Durante 70 anos o México foi governado por um único partido, o PRI, com raízes na revolução mexicana, porém obviamente degenerado e convertido, ele próprio, em um aparato de subtração da democracia em benefício de um sistema profundamente corrupto e arraigo na desigualdade.
Só duas vezes o presidente eleito não foi um membro dessa organização, as duas vezes em que uma legenda ainda mais ideologicamente conservadora e de direita conseguiu derrotá-la, o PAN, do ex-presidente Calderón.
Foram duas passagens com pouco apelo junto à opinião pública, pois a sua bandeira principal, a chamada “guerra às drogas”, se tornou um fracasso retumbante, um perfeito paradigma em segurança pública para o restante do mundo, no sentido daquilo que não se deveria fazer sobre o assunto.
A disparada da violência, apesar do emprego do exército com poderes de polícia nas ruas, a repetição de assassinatos de lideranças políticas e mais a multiplicação de escândalos de corrupção envolvendo as relações entre o mainstream da política e o alto empresariado desnudaram um sistema que utilizava o medo como instrumento para manutenção de uma ordem que privilegiava uma casta.
Neste domingo, finalmente, e como um sinal de amadurecimento de todo um país farto de seus traumas, os mexicanos se organizaram – de baixo para cima – em uma resposta aparentemente à altura, iniciando um ciclo completamente novo ali.
Chamados às urnas, os mexicanos escolheram dar pela primeira na história a oportunidade a um esquerdista de governar. E não só isso. Deram ao seu partido a oportunidade de governar boa parte dos estados, a capital e de deter a maioria dos cargos de deputad@ e senador.
Após semanas em que multidões tomaram as ruas do México, como no gigantesco comício na Cidade do México ou na noite em que o estádio Asteca recebeu mais de 60 mil pessoas, Andres Lopes Obrador se torna presidente para fazer frente a um vizinho americano cada vez mais hostil aos latinos, com Trump na presidência prometendo um muro, e à sanha neoliberal que, antes vendida como passaporte para o futuro, mergulhou a América Latina em retrocessos econômicos e políticos.
A vitória do recém criado MORENA, acrônimo para Movimento de Restauração Nacional, rompeu os antigos limites para esquerda no país, que esteve muito concentrada na progressista capital e em regiões do sul, e adentrou para o norte conservador, chegando a vencer em tradicionais bastiões do coronelismo local, onde a pistolagem é a regra, e não exceção.
Foi uma vitória com a marca da adesão massiva de jovens, dos movimentos sociais e com uma união rara entre segmentos da esquerda mais radical e moderada para criar um programa de transição que se propôs prioritariamente à tarefa de renovar um sistema conhecido pela impermeabilidade.
Não faltaram editoriais dos principais jornais abertamente recorrendo ao discurso do perigo vermelho, às comparações com caricaturas sobre a Venezuela ou à tradicional mentira de que a única solução que existe para economia é entregá-la para os grandes especuladores na Bolsa de Valores. E mesmo assim terminaram todos derrotados com seus candidatos fisiologistas e plutocratas.
Se até aqui falava-se de uma maré de direita na América Latina, é provável que uma derrota em um país tão importante na região, o segundo mais povoado, como é o México, obrigue todos os analistas a refazerem suas projeções.
Rodrigo Veloso é formado em Relações Internacionais
pesquisa: El Financiero