Jornalistas Livres

Categoria: Análise

  • A implosão da “nova república” brasileira

    A implosão da “nova república” brasileira

    13 maio de 2016

        Após a votação do Senado federal, por 55 votos a favor do impeachment de Dilma Rousseff contra 22, esta acaba de ser afastada por 6 meses e de deixar o palácio presidencial do Planalto, em Brasília. A Presidente, já reduzida à impotência por vários meses, é “carta fora do baralho” em suas próprias palavras, a menos que se torne uma figura da resistência à injustiça.

        No entanto, a crise política brasileira, longe de estar resolvida, é devastadora para todas as instituições e toda a classe política; ela atinge os fundamentos da democracia e aprofunda o fosso entre os dois campos que dividem o país. Enfim, ela marca uma guinada na história da “Nova República”, nascida com a devolução do poder aos civis e a elaboração da Constituição de 1988.

     

    Como a guerra de Tróia, ocorreu o golpe de estado

        Pouco importam as discussões bizantinas sobre a qualificação precisa dos acontecimentos políticos que ocorrem no Brasil e o afastamento da presidente Dilma Rousseff e, com ela, do Partido dos Trabalhadores. A grosso modo, para a metade dos cidadãos brasileiros, o que está acontecendo é experimentado como um golpe de estado e passará para a posteridade como tal.

        A tomada do poder por Michel Temer e seu partido, o PMDB, tão intrinsecamente ligados à corrupção sistêmica, desperta neles nojo, vergonha e raiva misturada. Os autores de um golpe de estado se vangloriam raramente. Eles preferem disfarçar seu pacote com eufemismos, apresentações gloriosas ou belos sofismas.

        Assim como, em 1964, os militares e seus comparsas civis pretendiam, derrubando o Presidente João Goulart, executar uma “revolução” para salvar a democracia ameaçada pela “subversão” e pela – já nesta época – corrupção. Em 2016, a fábula da “jovem democracia” que chega à maturidade, em conformidade com as exigências de uma população melhor formada e mais exigente para com os seus governantes, que respeita escrupulosamente a sua Constituição e expulsa seus dirigentes corruptos e/ou incompetentes de acordo com a lei, se desfaz em pedaços diante do currículo dos principais beneficiários do “assalto”- um dos significados da palavra golpe em português.

        A maioria dos deputados e senadores, chamados, respectivamente, nos dias 17 de abril e 11 de maio para decidir sobre o destino da Presidente, não se interessou pela causa precisa da acusação – a maquiagem das contas públicas para ocultar a extensão dos déficits e facilitar sua reeleição – e permaneceu fora do assunto, atacando o desempenho do governo e fazendo afirmações surrealistas.

        Uma pequena minoria da representação nacional evocou a desproporção entre a culpa imputada à Presidente e as penalidades sofridas, o que desestabiliza as instituições do país. “É como se aplicássemos a pena de morte por uma infração ao código do trânsito,” declarou uma senadora (PT).

    Lula abraça público no discurso de despedida da Presidenta Dilma Roussef. Foto: Christian Braga/Jornalistas Livres.
    Lula na despedida da Presidenta Dilma. Foto: Christian Braga/Jornalistas Livres.

     

    Um jogo de massacre institucional

        Para os observadores estrangeiros, a leveza com que o impeachment da Presidente da República – uma verdadeira bomba atômica em um regime presidencial — é minimizado não deixa de surpreender. Se todos os líderes impopulares ou considerados incompetentes em democracias modernas fossem removidos, poucos terminariam o mandato que lhes foi atribuído por sufrágio universal.

        Independentemente do julgamento que pode-se ter sobre a política ou a personalidade da Presidente afastada, seu impeachment enfraquece de maneira duradoura, se não irremediável, a função de Presidente. A Vice-Presidência, manchada pela falta de lealdade de Michel Temer, que conspira pelo menos há um ano contra a titular do cargo, não está em melhores condições. O Congresso Nacional, cuja venalidade é proverbial, foi ridicularizado repetidamente.

