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Desejo sem algoz e sem refém

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Elisa Lucinda

Me lembro quando ainda fazia teatro amador no Espírito Santo e também trabalhava como jornalista. Meu chefe-editor, uma vez ficou massageando meu ombro, eu sentada escrevendo texto e ele perguntando baixinho e dubiamente: “Já terminou? Tá ficando bonitinho?” Lembro o quanto era constrangedor. O quanto aquilo me incomodava e eu tentava deixar claro ou não disfarçar o que era explícito do meu incômodo. A sensação que eu tive é de que aquilo durou horas e deve ter sido segundos. Só que a nossa geração não sabia que isso se chamava assédio. Não o nomeávamos. Era como se fizesse parte. Fomos criadas para nos defender dos homens, para escapar deles. Só isso. Embora eu me visse impedida de falar sobre o que estava acontecendo, como se me faltasse factualidade, como se a possível acusação que eu fizesse pudesse se perder na névoa da subjetividade das interpretações e acabar se voltando contra mim, ainda assim , meu corpo tentava um protesto tímido que fosse , mas que exacerbasse o constrangimento e o desconforto da cena. Eu não sabia que era silenciamento a ausência de minha palavra naquela hora. Logo eu.

 

Mas do que estamos falando? De um contexto em que uma moça negra, inserida no estigma da “mulata brasileira”, recém formada no primeiro curso de jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo e que, por competência, ocupava tal posto num ambiente predominantemente masculino e branco. Era barra pesada. Mas o nosso feminismo, isso não faz tanto tempo assim, ainda não havia nos levado a esse olhar; estávamos desfrutando das pílulas, das escolhas, tomávamos anticoncepcionais antes mesmo de começarmos a ter vida sexual. A geração de minha irmã, mais velha que eu, tinha “rasgado sutiãs”, envolta numa onda do feminismo internacional, e no começo do casamento de minha mãe, ela e as das sua geração lutavam para que os maridos permitissem que usassem calça comprida e trabalhassem fora. Nesta época vivíamos sem questionar essa dupla cauda do cortejo masculino, a cantada, o galanteio. Resvalar para o assédio, o abuso, a invasão, a grosseria e o estupro, é coisa que caminhou sempre numa linha muito tênue. Como o território do corpo feminino foi historicamente calado, mutilado, emudecido, negociado e desfrutado para uso de seus donos, normatizou-se o trânsito sobre este corpo feminino de maneira tal que a história nos obriga a fazer um feminismo em camadas e cada tempo prioriza uma, em cada tempo encara sua etapa.

O feminismo de agora é fruto do que foi feito antes e está se caracterizando por uma inevitável onda configurada pelo que estamos chamando da era do fim do nosso silêncio. Time´s up. É tempo de desconstrução. Reformatação do que entendemos até como romantismo. Ainda existem mulheres com triplas jornadas de trabalho que, afoitas ,têm que correr para casa porque os maridos não gostam que elas cheguem depois deles. Exigem que já estejam em casa quando chegarem. Elas ainda não vêem como controle o dito “ ciúme” , o domínio do tempo dela e de seus horários, a medida e os decotes de suas roupas, e outros despotismos de fórum íntimo. No entanto, o mundo todo se conecta e cada vez mais vozes femininas assumem a plataforma de suas narrativas e, sem o silêncio, nada mais poderá ser detido debaixo do tapete. A garantia do nosso silêncio sempre foi o grande cúmplice do nosso algoz. Sempre protegeu o assediador. O cara sempre se sentiu à vontade para dizer as coisas mais violentas, invasivas e principalmente não desejadas pela vítima, objeto do suposto “galanteio”, porque sabe que a mulher “direita”, “digna”, bem-educada, ficará em silêncio. Se abrimos a boca, desfazemos o jogo, ferimos suas regras, revelamos nosso descontentamento. O novo tempo exige educação de homens e mulheres. Atualização. É tempo de desconstrução, repito. Algumas ilusões caíram brutalmente por terra, não lamentemos. Eram ilusões.

O machismo e a falocracia são tão berrantes e abusivos e estão, em nosso olhar crítico, representando um lugar de tamanho privilégio para os homens, que nem notamos os danos que os mesmos causam aos mesmos homens e às tentativas da humanidade em caminhar para uma sociedade mais harmônica, menos competitiva, menos violenta.

 

Na educação masculina, na contrapartida do nosso silêncio como bons modos, aos meninos foi ensinado “mexer” com a mulher quando ela passa. “É sua obrigação de macho”. Já cansei de observar alguns que “mexem” rapidamente, timidamente, como se tivessem que fazê-lo, como se aquilo os oprimisse. É como se ele tivesse vergonha mas não pudesse evitar. É como um TOC, um transtorno. Ele se sente obrigado em falar alguma coisa, senão não é homem. Algumas mulheres da minha turma na universidade, entre elas, eu, gostavam de confrontá-los: “Você é muito gostosa” (o sujeito dizia meio entre dentes). O que é que você disse? Eu voltava a ele perguntando. Geralmente o cara corria, se tivesse de carro acelerava como se tivesse medo. Muitos até hoje o fazem igual.

