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Elisa Lucinda: Amor, o antibélico

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Elisa Lucinda

 Passou a data comemorativa do Dia dos Namorados e ainda bem que os amantes persistem, resistem, insistem. Num mundo onde o amor e seus princípios são afrontados diuturnamente, urge espalhar suas mudas por aí. Não fosse a imperiosa, a colossal, a poderosa, a animal, a orgânica vontade de fuder, de transar, fazer amor, trepar, ter relações ou qualquer nome que se dê, viveríamos trancafiados , nestes tempos individuais, dentro de nossos corpos, de nossas casas, de nossas telas, nossos canais a rabo. É tempo de salvar o amor. O medo ganhou espaço. Precisamos nutrir a terra de amor. Parece piegas dizê-lo, mas não por isso me calarei: precisamos salvar o amor para que ele nos salve. Os amantes têm sido uns verdadeiros sobreviventes!

Reclama-se da dificuldade em se dar, em amar na contemporaneidade.Talvez a gente devesse desmembrar de uma vez o amor do império normativo moralista que o cerca, e muitos casais têm buscado tal proeza. Na verdade, ser humano é ser mistério. A subjetividade, acostumada a caminhar sobre ilusões, impressões, a caminhar sobre versões da realidade, versões estas apoiadas em cada cultura, alicerçadas em cada criação, varia muito e há uma diversidade imensa entre os seres.Porém,na mesma proporção há muita ignorância sobre o território emocional do outro. O que sabemos dos amores trans, lésbicos, gays? O que sabemos do que acontece realmente entre um casal hétero no escuro de um quarto, nos puteiros, nos palácios, nas praias desertas, nos becos?

A única coisa que sei é que afetos aprisionados se distanciam de sua gênese. E sei também que pode não ser boa ideia aquele ideal em que os dois amantes se vejam como um só ser. Se misturam de tal forma que o amor perde a saúde e a individualidade de cada um. São duas pessoas.São dois. Se eu começo a ser você e você a ser eu, os objetos se perdem e podemos não ter mais a quem amar ali,naquela casa daquele laço.

É muito interessante e necessário refletir sobre o amor como uma política de existência.Pessoas passam a vida em sua busca,desde a infância muitas vezes. Pela falta do amor, pela desimportância que a ele se oferece, esculachamos a Terra, sacaneamos o planeta, poluímos os ares, não nos reconhecemos como parte da natureza que destruímos, e por isso a destruímos.

 Quando criamos nossos filhos longe do sentimento coletivo, longe da convivência colaborativa,quando os criamos chafurdados na viagem egóica e capitalista de que estão se preparando para “vencer” o outro, para destruí-lo se preciso for, nós estamos dificultando o caminho afetivo daqueles pequenos cidadãos,e complicando sua vida adulta. E consequentemente a vida do mundo. Estamos assim adubando uma terra de dor,e preparando uma lavoura de guerra para todos.

Há muitas maneiras de se exercitar diariamente a nutrição ou a destruição dos focos de amor. É bom queestejamos atentos. Paulo Freire ensina que quando uma criança termina de fazer um desenho, e principalmente quando, depois de muito praticar a imaginação, ela é alfabetizada, se coloca imediatamente no lugar de sujeito criador, capaz de traduzir-se em narrativas. E a criação é uma experiência amorosa, é um jorro que faz da obra criatura, e do pequeno aprendiz um criador. Por isso a educação faz diferença no projeto de desenvolvimento de uma nação. A educação referencia no tempo e na história o cidadão. É igualmente importante que a experiência da criação,já desde a infância, tenha preço que não seja valorável necessariamente pelo que a sociedade entende como única forma de riqueza o dinheiro.Ou seja, um monte de gravetos dispostos diante de uma cavidade feita na areia, que forme um portão de um castelo pode significar verdadeiras e duradouras fortunas para aquele ser, a nível desinapses. Igualmente bem-vindos neste bojo são as folhas, as flores,os insetos,os animais,um beijo, uma canção, um papel desenhado, uma pedrinha.

