Por: Cyro Assahira (Doutorando em em Ciência Ambiental e Juliana Lins (Mestre em botânica).
Fotos: Cyro Assahira
“o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) recebeu a denúncia de que grupos que apoiam o governo iriam promover queimadas pela Amazônia em um denominado “Dia do Fogo”.
Desmontes das instituições de preservação e conservação da Amazônia, aumento do desmatamento, negligência a dados ambientais e fogo na Amazônia colocaram a região no centro do mundo.
Não seria exagero dizer que a Amazônia agora é o centro do mundo, é para onde os debates políticos, econômicos, científicos e culturais estão voltados. As discussões têm tomado cada vez mais corpo desde o anúncio pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial) do aumento do desmatamento na Amazônia em 88% com relação ao mesmo período do ano passado [1]. Em seguida, uma nuvem de fumaça que veio das queimadas percorreu grande parte do Brasil, colocando preocupações na cabeça de todo o mundo. Nesse preâmbulo uma guerra de informações e a disputa por uma verdade têm ocorrido.
A importância global da Amazônia para a manutenção da biodiversidade, ciclos da água e como estoque de carbono é amplamente debatida e de alguma forma se coloca como um assunto comum em nossa sociedade. Ao mesmo tempo, a imagem de um ambiente selvagem à parte da sociedade humana ganhou contornos. Com a suposta separação entre sociedade dos homens e a natureza, somos colocados em um caminho de intensa exploração dos recursos naturais sem refletir que o que está sendo destruído faz parte da própria ecologia em que estamos inseridos. Junto a esse preâmbulo vem a narrativa econômica neoliberal a favor da intensa atividade exploradora do meio natural com a justificativa de ser uma necessidade para o desenvolvimento do país.
Ao longo das últimas décadas, a perspectiva da Amazônia ou qualquer ambiente natural estar a parte das sociedades humanas tem sido questionada. Em muitos casos refutada diante de estudos científicos que têm trazido à tona o fato de que a Amazônia é amplamente habitada por povos originários e tradicionais desde tempos pré-colombianos. A floresta foi moldada a partir da interação sustentável e duradoura com os povos indígenas, que ainda hoje perpetuam tais práticas. Aliás, seus territórios se encontram especialmente preservados com relação às áreas de floresta fora desses territórios [2].
Pesquisas têm demonstrado que o desmatamento está relacionado com maiores incidências de queimadas [3], derrubar a floresta a deixa mais suscetível a propagação do fogo com a maior incidências de ventos e a presença de materiais de fácil combustão como galhos e madeira secas [4]. Nesse sentido o aumento do desmatamento também pode estar relacionado com a intensidade e a quantidade dos incêndios que estão ocorrendo neste instante. No mês anterior à atual onda de incêndios, o desmatamento na Amazônia aumentou em 88% com relação ao mesmo período no ano passado. Tal desmatamento foi tratado como descaso, com a exoneração do diretor do INPE logo após a publicação desses dados. Os mesmos dados foram questionados pelo atual ministro do meio ambiente Ricardo Salles, apontando que teria sido um erro nas estimativas. A postura do ministro do meio ambiente diante do aumento do desmatamento, não foi tomar medidas que freassem a devastação da floresta e sim buscar formas de invalidar os fatos publicados por um órgão do próprio governo [5].
Desde o início da gestão do atual ministro Salles, os órgãos fiscalizadores do meio ambiente estão sofrendo desmonte, o orçamento do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) foi reduzido em 24%, o que não cobre nem as despesas fixas do ano, refletindo na diminuição da capacidade de fiscalização [6]. Diante da negligência do governo brasileiro em combater o desmatamento, os principais financiadores do Fundo Amazônia (um fundo criado para projetos de preservação e conservação da Amazônia), Noruega e Alemanha, bloquearem seus repasses e com isso o cenário de devastação da Amazônia pode se agravar ainda mais nos próximos meses. A questão ambiental no governo Bolsonaro tem sido tão controversa que em maio de 2019, todos os ex-ministros do meio ambiente de governos anteriores se reuniram em uma frente de oposição ao projeto ambiental em andamento [7].
O que chama a atenção em muitos dos fatos que têm chocado a opinião pública [8], é que tudo isso fez parte da campanha eleitoral, ou seja, está tudo de acordo com as promessas de governo para área ambiental. Assim, é difícil não atribuir, em algum nível, as queimadas que chocam o mundo ao projeto político e ao discurso do atual governo brasileiro.
