Em Curitiba, gritos e selfies

 

Foto: Isabella Lanave/ R.U.A Foto Coletivo

“Junta aqui na frente que precisamos tirar uma foto histórica”, disse um dos locutores no microfone. Ele queria que as três bandeiras — a do Brasil, do Paraná e a Viva Lava Jato — estivessem juntas em frente ao prédio histórico da Universidade Federal do Paraná, a primeira do Brasil. Dito e feito. A foto diz muito sobre o protesto deste domingo ensolarado em Curitiba.

Cinquenta mil pessoas foram às ruas, segundo o Coronel Rocha, da Polícia Militar do Paraná.

Um pouco mais tarde, os organizadores da caminhada falaram em 60 mil pessoas. A maioria portando verde, amarelo, um celular e o grito na garganta.

Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

Na concentração, pouco antes das 14h, na Praça Santos Andrade, 20 mil pessoas escutaram os locutores. Olavo de Carvalho foi saudado aos gritos e com uma música-paródia. A Polícia Federal foi elevada ao patamar dos justiceiros. A Polícia Militar foi aplaudida. “Nesse protesto não há e nem haverá confusão por que as pessoas são do bem”, disse um dos locutores. Eles são homens, em sua maioria brancos, enérgicos e que usam camisetas com dizeres conservadores ou de indignação, como o tradicional Fora Dilma. Em três caminhões, discursaram sobre Sérgio Moro (amado), Gilmar Mendes (adorado) e Dias Tóffoli (odiado). Sobre o Foro de São Paulo (“uma invenção comunista do Lula e do Fidel Castro”). Apresentaram uma versão do ex-presidente preso. Diferente dos bonecos do Lula das outras capitais, em Curitiba ele foi um homem com uma camiseta listrada em preto e branco e uma máscara. “Vocês querem o Lula preso, vamos prender ele hoje!”. Rolaram piadas com José Dirceu e diversas críticas à imprensa (em especial a Rede Globo e os contratados Marieta Severo e Jô Soares). Gustavo Fruet, prefeito da capital, também teve seu nome apontado em críticas: “está enchendo a prefeitura de Curitiba de petistas, estamos de olho”. Em suma, gritaram contra tudo e todos. Muitos com apitos que eram vendidos a 2 cada. “Posso fazer 3 por 5”, me disse um vendedor. Muitos deles portavam camisetas com as cores do protesto. Brasileiro se adapta em qualquer ambiente para melhorar o negócio. E das 12h às 17h, durante a movimentação bruta por algumas quadras da capital, foram muitas selfies. “Precisamos fazer essas fotos correrem o mundo”, disseram. Talvez isso explique algumas frases como No Comunism e Stay Alert For What Is Coming.

Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

Os locutores e os protestantes falam mais ou menos a mesma língua. Gritam Fora Dilma, Fora PT e Fora Lula sem parar. Pulam, vaiam, aplaudem, cantam o hino nacional. Estão descontentes de maneira geral e não se importam em contestar tudo. Falam da crise política, econômica e social. Nessa última, julgam haver um componente comunista, tanto na educação básica como na aproximação do Governo Federal a governos como Venezuela e Cuba. Eles gritam “nossa arma é a Constituição Federal” e pedem impeachment pra ontem. Alguns são mais comedidos e falam de descontentamento de uma maneira geral. Uma tristeza acumulada pelos erros gravíssimos da administração federal. Alguns pedem intervenção militar e o Sul É Meu País. Mas esses só querem 30 segundos de fama e usam o protesto como vitrine. Nada que tumultuasse a atuação dos 800 policiais que participaram da operação, segundo o Major Breunig, da PM do Paraná.

Stefan Czaplinski, 54 anos, estudante de Ciência Política, portava um cartaz “Não votei em Dilma, a culpa não foi minha” e pedia novas eleições. “A eleição é como se fosse um contrato. Eu votei em determinado candidato e tenho que ficar de olho. É como se fosse um produto. Se desse defeito, eu iria reclamar. Com o governo federal deveria ser a mesma coisa. Deveríamos fazer uma eleição pra já e mudar o panorama. Esse novo governante ficaria condicionado à vontade da população e não faria mais besteira. Se fizesse iria cair também”.

Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

Helmuth Fast, 65 anos, aposentado, foi protestar contra a ideologia comunista. “O que mais me incomoda é a ideologia passada por eles (o PT) em tudo. A ideologia se infiltrou, nos escraviza, imbeciliza e é perversa em todos os sentidos. Abaixo o comunismo”. Mais cedo conversei com José Ferreira, empregado da construção civil. Ele não foi ao protesto, mas estava na praça nos momentos que antecederam a caminhada. Ele votou em Aécio Neves no primeiro turno e em Dilma Rousseff no segundo, acreditando que ela “mudaria alguma coisa”. “Pagamos muitos impostos e eles roubam muito da gente. Apoio o protesto. A gente é enganado”. Ele saiu pouco antes dos gritos começarem e não tirou foto. Tampouco deve ter chegado em casa feliz com o momento do país. São maneiras de protestar. Em silêncio ou com os amigos.

Outra estrela do movimento deste domingo foi uma ação do Ministério Público Federal por meio de assinaturas. Os protestantes foram conclamados a assinar e apoiar dez medidas contra a corrupção, sem qualquer vinculação política-partidária. Pela legislação, as assinaturas para os projetos de lei de iniciativa popular devem ser encaminhadas fisicamente, não por meio digital. Entre as medidas estão a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos, reforma no sistema de prescrição penal, ajustes nas nulidades das penas, eficiência dos recursos no processo penal, entre outros. O projeto está disponível em http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas.

Foto: Juliana Vilela Araujo

Enquanto isso um carro de som repetia: “Nosso dever é defender o país, que se apresenta doente. Com uma doença gravíssima. O problema é o Lula. O vírus que assola o nosso país. Essa presidente quer transformar o país em um local de miséria, ignorância. Controlar a massa ignorante é muito mais fácil. Isso nós não podemos deixar. Vamos fazer com que o nosso país retome o rumo novamente. Esse governo está colocando nosso país num abismo. Não podemos deixar. O nosso dever é tirar esses tiranos, esses ditadores do poder. Os verdadeiros trabalhadores do Brasil estão sendo desviados pra fora da pátria para que sejam empregados em outros países. Em detrimento, nós temos dificuldade. Os trabalhadores estão sendo enganados. Governo da mentira, da corrupção, da falta total de credibilidade. São incapazes de fazer o bem e desviam o dinheiro para outros países”.

“E é isso que vocês precisam explicar para os porteiros dos prédios, empregados, funcionários de condomínio, faxineiras, operários. Que um milhão de pessoas ajudaram a pagar o metrô de Caracas, na Venezuela, e isso não podemos permitir”. Essa frase foi repetida algumas vezes. Junto com Fora Dilma, Fora PT, Salve Sergio Moro e o apoio de uma massa com ideias conservadoras bem firmes. O protesto foi uma clara e legítima manifestação de insatisfação geral. Pesada por palavras de muito ódio. Mas essa parte o José Ferreira não ouviu. Ele até brincou que tem o mesmo nome do José Dirceu, mas que é honesto. Seu protesto não precisou de uma explosão de raiva. Essa explosão saiu das ruas de 25 estados e do Distrito Federal. E é um recado por mudança. Cada qual com a sua.

Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

 

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