O Brasil terá um militar como presidente depois de 34 anos. Será um retorno retumbante: à sombra do capitão Bolsonaro e do general Mourão, ao subir a rampa do Palácio do Planalto, dia primeiro de janeiro de 2019, estará o Marechal Duque de Caxias, o Patrono do Exército brasileiro. É isso que o presidente eleito fez questão de ressaltar, com especial ênfase, na noite em que foi eleito, diante da única pergunta que respondeu ao único jornalista que pôde se aproximar do grande vitorioso da eleição de 2018.
– Durante a campanha, houve momentos de divisão entre os eleitores. Que palavras você daria agora para pacificar o país?, perguntou Paulo Renato Soares.
– Não sou Caxias, mas sigo o exemplo deste grande herói brasileiro, vamos pacificar o Brasil! — respondeu Bolsonaro.
Naquele mesmo momento, do outro lado de um aparelho de televisão, diversas lideranças do movimento negro pelo Brasil afora sentiram um frio na espinha ao ouvir o nome de Caxias. Sabiam que Bolsonaro estava mandando um recado.
Ao escolher o Marechal como seu referencial político, as histórias de Caxias — e as disputas de narrativas que se mantêm sobre sua figura — voltam a ser relevantes para o Brasil mesmo quase 140 anos além de sua morte. Qual Caxias e qual pacificação Bolsonaro evoca?
Militares x movimento negro: uma noite de maio de 1988
Luis Alves de Lima e Silva, o marechal Duque de Caxias, é um homem dos anos 1800, mas será um caso de 1988, já no fim do século XX, que servirá de introdução para esta história.
Diversos grupos do movimento negro do Rio de Janeiro organizaram, para a semana em que se completariam 100 anos da abolição da escravidão no Brasil, uma imensa marcha na avenida Presidente Vargas, no centro do Rio. Em vez de celebração, uma manifestação para denunciar o que chamavam de Farsa da Abolição e criticar o racismo no Brasil. Aquela noite foi um marco na história do movimento negro carioca e brasileiro, que se expandia com a abertura política. A ideia era percorrer a avenida desde a igreja da Candelária até o busto de Zumbi dos Palmares.
Movimento Negro faz Marcha contra a Farsa da Abolição em maio de 1988 — Arquivo: Januário Garica, foto retirada de www.projetomemoria.art.br
Mas o Exército simplesmente não permitiu! Alguns apontaram aquela como a maior repressão desde o fim da ditadura. Milhares de militares impediram a marcha de passar ao lado do Panteão de Caxias, uma monumental construção que recebe os restos mortais do Marechal e avança sobre a avenida Presidente Vargas, bem em frente ao Palácio Duque de Caxias, onde hoje encontra-se o Comando Militar do Leste. A desculpa dos militares para tamanho autoritarismo era de que os manifestantes pretendiam atacar a homenagem ao militar, uma enorme estátua que galopa sobre a avenida.
Não há qualquer prova de que havia esse plano. E as imagens e áudios do ato indicam que essa intenção de fato não existia. O desejo era marchar pacificamente até o busto de Zumbi. Mas por que esse medo, então? Segundo artigo do historiador Rodrigo Bueno de Abreu, a desconfiança se dava, entre outras coisas, porque figuras como Frei Davi (militante do movimento) defendiam uma revisão da história brasileira “no sentido de derrubar os “falsos heróis” e substituí-los pelos “verdadeiros””.
Documentário mostra detalhas da Marcha contra a Farsa da Abolição
Sobre uma cartilha elaborada por uma comissão de padres e religiosos negros, em 1987, editada pela editora Vozes, Frei Davi disse o seguinte:
“Na cartilha, nós estávamos propondo derrubar todos os falsos heróis e colocar no lugar os verdadeiros heróis. E elencávamos como um dos principais falsos heróis da história do Brasil o Duque de Caxias. E propúnhamos, portanto, derrubar todas as estátuas do Caxias do Brasil e colocar no lugar Zumbi dos Palmares”.
