É preciso cortar todas as cabeças do monstro

Julian Rodrigues*- ESPECIAL PARA O JORNALISTA LIVRES

A polêmica se estabeleceu entre o ativismo progressista nos últimos dias.
Há os que acham que falas como as da Ministra bolsonarista Damares Alves (“meninas de rosa e meninos de azul) fazem parte de uma tática do tipo “cortina de fumaça” para nos distrair enquanto o governo entrega nosso petróleo, destrói o meio-ambiente, acaba com os direitos trabalhistas e privatiza todo o patrimônio público. Outros, entre os quais me incluo, entendem que, embora certas falas podem, em determinados momentos terem um aspecto mais provocativo ou meramente diversionista, todas as medidas retrógadas do governo devem ser enfrentadas.

Tudo ao mesmo tempo agora. O governo Bolsonaro se estrutura em duas vertentes principais. Um braço ultraliberal (comandado por Paulo Guedes) que pretende desmontar o Estado, privatizando as empresas estatais; terminando com a Previdência como a conhecemos hoje implementando o regime de capitalização; entregando as riquezas naturais – petróleo, minério, florestas ao capital internacional. A outra vertente é o braço hiper-conservador, reacionário, fundamentalista religioso, obscurantista, neofascista: trata-se da destruição das conquistas civilizatórias, do pluralismo político, dos direitos das mulheres, da população negra, das LGBTI, dos indígenas, da educação emancipatória, do pensamento crítico.

As duas vertentes se complementam. A vitória de Bolsonaro se deve, entre outros fatores, ao sucesso que obteve ao amalgamar diferentes setores sociais e diferentes agendas conservadoras: do fundamentalismo evangélico, passando pelo núcleo duro do fascismo até chegar às elites neoliberais. Seu governo, executará, na medida da correlação de forças concreta, o conjunto do seu programa – com todas as contradições, avanços, recuos e balões de ensaio que estamos já vivenciando.

Bolsonaro disse que o país era melhor há 50 anos e vai trabalhar para que os valores daquela época voltem a prevalecer. Eu diria que é pior que isso, quer nos levar mesmo é de volta ao século 19. De qualquer maneira, é preciso entender que não se trata, portanto, de escolher qual das linhas de atuação do novo governo são mais nocivas ao povo. Não há “cortina de fumaça”, porque tudo o que dizem ou anunciam é prejudicial a milhões de pessoas.

A classe trabalhadora é diversa. Classe, raça, gênero, liberdade de orientação sexual estão interligadas. O racismo estrutural e a herança escravista estruturam as relações entre as classes no Brasil, assim como o machismo não só estimula a violência doméstica como faz com que as mulheres trabalhadoras ganhem menos que os homens. Questões sociais, econômicas e culturais formam um todo, um mesmo sistema de opressão. Aliás, não dá pra admitir ou agir politicamente como se a dor de uns fosse mais importante que a dor de outros.

Outra coisa importante. À esquerda e à direita, muitos se referem à pauta feminista, antirracista e pela liberdade sexual e de gênero como algo situado no campo dos “costumes” ou das “questões morais”. Não se trata disso. E nem, como já dissemos, de uma mera “cortina de fumaça”. Todo o debate tem a ver com DIREITOS. Do que fala é de direitos civis, de direitos humanos, da igualdade entre mulheres e homens, de igualdade racial, de liberdades democráticas, reconhecimento da diversidade, autonomia, liberdade sexual, direitos sexuais e reprodutivos, pluralidade, dignidade, respeito.

Cada vez que algum ou alguma expoente bolsonarista – ou o próprio – diz uma aparente “bobagem irrelevante” , do tipo “meninos de azul e meninas de rosa”, estamos diante mesmo é de um MOVIMENTO poderoso de legitimação da violência simbólica e física, da violência concreta contra as mulheres, contra a população LGBTI. Uma espécie de “liberou geral” para o bullying homofóbico, machista, transfóbico. Pior: uma autorização tácita para violência doméstica, para o feminícidio e para o assassinato de pessoas LGBTI.

Para os marxistas e que todos que se referenciam nessa tradição, vale lembrar uma de suas frases “as ideias tornam-se força material quando penetram nas massas”.

Vamos ter que tentar cortar todas as cabeças ao mesmo tempo. Não vai dar para escolher uma ou outra, pela simples razão de que o monstro é um só.


*Julian Rodrigues, professor e jornalista, é ativista de DH e do movimento LGBTI; pesquisador na área de gênero e sexualidade

 

 

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