Por Juliana Medeiros para os Jornalistas Livres
Neste domingo (15), a Venezuela realiza suas Eleições Regionais, para governadores, em 23 Estados nesta que é sua 22ª eleição em 18 anos de chavismo, o que de pronto classifica o país como a “ditadura” que mais realizou sufrágios na história contemporânea.
Toda a imprensa mundial acompanha de perto a disputa, ávida por encontrar evidências de fraude ou captar imagens para sua narrativa de impacto sobre a diariamente pautada “crise econômica e política” do país.
No entanto, ao mesmo tempo em que a presidenta do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibsay Lucena, informa em coletiva de imprensa que todas as etapas para o pleito vem sendo cumpridas com a participação de observadores internacionais e membros de TODOS os partidos, que também fiscalizam o processo, os correspondentes credenciados no país tratam unicamente de noticiar as supostas “fraudes” cometidas pelo governo Maduro, ainda que representantes de cada corrente política estejam validando o mesmo processo que a oposição (e a mídia) procuram deslegitimar.
Mas do que se trata essa tal crise na Venezuela? Essa é a pergunta que muitos se fazem nesse momento. Para responder, é preciso antes se perguntar o que faz com que um pequeno país caribenho de repente se torne o assunto dos almoços de domingo de boa parte dos países do mundo, onde seus cidadãos muitas vezes sequer conhecem seu cenário local mas sabem o nome de políticos venezuelanos e falam sobre a tal “crise” como se fossem conhecedores profundos do tema.
Antes ainda, é necessário perguntar se Nicolás Maduro – ao invés de denunciar constantemente a ingerência norteamericana e se recusar terminantemente a seguir suas ordens – fosse um amigo de Washington, será que o país continuaria nos noticiários?
O mais provável é que ele poderia ser de fato o “ditador” que querem que ele seja, por exemplo, oprimindo cruelmente as mulheres como o rei Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud da Arábia Saudita; ou deixando mais de 1 milhão de pessoas morrerem de fome, cólera e bombardeios de aviões aliados em seu próprio solo, como Addrabbuh Mansour Hadi do Yemen; ou ainda usando de maneira violenta e extremada sua polícia contra manifestações pacíficas pelo direito de votar, como Rajoy da Espanha; ou inaugurando uma nova era de presos e desaparecidos políticos como Macri, na Argentina; ou mantendo sob barbárie a última colônia do mundo em um campo murado e minado no meio do deserto do Sahara, como o Rei Mohamed VI do Marrocos; ou pior, fazendo tudo isso, com direito a malas de dinheiro em contas ilegais no exterior e mais uma série de delitos (com Supremo com tudo) como naquele país, vocês sabem onde. Bastaria à Maduro ser menos “guapero” em linguagem latina, aceitando condições comerciais injustas, acordos políticos nefastos e uma ou outra base militar em seu território e tudo estaria resolvido.
Ou seja, no fundo o mundo inteiro sabe que não se trata de motivos humanitários e que a OEA ou o (atual) Mercosul, just don’t give a damn para o que acontece realmente na Venezuela. Se assim fosse, as “guarimbas” – espécie de barricada montada pela oposição como estratégia recorrente de ataque – seriam tão conhecidas quanto todos os outros fatores que parecem fazer com que simples eleições regionais na Venezuela sejam mais importantes para a mídia do que, por exemplo, a possibilidade cada dia mais real dos EUA iniciarem uma nova guerra mundial.
Sem precisar recorrer à estatísticas, é muito provável que você, leitor(a), jamais tenha ouvido falar sobre as tais “guarimbas” com homens armados até os dentes com fuzis e bombas caseiras, fios de arame que decapitam motoqueiros, ou os “poopootov” (lançamento de garrafas cheias de excremento humano), ou ainda pessoas sendo queimadas vivas nas ruas e filmadas enquanto agonizam até o fim. Ou pior, você até já ouviu falar em tudo isso, mas acredita na versão de que foram crimes cometidos pela Guarda Nacional Bolivariana.
A verdade é que a ditadura (ou a crise) na Venezuela, como bem definiu seu Ministro das Comunicações, Ernesto Villegas, não passa do “maior fake news da história contemporânea”.
Por mais que a própria oposição venezuelana declare publicamente em suas páginas oficiais que todas as estratégias citadas acima (e outras) são aceitáveis, ninguém lê porque é invisível até para os pauteiros da grande mídia. E ainda que muitas vezes as críticas à violência do governo Maduro não tenham sequer uma imagem para fundamentar, essas são as notícias que interessam ao mainstream.
Aliás, muitas vezes há imagens sim, como as que a imprensa espanhola produziu horas depois de uma guarimba explodir cerca de 8 policiais em suas motos no meio de uma avenida de Caracas. O frame convertido em instantâneo, foi retirado de um vídeo produzido por uma das câmeras dos próprios policiais que vinham atrás dos que foram atingidos. A mesma imagem foi reproduzida nas capas de vários veículos, sem crédito, com títulos que criticavam a “repressão” de Maduro. Uma notável e descarada manipulação.
Nesse mesmo dia, o jornalista venezuelano Luis Hugas, que acompanhava o grupo de militares em uma das motos (e quase foi atingido também), flagrou em video produzido para o Canal La Iguana TV, os correspondentes de meios internacionais escondidos atrás de uma das barricadas, ou seja, já preparados, poucos antes da explosão, no melhor estilo “se por acaso acontecer algo aqui”.
