarda chuva, o governador eleito respondeu que os policiais na ocasião não estavam preparados. Na entrevista ao jornal Estadão, Wilson Witzel foi mais enfático na sua proposta, dizendo que “a Polícia vai mirar na cabeça e fogo, para não ter erro”.

Ao ser questionado pela jornalista do Estadão, que se matar suspeitos fosse eficiente para reduzir a violência o Rio de Janeiro seria um paraíso, Wilson Witzel disse que a Polícia carioca na verdade está deixando de matar. Mas baseado em que ele diz isso? Os números da letalidade policial mostram totalmente o contrário, durante os 5 meses completos da Intervenção Federal Militar no estado, o número de mortes causados por policiais aumentou 38%. Os números de pessoas mortas por policiais também vem aumentado no geral, se aproximando dos índices da época anterior a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).

E já tramita no Senado o PLS 352/2017, de autoria do senador José Medeiros do (Podemos/MT), que estabelece que policiais podem atirar em pessoas que estejam utilizando armamento de uso restrito. Na redação do texto o senador diz que “a política esquerdista instalada de vitimização do bandido, protege criminosos e açoitas os policiais. E aquela velha máxima do Exército, de atirar primeiro e perguntar depois foi trocada pelo fique parado, isso porque se ele matar um meliante, sofre séria consequência administrativas e judiciais. Do contrário, se o policial morre nada acontece.” O relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o senador Wilder Morais (PP), defendeu a aprovação do projeto dizendo que o mesmo “atende uma necessidade urgente dos corajosos homens e mulheres policiais em todo o país, que estão amarrados pela burocracia na guerra ao tráfico de  drogas.”

A proposta de Wilson Witzel encontrou apoio no futuro Ministro da Defesa, o general da reserva Augusto Heleno, que disse que “já usou esse mecanismo na ocupação do Haiti e que não se trata de uma autorização para matar. E que durante os dez anos de ocupação do Exército brasileiro não houve casos de execuções indiscriminadas”. Mas não é isso que aponta a escritora haitiana Edwige Dantcat, num texto que foi publicado na revista americana The New Yorker, trazendo relatos de violência da MINUSTAH (Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti). A autora relata que durante um protesto civil, as tropas chegaram a subir no teto da Igreja da qual seu avô era pastor, para atirar em pessoas que andavam pela vizinhaça. Em outro fato narrado pela escritora, a MINUSTAH teria usado mais de 22 mil balas e 78 granadas para executar indivíduos classificados como “membros de gangues”.

Um levantamento realizado pelo Apublica.org, mostra que desde 2010 as forças armadas brasileiras mataram 32 pessoas no Rio de Janeiro, entre elas pessoas ‘confundidas’ com traficantes, atingidas no meio dos confrontos e acusadas de serem criminosas. E não há acompanhamento sistemático dessas mortes e nem auxílio as famílias das vítimas. O mesmo general Augusto Heleno, deu uma declaração dizendo que não há progresso na redução da criminalidade nem na contenção do crime organizado, “porque há uma inversão de valores na questão dos direitos humanos”. Em sua visão, “os direitos humanos existem apenas para os humanos direitos”. Essa será a tônica do governo Bolsonaro e aliados, buscar justificativas supostamente em nome dos direitos humanos, para violar os direitos humanos, matando as pessoas que eles consideram não dignas do direito à vida, que é o direito humano base de todos os outros.

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungman, disse que é ilegal a proposta de Wilson Witzel, de utilizar atiradores de elite para “abater” traficantes com fuzil, porque precisaria passar pelo crivo da legislação e do judiciário, pois não se podem ter atividades que estejam fora das normas. Ao invés de se colocar contra a proposta sanguinária do governador eleito, o ministro Raul Jungman parece defender um “abate” dentro da legalidade, enquanto Wilson Witzel defende uma política de extermínio de pessoas na ilegalidade mesmo.

