Jornalistas Livres

Categoria: Saúde

  • Médica cubana assume secretaria de Saúde no norte do Rio

    Médica cubana assume secretaria de Saúde no norte do Rio

    Por Júlia Maria de Assis, especial para os jornalistas livres

     

    Não foram poucas as vezes em que ela teve que explicar que era sim uma médica e não uma agente comunista recrutada para a revolução armada que a esquerda queria fazer no Brasil, uma das muitas fake news envolvendo o programa Mais Médicos que inundaram as redes sociais de desinformação e preconceito. Foi preciso dialogar muito, desconstruir estereótipos e trabalhar duro.

    Hoje questionamentos como esse praticamente não existem mais. E a cubana Arleny Váldés integrou-se de tal forma à comunidade que a acolheu há pouco mais de cinco anos que acaba de ser nomeada secretária municipal de Saúde de São João da Barra, cidade de 35 mil habitantes no norte do Estado do Rio de Janeiro.

    Aos 32 anos, divorciada, sem filhos, Arleny tomou há dois anos uma das mais difíceis decisões de sua vida: permanecer no Brasil quando acabou seu contrato com o programa. Como consequência só pode voltar a Cuba em 2025. Sente saudades dos pais, avós, irmãos e sobrinhos – a última vez que viu a família foi em fevereiro de 2016, quando viajou de férias para casa –, mas não se arrepende da escolha. Sua mãe vem ao Brasil pela primeira vez no final deste ano para visitá-la e enquanto tenta segurar a ansiedade se dedica ao novo desafio de cuidar das políticas públicas de saúde no município.

    Reforçar a atenção primária é prioridade para ela. E nem mesmo o momento de desmonte vivido no país a desmotiva. “Há uma involução na atenção primária, no SUS, mas a população e os profissionais na ponta resistem, lutam para manter as políticas de saúde pública. E defendem com argumentos, o que é importante”, afirma.

    “Se vocês fazem tudo isso vou fazer o quê? Só dou consulta?”

    Arleny se formou em 2010 e fez pós-graduação em Medicina da Família. Em 2012 foi para a Venezuela, onde ficou dois anos atuando em um programa similiar ao Mais Médicos, o Barrio Adentro. Recebeu a proposta para trabalhar no Brasil em janeiro de 2014. Dois meses depois chegou a Guarapari, no Espírito Santo, um dos quatro pólos de formação do Mais Médicos, para estudar português e Medicina brasileira.

    Quando soube que seu destino seria São João da Barra foi para a internet pesquisar sobre a cidade. Não tinha ideia de como era o lugar. Chegou em maio para atuar como médica da família, primeiro para uma unidade de Grussaí e depois Atafona.

    “Já cheguei organizando os medicamentos, o material, porque é isso também que os médicos fazem no meu país, e fiquei surpresa e impressionada ao ver que a equipe de enfermagem cuidava dessas tarefas, e com muita qualidade. Perguntei: ´Se vocês fazem tudo isso vou fazer o quê? Só dou consulta?`”.

    O começo foi um desafio, mas Arleny lembra do apoio que recebeu da comunidade. “Havia muita curiosidade, principalmente com o sotaque, mas os pacientes me ensinavam, me falavam das gírias locais. Me senti acolhida e essa é uma semelhança grande com meu país, os amigos se tornam família”. Ela lidou com preconceito também, mas para ela não chegava a ser algo agressivo. “Sempre houve muita desinformação sobre Cuba, sobre o Mais Médicos, parte pelo que se falava na mídia, mas o bom é que as pessoas perguntam, estão dispostas a ouvir, e o diálogo foi desconstruindo tudo isso”.

     

    Revalida concluído

    Quando terminou seu contrato com o Mais Médicos em 2017 e ela informou aos pacientes e colegas de trabalho que teria que retornar para Cuba foi organizado até abaixo-assinado para que ficasse. Arleny nunca tinha falado com a prefeita Carla Machado (PP), que havia assumido o governo poucos meses antes, tanto que quando recebeu um telefonema dela pensou que fosse trote. “Ela me ligou e me convidou para ser uma das coordenadoras do ESF (Estratégia Saúde da Família) e então decidi ficar no Brasil”. Ela também coordenou a Atenção Básica e a Vigilância em Saúde.