Estação Duque de Caxias do VLT X Movimento Negro: uma disputa de 2018
30 anos depois da Marcha da Farsa da Abolição, o nome e a memória de Caxias seguem em disputa no centro do Rio neste fim de 2018. A linha 3 do Veículo Leve sobre Trilhos está sendo construída em direção à Central do Brasil. A obra passa por cima da história dos negros do Rio de Janeiro — mais especificamente, sobre o que foi o Cemitério dos Pretos-Novos de Santa Rita, local dedicado a enterrar escravos recém-chegados à cidade entre a década de 20 e 70 dos anos 1700. A situação preocupou alguns grupos do movimento negro da cidade. Uma comissão foi criada para cobrar da Prefeitura do Rio e do VLT, que já construiu os trilhos sobre o cemitério, ações para valorizar ali, no percurso, a história da cultura negra da cidade.
Uma dessas ações sugeridas foi a de dar às estações do VLT nomes ligados à história negra da cidade. O VLT não aderiu à ideia e defendeu que as estações deveriam obedecer a nomenclatura do local onde estão. Assim, a estação em frente ao Panteão de Caxias se chamaria, pois, Estação Duque de Caxias!
— Perguntamos o nome das Estações. Nos responderam: “Estação perto da Central Duque de Caxias, mais a frente Camerino, mais a frente Santa Rita”. Nós dissemos “não queremos esses nomes! Principalmente Duque de Caxias, racista, assassino, esse nunca!” — disse um dos líderes da comissão, em audiência para debater a questão.
Linha 3 do VLT passa por cima do antigo cemitério dos Preto-Novos de Santa Rita. Movimentos negros não admitem a instalação da Estação Caxias
Como descrever Caxias de uma maneira objetiva?
Luis Alves de Lima e Silva nasceu em 1803, nas proximidades do Rio de Janeiro. Cresceu no centro do Rio, onde seu pai, também militar, morava. Por ali, ainda jovem militar, também serviu nos quartéis da região — um deles, virou o Palácio Duque de Caxias, onde está seu Panteão.
Ele foi o único homem a receber o título de Duque durante o Império do Brasil. Caxias foi protagonista de diversos momentos marcantes da política brasileira dos anos 1800. Ele debelou rebeliões por diversas partes do Brasil no período Regencial (1831–1840) e foi homem fiel ao reinado de Pedro II (1840–1889).
Esteve na Bahia (1823), no Maranhão (Balaiada,1838–1841), em Minas e São Paulo (Revoltas Liberais, 1842) e no Rio Grande do Sul (Farroupilha, 1835–1845). Além de um líder militar nos campos de batalha, Caxias atuava como negociador em muitas das discussões. Era firme contra quem enfrentava o projeto imperial, que tinha como objetivos principais a integração do território sob uma monarquia católica, o centralismo político e a conservação da base social e econômica escravocrata. Tudo justamente num período em que a escravidão era duramente enfrentada em quase todas partes do planeta.
Pintura que retrata o Massacre dos Porongos, que dilacerou os Lanceiros Negros, guerreiros negros da Revolução Farroupilha
Com a vitória do império sobre as revoltas provinciais, seja as populares, como no Maranhão, ou elitistas, como no Rio Grande do Sul, Dom Pedro II foi entronizado imperador do Brasil aos 14 anos, em 1840. Caxias viraria então um especial aliado do imperador, um líder do Partido Conservador. Foi presidente da província do Rio Grande do Sul, ministro da Guerra, presidente do Conselho de Ministros, participou de diversos gabinetes imperiais. Como deputado e senador, colaborou para a instalação de um hegemônico poder dos conservadores, projeto político conhecido como Saquarema, que lançou bases de diversas atividades do Brasil-Nação, como o ensino, as referências de pensamento e uma instituição de crescente ascendência, o Exército Nacional. Caxias era sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, primeira e mais importante instituição da historiografia brasileira.