Segundo especialistas ouvidos pelo Conjur, o Código Penal não admite que o porte de fuzil represente perigo iminente, é preciso que realmente haja o risco de agressão. E para ser legítima defesa, seria necessário que o policial estivesse reagindo para repelir uma injusta agressão contra si ou terceiros. O porte de fuzil já é um flagrante delito quando se trata de indivíduos não pertencentes às forças de segurança. A proposta de Wilson Witzel permite que um atirador de elite visualize uma pessoa armada e atire, mesmo que essa pessoa não esteja vendo e nem esteja em confronto com esse atirador.

O que o governador eleito está propondo é reinstituir a pena de morte, que foi extinta desde a proclamação da República em 1889. O direito à vida está incluso no rol das garantias individuais, no artigo 5ª da Constituição Federal, uma cláusula pétrea, não pode sofrer qualquer emenda ou alteração. Só existe uma situação em que essa cláusula é suspensa, no caso de uma guerra declarada, sendo que essa guerra só pode acontecer entre nações, num confronto entre exércitos, nunca contra civis. A lei do “abate”, viola o Estado Democrático de Direito, aplicando uma punição sem o devido processo legal, não garantindo o amplo direito de defesa e ao contraditório.

Os ventos autoritários trazidos por Jair Bolsonaro, que durante a sua campanha defendeu dá “carta branca para PM matar”, por meio de uma legítima defesa automática, também passou por São Paulo. O governador eleito João Dória (PSDB) disse que a partir de 1ª de Janeiro a polícia paulista iria atirar para matar. Esses políticos baseiam sua política de segurança pública no Populismo Penal, prometendo resolver o problema da criminalidade com leis mais rígidas, construção de cadeia e uma Polícia mais violenta, métodos aplicados atualmente, que só fazem retroalimentar o sistema punitivo, produzindo mais mortes e insegurança.

E numa sociedade desigual e racista como a brasileira, em que a cada 10 pessoas mortas pela Polícia no Rio de Janeiro, 9 são negras, na qual morador de favela é assassinado pela PM porque eles “confundem” saco de pipoca, com um saco com drogas, homens negros são presos “por engano”, sendo tratados como culpado até que se prove ao contrário. Wilson Witzel acredita que está num jogo de vídeo game, igual ao famoso Counter Strike, sendo a população negra e pobre o principal alvo da artilharia de elite, pois como bem disse o experiente e premiado jornalista investigativo Caco Barcelos, não há violência contra bandidos, mas sim contra os pobres. O estado do Rio de Janeiro não elegeu um governador, o resultado das urnas colocou no Palácio da Guanabara um genocida.

 

Henrique Oliveira é militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/Bahia

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Violência Policial

Ativista teve a casa invadida e foi intimidada por policiais

Ativista da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio de São Paulo filmava uma abordagem policial violenta, quando os policiais a viram filmando, invadiram sua casa e ela foi intimidada.

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Ao testemunhar uma abordagem violênta que ocorria próximo a janela da sua casa a professora e ativista Maria Nilda de Carvalho, a Dinha, começou a gravar com o celular. Os policiais perceberem a filmagem, e invadiram sua casa arrombando o portão, e a porta, abrindo a janela e derrubando a cortina. Os policiais fizeram xingamentos e jogando as luzes lanternas, tentaram intimidar a ativistas com ameaças de prisão.

Dinha é articuladora em seu bairro, zona sul de São Paulo, da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, e graças a sua experiência e consciência teve coragem de gravar a ação da polícia contra pessoas no seu bairro. Ela gravava e transmitia simultaneamente a um dos grupo da Rede, para conseguir se proteger. Os policiais então invadiram a sua casa.

Campanha de proteção a Ativista

Em função dos danos causados a sua casa e a necessidade de maior proteção a ativista, a Rede lançou uma campanha no link :
https://abacashi.com/p/portas-janelas-e-camera-de-vigilancia-para-dinha as doações também servem para comprar uma câmera de vigilância e ampliar a proteção da ativista que sofreu ameaça dos policiais.

Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio é um grupo que se pauta no trabalho em rede composto por organizações, como coletivos, ONGs e Pastorais, e pessoas, com atuação voluntária, que são ativistas e profissionais de várias áreas tanto do setor público, quanto do privado do Estado de São Paulo. Esta articulação de militantes denuncia as frequentes ações de violência policial, que ocorrem principalmente nos bairros periféricos de São Paulo, e buscam informar as vítimas e as conectar as instituições e ONGs que possam protegê-las.

Assista a entrevista de Dinha contando mais sobre a ação e sua atuação na Rede de Proteção ao testemunho.

A campanha Fala Quebrada promovida pela Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio contém dois formulários que permitem denúncias em dois casos:

Para CASOS DE VIOLÊNCIA POLICIAL, clique ou copie e cole em seu navegador: https://forms.gle/f446ajmbiPpcmyVC6

Para DENÚNCIAS RELACIONADAS A TRABALHO, clique ou copie e cole em seu navegador: https://forms.gle/qpEcaq1QgWAn4nys6

Para mais informações, acompanhar
https://www.facebook.com/RedeContraoGenocidio/
https://www.instagram.com/rededeprotecao_e_resistencia

Como a ativista foi intimidada pelos policiais

Apesar das ameaças ela não saiu de casa com medo dos policiais. Eles arrombaram a porta da sala, causando destruição em sua casa e desespero em sua família, composta por crianças pequenas. Os policiais tomaram o celular da mão de Dinha, na tentativa de apagar os vídeos, ameaçando levá-la à delegacia, incriminá-la, ou fazer isso com vizinhos, caso ela não cedesse o aparelho ou se recusasse a ir com eles.

Os policiais também olharam sua casa, fotografaram o interior e uma policial feminina a revistou truculentamente. Antes da invasão, Dinha ainda teve tempo de avisar amigos e familiares, que logo foram socorrê-la. Ao fim, os policiais foram embora e deixaram seu celular com sua vizinha.

Os policiais alegavam estar na abordagem, procurando o assassino de um outro policial, que segundo a reportagem da Ponte.org teria acontecido num bairro à 18 km. De qualquer forma nada justifica essa abordagem ilegal, que contraria a Constituição Federal, a qual garante a casa como um asilo inviolável. Neste vídeo da Ponte.org é possível ver algumas das imagens gravadas por Dinha da ação da polícia na rua e na invasão da sua casa.

MAIS SOBRE
https://jornalistaslivres.org/miguel-quantos-como-ele-correm-perigo-nas-casas-das-patroas-de-suas-maes/

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Frases venenosas dilaceram a alma, não educam e matam

ARTIGO: Morte de ator negro Bruno Candé, em Lisboa, faz parte de uma sequência de ações rascistas e xenofóbicas em Portugal

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Assassinatos, espancamentos, palavras e omissões matam, e são a marca dos ataques racistas e xenofóbicos em Portugal. Diversas entidades estão denunciando e se reunindo para se opor a esses ataques. A morte de mais uma vítima, o jovem Bruno Candé, ator, negro e português está motivando diversas ações e um ato de repúdio está marcado para hoje (31.07.2020) Às 18h.
Esse fato não isolado, é demonstrado neste artigo de Rita Cássia Silva, que também lembra outras vítimas recentes, como Luís Giovani Rodrigues, assassinado por espancamento no fim de 2019, Cláudia Simões e sua filha, que sofreram violência física e também as frases ditas à Deputada da Assembleia da República Portuguesa, Joacine Katar Moreira, Mulher negra.

Por Rita Cássia Silva (*), especial para o Jornalistas Livres

“Não existe nem nunca existirá respeito
às diferenças em um mundo
em que as pessoas morrem de fome
ou são assassinadas pela cor de pele” 
(Sílvio Almeida, 2019, p.190).