        Mesmo o Supremo Tribunal Federal mostrou-se incoerente, tendencioso e falhou em sua missão de defender a democracia brasileira. Este levou mais de três meses para suspender do cargo, o Presidente da Câmara dos deputados, Eduardo Cunha (PMDB), indiciado por corrupção, lavagem de dinheiro, barreiras à justiça e sem o qual não teria havido o processo de impeachment.

        Os grandes grupos da imprensa, com a TV Globo à frente, tem feito descaradamente campanha contra a Presidente e o PT e tem perdido sua credibilidade restante junto a uma parte da opinião pública que lhes vaia sem tréguas. A Justiça Federal continua a multiplicar as investigações e acusações à personalidades de destaque. Em suma, a “nova República” é apenas um campo de ruínas, de onde paradoxalmente emergem as práticas políticas mais arraigadas e desacreditadas.

     

     

    A tomada do poder federal

        Michel Temer, que provavelmente irá invocar a salvação da pátria e a situação económica desastrosa do Brasil para justificar-se, começa seu governo interino em um estado de desgraça do qual será difícil de sair. O vice-presidente é visto como um traidor por todos aqueles que consideram o impeachment como um golpe de estado. Até 2018, se ele conseguir até lá, não será só a sua política que será contestada, mas a sua legitimidade.

        As árduas negociações para compor seu governo mostram que o Planalto estará sujeito mais do que nunca à pressão do Congresso, e mais especificamente, à miríade de pequenos partidos que condicionaram seu apoio. Este sistema, velho como a República no Brasil, é apelidado de “fisiologismo”, a troca de apoio político por vantagens – legais ou ilegais- que articula a relação entre o governo e os partidos, o executivo e o legislativo, o governo federal e os estados.

        O “fisiologismo”, espinha dorsal da corrupção sistêmica, é, obviamente, desprovido de qualquer conteúdo ideológico e é notável por sua compatibilidade com todas as sensibilidades. O campeão do “fisiologismo” é precisamente o PMDB de Michel Temer, partido que tem o maior número de políticos eleitos, domina a Câmara e o Senado e compõe a maioria há 30 anos.

    Um governo de retorno aos fantasmas

        Depois de ter prometido um governo enxuto e formado por “técnicos”, nomeados por sua competência e não por indicação política, Temer teve que voltar à real e retribuir seus velhos e novos amigos com vários ministérios e os 10.000 cargos do Governo Federal que foram liberados pelo despejo do PT.

        Um partido da coligação requer a nomeação de um dos seus para o Ministério da Ciência e Tecnologia, que pertence a uma igreja evangélica e defendeu o ensino do criacionismo! O governo traz a marca da continuidade e do conservadorismo: os ministros são velhos peritos que, na melhor tradição fisiológica, participaram de todos os governos anteriores, independentemente de sua cor política, de Fernando Henrique Cardoso à Dilma Rousseff, passando por Lula.

        Nenhuma mulher participa por enquanto do governo, composto inteiramente por homens, brancos, em média septuagenários. É verdade que a revista Veja recentemente celebrou a esposa de Michel Temer, 42 anos mais nova, como “bela, recatada e do lar” – obviamente, o inverso de Dilma Rousseff. Isto não poderia ser melhor exemplo para expressar simbolicamente uma certa concepção da sociedade brasileira.

    Michel Temer na posse do Ministros, de seu governo interino. Foto Lula Marques/ Agência PT.
    Michel Temer na posse do Ministros, de seu governo interino. Foto Lula Marques/ Agência PT.

        É provável que os movimentos sociais se mobilizem nos próximos dias, para obter eleições antecipadas e dar a última palavra ao povo soberano. Michel Temer, que apenas 8% dos brasileiros queriam na última semana como presidente interino, e que hoje atrai apenas 3% das intenções de voto, rejeitou esta hipótese: tal eventualidade não está prevista na Constituição. Recorrer aos eleitores, disse o advogado renomado, seria um verdadeiro… golpe de estado.

    (*) Historiadora, Université Paris-Sorbonne – Sorbonne Universités

    Para ler o artigo original: The Conversation

     

  • OS HOMENS BRANCOS DE TEMER

    OS HOMENS BRANCOS DE TEMER

    Que o governo Temer será conservador e neo-liberal todo mundo, que leu o plano “Uma Ponte para o futuro”, sabia.