Caxias, já mais velho, é também protagonista das mais volumosas operações militares no estrangeiro. Ele, que já havia lutado na Guerra Cisplatina (1825–1828), região da Argentina e Uruguai, foi fundamental também na Guerra do Paraguai (1864–1870). O Brasil saiu vitorioso das guerras após marchar sobre Assunção, e Caxias ganhou em importância. Ele morreu extremamente rico em 1880, com muitas terras e, possivelmente, ainda com muitos escravos.
O Império caiu em 1889, mas a figura de Caxias será eternizada durante a República de inúmeras maneiras. Ruas, avenidas, praças, prédios, cédulas de dinheiro, no ensino da história: Caxias se tornou aquilo que poucos brasileiros conseguiram, um herói nacional.
Em 1949, no governo do militar Eurico Gaspar Dutra, os restos mortais de Caxias e de sua esposa deixaram o cemitério do Catumbi em direção ao Panteão de Caxias, instalado no lugar mais prestigiado na República, na recém-inaugurada avenida Presidente Vargas, ao lado da Central do Brasil, centro pulsante da Era Vargas.
Em 1962, na antessala do golpe militar, o Exército consagrou Caxias como o Patrono do Exército. Durante os 21 anos de governos militares, a história desse “gigante do civismo brasileiro” — predicado que está no título da obra de Paulino Jacques (1980) — será valorizada pelos militares como conteúdo obrigatório da disciplina de Educação Moral e Cívica.
Versões sobre Caxias I: a de Bolsonaro
A introdução deste livro de Paulino, que rodou as escolas do Brasil, expõe contundentemente quem é Caxias para este projeto de memória, que agora Bolsonaro assina embaixo.
“Não se forja uma nação sem muita vitalidade e espiritualidade. (…) Uma grande nação nasce do espírito de um povo que sabe querer e desejar com vigor. A construção de uma grande pátria é verdadeira obra de arte, que consiste em obter, pelos mais variados recursos, a união nacional, união forjadora das grandes nações. Neste sentido, a lição pacificadora de Duque de Caxias, que, reunindo todas as virtudes civis e militares, fortaleceu a unidade nacional, é o melhor caminho para realizarmos um Brasil grande e forte.
(…) O insigne (ilustra) Marechal Duque de Caxias, durante mais de meio século, brandiu o gládio (espada) para convencer e harmonizar brasileiros inconformados, tanto quanto para submeter e amparar estrangeiros irredentos”.
A narrativa de um homem duro, viril, um pacificador da espada, capaz de “convencer e harmonizar brasileiros inconformados” se espalha pelo país. Na biografia resumida oficial do Exército, Duque de Caxias é figura de destaque de pretensos acordos de paz, como no caso do “Poncho Verde” na Revolução Farroupilha. “Pois, com justa razão, proclamam Caxias não só Conselheiro da Paz, senão também o Pacificador do Brasil — epíteto perpetuado em venera nobilitante”.
A ver pelas declarações de Bolsonaro, a versão que o presidente eleito corrobora é esta: Caxias é o militar dos militares que, através da espada, “convenceu” e “submeteu” “inconformados e irredentos” para “pacificar” o país.
Versões sobre Caxias II: a versão dos irredentos
Irredento surge no dicionário como aquele que não foi redimido, aquele que não conseguiu redimir. São muitos que não aceitaram as condições, as mortes, as prisões e a escravização durante os mais 60 anos de luta contra o império brasileiro e, portanto, contra Duque de Caxias. Contar mortos em guerra nunca foi algo fácil, mas nos anos de 1800 eram ainda mais difícil. De toda forma, a contabilidade de mortos nas missões de Caxias impressiona: centenas de milhares na Guerra do Paraguai, dezenas de milhares nas revoluções populares do norte do país e mais alguns milhares na Revolução Farroupilha.