No início do corrente ano de 2020, pudemos observar de camarote (rede social facebook) um Deputado da Assembleia da República Portuguesa, André Ventura, Homem branco, sugerir contra uma Deputada da Assembleia da República Portuguesa, Joacine Katar Moreira, Mulher negra, que “seja devolvida ao seu país de origem”. O contexto demarcava uma proposta da Deputada Joacine Katar Moreira (na época integrante do partido Livre) em que os patrimónios materiais africanos preservados nos museus portugueses deveriam de ser devolvidos aos seus países africanos de origem. Embora tenham decorrido manifestações de repúdios e encaminhamentos de procedimentos contra o tal posicionamento sexista e racista do Deputado André Ventura, por parte de partidos políticos da esquerda portuguesa, junto ao Presidente da Assembleia da República Portuguesa, Dr. Eduardo Ferro Rodrigues, o facto é que os partidos não avançaram para voto de condenação para não “amplificar” as declarações do referido Deputado. 

Decorre que o “episódio infeliz da democracia” sem sanção disciplinar e, com um entendimento parlamentar de que foi dado um ponto final ao episódio, reverberou-se no passado Sábado, dia 25/07/2020, no ator português, Homem negro, Bruno Candé, assassinado a queima-roupa em plena luz do dia, pelas mãos de um Homem português, branco, no auge dos seus 76 anos de idade. “Preto, vai para a tua terra” trata-se de uma frase muito utilizada contra pessoas negras naturais portuguesas ou com percursos de migrações, contra pessoas racializadas, na sociedade portuguesa em diferentes contextos. Ficámos a saber através das fontes noticiosas portuguesas que esta frase foi justamente uma das frases que Bruno Candé ouvira da boca do Homem que lhe retirou a vida. Bem como, “Vou violar a tua mãe”, “Fui à tua mãe e àquelas pretas todas de merda”, “Tenho armas do ultramar em casa e vou-te matar”. 

Bruno Candé foi assassinado no seguimento do espancamento perpetrado contra o jovem estudante negro, cabo-verdiano, Luís Giovani Rodrigues, no fim de 2019, em Bragança, ato que teve enquanto consequência a sua morte. No seguimento da violência física que deixou Cláudia Simões, Mulher negra, desfigurada e sua filha pequena, criança negra, traumatizada, no Conselho da Amadora, por parte de um agente da força de segurança pública. Também no seguimento do assassinato de George Floyd pelas mãos de um agente da força de segurança pública nos E.U.A., ato potencializador do Movimento Black Lives Matter cujas reverberações fez-se sentir em diferentes localidades do globo terrestre. Em entrevista ao Apenas Fumaça (projeto de média independente), publicada no Geledés – Instituto da Mulher Negra, em 2018, Mamadou Ba, Dirigente da SOS Racismo, comunicara que “Em 15 anos mais de 10 jovens negros morreram nas mãos da polícia”. Quanto as Mulheres negras/mães, Mulheres/mães racializadas (brasileiras), Mulheres/mães brancas em situações de pobreza, as práticas de racismo/xenofobia/discriminações múltiplas não são diferentes: é-lhes negado o direito à maternidade, em situações de vulnerabilidades sociais, a saber: se forem vítimas de violências domésticas, se estiverem no país ao abrigo do tratado de saúde entre Portugal e países africanos ex-colonizados, se estiverem desempregadas e forem pedir ajuda a determinadas instituições do Estado que têm em suas prerrogativas apoiar pessoas em situações de vulnerabilidades sociais. Se não aceitarem ligar as trompas de falópio! É-lhes atribuído a condição enquanto seres humanos indignos de criarem seus filhos e filhas: “a mãe está com problemas psicológicos”, “a mãe não tem competências parentais”, “a mãe é um monstro”, “não se sabe se a mãe, por ser brasileira, é de favela ou empresária”, “a mãe é drogada, anda com drogados e não tem higiene”, “a mãe é burra”, “a mãe é muçulmana, vai praticar fanado”, “a mãe abandonou o filho”, “a mãe é agressiva”, “a mãe mente”, “a mãe é garota de programa”, “a mãe é histérica”, “a mãe trabalha de mais”, “a mãe é alienadora”… Às crianças, por sua vez, por vezes ficam órfãs de mães vivas, sendo subjugadas a vários tipos de violências (perda do direito de conviverem dignamente com suas mães e famílias biológicas – criminalização da pobreza, discriminação étnico-racial, xenofobia, reprodução social do colonialismo, abusos sexuais, discriminação de género, convivências impostas em regimes de guardas compartilhadas entre progenitores agressores e/ou abusadores e, mães protetoras, re-vitimizadas institucionalmente). Tais situações contidas em relatórios entregues a AR, através de associações civis, denunciadas publicamente em jornais portugueses, denunciadas a organismos internacionais, ao que parecem não causam nenhum movimento de empenho transformacional por parte da classe política. 