Por mais que eu caminhe neste mundo cão, não conseguirei me afastar do tema amor.  Está espalhado em pequenos gestos e me é muito triste ver crianças que crescem exiladas dele, alijadas dos profundos efeitos de seu poder.Pobres criaturinhas que não interagem com nenhuma natureza, que se sentem interiormente travados para correr sobre uma duna livremente. São impedidos por dentro. Não se sentem confortáveis sem que não seja quando agarrados às telas dos tablets, e alguns já o fazem desde quando babavam. É muito triste ver um telefone celular substituindo o balanço, a árvore, a conversa, a historinha contada pelo pai ou pela mãe, o castelo de areia feito na praia. Será que não se vê que o castelo de areia é um palco perfeito para fabricações dos sonhos em liberdade?

Existe muita coisa fora dos joguinhos de ferir e matar. Existe um outro modo de se relacionar sem ser via competições e desavenças. Está por fora criar os meninos para a guerra, para ofender as meninas, para dar porrada no amiguinho. São incalculáveis os danos. Estão por fora aqueles filmes pornôs construídos sobre a dominação, influenciando negativamente a cabeça glande do jovem punheteiro iniciante na vida sexual. Um prazer escroto, feito de poderes e submissões como o único modo de acessar o gozo. Aquela mulher gritando fuck me, parece, inúmeras vezes, que não está gostando. Eu vejo. Parece um help me, às vezes. A coisa ganha mais entendimento quando percebemos que os roteiristas de tais filmes são, em sua maioria avassaladora, homens, e homens machistas. Há, por exemplo, nestas produções, uma diferença enorme entre o sexo oral feito no homem por uma mulher do que ao contrário. O que o homem faz ali é mais demonstrativo e rápido, do que exatamente prazeroso para a parceira. Da mesma maneira, nesses filmes, o sexo entre as meninas é mais para excitar os homens, é fake.

Mas catzo, o que é que tudo isso tem a ver com o Dia dos Namorados?! Tem que, na véspera deste dia, a Helem Moreira, importantíssima jovem voz negra nos movimentos sociais e anti racistas, em plena ascensão profissional, foi brutalmente assassinada pelo marido ciumento. E a cada minuto uma mulher é violentada e assassinada no Brasil. Tem que muitas mulheres ainda têm medo de perderem seus homens se não fizerem suas vontades, se usarem aquele short curtinho que elas adoram, ou forem para um barzinho com as amigas curtir. Tem que muitas mulheres entendem tal domínio como amor. Tem que, em verdade, não existe crime passional, porque quem ama não mata. Tem que o nome disso é crime de ódio. Tem que muitos homens ainda usam o verbo “ajudar” para qualificar sua participação na gestão do complexo cotidiano de uma família. Como se fosse um favor. Tem que, em muitos lugares, em pequenas ações diluídas na lira do dia a dia, ainda estamos mantendo costumes que ao fim, vão maltratar o amor. Ainda estamos agindo através das práticas educacionais que damos aos nossos filhos numa esfera tão pouco reflexiva que, por fim, vão não só respingar, mas sim decidir no futuro a vida amorosa desses filhos. Há sempre uma hora em que parte do futuro da humanidade está sob os nossos cuidados. Estará ali, na relação com nosso amor, tudo o que aprendemos desde a infância e logo fica provado se fomos criados para o amor ou para guerra. Muitos se reeducam depois de adultos, depois do susto destas dores. Outros seguem promovendo o individualismo que se estende em metástase nas orientações que se dá aos filhos. Cada vez menos tribais e coletivas, famílias se arrastam mudas, cada um agarrado à sua maquininha, sentados cada um, no seu mundo isolado, juntosporém separados, no restaurante, em casa, até na praia eu já vi.

Pois venho dizer que nossas telas virtuais, tão úteis, tão necessárias à comunicação moderna,nos conectam com o mundo não como fim, mas como ponto de partida, como salto para o real e assim deve ser.