Entre revoltas populares e elitistas, a diferença do tratamento dos exércitos de Caxias impressiona. Enquanto era implacável contra escravos e outras classes inferiorizadas, mantinha diálogo muito mais cortês com as elites. Notícia do Jornal do Comércio de 1838 registra que Caxias trabalhou também na captura de escravos, atividade que era dividida entre privados e militares durante o segundo império.
O jornalista e historiador Juremir Machado é um dos mais dedicados à revisão da história da Revolução Farroupilha e, portanto, da figura de Caxias. Ele garante que a Caxias não cabe a memória de um pacificador.
“Caxias não foi um pacificador. Historicamente falando, ele não foi um pacificador. Ele teve um papel importante como homem conservador que era, ligado à alta esfera política do período regencial. Caxias teve um papel de sufocador as rebeliões nas províncias. Teve um triste papel, a bem da verdade, no Maranhão, onde asfixiou a Balaiada. Ali era uma revolta popular, absolutamente popular. Nesta situação o que se tem é um Caxias absolutamente a serviço — não da pacificação — mas do sufocamento. Claro, se pode entender isso como pacificação na medida que não sobrou muita gente para discordar.
Na Farroupilha, ele teve um papel com alguma diferença. Ele veio para sufocar a Revolução, trabalhou muitas vezes com os mesmos métodos da Balaiada, e ele atingiu o seu objetivo. Mas no Rio Grande do Sul, uma revolução da elite, foi preciso fazer concessões ao final. Não houve um tratado de paz, como se diz muitas vezes, mas o Império aceitou algumas concessões de anistiar os principais líderes. Caxias pegou mais leve. Mas de pacificador ele não teve nada.
Detalhe do quadro Batalha do Avaí, óleo de Pedro Américo sobre um dos últimos episódios
Na Guerra do Paraguai, ele foi um ás da negociação, mas também um militar responsável por asfixiar movimentos de insurreição e de sedição. Assim, por ter vencido, colaborou para a unidade da nação, mas não no sentido de pacificação, a não ser pela pacificação pela eliminação. Foram milhares de mortos”, disse, em entrevista, Juremir.
O historiador Rodrigo Perez Oliveira, da Universidade Federal da Bahia, é mais um que contesta a figura de Caxias como pacificador. Ele utiliza o trabalho da historiadora Adriana Barreto “Duque de Caxias — o homem por trás do monumento” para descrever a carreira de Caxias como de “muita violência”.
“A pacificação é um tipo de memória que positiva essa figura. Mas há outras perspectivas. Havia um projeto de nação, cuja base produtiva era a escravidão, com vínculos com a Igreja Católica e coordenada a partir do Rio de Janeiro. Caxias era o braço militar deste projeto de nação Saquarema. Mas no período regencial, pelo Brasil, se viram muitas rebeliões provinciais com projetos de nação alternativos, muitos de teor separatista. Então o que foi a pacificação? Foi Duque de Caxias indo a campo e sufocando na violência essas revoltas. A pacificação foi um processo violentíssimo, de imposição de um projeto de nação, de uma monarquia católica e escravocrata, controlada pelo Rio de Janeiro, contra outros projetos alternativos que questionavam esse stablishment.
Quando o Bolsonaro evoca Caxias, essa memória é seletiva, como toda memória é. Ele está mobilizando uma alegoria de um país dividido rachado, entre petistas e antipetistas, e ele está se propondo a ser um pacificador. Mas os desdobramentos dessa alegoria podem ser cruéis e muito perigosos. Porque Caxias “pacificou”, entre aspas, na violência, na intensa violência. E eu não acho que o Bolsonaro esteja longe disso” disse, também em entrevista, Rodrigo Perez.
Juremir Machado, em “História Regional da Infâmia — O destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras”, destaca a violência de Caxias ao final da campanha no Maranhão.