    Deixou de clinicar porque perdeu o direito, mas se inscreveu no Revalida, um processo demorado, e passou em todas as etapas.

    Concluiu este ano e só está aguardando a chegada do registro no CRM para voltar a atender pacientes. “Vou tentar conciliar com o trabalho na secretária, porque sinto falta de atender as pessoas, de visitar as casas. Sou apaixonada por clinicar”.

    Arleny estudou o SUS para trabalhar no Brasil e é só elogios ao sistema, mas reconhece as dificuldades para a execução real do que está no papel. “O SUS é maravilhoso, é o sonho da atenção primária, mas no Brasil há uma cultura que ainda não está focada nesta área, o que atrapalha muito”. E é esta justamente a prioridade da nova secretária. “Termos 100% de cobertura na atenção básica, o que é muito bom, além de contarmos com uma equipe ótima”.

     

    É mais curiosidade do que preconceito

    A estrutura comandada por Arleny conta com 26 unidades de saúde. Só de médicos são 174. Se há resistência dos colegas brasileiros de profissão? “Havia mais. O que acaba existindo é muito mais curiosidade. O preconceito vem da desinformação. Uma médica uma vez veio me dar um abraço, disse que tinha outra visão e ao conviver comigo passou a ter um pensamento diferente. Alguns médicos chegaram a viajar de férias para Cuba depois de ouvirem o que eu contava sobre meu país”.

    Arleny não sabe se um dia voltará para Cuba. Ela não casou de novo – era casada com um médico cubano que também veio para o Brasil – mas pretende ter filhos e gostaria que nascessem em São João da Barra. Apesar de adaptada ao Brasil sente falta de casa. “Cuba é um país lindo, politicamente difícil de entender, até para nós cubanos, economicamente difícil. Mas a educação é maravilhosa, a saúde é maravilhosa”, destaca.

  • Suspensa vacinação anti-rábica 2019 na cidade de São Paulo

    Suspensa vacinação anti-rábica 2019 na cidade de São Paulo

    do site do Sindsep

    Prefeitura aprofunda política de desmonte da saúde:

    Segundo comunicado às “Equipes de vacinadores e pessoal interno envolvido com a campanha Anti-Rábica” divulgado pela Divisão de Vigilância de Zoonoses de São Paulo uma reunião da “Coordenadora de COVISA, Representantes do DVZ, DVE e NAAD realizada na data de 28/06/2019 a Campanha de Vacinação contra a Raiva não será realizada em 2019”.

    O comunicado também informa que “o desabastecimento da vacina contra a raiva canina e que em função disso, o Ministério da Saúde não disponibiliza o quantitativo de vacinas suficientes para a realização da campanha de Vacinação no município de São Paulo/2019”.

    O Sindsep, sindicato dos servidores públicos municipais de São Paulo denuncia o sucateamento da política de saúde pública no município. Para o Sindsep o Ministério da Saúde do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e a Secretaria Municipal de Saúde do prefeito Bruno Covas (PSDB) trabalham juntas para desmontar a prevenção de doenças como a raiva animal.

    Essa situação é uma consequência concreta da aplicação da Emenda Constitucional 95 que congela os gastos públicos por 20 anos.

    O desabastecimento das vacinas e a descontinuidade da Campanha Anti-Rábica é um retrocesso profundo na prevenção ao surto da Raiva Animal em São Paulo e um grave perigo para a população.

  • Política de morte: o fim do departamento de Aids no governo Bolsonaro

    Política de morte: o fim do departamento de Aids no governo Bolsonaro

    Da agência PT

    Departamento foi reduzido a uma coordenação e passa a disputar espaço com outras doenças; Alexandre Padilha alerta para os riscos da medida que invisibiliza o problema

    O governo de Jair Bolsonaro (PSL) não tem qualquer compromisso com a saúde do povo brasileiro. Uma das provas mais recentes disso é o desmonte do programa que trata HIV/Aids no Ministério da Saúde. Reconhecido mundialmente, o setor foi reduzido a uma coordenação e vai dividir espaço com outras doenças que possuem enfrentamento diferente. A invisibilização da doença promovida pelo atual governo vai da estrutura ao nome: o Departamento de Aids passou a ser Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis.