    No entanto, o seu ministério – divulgado hoje, porém, há semanas, “conspirado” metodicamente nas capas dos jornais – é um ultraje não apenas aos movimentos sociais, mas à toda nação brasileira.

    Trata-se de 24 homens, brancos, heterossexuais, cis e, em sua maioria, ricos.

    Com uma única canetada, Michel Temer faz o Brasil retornar, pelo menos, ao ano de 1981, última data em que o país passou sem ter uma mulher ministra. Desde então, temos, progressivamente, contado com mulheres nos cargos mais importantes do governo federal.

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    Os governos Lula e Dilma nomearam mais que o dobro de ministras do que todos os governos anteriores, desde Figueiredo, que nomeou a primeira ministra do país, Esther de Figueiredo Ferraz, na pasta da Educação e Cultura.

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    Portanto, quando Temer decide não nomear ministras está, consequentemente, destruindo uma trajetória histórica de lutas e conquistas das mulheres. Está negligenciando o combate ao machismo e à misoginia e suas consequências nos planos simbólicos e materiais. Está tentando sepultar, junto com o mandato legítimo de Dilma, o empoderamento das mulheres brasileiras.

    Um ministério com a ausência ou uma minoria absurda e inexplicável de mulheres não representa o Brasil, muito menos o momento histórico em que vivemos. Michel Temer e seus aliados parecem esquecer que estão no século XXI e intentam nos arrastar para o século XIX, quando vivíamos em uma terra colonizada e com o povo escravizado.

    Não à toa, da mesma maneira, o presidente interino decidiu ignorar que metade da nossa população é negra e compôs um ministério somente com “sinhôzinhos” brancos.

    Embora de modo tímido, reflexo incontestável do nosso racismo institucional, nos últimos vinte anos, a população negra conquistou espaços de poder, principalmente, nos governos petistas, porém, Michel Temer, irresponsavelmente não se comprometeu com esse legado.

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    É, no mínimo, inconsequente planejar o ministério deste país e desconsiderar as populações feminina e negra, que estão, inclusive, prestes a se tornar maioria quantitativa. Sem contar, as representatividades, extremamente relevantes, das pessoas LGBT, trabalhadoras, indígenas e rurais, que, assim como a população negra e feminina, são historicamente tratadas de modo subalterno, se tornando vítimas da violência.

    Em poucas palavras, números e gráficos fica evidente que o governo Temer visa assolar politicamente tais populações, além de cessar o processo de melhoria de vida delas.

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    A tragédia do ministério de Temer não termina nesses dados. Além de nenhuma representatividade que contemple as populações subalternas, o presidente interino aboliu as pastas que, há mais de uma década, desenvolviam projetos para esses grupos.

    Não existe mais o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Aparentemente, Temer acha que tais questões não precisam ser tratadas ou podem ser todas (mal)trabalhadas no Ministério da Justiça e Cidadania, para o qual nomeou Alexandre de Moraes, ex-Secretário de Segurança Pública de São Paulo, responsável por uma das polícias militares mais sanguinárias do mundo. A mesma que, no último ano, agrediu de modo truculento e televisionado jovens estudantes e também conhecida por promover o genocídio da juventude negra paulista. Para arrematar, Eduardo Cunha é o responsável pela indicação de Moraes ao ministério. Os dois possuem relações estreitas desde que Moraes, como advogado, ajudou na defesa de Cunha em um dos seus vários processos.

    Outro ministério que Temer destruiu é o de Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Esse ministério era um dos corações do que houve de maravilhoso nos governos petistas: As políticas sociais que conseguiram tirar o Brasil do mapa da fome e possibilitaram milhões de famílias saírem da miséria. Temer, de um dia para o outro, acabou com ele e criou uma estranha pasta chamada Desenvolvimento Social e Agrário, para o qual entregou ao PMDBista, Osmar Terra. Agora, é nas mãos dele que está o futuro do Bolsa Família e de todos programas de assistência social.