Ao final da balaiada, a insurreição negra que desbaratou no Maranhão, onde ganhou título de nobreza e nome de Caxias, Lima e Silva exprimiu-se claramente em relatório: “Não existe hoje um só grupo de rebeldes armados, todos os chefes foram mortos, presos ou enviados para fora da província… Se calcularmos em mil os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o numero dos capturados e aprisionados durante o meu governo passante de quatro mil, e para mais de três mil os que reduzidos à fome e cercados foram obrigados a depor as armas depois da publicação do decreto de anistia, temos pelo menos oito mil rebeldes; se a estes adicionarmos três mil negros aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e despovoando as fazendas, temos onze mil bandidos que com as nossas tropas lutaram, e dos quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais: toda esta província o sabe”.
A pacificação que Bolsonaro é com ou sem banho de sangue incluído?
O que aflige as populações irredentas, que não querem simplesmente se redimir às decisões do governo Bolsonaro é que, como Caxias, Bolsonaro promete ser implacável. Em pronunciamento uma semana antes das eleições, o então candidato subiu o tom e disse que iria “varrer do mapa esses bandidos vermelhos”. O recado era direcionado ao PT e aos maiores movimentos sociais do Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e o Movimentos dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).
Longe de ser apenas uma disputa por perspectivas de história sobre um personagem da nossa história, o debate, em toda sua complexidade, expõe um país rachado entre aqueles que acreditam — ou dizem acreditar — que haverá uma “pacificação” do Brasil através da espada e aqueles que não irão tolerar que, em nome de uma “pacificação”, um banho de sangue negro, pobre e indígena ocorra no país.
Nesta semana, no Panteão de Caxias, as opiniões dos apressados pedestres variavam, é claro. Enquanto a maioria admitia não saber quem foi Caxias, os eleitores do Bolsonaro mantinham confiança no presidente eleito:
— Eu sou mais linha dura, sabe? Acho que tem que botar ordem, assim como fez Caxias, como fizeram no regime militar e como Bolsonaro vai fazer.
Outros, oposição a Bolsonaro, desconfiavam. Trocavam as épocas, mas sabiam o que queriam dizer.
— O Bolsonaro é bicho muito ruim. Elogia torturadores da ditadura. Caxias é mais um! Não aceita grupos rivais! Sou contra!
Na manhã do dia 28 de setembro de 2018, a imprensa noticiou que o ministro do STF Ricardo Lewandowski autorizara Lula a conceder uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Em um grupo no Telegram, os procuradores imediatamente se movimentaram, debatendo estratégias para evitar que Lula pudesse falar. Para a procuradora Laura Tessler, o direito do ex-presidente era uma “piada” e “revoltante”, o que ela classificou nos chats como “um verdadeiro circo”. Uma outra procuradora, Isabel Groba, respondeu: “Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”
Eram 10h11 da manhã. A angústia do grupo – que, mostram claramente os diálogos, agia politicamente, muito distante da imagem pública de isenção e técnica que sempre tentaram passar – só foi dissolvida mais de doze horas depois, quando Dallagnol enviou as seguintes mensagens, seguidas de um áudio.
28 de setembro de 2018 – grupo Filhos do Januario 3
Deltan Dallagnol – 23:32:22 – URGENTE
Dallagnol – 23:32:28 – E SEGREDO
Dallagnol – 23:32:34 – Sobre a entrevista
Dallagnol – 23:32:39 – Quem quer saber ouve o áudio
Dallagnol – 23:33:36 –
Leia a matéria completa no site do The Intercept Brasil:
Os bolsonaristas, muitas vezes eleitos com apoio da Grande Mídia, agora deram para atacar e ameaçar jornalistas que não passam pano para ilegalidades. Incensada pela imprensa tradicional de Mato Grosso quando aceitou a delação premiada do ex-governador Silval Barbosa (MDB) e o condenou a 13 anos e 7 meses em 2017 (mas permitiu o cumprimento da pena em casa), por exemplo, a então juíza Selma Arruda foi apelidada de “Moro de Saia”. Sob os holofotes favoráveis dos jornais, Selma se aposentou da magistratura e se candidatou, com o apelido na propaganda eleitoral, ao cargo de senadora pelo Partido Social Liberal (PSL), o mesmo de Bolsonaro. Ganhou fácil!