    O deputado federal e ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP), explica que essa é uma mudança estrutural muito grave, pois, ao acabar com o departamento, o setor perde em autonomia para a execução de políticas. Nesse sentido, o nome também tem peso importante considerando que a retirada do termo HIV/Aids é uma forma de “tentar colocar no esquecimento algo grave que é a epidemia do vírus existente no Brasil e no mundo”.

    A crítica do ex-ministro vai ao encontro da preocupação de diversos movimentos que atuam na prevenção da doença em todo país. Em texto publicado pela Agência de Notícias da Aids, o ativista Beto de Jesus, diretor a Aids Healthcare Foundation (AHF) no Brasil, alerta: “o que não é nominado corre o risco de ser esquecido ou negligenciado”.

    Veja a nota de Repúdio:

    “Política de morte: o fim do departamento de Aids

    O movimento nacional de luta contra a AIDS, formado por redes, coletivos, organizações e ativistas, repudia o Decreto Nº 9.795, de 17 de Maio de 2019, que modifica a estrutura do Ministério da Saúde. Por meio desse decreto, o Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais passa a se chamar “Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis”.

    Não se trata apenas uma questão de nomenclatura: é o fim do Programa Brasileiro de AIDS. O governo, na prática, extingue de maneira inaceitável e irresponsável um dos programas de AIDS mais importantes do mundo, que foi, durante décadas referência internacional na luta contra a Aids. Mais do que um programa, esse Decreto acaba com uma experiência democrática de governança de uma epidemia baseada na participação social e na intersetorialidade. Prova disso é que há pouco mais de um mês, nas reuniões da Comissão Nacional de IST, HIV/Aids e Hepatites Virais (CNAIDS) e da Comissão Nacional de Articulação com Movimentos Sociais (CAMS) absolutamente nada se falou sobre o Decreto e nenhum esclarecimento foi prestado sobre suas potenciais consequências.

    O programa brasileiro de resposta à Aids foi, durante décadas, referência internacional na luta contra a AIDS. A relação única de combate e colaboração com uma pujante sociedade civil, a decisão corajosa de oferecer tratamento antirretroviral universal e gratuito, a ousadia nas campanhas de prevenção fizeram a resposta brasileira ao HIV destaque em inúmeros foros internacionais e inspiraram outros países em desenvolvimento.

    O marco simbólico de ter uma estrutura de governo voltada para o enfrentamento a Aids, é indicativo da importância que se dá a epidemia. Por mais que se afirme que “nada mudará”, o que fica é o descaso com uma doença que mata cerca de 12 mil pessoas por ano e que, longe de estar controlada, continua crescendo, especialmente populações pauperizadas e estigmatizadas, já tradicionalmente excluídas e que com este ato se tornam mais invisíveis e desrespeitadas.

    A resposta ao HIV construída no Brasil não nasceu do dia pra noite. Ao contrário, foi conquistada por meio de mais de três décadas de luta diária das pessoas vivendo e convivendo HIV/AIDS, população LGBT, negras e negros, mulheres, pessoas trans, jovens e ativistas. Essa ação do governo federal, extinguindo o programa brasileiro é inadmissível e se insere numa forma de pensar a sociedade que invisibiliza qualquer existência que escape à limitadíssima perspectiva do governo Bolsonaro. Por não conseguir entender que a vida é complexa e potente, o governo Bolsonaro mata simbólica e fisicamente diversas populações. Contra a política de morte, gritamos: VIVA A VIDA! Não nos calaremos frente ao fim do departamento que salvou milhares de vidas. Pela manutenção do Departamento de AIDS! Nem um direito a menos!
    Articulação Nacional de Luta contra a Aids (Anaids)
    Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA)
    Fórum de ONGs AIDS/SP (FOAESP)
    Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS/RS (GAPA/RS)
    Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+Brasil)”

  • Suspeitas de fraudes e ministro da Saúde põem em risco vidas indígenas

    Suspeitas de fraudes e ministro da Saúde põem em risco vidas indígenas

    por ANDRÉ BARROCA -Carta Capital 

     

     

    CERIMÔNIA YANOMAMI EM RORAIMA, EM 2015. POVOS TRANSFRONTEIRIÇOS SEGUEM AMEAÇADOS

    Uma história sobre municipalização de verbas, jatinhos em Roraima, inquérito da PF e Romero Jucá

    Onze indígenas reuniram-se na quinta-feira 9 com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para reclamar de mortes ocorridas na comunidade deles, em Roraima, por falta de atendimento médico. Houve choro na sala. Não de Mandetta, deputado conservador que praticou seu esporte favorito no momento: condenar o gasto público com a saúde dos povos tradicionais.