Este slideshow necessita de JavaScript.
Anualmente no período de seca, em especial de agosto a setembro, as queimadas se acentuam na Amazônia. Considerar somente os dados de fogo em isolado, sem levar em conta o contexto em que se insere, tem sido utilizado como argumento de membros do governo federal para atribuir as queimadas às causas naturais e à terceiros, ausentando-se da responsabilidade – O ministro Sales atribuiu às condições climáticas e o presidente Bolsonaro trouxe a hipótese de ter sido causado por ONGs ambientais insatisfeitas com os cortes financeiros [9]. No entanto, 2019 não é um ano especialmente seco na Amazônia, que são os anos em que ocorrem as maiores incidências de queimadas. E contradizendo a afirmação do presidente de que os incêndios podem ter sido causados por ONGs Ambientalistas, segundos documentos publicados pelo site Poder 360 [10,11], o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) recebeu a denúncia de que grupos que apoiam o governo iriam promover queimadas pela Amazônia em um denominado “Dia do Fogo”. O Ibama solicitou ajuda à Força Nacional para combater o grupo, mas não foi atendido. No dia 25 de agosto, o site da revista Globo Rural [12] publicou uma reportagem que revela que mais de 70 ruralistas (fazendeiros, criadores de gado e proprietários de grandes propriedades rurais) haviam combinado por Whatsapp de colocar fogo em diversos pontos da floresta. Segundo a reportagem, o ato teve como justificativa mostrar apoio ao presidente Bolsonaro que têm afrouxado a fiscalização ambiental.
Ao longo das últimas semanas, diversos protestos têm ocorrido pelo Brasil e pelo mundo contra as políticas ambientais do governo Bolsonaro. Este momento tem gerado profunda comoção acerca da Amazônia e muitos se questionam sobre o que fazer. Sabe-se que a principal causa de desmatamento na Amazônia está atrelada a expansão da agropecuária com suas plantações de soja e a criação de gado [13], assim, a proteção da Amazônia passa pelas mudanças de hábitos alimentares e de consumo. Outros processos relacionados com as mineradoras [14] e empreendimentos que precisam do recurso hídrico para a produção da energia elétrica [15] também possuem um enorme peso destrutivo na região e estão todos relacionados com o modelo de desenvolvimento atual. O cenário atual gera reflexões sobre as imediatas consequências da negligência com as questões ecológicas e se coloca como um importante momento para se pensar criticamente como resistir aos processos estruturais que têm que levado a crise ambiental na Amazônia.
Políticas que já vinham acontecendo em governos anteriores – em maior ou menor grau – em relação à Amazônia ajudaram a frear um pouco o desmatamento: iniciativas de geração de renda com produtos da sociobiodiversidade, investimento do Estado para fiscalização de territórios, incentivo a vigilância de território pela própria população local, multas aplicadas contra crimes ambientais, programas de monitoramento do desmatamento, incentivo a pesquisa na região amazônica, demarcação de Terras Indígenas, criação de Unidades de Conservação, incentivo ao transporte fluvial na região amazônica em detrimento a abertura de estradas.
É importante uma parceria entre Estado, movimentos sociais e a sociedade civil organizada. A maneira que o Estado brasileiro vem agindo a partir desse ano vem de encontro a tudo isso. As consequências são drásticas. Algumas regiões amazônicas, como o Estado do Acre e Rondônia foram desmatados muito rapidamente, a partir da década de 70, em um processo de ocupação da Amazônia com forte incentivo de migração de pessoas advindas das regiões sul e sudeste e a abertura de estradas. A Amazônia é imensa e é difícil acreditar que é possível acabar com ela, mas ao se aprofundar na história das regiões mais desmatadas, percebe-se, com perplexidade, que o processo de destruição é rápido e irreversível. Perde-se de muitas formas: perde-se biodiversidade, perde-se em mudanças climáticas, perde-se em centenas de modos de vida que nos ensinam que outros mundos são possíveis. Possíveis e necessários.
Sobre os autores:
Juliana Lins é bióloga, vive e trabalha na Amazônia há 8 anos. Durante suas pesquisas de mestrado em botânica, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, trabalhou com etnobotânica em interfaces com a arqueologia com o objetivo de entender os processos que levaram a Amazônia a ser, pelo menos em parte, uma floresta domesticada e cultural, resultado do manejo de populações indígenas desde tempos pré-colombianos. Nos últimos 3 anos trabalhou com pesquisas interculturais em parceria com pesquisadores indígenas no Noroeste da Amazônia.
