Uma falsa dicotomia tem dado a tônica do golpe jurídico-midiático armado por setores insatisfeitos com a vitória de Dilma Rousseff em 2014. Mais do que uma narrativa que contrapõe as massas que vestem o verde e amarelo, das que vestem o vermelho, a ebulição das ruas aponta para uma crescente vontade de mudar, e sobretudo, para um povo que retomou o sentido das disputa das ruas em seu futuro político.
Março de 2016 também teve seus momentos históricos para Manaus. Acompanhando as manifestações que ocorreram no Brasil, a capital amazonense reuniu milhares de pessoas no dia 13 de março na Ponta Negra – um dos bairros mais ricos da cidade -, a favor do impeachment da presidenta Dilma e no dia 18 de março, contra o impeachment e em defesa da democracia, no centro histórico da cidade.
A disputas narrativas dos dois protestos seguem acirradas até o momento. De um lado, uma maioria luta para dizer que a multidão verde e amarela não compactua com discursos de ódio ou desejam uma volta à ditadura militar, de outro, uma tentativa de afirmar que se existe insatisfação com o governo, que ela se manifeste dentro do estado democrático de direito, respeitando a constituição e seu processos legais.
As diferenças sociais são evidentes. Enquanto no dia 13 o ato foi realizado em um complexo turístico, atraindo sobretudo a classe média manauara que compareceu de forma despolitizada, reduzindo seus anseios a uma espécie de festa colorida e xingamentos rasteiros, no dia 18, negros, índigenas, brancos e pardos caminharam lado a lado durante mais de 3 horas pelas principais ruas do centro entoando rimas afirmativas.
A politização desnivelada também é evidente no discurso geral, onde uma participante da manifestação pró-impeachment ainda dizia: “Eu não me considero nem de direita e nem de esquerda, apenas estou aqui para lutar contra a corrupção e por um país melhor”, evidenciando a pouca familiaridade com o espectro ideológico.
Já na manifestação de esquerda em defesa da democracia, o presidente da UJS Amazonas, Yann Evanovick – que no passado foi capaz de manifestações bem mais exaltadas – destacava a necessidade de união: “É por isso que mais de 20 mil pessoas vieram hoje às ruas de Manaus, para dizer não ao golpe e em defesa da democracia. Mas também dizer ao povo brasileiro que é preciso arrancar o ódio que tenta se infiltrar em nosso meio, é preciso que a gente tenha nesse momento muita sabedoria para superar esse momento com união”.
Assim como as defesas de Dilma e Lula vieram acompanhadas também de críticas à forma como a investigação da operação Lava Jato vem sendo conduzida pelo juiz federal Sérgio Moro. A medida que este foi tornado o novo herói da mídia retrógada, Moro foi lembrado no Centro com desconfiança pelos manifestantes. Enquanto Cunha e Aécio passam batido pelo crivo do juiz, Lula virou sua mais nova obsessão e é justamente esse desequilíbrio entre os investigados que incomoda boa parte dos manifestantes que foram ao Centro, que acreditam cada vez mais que a justiça é seletiva.
A questão da mulher é outro ponto que marca a diferença entre os participantes dos dois atos. Na manifestação do dia 18, as mulheres eram maioria e não foi à toa que em muitos momentos elas puxavam o grito “no meu país eu boto fé porque é governado por mulher”, enquanto na da Ponta Negra se utilizava de machismo pesado em diversos cartazes para mostrar sua insatisfação com o governo de Dilma.
Provavelmente nenhum dos pontos marca mais a diferença dos dois momentos do que a relação com a imprensa. No ato a favor do impeachment, claramente inflado e estimulado pela mídia tradicional, não se via nenhuma manifestação crítica, e sua cobertura foi intensa, com grandes destaques, e uma construção narrativa de celebração, além da própria construção de um discurso unificado – algo que é evidente não ser unânime entre os participantes.
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O dia em que coxinhas e mortadelas se encontrarem, aí estaremos no caminho de construir um projeto para o país.