No mais recente relatório da ONU, Dainius Pūras, psiquiatra, relator especial, recomenda aos Estados Membros a incorporação do Direito a Saúde Mental em todos os contextos mundiais. Recomenda que os Estados devem adotar todas as medidas necessárias para garantir a proteção e o florescimento de um espaço cívico como indicador chave do cumprimento do direito à saúde. O que significa que deve haver participação cidadã das pessoas nos processos que dizem respeito às suas vidas. Não pode haver desenvolvimento de saúde coletiva em territórios onde há negação das vozes de grupos de pessoas historicamente oprimidas durante séculos (mulheres, crianças, pessoas negras, pessoas racializadas). Pūras afirma que o modelo biomédico corre o risco de legitimar práticas coercitivas que violam os direitos humanos e podem implantar ainda mais a discriminação contra grupos que já estão em situação marginalizada ao longo de suas vidas e através das gerações. 

Frantz Fanon (1968), psiquiatra, explicita-nos que:

“Por ser uma sistematização que nega o outro, uma decisão furiosa de negar ao outro qualquer atributo de humanidade, o colonialismo compele o povo dominado a se interrogar constantemente: Quem sou eu na realidade?”.


O problema é precisamente este. Vivemos no ano 2020, legitimando posicionamentos e procedimentos coloniais em Portugal. Protege-se agressores, racistas, machistas, abusadores sexuais, raramente as vítimas. 

A sugestão de “devolução à sua terra” por parte de um Homem branco, detentor de privilégios, dentro da Casa da Democracia – AR, proferida contra uma das três únicas Deputadas Mulheres negras, em Portugal, feriu atrozmente a nossa democracia. Sobretudo porque além de termos perdido um momento único de afirmação dos valores democráticos em Portugal, de dignificação da pessoa humana Mulher negra (torturada durante séculos), de dignificação das pessoas humanas em suas diferentes culturas que contribuem para o desenvolvimento socioeconómico e cultural do país e de inibição de práticas nefastas à humanidade, como o racismo e o sexismo, potencializou-se socialmente mais práticas de violências contra pessoas negras, racializadas, sejam elas naturais portuguesas ou possuam elas percursos de imigrações. Bruno Candé Marques, artista negro português, nascido em Portugal em 1980, foi brutalmente assassinado devido ao racismo estrutural que não tem sido ferozmente combatido em Portugal, desde a primeira infância às faculdades, empresas, instituições do Estado e AR. Não faltam relatos das vítimas! Não faltam pesquisas qualitativas e quantitativas! Não faltam relatórios de organizações internacionais que têm vindo na última década, recomendar mudanças estruturais a Portugal. 