Cyro Assahira é fotógrafo que durante o bacharel em biologia marinha estudou a percepção das mudanças climáticas por pescadores artesanais no ambiente costeiro. No mestrado em botânica, realizou pesquisas com o impacto das hidrelétricas nas florestas alagáveis da Amazônia. Também colaborou com pesquisas de dinâmica florestal na Amazônia. Atualmente é doutorando em Ciência Ambiental (Procam/USP) e investiga as conexões entre democracia, questões ecológicas e o Comum.
- Fearnside, P.M. 2019. Brazilian Amazon deforestation surge is real despite Bolsonaro’s denial (commentary). Mongabay, 29 July 2019. https://news.mongabay.com/2019/07/brazilian-amazon-deforestation-surge-is-real-despite-bolsonaros-denial-commentary/
- Nepstad, Daniel et al. Inhibition of Amazon deforestation and fire by parks and indigenous lands. Conservation biology, v. 20, n. 1, p. 65-73, 2006.
- Aragao, Luiz Eduardo OC, et al. “Interactions between rainfall, deforestation and fires during recent years in the Brazilian Amazonia.” Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences 363.1498 (2008): 1779-1785.
- Cochrane, Mark A. Fire science for rainforests. Nature, v. 421, n. 6926, p. 913, 2003.
- Fearnside, P.M. 2019. As Amazon deforestation in Brazil rises, Bolsonaro administration attacks the messenger (commentary). Mongabay, 3 August 2019. https://news.mongabay.com/2019/08/as-amazon-deforestation-in-brazil-rises-bolsonaro-administration-attacks-the-messenger-commentary/
- Arroyo, Priscilla, (2019, 1st May). Corte de recursos do Ibama ampliará desmatamento. Retrieved from. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/588764-corte-de-recursos-do-ibama-ampliara-desmatamento
-
Gortazar, Naiara Galarraga e Betim Felipe, maio de 2019. Uma inédita frente de ex-ministros do Meio Ambiente contra o desmonte de Bolsonaro. El País, Brasil. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/08/politica/1557338026_221578.html
-
Fearnside, P.M. 2018. Why Brazil’s New President Poses an Unprecedented Threat to the Amazon. Yale Environment 360, 8 November 2018. https://e360.yale.edu/features/why-brazils-new-president-poses-an-unprecedented-threat-to-the-amazon
-
O Globo, 2019. Ministro do Meio Ambiente afirma que parte dos incêndios na Amazônia é intencional, 27 agosto de 2019. https://oglobo.globo.com/sociedade/ministro-do-meio-ambiente-afirma-que-parte-dos-incendios-na-amazonia-intencional-23894245
-
Roscoe Beatriz, 2019. Força Nacional ignorou alerta sobre ‘Dia do Fogo’, mostram documentos. Poder 360 https://www.poder360.com.br/brasil/forca-nacional-ignorou-alerta-sobre-dia-do-fogo-mostram-documentos/
-
Revista Fórum, 2019. Amazônia em chamas: Ruralistas combinaram “dia do fogo” no Whatsapp por apoio a Bolsonaro. Revista Fórum. https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro/amazonia-em-chamas-ruralistas-combinaram-dia-do-fogo-por-whatsapp-por-apoio-a-bolsonaro/
-
Matias Ivaci, 2019. Grupo usou whatsapp para convocar “dia do fogo” no Pará. Revista Globo Rural. https://revistagloborural.globo.com/Noticias/noticia/2019/08/grupo-usou-whatsapp-para-convocar-dia-do-fogo-no-para.html
-
El País, 2019. Ibama diz que Força Nacional ignorou alertas sobre “Dia do Fogo” no Pará. El País. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/27/politica/1566859677_529901.html
-
Zycherman, Ariela. “Cultures of soy and cattle in the context of reduced deforestation and agricultural intensification in the Brazilian Amazon.” Environment and Society 7.1 (2016): 71-88.
15. El Bizri, Hani Rocha, et al. “Mining undermining Brazil’s environment.” Science 353.6296 (2016): 228.
- Fearnside, Philip M.; PUEYO, Salvador. Greenhouse-gas emissions from tropical dams. Nature Climate Change, v. 2, n. 6, p. 382, 2012.