    O sonho do ministro é fechar a Secretaria de Saúde Indígena, criada em 2010. Ele diz que há muita corrupção na chamada Sesai, dona de 1,3 bilhão de reais por ano. De fato, fraude parece não faltar ali. Uma história que põe em risco a vida de indígenas. Resvala perigosamente na escolhida por Mandetta para comandar a Sesai. E tem lugar de honra para o presidente do MDB, Romero Jucá.

     

    A Polícia Federal (PF) requereu à Sesai nos últimos dias cópias de 15 contratos. Abriu inquérito após receber uma denúncia de desvio de verbas. Uma das citadas pelo denunciante como participante de falcatruas é Verbena Lúcia Melo Gonçalves. Funcionária pública licenciada, Verbena foi chefe de gabinete da secretaria de 2011 a 2016. E voltará a ser, se depender da nova secretária, Silvia Nobre Waiãpi.

    BOLSONARO ANUNCIA SEU MINISTRO DA SAÚDE, LUIZ HENRIQUE MANDETTA (FOTO: DIVULGAÇÃO

    Empossada em 24 de abril, Silvia mandou o nome de Verbena à Casa Civil da Presidência, para análise. No inquérito em curso, a PF talvez comprove algo dito por quem conhece a Sesai por dentro. Verbena teria sido capturada no passado por interesses escusos. E teria se aproximado de Silvia para dar-lhe apoio político em troca de que tudo fique como está.

    Em 3 de maio, Verbena foi com Silvia ao Pará visitar uma unidade de saúde para indígenas. Viajou sem ter sido nomeada e, segundo o ministério da Saúde, teve as despesas pagas por uma entidade privada, o Instituto Espinhaço. Ali, Silvia cobrou os indígenas por problemas de gestão e financeiros. Ouviu que o governo em Brasília tinha culpa também. Verbena foi apontada com o dedo pelo acusador.

     

    Durante a viagem, Silvia autorizou, à distância, pagar 4,9 milhões a uma empresa que tinha cobrado a Sesai por transporte aéreo. Em regiões isoladas como a Amazônia, não é raro um paciente ser levado de avião e helicóptero. A cobrança partiu da Voare Táxi Aéreo, por um trabalho no distrito sanitário dos Yanomami, na divisa de Roraima com o Amazonas.

    O contrato da Voare com a Sesai estava vencido, mas a empresa diz ter trabalhado de 10 de janeiro a 31 de março de 2019, razão da fatura enviada à administração do distrito, que por sua vez teve de prestar contas a Brasília. No ministério, o diretor do Departamento de Gestão da Saúde Indígena, Marcelo Alves Miranda, era contra pagar. Botou isso em um ofício enviado a Silvia em 26 de abril.

    Silvia reconheceu os problemas, como o valor da hora de vôo cobrada pela Voare, de 2 mil reais —na vigência do contrato, custava 1,8 mil. Em nota a CartaCapital, o ministério diz haver um parecer de 16 de abril da Advocacia Geral da União (AGU) que respaldou o pagamento autorizado por Silvia.

     

    Uma esquadrilha de suspeitas

     

    A Voare é citada em outra denúncia de irregularidades no distrito sanitário Yanomami, que possui administração local e reporta-se à Sesai em Brasília. Um dos citados é o ex-senador Romero Jucá, ex-chefe da Funai nos anos 80 que sabe muito dos intestinos federais na área indígena. Essa queixa, feita em 8 de outubro do ano passado ao Tribunal de Contas da União, levou o tribunal a ordenar, no mês seguinte, uma auditoria em contratos de transporte aéreo da Sesai. O material foi enviado à PF e ao Ministério Público.