    O presidente interino, Michel Temer, também acabou com o Ministério da Cultura. Para ele, cultura é algo secundário que pode ser anexada do Ministério da Educação, que mal consegue dar conta da complexidade das suas próprias demandas. Pois bem, agora temos a pasta da Educação e Cultura sob a responsabilidade de Mendonça Filho, do DEMOCRATAS. Percebe-se que essa decisão de Temer chancela e entrega de bandeja um dos ministérios mais importantes para as mãos da bancada conservadora que intenta retroceder direitos alcançados, como, por exemplo, as discussões de gênero. Não surpreenderá se esse novo ministério não colocar em xeque as conquistas das populações negra e indígenas, como as cotas e a leis que garantem o ensino da cultura e história africana e indígena.

    Para além desses pesadelos descritos, dentre os “sinhôzinhos” ministros de Temer, está o General Sérgio Etchegoyen, que assumirá a Secretaria de Segurança Institucional e a Agencia Brasileira de Inteligência (Abin). General Etchegoyen foi um exaltado crítico do relatório da Comissão Nacional da Verdade que investigou as torturas da ditadura militar. Precisa dizer mais?

    Temer e seus aliados não vieram para brincadeira. Não articularam um golpe dessa magnitude para economizar ambições.

    É chegada a hora dos movimentos negro, indígena, feminista, LGBT, rural, sindical e afins se unirem. Nossa força está em nossa união. Nossa união será a garantia de nossa resistência e sobrevivência. Somente assim poderemos vencer o golpe dos homens brancos de Temer.

    ministerio

     

  • Primeiro dia do Governo Temer já é pior que qualquer previsão

    Primeiro dia do Governo Temer já é pior que qualquer previsão

    O primeiro dia do governo golpista de Temer é pior que qualquer previsão:

    1. Um ministério só de homens, brancos, ricos e, em sua imensa maioria, sobre quem pesam graves acusações de currupção e/ou de atentados contra os direitos humanos. Algo que não se via desde a ditadura;
    2. Duas iniciativas já articuladas: aprovação da terceirização das relações de trabalho e uma emenda constitucional para revogação das vinculação das verbas para os programas sociais, de saúde e educação;
    3. Um ministro da Justiça que considera ações de protesto como “guerrilha”, que tornou a PM de São Paulo numa máquina de matar pobres e bater em estudantes, aliado de Eduardo Cunha e ex-adovgado de empresa ligada ao PCC;
    4. Pra completar, o símbolo escolhido para o governo. Ordem unida. Quem não marchar junto com a “ordem” para o “progresso” (dos investidores, que é o desejo explícito de Temer) vai levar borrachada. O símbolo evoca imediatamte o “Brasil, ame-o ou deixe-o” da ditdura. Que estreia.

    ordem e progresso

  • Tem cara de legal e tem jeito de legal, mas não passa de um golpe velhaco

    Tem cara de legal e tem jeito de legal, mas não passa de um golpe velhaco

    POR Gilberto Maringoni*

    Pronto. A Câmara dos Deputados consumou o golpe paraguaio ou hondurenho, a depender do gosto do distinto freguês.

    Não mais tanques e tropas em torno do Palácio, mas um cipoal confuso de acusações à mandatária, embasado em flexíveis leituras da Constituição. Não mais “vivandeiras alvoroçadas que vão aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar”, como dizia o ex-ditador Humberto Castello Branco (1897-1967). Vivandeiras preferem agora bulir com financistas e juízes, tudo sob manto legal e afiançado por “renomados juristas”, a categoria da hora..

    Embora o processo siga para o Senado, a sorte está lançada: o governo Dilma acabou. Melhor: chegam a termo 14 anos de lulismo. Temos em Palácio uma presidente que já não dirige o país.

    PODRIDÃO

    O governo será – em poucas semanas – tomado de assalto pelo que há de mais apodrecido e corrupto na política brasileira. Setores sem voto e sem qualquer condição de alcançar o poder pela escolha popular se aboletarão no Planalto, na esplanada e nas estatais e darão prosseguimento a uma versão hard da cartilha que Dilma Rousseff já vinha adotando desde que jogou no lixo suas promessas e entrou de cabeça no programa do adversário de 2014.