 

Os homens precisam se reunir mais e mais entre eles, discutir essa cadeia de privilégios duvidosos onde literalmente se meteram e se foderam na emoção, na manifestação de suas sensibilidades, na drástica redução de sua subjetividade ao pobre binário modelo masculino: Ou é babaca e brigão, ou é sensível e viado. Deu em guerra. Deu em dor. Deu em massacre em muitas sensibilidades, deu em sufoco no coração de muitos meninos.

 

Sou do feminismo contemporâneo. Mulheres desse novo tempo me ensinam e me sinto muito confortável em dar nome de assédio a tantos infortúnios que sofremos. Nossas novas narrativas deixam claro o equívoco da carta da França, a comentada carta encabeçada por Catherine Deneuve e outras atrizes em franco contraponto à porrada substanciosa da negra power Oprah Winfrey. A carta da França é um equívoco porque autoriza as violações do território feminino das quais estamos cansadas e que, por não estarmos mais silenciadas, fizemos dessa fratura uma coisa exposta. Não se trata aqui de um feminismo agressivo e intolerante. Nenhuma de nós quer que homem acabe. Ninguém quer deixar de ser chamada de bonita. Nem de ser elogiada no social. É muito difícil alguém se voltar contra o afeto. Não é isso que queremos. Não é o fim da cantada, não se trata aqui duma ameaça à todas as possibilidades de manifestação do desejo. Oprah, grande e carismática comunicadora, foi muito contundente e não deixou dúvidas: Dedicou sua fala à milhares de mulheres que, por terem filhos, não puderam romper com o laço trabalhista abusivo que as oprimia. Suportaram, caladas, assédios normatizados dentro das empresas, em silêncio, num mercado que ainda paga menos a mão de obra feminina. O ardil de tantos anos de abuso fez também com que tivéssemos medo de sermos tratadas como vilãs e não como vítimas: “Ela que seduziu”. “Ele é homem fez o papel dele”. Em nome dessa moral, muitas mulheres foram mortas, assassinadas em nome da honra, enquanto advogados de defesa usavam bizarros argumentos apoiados nesta “justiça”: Que homem não faria o que este homem fez?”

Há pouco tempo, um namorado mais jovem do que eu, insistia em me beijar enquanto eu tentava explicar para ele, que não nos víamos há 6 meses, que havia uma distância que havíamos percorrido um do outro e que pra gente voltar a se relacionar teríamos que recuperar nossa proximidade. Enquanto eu dizia isso com calma, ele tentava me puxar pra ele, ignorava o que eu dizia. Continuei. Não quero te beijar agora, quero que a gente compreenda que está acontecendo alguma coisa que tem nos afastado. Mas ele prosseguia, insistente, como se tudo que eu dizia fosse uma cena. Tinha descrédito e quase desprezo pelas minhas palavras de limite físico para ele, além de uma estranha e antiga certeza de que, ao final, eu “cederia” e que, meu não se transformaria num sim. Achei aquilo, sobretudo, antiquado. Um jovem de 35 anos?! Pára, eu não quero te beijar agora, me escuta! Eu disse. E ele: “Você não vê que eu estou agindo assim por que estou morrendo de saudades? Você não entende?” Mas essa mão é dupla, meu querido, e isto que você está puxando é o meu corpo; meu corpo, minhas regras! Ele então deu um risinho e soltou o que seria responsável por sua “sentença”: “Ai, tá muito feminazzi”. Olhei profundamente em seus olhos e disse: Descobri o nosso problema, você é muito velho para mim!

Entendo que estamos diante de um novo normal se estabelecendo. Mitos fortes rolam pela escada. Há muito o posto de rainha do lar já não nos atrai. Estamos reescrevendo o feminino nas tábuas do agora. Esta confusão que tenta acusar o protesto das americanas, das brasileiras e outras feministas do mundo de puritanistas não colará. Há muito levamos camisinhas em nossas bolsas pessoais, estamos namorando com liberdade, e os filhos, há um bom tempo, transam nas casas dos pais. É uma extemporaneidade falar de puritanismo numa hora dessas, momento em que lésbicas, trans, travestis, gays cada vez mais asseguram seu direito ao livre amor e à cidadania. Embora a carta da França nos acuse de puritanismo, seu discurso é que é conservador e nele, abertamente, incentiva e perdoa, mais uma vez, o abusador. Ora, ninguém quer perder o olhar de ninguém e nem deixar de ser desejada. Se há consenso entre as partes estão também presentes os seus gostos, suas formas particulares de sedução. Ninguém manda nisso. Mas, para quem tem dúvida do que é abuso ou não, para quem ainda não sabe distinguir um sorriso delicado e charmoso de uma violação, a chave está no consenso entre os amantes ou entre os envolvidos. Marisa Monte foi clara “se não existe algoz e nem refém, amar alguém só pode fazer bem”.

Elisa Lucinda, Verão quente, 2018, sob o sol de janeiro.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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