Crise Hídrica: “Preservar é mais vantajoso do que apostar em grandes obras” afirma pesquisadora da Califórnia

Preservar cada gota d’água, consertando os vazamentos da rede de distribuição de água, é um investimento muito mais vantajoso do que as atuais apostas em grandes obras de transposição no estado de São Paulo.

Essa é a visão de , Newsha pesquisadora da Universidade Stanford, uma das mais prestigiosas dos Estados Unidos, que esteve no Brasil em dezembro de 2014 para discutir, junto ao governo paulista, a crise hídrica de São Paulo.

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Newsha também é diretora do programa Water in West, que trabalha com alternativas de modelos de gerenciamento hídrico a serem implantados no Oeste dos Estados Unidos, onde, só na Califórnia, já se completaram quatro anos consecutivos de seca. Ela enxerga as grandes obras como investimentos “em uma fonte alternativa que não se sabe se vai estar lá ou não daqui a 30 anos.”

Confira e entrevista que ela concedeu por Skype para o Conta D’água:

Conta D’água — Você esteve aqui em São Paulo no ano passado, em dezembro, e li que você ficou muito surpresa quando viu que havia um rio no meio da cidade, cheio de água. Mas como está situação do Califórnia?

Newsha Ajami — Nós temos uma grande seca, este é o quarto ano. E nós não temos esse tanto de água. Nossos reservatórios estão quase vazios, e não temos tanta água neles, que são praticamente nossa fonte de água. O verão acabou, então estamos esperando que talvez o El Niño traga alguma chuva, mas, se continuar assim e não tivermos mais neve e chuva este ano, com certeza estaremos em uma situação muito crítica no ano que vem em relação ao fornecimento de água.

Conta D’água — Outra coisa que chamou sua atenção aqui foram os vazamentos em nosso sistema hídrico. O quão prejudicial é isso? O reparo é simples?

Newsha Ajami — É necessário tecnologia para identificar onde estão os vazamentos para depois consertá-los. Não é super fácil, mas é um reparo valioso, porque cada gota d’água que entra em seu sistema hídrico você tem que limpar, gastando uma grande quantidade de energia e de recursos para limpá-la e inseri-la em seu sistema. Então, quando você perde aquela gota d’água, é uma perda financeira, de recursos que já foram gastos no sistema. É algo que deve ser feito. Precisa de um grande investimento de capital, mas é um investimento mais vantajoso do que construir grandes aquedutos para trazer água de grandes distâncias para São Paulo.

Conta D’água — Sim, porque perdemos quase 30% de nossa água com esses vazamentos.

Newsha Ajami — E isto é um grande problema.

Conta D’água — A respeito desses grandes projetos para trazer água de outros locais, quais são as consequências futuras que eles podem trazer?

Newsha Ajami — Isto pode ser olhado por diversos ângulos. Uma das consequências é o fato de que em 20, 30, 50 anos poderá não haver água o suficiente para se desviar para São Paulo. Então eles estão basicamente confiando em uma fonte alternativa que não se sabe se vai estar lá ou não daqui a 30 anos.

“A população está crescendo e as exigências dessa população são maiores em relação ao acesso à água. Está se investindo uma grande quantidade de capital em algo que pode não ser confiável daqui a alguns anos.”

Além disso, é preciso pensar no montante de dinheiro necessário para se construir algo assim e nas consequências ambientais, obviamente. É uma infraestrutura que precisa de manutenção, não é algo barato e pode causar grande destruição no plano ambiental e do ecossistema do rio do qual você está retirando a água.

Conta D’água — A Califórnia também vem realizando grandes obras a fim de combater a crise hídrica?

Newsha Ajami — Na Califórnia, nós basicamente trazemos água de nossas montanhas. A neve derrete e vai a reservatórios, de onde é redirecionada para diversas regiões. Há grandes canos e aquedutos que transferem a água da região mais ao norte do estado para a costa oeste e a região sul, além de áreas agrícolas na região central. Nós fazemos o mesmo, mas não só retiramos a água dos rios, existe um sistema complicado de captação que depende da neve nas montanhas.

Conta D’água — Como lidar com a crise em relação ao crescimento populacional?

Newsha Ajami — A Califórnia é o estado mais populoso dos EUA e está crescendo. É um grande desafio, mas temos nos virado muito bem nos últimos vinte anos, mantendo o uso de água estável. Retiramos o mesmo montante de água de trinta anos atrás, a partir de diversas fontes. Estamos atendendo a demanda do crescimento populacional com a mesma quantidade de água [de trinta anos atrás]. Pode-se dizer, em outras palavras, que a produtividade que imprimimos para nossa água vem aumentando. Com cada gota d’água, cumprimos a demanda exigida pelo aumento de pessoas, pela agricultura e pela indústria. Em paralelo, muitas discussões vêm acontecendo aqui sobre os usos da água pelo homem e para a geração de energia, e o quão conectados esses sistemas estão.

Conta D’água — Aqui, em São Paulo, o governo demorou muito tempo para admitir que houvesse uma crise hídrica acontecendo, insistindo em negá-la. E na Califórnia?