    Segundo o denunciante, cujo nome é mantido em segredo, o distrito contrata transporte aéreo sem licitação e aeronaves em mau estado. Põe os aviões a serviço de garimpos, para levar trabalhadores e mantimentos. E trata os garimpeiros nos locais de saúde indígenas, um risco à vida dos nativos, sem imunidade para enfrentar doenças trazida pelos “brancos”. Também pagou por um helicóptero sem necessidade (em áreas não isoladas, o avião resolve).

    Tudo foi feito, diz a denúncia, com o conhecimento e a benção do diretor do distrito sanitário Yanomami, Rousicler Jesus de Oliveira, que tinha casa com poço de água cavado enquanto falta água para indígenas. Em Brasília, comenta-se que Rousicler é um apadrinhado de Jucá. Mas o ex-senador, via assessoria de imprensa, nega tê-lo indicado.

    É a repetição, segundo o denunciante, de um velho esquema com transporte aéreo em saúde indígena descoberto em Roraima e que terminou a prisões durante a Operação Metástase, em 2007. Na época não havia Sesai: a saúde indígena era obrigação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O chefe da Funasa em Roraima era um indicado de Jucá, Ramiro Teixeira e Silva. Foi um dos 32 presos.

    Um exemplo de irregularidade mencionada na denúncia ao TCU é de 14 de agosto de 2018. Como publicado no Diário Oficial da União, Oliveira autorizou contratar sem licitação a Icarai Turismo Táxi Aéreo. Motivo: necessidade emergencial no distrito sanitário Yanomami. Valor a ser pago à empresa: 6,3 milhões de reais.

    A Icaraí tem sede em Araucária, cidade do Paraná. Foi aberta em 1992. No papel, seus sócios e administradores são Rodrigo Martins Mello e Paulo Brittes Martins. Fora do papel, pertenceria aos empresários Hissam Hussein Dehaini e Rihad Hissam Dehaini, segundo a denúncia ao TCU. Hissam foi um dos presos na Operação Metástase, há 12 anos.

    Uma das origens daquela operação foi uma investigação sobre o envolvimento de Hissam com tráfico de drogas. Em 2000, o empresário foi preso durante uma diligência em Araucária feita pela CPI do Narcotráfico que acontecia no Congresso. Será que o transporte aéreo que deveria ser usado para tratar indígenas doentes se presta a levar drogas?

    A Icaraí, sediada no Paraná, tem algo em comum com aquela empresa que Silvia Nobre mandou pagar recentemente, a Voare, sediada em Boa Vista, a capital de Roraima. As duas empresas atualizaram pela última vez seus dados cadastrais perante a Receita Federal no mesmo dia: 3 de novembro de 2005.

     

    É a mesma data da última atualização feita por outra empresa de táxi aéreo, a Seta Norte. Esta empresa é do Amazonas, onde há uma parte territorial do distrito sanitário Yanomami. Pertence a Milton Carlos Veloso, um piloto. Veloso foi funcionário de Jucá no Senado e no escritório político do emedebista em Roraima. Costumava pilotar aviões usados pelo ex-senador.

    Segundo uma notícia de 2012, Veloso e Jucá aproximaram-se em 2006. Ano posterior aos últimos arranjos cadastrais de Icaraí, Voare e Seta Norte. E anterior ao estouro da Operação Metástase. Não surpreende que, em Roraima e em Brasília, muita gente diga que o verdadeiro dono dessas empresas seria Jucá, ocultado por laranjas. “O ex-senador não tem empresa. Somente agora tem uma consultoria, após o término do mandato”, diz a assessoria de imprensa do emedebista.

    Em maio de 2016, Neudo Campos, ex-governador de Roraima, entregou-se à polícia, para cumprir pena por corrupção no escândalo conhecido como “gafanhotos”, e declarou que Jucá era dono de um jato de uma outra empresa de táxi aéreo, a Rico. “Ele é tão vaidoso que até o prefixo do avião é PRJ. Esse jatinho está alugado para a Rico Táxi Aéreo, que aluga eventualmente lá para o governo do estado do Amazonas. Tem jato, tá riquíssimo, Romero Jucá é a maior fortuna do estado de Roraima. E ganhou isso de onde? Do erário público. E nas vistas de todo mundo.”

