Eles continuam sem saber o que querem

Foto: Marcia Zoet

Nesse domingo, 16 de agosto, aconteceu a terceira manifestação pedindo a saída da presidenta Dilma. De cara, nem a Globo, nem a PM conseguiram esconder que foi menor: 130 mil, segundo o Datafolha.

Em março, os 210 mil que foram às ruas não tinham uma agenda em comum. Não concordavam nem quanto ao impeachment da presidenta. Hoje pouca coisa mudou. Embora dessa vez a maioria das pessoas defendia a saída de Dilma, ainda não conseguiram chegar a um consenso de como isso deve ser feito, tampouco do que aconteceria depois. Reparem, eles querem que a presidenta saia, se é por meio do impeachment, isso continua não sendo unanimidade.

A caminhada pela Av. Paulista, símbolo do poder econômico paulistano, teve o usual clima de micareta. “Aqui não, intervenção militar não, vamos para o Vem Para a Rua”, dizia uma mãe para a filha. Assim foi a construção do ato: palco para todos os gostos.

Com a manifestação esvaziada, os manifestantes se aglomeravam em volta dos carros de som. O primeiro (ou o último, já que vínhamos da Brigadeiro), era o da UND — União Nacionalista Democrática. O que eles defendiam? A intervenção constitucional! Mas, afinal, o que é intervenção constitucional? Carlos Alberto Augusto, o Carlinhos Metralha, agente do DOPS, ou delegado, como ele se apresenta, nos explica: “Não é militar, é constitucional, baseada nos artigos 142 e 144”, explica o torturador. A intervenção constitucional a que ele se refere é feita com ajuda do exército. Uai, mas, então, é militar! “A sociedade está desarmada. A campanha que foi feita do plebiscito por esses comunistas terroristas conseguiu desarmar a população. A intervenção só pode fazer quem tem arma, e quem tem arma são as forças armadas”. Então a intervenção constitucional tem que ser feita com armas? “Não tem outro jeito.” E deixa o recado final “A liberdade de imprensa no qual a senhora trabalha se deve aos militares, então pensa nisso você, jornalista.” Penso nisso todos os dias.

Mas deixou claro: “não apoiamos o impeachment, porque o impeachment seria inconstitucional.” Eles estão acampados ao lado da Assembleia Legislativa de São Paulo, desde 9 de julho, pedindo a intervenção constitucional.

Mais adiante, tímidos porém presentes, estavam os pró-monarquia. Isso mesmo! E tudo bem se você, como eu, não entendeu. “A Pro Monarquia é uma entidade que defende a restauração da monarquia, seguindo a linha da família imperial brasileira. O herdeiro do trono, bisneto da princesa Isabel, Dom Luiz de Orleans e Bragança, assumiria” elucida José Guilherme Beccari, presidente do movimento Pro Monarquia. E aí, como seria feita essa transição? “Por meio de uma reforma política, uma reforma da Constituição, escolhendo o regime monárquico parlamentarista.” A cartilha que distribuíam dizia “Monarquia: um sonho que pode se transformar em realidade. República: um pesadelo que começou em 1889 e está demorando para acabar”. O movimento existe desde 1993. Alegam que nesse momento de crise de representatividade a solução seria a volta desse regime “mais orgânico”. Mas José, na nossa parca república, ainda que com todos os seus problemas, nossos líderes são, pelo menos, eleitos. O senhor não acha meio contraditório, em meio a essa crise de representatividade, reestabelecer a monarquia? “O poder executivo está nas mãos do parlamento.” Alô, Cunha!! É tipo o que você quer!

Um vazio e outro caminhão de som. Dessa vez é o “Vem para a Rua”. Era de longe o grupo com o maior clima de carnaval. Renato Russo e Cazuza se reviravam nos túmulos enquanto a multidão entoava suas mais contestadoras músicas. “Nem para a direita, nem para a esquerda, queremos ir para frente.”, dizia o mestre de cerimonias do caminhão. Os integrantes desse caminhão não pediam o impeachment, mas gritavam “Fora Dilma” e exigiam a renúncia “pelo bem do Brasil.”

Foto: Márcia Zoet

Da onde vem o dinheiro para a infraestrutura, os caminhões, as camisetas? Ninguém questiona. Andreia Lima veio com a filha. “Eu vim de forma independente, não sei e não me importo com quem paga isso”, disse. Mais uma das inúmeras contradições dos que foram às ruas nesse domingo.

Mais alguns metros de vazio e outro caminhão. O movimento “Endireita Brasil” distribuía adesivos “Fora Dilma” do Solidariedade, partido do Paulinho da Força Sindical, que vem recolhendo assinaturas pelo impeachment de Dilma.

Um terceiro vazio, muitos ambulantes e muitas latinhas de cerveja jogadas no chão. O próximo caminhão abrigava o Movimento Brasil Livre. Esses deixaram claro: “não estamos aqui contra a corrupção, estamos aqui contra o PT e pelo impeachment.”

Foto: Márcia Zoet

O grande herói da manifestação de 16 de agosto foi o juiz federal Sergio Moro, a frente da operação Lava Jato. A Polícia Federal também era constantemente saudada. Em cima do caminhão do Movimento Liberal Acorda Brasil um jovem segurava a faixa “Polícia Federal, Orgulho do Brasil sempre”. A mesma Polícia Federal que ganhou autonomia durante os governos do PT. Mas história não é o forte desse pessoal. Nem a memória.

Vi duas pessoas pedindo Reforma Política. Nenhuma delas estava acompanhando as votações sobre os projetos na câmara e no senado. Adolfo Vari, técnico orçamentista, estava em um grupo que segurava duas faixas. A primeira com os dizeres “A Reforma Política que o povo quer é de menos ministros, menos deputados, menos assessores, menos senadores, menos vereadores, menos corrupção”. A segunda ilustrava “Não gosto do PSDB, PV, PR e PTB; Detesto o PDT, DEM, PSD e PSB; Odeio o PPS, PMDB, PSTU e PSOL; Abomino o PT”. Para ele o problema está em todos os partidos. Quando indagado sobre a recente aprovação do financiamento empresarial de campanha, fruto de manobra política de Eduardo Cunha, disse não ter acompanhado, mas é contra: “acho que é mais uma manobra para que eles saiam favorecidos”. Já Hugo Caccuri Jr, empresário de Alphaville, defendia voto distrital puro e Parlamentarismo. Ele, por sua vez, é a favor do financiamento empresarial de campanha.

Entre os milhares de participantes, esses foram os dois únicos grupos de pessoas que encontrei defendendo alguma plataforma de mudanças concretas. Os demais pouco tinham a dizer sobre o que fazer após a saída de Dilma.

Intervenção militar, intervenção constitucional (?), impeachment, renúncia, reforma política e até monarquia (oi?). A massa amarela que tomou a Avenida Paulista nesse domingo, embora saiba o que não quer, definitivamente, continua sem saber o quer.

Foto: Márcia Zoet

 

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