Newsha Ajami — Não, não foi a mesma coisa. Estão definitivamente reconhecendo que há uma seca acontecendo e que estamos em uma crise hídrica. Não há negação nesse aspecto. Aconteceu que a seca pôs um holofote nos problemas de gestão da água que existiam e promoveu muitas discussões entre diferentes setores e porções da sociedade para falar sobre o que queríamos fazer, como iríamos sobreviver, como iríamos gerenciar nosso sistema hídrico de forma que ele fosse mais eficiente e sustentável. É um tópico sobre o qual todos falam e o gerenciamento do uso da água na seca, além dos desafios que vêm com ele, estão no topo das prioridades do governo.

Conta D’água — Desde o começo da crise?

Newsha Ajami — Sim, com certeza. É claro que o número de anos em que convivemos com a seca se estendeu, e os desafios aumentaram. Sem chuvas, os reservatórios não se enchem, e sempre recorremos às mesmas fontes. Então, a cada ano a situação tem se tornado pior do que estava antes. Nos primeiros anos de qualquer seca, de forma geral, você deseja que melhore e apenas espera. No terceiro, quarto ano, você começa a perceber que o problema pode perdurar por um longo tempo e que soluções precisam ser encontradas.

“Agora há um chamado oficial para a redução do uso da água, há uma grande campanha para a conscientização da população, para que ela entenda o que está acontecendo e não desperdice, para assegurar que as pessoas estejam conscientizadas.”

Conta D’água — Quais são as soluções de curto prazo em relação à crise que estão sendo tomadas na Califórnia e que não estão sendo realizadas em SP?

Newsha Ajami — Estive em São Paulo por um curto período de tempo, então não posso dizer de fato o que estava e o que não estava ocorrendo. Eles mencionaram que estavam concedendo bônus a quem economizasse água, que é um modo de lidar com a escassez e encorajar as pessoas a economizar água. Quase um ano se passou, então não tenho muita noção do que está acontecendo, mas a realidade é que aqui começamos a multar pessoas que estão desperdiçando água, aguando os gramados, lavando os carros e as calçadas.

Temos tido muitas discussões sobre como cobrar pelo fornecimento de água; há muitas coisas acontecendo, além da grande campanha de conscientização, com cartazes e folhetos nas casas das pessoas. Alguns sistemas que se comunicam com os clientes começaram a ser implementados para informar a quantidade de água que eles estão usando, e a comparação com os seus vizinhos. Além de incentivos financeiros para que a população mude os equipamentos de suas casas e investimentos para diversificar as nossas fontes de recursos hídricos, com captação de água das chuvas, para limpá-la e reutilizá-la.

“Vocês em São Paulo têm o rio Tietê no meio da cidade e poderiam criar sistemas de reúso dessa água, garantindo que ela não fosse poluída. Um dos problemas que há com o Tietê é que as cidades da região da nascente [Alto Tietê] depositam seu esgoto diretamente nele. Há muito que pode ser feito, mas o principal é proteger e conservar as fontes de água existentes e captar a água das chuvas.”

Conta D’água — Aqui em São Paulo há casos de pessoas que ficam cerca de quatorze horas no dia sem acesso à água em suas casas. Isso acontece na Califórnia?

Newsha Ajami — Não fizemos isso ainda. Conversei sobre racionamento com as autoridades brasileiras e elas entendem que ele remete à interrupção do acesso à água, mas não é o que fazemos aqui.

“A razão é que interromper o fluxo do sistema hídrico e depois fazê-lo funcionar novamente pode contaminar as fontes de água. Definitivamente não fazemos isso aqui.”

Conta D’água — E os riscos de contaminação são reais?

Newsha Ajami — Eles são reais. É preciso pensar que os canos sempre têm algum tipo de rachadura que podem entrar em contato com contaminantes do solo que os envolve, os quais vão se inserir neles através do vácuo que é formado [quando se fecha o registro]. Quanto mais vazamentos existem em seu sistema hídrico, as chances de contaminação são maiores.

Conta D’água — E a reutilização da água da chuva?

Newsha Ajami — Quando eu estava em São Paulo choveu o dia todo e as ruas ficaram cheias de água. Essa é uma ótima fonte hídrica que pode ser captada, e a parte boa é que ela é muito limpa, então é uma boa solução para a região de vocês, que tem grandes índices pluviométricos. É triste assistir à água escorrendo para os rios e se misturando com a água poluída de lá, o que é um grande desperdício.

Conta D’água — Quais são os desafios para o futuro?

Newsha Ajami — Aqui na Califórnia constantemente falamos sobre não confiar em apenas uma fonte de água, ter um extenso portfólio de soluções, ter várias opções. Estamos definitivamente progredindo e diversificando nosso portfólio de fornecimento de água, incluindo mais de uma solução e contando que elas sejam confiáveis e sustentáveis. É muito importante para nós termos certeza de que estamos usando a água da maneira correta.


Acompanhe a cobertura da crise hídrica no Contadagua.org

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