    É preciso denunciar o golpe para avançar. Tão real quanto essa assertiva, é forçoso dizer: sem apontar opções e erros cometidos, não se avançará. Não se trata de ir atrás de culpados, mas de saber que a responsabilidade pelos 7 a 1 não é dos alemães, mas de nosso próprio time.

    O PT construiu, ao longo dos últimos 14 anos, um mito. O de que é possível mudar o Brasil sem conflitos ou rupturas.

    Durante um tempo de crescimento econômico – por fatores externos – essa senda pareceu exequível. Em tempos de retração, não mais.

    RITMO E INTENSIDADE

    Não haverá mudanças de rumo num governo Michel Temer. Elas serão de ritmo e de intensidade. Nas condições atuais, isso fará grande diferença.

    O que era o programa de Aécio, que Dilma escolheu para governar? Em rápidas palavras, fazia uma leitura de que os crescentes déficits orçamentários teriam de ser solucionados com um tratamento de choque. Haveria um descontrole inflacionário e a receita teria de ser uma trombada ortodoxa. Isso implicaria realismo tarifário nos preços administrados, austeridade orçamentária, elevação dos juros e toda a bula de manual neoclássico.

    O ajuste deflagrado no início de 2015 implicou cortes de investimentos e custeio, retirada de direitos trabalhistas, encarecimento do crédito e tesouradas do orçamento público.

    O ÊXITO DO AJUSTE

    O receituário, ao contrário do que se divulga, obteve êxito espetacular. Nunca foi propósito do ajuste promover desenvolvimento ou coisa que o valha.

    Através dele, realinhou-se o câmbio, reduziu-se a atividade econômica, derrubou-se o PIB, privatizou-se mais de vinte estatais – em especial do setor elétrico – aumentou-se o desemprego (era uma das molas mestras para se reduzir salários) e agravaram-se conflitos sociais. Tudo era perfeitamente previsível, ainda mais em meio à maior crise capitalista planetária das últimas oito décadas.

    Curiosamente, cumpria-se ali a máxima neoliberal: não há alternativas. Situação e oposição têm o mesmo diagnóstico e remédio. Ou, no senso comum lulista, todos podem se sentar em torno de uma mesa e chegar a um consenso sobre o melhor para o país.

    NÃO OUSA DIZER O NOME

    Há um problema nesse raciocínio: ele pode ser explicado, mas não pode ser dito. Durante a eleição, tornou-se para a campanha petista o programa que não ousa dizer o nome, para usar a terminologia de Oscar Wilde para o amor entre homens.

    Aécio e Dilma tinham em mente o mesmo ajuste. Ele anunciava como medidas salvacionistas. Ela execrou tal possibilidade.

    E ganhou.

    FICHA QUE NÃO CAI

    Talvez ainda demore para cair a ficha dos petistas sobre a imensa gravidade daquilo que ficou popularizado como “estelionato eleitoral”. Avaliam – penso eu – tratar-se de um problema, mas não tanto, pois FHC fez o mesmo em 1998. Prometeu estabilidade e, logo após tomar posse, houve fuga de capitais, crise cambial e elevação da selic a 44,95%, em março de 1999.

    O tucano colheu alta taxa de rejeição em todo o seu segundo mandato e perdeu a eleição de 2002. Como havia uma força política que se consolidava como nova organizadora do sistema – o PT – a institucionalidade não foi abalada.

    Ou seja, a agremiação de Lula começava a cumprir o papel de novo vetor de ordenamento político, em torno do qual as disputas se articulavam. Papel análogo foi cumprido pelo PMDB na segunda metade dos anos 1980 e pelo PSDB na década seguinte.

    Nas eleições de 2014, o quadro era outro.

    Um ano e meio antes, o Brasil fora convulsionado por espetaculares mobilizações. Sem compreender o mal estar social que se desenhava, as respostas oficiais foram insuficientes. Mas elas expressavam nas ruas um embate entre direita e esquerda, que viria à luz mais tarde.