Não se trata de dizer que não há problemas, a Venezuela vem sofrendo uma pesada guerra econômica precisamente por um equívoco do próprio projeto chavista. Quando Hugo Chávez chegou ao poder, todo o recurso bilionário do petróleo venezuelano era destinado unicamente à elite que controlava o país. A radical transferência de renda iniciada por ele, produziu uma mudança profunda em uma sociedade miserável. A questão é que Chávez não só reduziu drasticamente a desigualdade no país, levando educação ou saúde gratuitos para a população, mas também iniciou um processo de conscientização política. No entanto, a manutenção da dependência econômica sobre uma única commoditie, fez com que a nação caribenha continue precisando importar quase todos os produtos que consome, porém usando como moeda os mesmo barris de petróleo que agora estão em baixa no mercado mundial. E são justamente os comerciantes – boa parte estrangeiros – a usarem a estratégia de retirar os produtos das prateleiras ou colocá-los a preços surreais, como única ferramenta política da direita que tradicionalmente não possui habilidade para construir bases de outra maneira.
Em uma série de vinhetas produzidas pelo canal venezuelano VTV, uma jornalista fala de sua indignação pelas últimas declarações do Depto de Estado norteamericano acerca da lisura das eleições venezuelanas e finaliza dizendo: “Venezuela é garantia de paz na América Latina”. De fato, esse é o ponto.
Depois de passar décadas com pouco interesse sobre o que ocorria na América Latina (mais concentrados em regiões como o Oriente Médio e o Norte da África), os EUA sob Trump decidiram redirecionar seus canhões para nosso continente. Não é coincidência que, ao mesmo tempo em que o mundo está tremendamente interessado em saber qual será o novo governador de Táchira, os EUA tenham reiniciado sua política de bloqueio econômico-financeiro impondo o chamado “Nica Act” à Nicarágua, sob o batido pretexto de promover a “democracia” no país centro-americano. O problema dos EUA com a Nicarágua, Venezuela, Bolívia, ou Cuba é o mesmo: controle dos recursos e combate ideológico.
E a Venezuela parece ser a peça que pode colocar em xeque toda a região, agora que Trump vem ameaçando com uma intervenção armada, que aliás, parte da oposição venezuelana tem a indecência de pedir textualmente em canais de TV privados pelo país. Subserviência e vira-latismo que mais parecem a nova epidemia desses tempos.
O fato é que mudam os presidentes mas a estratégia yankee não muda. Num primeiro momento, financiam grupos opositores protofascistas na tentativa de promover golpes parlamentares que permitam um alinhamento à sua geopolítica de interesse para a região, como é o caso do Brasil ou Paraguai (que por casualidade tinham nesses momentos a mesma embaixadora norteamericana, que também por acaso foi por anos quem esteve à frente da USAID para América Latina).
E assim como ocorrido no Iraque ou na Líbia, quando a intervenção via “revoluções laranjas” não é suficiente e torna-se necessário recorrer às armas, a primeira a atingir o país-alvo da vez é sempre a propaganda, difundida com muita eficiência (e cumplicidade) pela imprensa internacional.
Convencida a opinião pública de que é preciso intervir, não há problema caso depois alguém se dê conta de que se equivocou ou “pesou a mão”, basta recorrer à indústria Hollywoodiana e produzir algum enlatado (com cara de mea culpa e jeito de planejado) ou apenas, como é o caso da Líbia, jogar no limbo do esquecimento midiático o país que estava todos os dias no noticiário enquanto era importante convencer a todos de que era necessário destruí-lo, sob o irônico pretexto de “salvá-lo”. O problema com essa estratégia em relação à Venezuela (para aqueles que desde fora defendem essa absurda possibilidade), é que um ataque ao país certamente vai ter consequências regionais graves e cuja extensão é difícil de prever, inclusive para o Brasil e todos os países que lhe fazem fronteira.
O mais curioso, é observar como a narrativa hegemônica faz com que qualquer país que demonstre ter um forte sentido de soberania enraizado em sua cultura, passa a ser ridicularizado e seus líderes tratados como loucos. O mundo parece mesmo convencido bovinamente de que o único país ao qual é permitido esse sentimento é aquele que por décadas vem tentando controlar todos os outros. Resta saber se vamos mais uma vez assistir impassíveis a tudo isso.
7 respostas
Em nossa dita cuja de 1964-1985 sempre houve eleições, existia até Congresso nacional, mas era DITADURA.
Sugiro ao Guilherme, que more um ano na Venezuela e disfarçadamente participe de uma manifestação contra o governo para ver como a democracia venezuelana trata seus opositores! Será que vai? Vai nada!
Excelente artigo, Juliana!
O povo fugindo do país que promove uma imensa democracia…sei
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/02/internacional/1501678213_523507.html
Juliana, você já parou pra pensar nos milhares de venezuelanos que fogem para o Brasil? Será que o seu chefe o Maduro, já? Preste mais atenção nas milhares de crianças e idosos que estão morrendo pra este senhor fazer a sua “democracia”. Pra ele o Brasil, a Colômbia, os EUA, são os principais responsáveis pela crise de falta de capacidade de si…
Estou lá a cada 90 dias, isto nos últimos 12 anos! Acredito que para uma pessoa escrever tanta besteira defendendo um governo tão corruptoras, ou deve ter ganhado muito dinheiro ou é uma pessoa totalmente desequilibrada. Quero ver publicar isso!