    No papel, a Rico tem como sócios administradores os irmãos Átila e Metin Yurtsever. A exemplo de Icaraí, Seta Norte e Voare, foi em 2005 que atualizou pela última vez seus dados informados à Receita Federal, em 7 de maio.

    A Voare tinha outro nome até 2017: Paramazonia. Mudou após uma sequência de notícias ruins. Um avião seu caiu e causou quatro mortes (piloto e três fiscais do Ibama). Um outro caiu em terra Yanomami com o piloto e um técnico em enfermagem. Ambos sobreviveram, mas um helicóptero da empresa foi resgatá-los e deixou cair no rio um deles, que desapareceu. O piloto do helicóptero era diretor da empresa e foi condenado logo em seguida por fraudes em contratos públicos.

     

    Saúde indígena em risco

     

    A grana embolsada pelas empresas de táxi aéreo com serviços aos indígenas engordou desde a criação da Secretaria de Saúde Indígena, em 2010. A verba da Sesai saiu de 360 milhões em 2011 para 1,3 bilhão em 2019. Os dois maiores aumentos de um ano para o outro se deram justamente quando Jucá foi o relator do orçamento. Em 2013 (245 milhões a mais) e 2015 (300 milhões).

    O ministro da Saúde acha que é dinheiro de mais e põe na mesa as suspeitas de corrupção como argumento. Para ele, os recursos deveriam ser dados às prefeituras, para elas tratarem dos indígenas. Mandetta propôs publicamente a municipalização em março, mas foi pressionado por movimentos indígenas e, por ora recuou.

     

    “O governo fala que existe corrupção, mas nós também queremos saber se tem“

     

     

     

    Movimentos e especialistas não querem ouvir falar em municipalização. E nem no fim de um sistema de de saúde próprio para os indígenas. “A cidade é o lugar onde a gente sofre mais discriminação. Nossos povos são sempre os últimos nas filas [do SUS], diz Valéria Paye Pereira, uma das coordenadoras das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

    “O governo fala que existe corrupção, mas nós também queremos saber se tem. A gente não está contente com a saúde indígena, na minha região há mais de um ano não tem profissional de saúde”, completa. Kaxuyana, a região dela, fica entre Amazonas e Pará.

    A população indígena tem hoje cerca de 770 mil indivíduos, distribuídos por 5,3 mil aldeias e que falam umas 270 línguas. Talvez fossem mais, não houvesse tido 8,3 mil mortes entre eles por perseguição na ditadura, segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV).

    Há três razões básicas para manter um sistema específico para os indígenas, diz o médico Douglas Rodrigues, professor da Unifesp, pioneira em curso de especialização em saúde indígena. Uma é a territorialidade. Os povos tradicionais não se organizam com a mesma geografia das cidades. Há parte de uma aldeia ou reserva num município, parte em outro. O Parque do Xingu, por exemplo, espalha-se por nove cidades do Mato Grosso.

    o médico Douglas Rodrigues, professor da Unifesp, em atendimento na aldeia Samaúma, na Terra Indígena do Xingu.

    Outra razão é que os indígenas têm estruturas medicinais próprias, com raízes, plantas, pajelança. A medicina convencional, via SUS, não pode ser aplicada a eles como a pacientes “brancos”. “Tem de oferecer serviços que sejam complementares e adequados ao sistema deles”, afirma Rodrigues.

    Por fim, é preciso levar em conta as diferenças entre indígenas e brancos. Entre os primeiros, a mortalidade infantil, por exemplo, é maior — morre-se muito por diarreia, em virtude de uma questão de hábitos tradicionais, por falta de saneamento.

    No Xingu, área acompanhada mais de perto por Rodrigues, cresceu o número de casos de obesidade e de diabetes, graças a mudanças de hábitos alimentares trazidas pelo contato maior com os “brancos”. “Eles não têm a mesma informação, acham que ser gordo é bom.”

    O ministro Mandetta acha que tirar dinheiro da saúde indígena também é bom.

     

     

     

     

     

     

  • MPF reage à proibição do Ministério da Saúde: “violência obstétrica é expressão consagrada”

    MPF reage à proibição do Ministério da Saúde: “violência obstétrica é expressão consagrada”

    Por Renato Batista, da agência Saiba Mais

    O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o Ministério da Saúde esclareça, por meio de nota, que o termo “violência obstétrica” é uma expressão consagrada em documentos científicos e que a expressão pode ser usada por profissionais da saúde, independentemente de qualquer termo de preferência do Governo Federal.