Depois disso, sua relação com o “modelo” não mudou. No último dia 19 de junho, por exemplo, durante depoimento do ex-juiz e atual ministro da justiça e segurança pública, Sérgio Moro, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a senadora fez questão de dizer que “É absolutamente normal juiz conversar com o Ministério Público”. Moro respondeu com elogios: “É normal uma discussão de logística. Tem aqui a senadora Selma, que atuou muito destacadamente como juíza lá no Mato Grosso, teve várias operações, é normal depois da decisão proferida haver uma discussão sobre questão de logística, quando vai ser cumprida, como vai ser cumprida, e eventualmente pode ter havido uma mensagem nesse sentido. Isso não tem nada de revelação de imparcialidade ou conteúdo impróprio”, disse. Nenhum dos dois comentou, nem de leve, a condenação unânime do Tribunal Regional Eleitoral, em abril, à perda do mandato por caixa dois. Ela e seus dois suplentes, também cassados, não conseguiram mostrar ao tribunal a origem de R$ 1.2 milhão gastos na campanha.
Com a revelação do caixa dois, as relações da senadora com o jornalismo sério passaram a uma nova fase. Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral analisa em segunda instância se ela deverá ou não deixar o cargo, Selma aproveitou as câmeras da TV Senado para insinuar que a atuação do jornalista Glenn Greenwald, vencedor dos maiores prêmios mundiais de jornalismo, não é profissional, mas guiada por interesses políticos. “O sujeito que vazou é marido do suplente do Jean Wyllys. Ele é intimamente ligado, né. Politicamente, óbvio que é uma estratégia para colocar em dúvida a atuação do juiz e do Ministério Público”, afirmou. Sobre as suas intenções políticas ou as de Moro quando ainda estavam na magistratura, não houve uma única palavra.
Na imprensa matogrossense, a antigamente sempre disponível magistrada passou a escolher com quem conversar. Na semana passada, por exemplo, foi procurada pelo jornalista Lázaro Thor Borges, do jornal “A Gazeta“, o maior diário do estado, para comentar uma reportagem, com dados oficiais obtidos a partir da Lei de Acesso à Informação e do Portal da Transparência, sobre salários de servidores públicos acima do teto constitucional. Via aplicativo de mensagens, a senadora respondeu com xingamentos e, novamente, insinuações de interesse político acima do jornalístico. “Tadinho, você é ridículo. Nem li nem sei do que você está falando. Sua opinião não faz efeito na minha vida e nem na de nenhum matogrossense”, escreveu a parlamentar. Borges, educadamente, respondeu apenas: “tudo bem, senadora”. Mas ela não parou por aí. Além de chamá-lo novamente de coitado e mandar “catar coquinho”, ainda o chamou de “retardado”, ao que Borges respondeu: “É só meu trabalho, senadora”.
A reportagem, publicada no dia 22 de junho e que infelizmente não está disponível online no portal do jornal, trazia o valor mensal líquido de R$ 53,8 mil desde de março desse ano, mais de R$ 14 mil acima do teto de R$ 33,7 mil recebidos pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. De acordo com a matéria, apenas 11 dos 84 magistrados aposentados do Superior Tribunal de Justiça de Mato Grosso receberam acima do teto em abril, mês do levantamento. Os ataques da parlamentar ao jornalista foram repudiados em editorial dojornal, que publicou os prints das telas do celular mostrando as grosserias da senadora. Os as respostas mal criadas ao profissional também sofreram grande condenação do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, em nota também assinada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Está passando da hora de TODOS e TODAS jornalistas se unirem para barrar o crescimento do fascismo e as das ameaças aos profissionais, à liberdade de imprensa e à própria democracia.