Que o assassinato de Bruno Candé em Portugal, bem como o assassinato de George Floyd nos E.U.A., todas as mortes de pessoas negras e indígenas no Brasil, resultantes do genocídio que está a decorrer, os assassinatos de 52 pessoas em Moçambique, em Abril deste ano, as retiradas de crianças negras, racializadas, indígenas, de suas famílias biológicas, em Portugal, no Brasil, nos E.U.A., em outros países europeus, entre tantas outras barbaridades, não sejam passíveis de não serem debatidas socialmente. Somos ou não, mulheres e homens do nosso tempo? Somos ou não capazes de responder socialmente com celeridade e firmeza que não podemos ser tornados cúmplices das mais variadas formas de violências? A Bruno Candé Marques, um irmão, paz eterna. Deixou esposa e três filhos pequenos. Deixou a sua Mãe com 78 anos de idade. Mais uma Mãe Mulher negra que perde um filho para a prática racista. Do fim do século XIV até os dias atuais, as Mulheres Negras choram as retiradas violentas dos seus filhos e filhas. Séculos de desumanização do povo negro. Aos familiares e amigos do irmão Bruno Candé Marques: força positiva, resiliência, saúde e determinação. Que nunca nos esqueçamos de que o presente social esclarecedor em que estamos vivenciando em Portugal, demarca o futuro das gerações de crianças que estão crescendo. O Racismo estrutural MATA. Queremos pessoas negras e racializadas a viver em PAZ. Saudar dívidas históricas significa criar os alicerces para que pessoas com responsabilidades políticas e toda a sociedade não reproduzam discriminações racistas, sexistas ou xenofóbicas contra as pessoas. Todas as pessoas têm direito a sua dignificação. Artigo 1o da Constituição da República Portuguesa. Que faça-se Luz! 


ALMEIDA, Silvio (2019), Racismo Estrutural, São Paulo, Sueli Carneiro Pólen. FANON, Frantz (1968), Os Condenados da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

RITA DE CÁSSIA é antropóloga; artista, activista e arte educadora brasileira radicada em Portugal há 19 anos. Rita, também escreve no Diário do Distrito de Setúbal, (LINK https://diariodistrito.pt/tag/rita-cassia/) , e também no Jornal Público, de Portugal (LINK https://www.publico.pt/autor/rita-cassia ) .


Acompanhe nas nossas páginas a cobertura dos atos em Portugal

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Epidemia de execuções: PM catarinense mata 85% a mais no isolamento social

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Texto de Míriam Santini de Abreu, Paula Guimarães, Priscila dos Anjos e Fábio Bispo.

A reportagem “Epidemia de execuções: PM catarinense mata 85% mais no isolamento social” foi realizada colaborativamente entre Portal Catarinas, CatarinaLAB e Folha da Cidade.

 

Ilustração: Hadna Abreu

Guilherme da Silva dos Santos, 21 anos; Matheus Cauling dos Santos, 17 anos; Derick da Luz Waltrik, 17; Walace Índio Farias, 18; Wellinton Jonatan da Silva, 21; Shilaver da Silva Lopes, 22; Yure Esquivel da Rosa, 17; Lucas Pereira da Silva, 21; Everton da Rosa Luz, 22; Leonardo Leite Arruda Alves, 18; Marlon Leite Arruda Alves, 15; e Jonatan Cristhof do Nascimento, 24.

Os tempos são de pandemia, mas as 12 cruzes fincadas no canteiro central da rua Silva Jardim, na entrada do Morro do Mocotó, no Centro de Florianópolis, não prestam homenagens aos mortos da covid-19 como milhares idênticas espalhadas em memoriais pelo país. A epidemia que sobe o morro na calada da noite, que caça alvos em uma suposta lista e sentencia ali, no calor do momento, é outra, e teve início há muitos anos. Só não inventaram ainda vacina capaz de contê-la: as mortes de jovens negros e favelados pela polícia.

A polícia catarinense matou uma pessoa a cada três dias em 2020. São 60 mortes até 29 de junho. Na pandemia, a partir de 16 de março, a letalidade cresceu 85%. Os gatilhos puxados por policiais catarinenses mataram 35 pessoas. Em 2019 foram 19 mortos nas ações policiais neste período.

Em Florianópolis, este ano, as intervenções policiais mataram pelo menos 11 jovens entre 20 de janeiro e 1º de junho. O mais novo tinha 15 anos; o mais velho, 24. Uma a cada quatro mortes violentas na cidade, este ano, foi pelas mãos da polícia. Em cinco anos já são 64 vítimas fatais nessas ações.