    A decisão do MPF foi divulgada, na noite de terça-feira (7), após o Ministério da Saúde ter proibido o uso do termo alegando que a expressão tem “conotação inadequada, não agrega valor” e tem “viés ideológico”. A pasta também afirmou que o termo não condiz com a forma como a Organização Mundial da Saúde (OMS) se refere ao tema. Porém, a recomendação do MPF mostra que o Ministério da Saúde usou de fake news no despacho.

    Segundo a recomendação do MPF, a Organização Mundial da Saúde reconhece expressamente a violência física e verbal no parto, em documentos como “Declaração de Prevenção e Eliminação de Abusos, Desrespeito e Maus-tratos durante o parto”, publicado em 2014, em que há um trecho que cita os tipos de violência que mulheres são submetidas durante o parto.

    “Relatos sobre desrespeito e abusos durante o parto em instituições de saúde incluem violência física, humilhação profunda e abusos verbais, procedimentos médicos coercivos ou não consentidos (incluindo a esterilização), falta de confidencialidade, não obtenção de consentimento esclarecido antes da realização de procedimentos, recusa em administrar analgésicos, graves violações da privacidade, recusa de internação nas instituições de saúde, cuidado negligente durante o parto levando a complicações evitáveis e situações ameaçadoras da vida, e detenção de mulheres e seus recém-nascidos nas instituições, após o parto, por incapacidade de pagamento”.

    O Ministério Público Federal ainda recomendou que o Ministério da Saúde adote ações positivas e recomendadas pela OMS ao invés de proibir o uso do termo ‘violência obstétrica” e deu 15 dias para que o órgão responda a recomendação.

  • “As mudanças no PNAD são o recrudescimento da proibição no Brasil”

    “As mudanças no PNAD são o recrudescimento da proibição no Brasil”

    Leia abaixo a entrevista que os Jornalistas Livres fizeram com Emílio Figueiredo, advogado e membro da rede REFORMA, sobre alterações na PNAD (Política Nacional de Drogas) propostas pelo governo Bolsonaro.

    Jornalistas Livres: Como a mudança de paradigmas da PNAD (Política Nacional de Drogas) pode impactar os índices de dependência química e violência relacionada ao narcotráfico no Brasil? 

    Emilio Figueiredo: As mudanças no PNAD são o recrudescimento da proibição no Brasil, e outras experiências assim mostram o afastamento de quem precisa de cuidados e o aumento do mercado clandestino, o qual no Brasil é disputado de forma violenta entre máfias e Estado. O principal impacto será no afastamento daqueles usuários que buscam auxílio através da Redução de Danos, que foi desconsiderada no PNAD e dando lugar a exclusividade para medidas que envolvam a abstinência.

    JL: O pacote de medidas anticrime proposto pelo ministro da justiça pode interatuar com a mudança de rota na PNAD? Quais as possíveis consequências dessa ação conjunta? 

    EF: O pacote do ministro da justiça aborda de forma superficial a questão das drogas, apenas acerca do patrimônio apreendido de pessoas acusadas de tráfico. Talvez, essa superficialidade do Ministro da Justiça já tenha sido pensada em conjunto com a definição do decreto do PNAD. A soma dos dois possivelmente acarretará o incremento do encarceramento e o fortalecimento das máfias que dominam o atacado e o varejo do mercado clandestino de drogas.

    JL: O que revelam – quais os consensos e principais indicativos – das pesquisas científicas de ponta contemporâneas sobre uso de substâncias psicoativas e dependência? Em relação às diretrizes de combate ao narcotráfico mais bem sucedidas em âmbito internacional onde se situam as atuais diretrizes brasileiras? 

    EF: Existem pesquisas para todos os gostos, mas há o consenso de que a criminalização do usuário o afasta do cuidado em momentos dificuldade. No âmbito internacional as melhores práticas de combate ao narcotráfico envolvem tirar o monopólio do comércio clandestino das mãos de pessoas que disputam o mercado de forma violenta, se já com concorrentes ou com a fiscalização policial do Estado.