O deputado do PSOL Glauber Braga (PSOL/RJ) desestabilizou os parlamentares governistas nesta terça-feira (2), na Câmara dos Deputados, ao dizer que o ex-juiz e atual ministro da Justiça Sérgio Moro passará para a história como um “juiz ladrão e corrompido”.
As palavras duras do parlamentar mexeram com os brios dos colegas que participaram da sessão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara para defender o ex-juiz das graves acusações de interferência no julgamento do ex-presidente Lula reveladas pelas mensagens trocadas entre ele e procuradores da operação Lava Jato.
Moro se esquivou da maioria das perguntas e voltou a tentar criminalizar o site The Intercept Brasil, que vem divulgando a conta gotas as mensagens. Acuado, o ex-juiz deixou a sala da comissão sob os gritos de “ladrão” e “fujão”. A sessão foi encerrada após um tumulto generalizado:
– “A história não absolverá o senhor, da história o senhor não pode se esconder. E o senhor vai estar no livro de história como juiz que se corrompeu, como um juiz ladrão. A população brasileira não vai aceitar como fato consumado um juiz ladrão e corrompido que ganhou uma recompensa pra fazer com que a democracia brasileira fosse atingida. É o que o senhor é: um juiz que se corrompeu, um juiz ladrão”, disse já sob os gritos da tropa bolsonarista.
Após o discurso, as redes sociais do deputado foram inundadas de xingamentos e mensagens de apoio. Ele agradeceu a solidariedade e voltou a provocar tanto Sérgio Moro como a militância que o defende:
– Obrigado pelas inúmeras mensagens de apoio ! E pra turma da extrema-direira que veio aqui desabafar, infelizmente não posso me desculpar. O herói de vocês feriu a democracia brasileira e recebeu a recompensa de Bolsonaro. E em linguagem bem popular, juiz vendido é juiz ladrão ! Boa noite. Fiquem bem!”, escreveu.
Esse não é o primeiro discurso de Glauber Braga que repercute no Congresso e na imprensa. Em 2016, durante a votação para a abertura do processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, o voto do deputado do PSOL também foi um dos mais comentados. Na ocasião, ele chamou de “gângster” o então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, atualmente preso, em Curitiba. E evocou figuras históricas da democracia brasileira:
– Eduardo cunha, você é um gangster e o que dá sustentação à sua cadeira cheira a enxofre. Eu voto por aqueles que nunca esconderam o lado fácil da história. Voto por Marighella, voto por Plinio de Arruda Sampaio, voto por Evandro Lins e Silva, voto por Arraes, voto por Luís Carlos Prestes, voto por Olga Benário, voto por Brizola e Darcy Ribeiro, voto por Zumbi dos Palmares, voto não.
Perfil
Glauber Braga é advogado, natural de Nova Friburgo (RJ), tem 37 anos e está filiado ao PSOL desde 2015. Ele exerce o quarto mandato na Câmara Federal. O primeiro assumiu como suplente, em 2007, quando ainda militava no PSB, e os demais foram exercidos como titular da vaga.
Braga ocupou a liderança da bancada do PSOL em janeiro de 2017. No ano anterior, disputou a eleição para prefeito de Nova Friburgo e ficou em 2º lugar.
Progressista, Glauber Braga realiza um mandato participativo defendendo bandeiras em defesa da democracia e direitos humanos. Está na linha de frente da luta no parlamento contra a reforma da Previdência.
O parlamentar do PSOL foi relator da Comissão Especial de Medidas Preventivas Diante das Catástrofes Climáticas, que gerou a primeira Lei Nacional de Prevenção e Resposta a Desastres Naturais (12.608): o Estatuto de Proteção e Defesa Civil. O estatuto foi sancionado pela Presidência em abril de 2012.
Em 2018, Glauber Braga foi escolhido pelo júri especializado do portal Congresso em Foco como o melhor parlamentar do Brasil.