As famílias contestam as versões policiais, falam em execução, alterações das cenas dos crimes e negligência no atendimento. “Onde está a gravação deles que mostra que os guris os enfrentaram, como informaram no B.O.? Que eu saiba eles usam uma câmera na camisa, eu gostaria de ver, onde está?”, questiona a empregada doméstica Raquel Leite Arruda, mãe dos irmãos Marlon e Leonardo, mortos no domingo de Páscoa,

As versões conflitam com as afirmações do comandante do 4º Batalhão, coronel Dhiogo Cidral de Lima: “Todas as ocorrências foram legítimas, as pessoas envolvidas nesse enfrentamento tinham uma extensa ficha criminal”, disse o tenente-coronel, por telefone.

Um relatório de investigação conduzido pela Polícia Militar, nomeado de “Relatório Técnico Operacional” e obtido pela reportagem, elaborado pelo 4º Batalhão de Florianópolis em 2018, listou 55 pessoas na comunidade do Mocotó como  envolvidos com o tráfico de drogas. Desses, quatro foram mortos em “confrontos”.

O documento virou inquérito policial, mas não foi diligenciado pela Polícia Civil. O Ministério Público chegou a alertar que investigação da PM não teria elementos para afirmar existência de uma facção.A Justiça chegou a prender parte dos citados.

“E uma verdadeira reprodução do que já havia sido apurado pela Polícia Militar, sem acrescentar nenhuma nova informação ou alargar as investigações”, relatou o promotor Luiz Fernando F. Pacheco. O inquérito tramita desde 2018 sem oferecimento de denúncia. E apesar de ter como base uma investigação da PM, nenhuma informação referente as mortes foi apresentada no inquérito. Em alguns casos, foi juntada certidão de óbito, mas sem explicações das circunstâncias das mortes.

As vidas perdidas desses jovens, que também já tinham chorado a morte de outros amigos, dizem sobre a intensificação de uma guerra sem data para terminar. Para entender o contexto da ausência de trégua, justamente quando há uma luta global para sobreviver à pandemia do novo coronavírus, investigamos algumas dessas mortes, ouvimos moradoras das comunidades, pesquisadoras, além da própria polícia e outras fontes oficiais.

Os dados desta reportagem estão no Anuário Brasileiro de Segurança Pública e nos relatórios da Secretaria de Segurança Pública de SC. A informações referentes às mortes em ações policiais em Florianópolis no ano de 2019 só contabilizam casos até o mês de junho daquele ano. A informação foi requisitada à SSP por meio de assessoria de imprensa e via LAI, mas ainda não foi disponibilizada pelo órgão.

Em consulta ao sistema do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a reportagem verificou que dos 12 mortos pela PM na região do Mocotó e listados na abertura desta reportagem, apenas um tinha condenação, por roubo, e quatro estavam relacionados no relatório que apura tráfico de drogas na comunidade. Os demais não respondiam qualquer ação penal na Justiça catarinense.

Sobre a investigação da PM, que alega ter como mote a existência de uma facção criminosa instalada no Mocotó, o Ministério Público apontou que os elementos são frágeis para tal afirmação, mas que constituem indicativos para prosseguimento das investigações.

Levantamento da reportagem apurou que das 64 mortes em ações policiais em Florianópolis desde 2016,  cinco casos foram distribuídos para a Vara do Tribunal do Júri. Ou seja, apenas 7% das mortes em operações policiais serão analisadas na Justiça.

Para a professora do Departamento de Antropologia  da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Flavia Medeiros, casos de violações de direitos, que envolvem tortura, tentativa de morte e morte, mostram que as instituições policiais estão mais preocupadas com o uso da força e manutenção de uma ordem hierárquica e desigual na sociedade, do que necessariamente com a proteção dos cidadãos. “É papel do MP [Ministério Público] o controle externo do uso da força, tanto MP quanto judiciário são omissos neste controle. E essa omissão é forma de corroborar com a ação policial”.

:.Leia a entrevista completa com a pesquisadora em gestão de mortes Flavia Medeiros  (mais…)

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