    Manifestantes durante a Marcha da Maconha, em São Paulo
    Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    JL: Qual seria o caminho mais eficiente a seguir, no contexto brasileiro, na direção de melhorias concretas no combate ao narcotráfico e diminuição do impacto social negativo das drogas? Considerando-se que no atual cenário político brasileiro a descriminalização ainda parece um objetivo distante…

    EF: Dentro do que aprendi nos últimos 10 anos observando a dinâmica das drogas no Brasil, principalmente a cannabis, vejo que o ideal é o Estado regular e fiscalizar um novo mercado lícito de drogas. Dentro de uma perspectiva de não excluir aqueles que hoje já fazem parte do mercado clandestino, com produtores e varejistas de locais tradicionais no Brasil. Com isso se criaria oportunidade de emprego nesse novo campo ao mesmo tempo que dá alternativa a quem está envolvido com atividade criminosa. Não dá para afirmar que a descriminalização está distante, pois essa decisão pode vir por qualquer dos 3 poderes, e, no caso, o Supremo Tribunal Federal está caminhando para reconhecer a inconstitucionalidade da criminalização das condutas relativas ao consumo próprio.

    JL: As populações desfavorecidas financeiramente, notadamente nos centros urbanos de médio e grande porte, possuem uma real demanda, uma grande urgência, de melhoria no modelo de segurança pública. No Brasil a relação forças de segurança-narcotráfico está no cerne dessa questão. Por falta de conhecimento e desespero uma parcela considerável da população adere a discursos simplistas e de apelo afetivo no sentido do recrudescimento das ações governamentais. As organizações progressistas vêm falhando sistematicamente no convencimento e conscientização do povo nesta questão. Qual o caminho da comunicação progressista para quebrar esse ciclo?

    EF: Creio que o campo progressista deve deixar o alarmismo e a demonização quanto às drogas, e às pessoas que se envolvem com mercado das drogas. Ao mesmo tempo, o progressismo deve aprender com as experiências internacionais sobre as drogas e escolher um caminho que faça de uma nova política de drogas uma ferramenta para a justiça social. A comunicação progressista deve apresentar a reforma da política de drogas como uma oportunidade de criar uma nova realidade social para o Brasil, principalmente para as pessoas mais atingidas pela violência da atual política de drogas.

    JL: Programas como o “De Braços Abertos”  realizado pela prefeitura de SP, na gestão Haddad, mostram resultados positivos, mas são descontinuados, não só por Bolsonaro, por conta da retórica punitivista e estigmatizadora que alguns políticos usam como bandeira, mas quais os outros interesses que podem motivar esse retrocesso com relação à política de diminuição de danos, com relação aos usuários?

    EF: O interesse não é dar uma vida digna ao usuário de drogas em situação de miséria, mas sim fortalecer um sistema que envolve financiamento público para iniciativas particulares, como as comunidades terapêuticas, e assim dar suporte a um projeto de poder conservador.

    JL: Nos últimos anos diversos casos, como o famoso helicóptero, desvelaram como o narcotráfico está entranhado nas mais altas esferas dos poderes públicos do Brasil, existe alguma esperança de combate ao topo das pirâmides organizacionais do crime ou seguiremos em guerra contra os pequenos varejistas?

    EF: Minha esperança é que os consumidores, varejistas, produtores tradicionais reconheçam sua importância e se apoderem desse ciclo, criando alternativas ao ciclo bancado pelas elites envolvidas. Contra o topo da pirâmide só mesmo a conscientização da base para perverter a ordem injusta.

    Manifestantes durante a Marcha da Maconha, em São Paulo
    Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

     

     

    Emilio Figueiredo – advogado na Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas – REFORMA, reconhecido defensor de pessoas que fazem uso e cultivam a Cannabis, principalmente para fins terapêuticos. Também é consultor jurídico de associações de pessoas que que fazem uso terapêutico da Cannabis e de iniciativas públicas e privadas que buscam a produção nacional de Cannabis com observância de seu impacto social e ambiental no Brasil.

    Mestrando no Programa de Pós-graduação em Justiça e Segurança (PPGJS) do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT INEAC) da Universidade Federal Fluminense (UFF).