Há mesmo muita gente com medo de amar, embora hoje o amor esteja mais saudável, mais sincero. Pelo menos hoje casamentos não mais se arrastam, moribundos, dependurados na mera aparência.  Há, mas diminuiu muito. O que se reclama agora é do medo de amar e talvez o temor de amar se dê por conta dessa infância sem conversa, dessa prisão dos condomínios fechados, etnicamente homogêneos por esse hábito calado de assistir a tudo, sem coragem de manifestar opinião,e o despreparo para viver a experiência de existir, coisa que não é bolinho não. Na relação direta da experiência humana os riscos são reais e muda-se de fase, tal qual nos joguinhos; mas é tudo improviso ali, nenhum luminoso avisa que o jogo continua ou acaba. Pelo menos não de maneira mecânica. No jogo ao vivo o olhar ao vivo conta. A luminosidade da presença. Tem a hora dele e da palavra. Tem a hora do olhar e da boca. Tem o cheiro, o ferormônico beijo que ninguém esperava, tem as unidas mãos dadas, o não desgrudar sem ninguém combinar nada. E tem as rejeições, os nãos, as discussões em nome até do próprio amor.

Como ainda se encontra apinhada de caretices, moralizamos, normatizamos a vida afetiva, tudo com as devidas fundações do machismo, do racismo, da homofobia sistêmica. Imagina o bololô. É até compreensível tanta guerra. Explicável.

Enquanto escrevo, a indústria bélica americana lucrou bilhões de dólares, só com o mercado interno, só com próprio consumo de armas de fogo. E todo produto precisa de propaganda. Para vender cada vez mais armas temos que vender antes o ódio, implementar sua cultura, torná-lo diário, cotidiano, até afirmarmos que o ódio é inerente a todo homem e assim decretarmos o fim do amor, seu único antídoto. Então,agora ,observe se o que há por trás de toda mazela não é a falta de amor?  O que são as corrupções, as injustiças, o roubo do dinheiro público, as escrotidões de nossos intolerantes senão o ódio pelas pátrias, pelo outro,pelo povo.Incrível!  No fundo de todas as misérias está a ausência do amor. É o amor de um pai pelo filho ou de outro adulto pela criança que desenvolve nela um amor por si capaz,principalmente, de reservar para o outro o carinho com o qual ela gostaria de ser tratada. Se observarmos esta medida e a aplicarmos como auto teste dentro do mais trivial gesto, vamos nos assustar ao ver o quanto somos injustos: será que eu gostaria de ser tratado com tanto controle como faço com minha mulher, com meu namorado? Será que eu suportaria este olhar de desprezo que ofereço ao meu conhecido só porque ele é negro, viado ou mais pobre do que eu?

Tais perguntas bobas podem dar respostas que vão dizer se estamos, na vida, próximos ou não do abismo da infelicidade, coisa da qual toda humanidade foge. Muitas atitudes e sensações ultrapassadas como excesso de ciúmes, a ilusão da posse de pessoas, as hipocrisias das juras de fidelidade obrigatória, ainda reinam entre os tablets e as quartas dimensões da mesa do século 21. É preciso quebrar tais armadilhas. Há coisas ultrapassadas e nefastas que já não são mais aplicáveis.Não cabem nos saberes atuais.

Bem, o assunto é vasto. Também não cabe aqui.

O amor faz parte de uma política da existência. Como vai a sua?

Só sei que há uma hora em que a ponta da dramaturgia da vida, o fio do novelo da novela vem parar na nossa mão e a gente continua a história do jeito que achamos melhor. Quando chega à minha mão, de minha parte, fico tentando levar a linha para o lado da cultura da paz com justiça. Pegar sempre uma mudinha de amor de um jardim e plantar no outro. Tenho mão boa, mas também erro e me traio, e me caio e me atrapalho querendo acertar, contaminada que também estou, por tantos sistemas condicionantes. Há muitas maneiras de cuidar dos afetos. Embora atenta, sei que não é fácil, mas ninguém falou que seria. O mundo todo precisa se acalmar, amar melhor, compreender a dimensão política que tem dentro do mais trivial gesto. Muitos em nome do amor praticam diariamente uma política de ódio sem perceber. Escrevo isso para que eu não seja aquela que observou tais pensamentos e atos e se omitiu,se calou. Vim falar do amor.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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