    Em 2014, tivemos as mais disputadas e politizadas eleições presidenciais desde 1989, quando Lula e Fernando Collor terçaram armas em rede nacional. Na refrega que levou Dilma Rousseff ao seu segundo mandato, o diferencial foi em cima da independência do Banco Central, do comportamento da grande mídia e do repúdio ao ajuste e à perda de direitos. Algo raro em termos mundiais!

    Com um fator adicional: o enfrentamento se deu sem que houvesse um novo vetor organizador à vista. Para todos os efeitos, o PT seguiria cumprindo tal papel.

    LOGRO ELEITORAL

    A história a seguir é conhecida. Três dias após o fechamento das urnas, o BC eleva a taxa de juros – contrariando o discurso desenvolvimentista de campanha – vários personagens ligados à direita foram indicados para o ministério, medidas drásticas foram anunciadas na Economia e a popularidade da mandatária desabou logo nos primeiros meses.

    O eleitorado sentiu que havia sido logrado. Sentiu na conta de luz, no preço da gasolina, no aumento do desemprego e na queda da renda. E sequer recebeu explicação plausível para tão surpreendente guinada.

    O estelionato equivaleu a um torpedo disparado contra o principal pilar da democracia: a legitimidade do voto. O eleitor escolhe a partir de uma expectativa, lastreada em pregação dos candidatos. Quando se rompe a conexão entre voto e ação concreta, qual o valor das eleições?

    A ação petista desqualificou não apenas sua gestão, mas a própria prática democrática. E erodiu balizas de funcionamento da institucionalidade. Se a escolha popular nada vale, pode tudo, vale tudo.

    O AVANÇO DA DIREITA

    Ao voltar-se contra as bases sociais históricas do PT e perder seu apoio, Dilma aos poucos passou a ser uma presidente de rarefeita legitimidade popular. Ali pela metade de 2015, podia-se perguntar “Afinal, quem a presidente representa?”.

    As respostas são desencontradas. A tábua de salvação passou a ser alegar os 54,5 milhões de votos.

    Mas o número atesta uma situação específica do dia 27 de outubro de 2014. Garante a legalidade do mandato, mas não expressa um processo de perda objetiva de apoio.

    É justamente esse ponto, o da perda de apoios, que abre espaço para a direita.

    As forças conservadoras não mudaram. Seguem elitistas, excludentes e antidemocráticas como sempre foram. Mas ficaram contidas por mais de uma década diante da altíssima legitimidade dos ex-presidente Lula (2003-20010) e de Dima Rousseff em seu governo inicial (2011-2014). Isso garantiu que um pacto de convivência, estabelecido em 2002, fosse mantido.

    Ao perceber que o muro de contenção, materializado por sua representatividade social, fora implodido pela própria mandatária e que a prática democrática fora enfraquecida, a direita avançou em toda a linha, seja no Congresso, seja na mídia e nas ruas.

    DESCONFIÁVEL

    Dilma aplica o programa da direita, mas não é totalmente confiável à direita. Ela pode entregar o pré-sal, formular a Lei Antiterrorismo, sancionar a lei da mordaça contra a esquerda nas eleições, pode privatizar, financeirizar etc., mas não basta.

    Dois problemas apareceram.

    O primeiro é a profundidade da crise. Com o fim do superciclo das commodities, não há mais excedente a ser distribuído. Acabou o ganha-ganha para ricos e pobres e é necessário preservar os interesses dos de cima. Isso está sendo feito via recessão e desemprego.

    Sendo mais claro, acabou o pacto estabelecido em 2002, entre o PT e as classes dominantes. A Carta aos Brasileiros, em síntese dizia: podem governar, desde que não toquem em nada do que é essencial. Assim, preservou-se a política econômica de FHC, não se mexeu na Lei de Anistia, nos monopólios da mídia, na propriedade da terra e os ganhos do topo da pirâmide social ficaram intocados.

    O segundo é que agora, para concretizar tais ganhos, é essencial reprimir os de baixo. E isso, até agora, o governo Dilma não fez, até mesmo pelas ligações históricas do PT com o movimento popular.

    Numa situação de agudização da luta de classes, enfrentar esses setores é imprescindível. É urgente seguir o exemplo dos estados de São Paulo, Paraná e Goiás – governados pelo PSDB -, onde um Estado de exceção informal já vigora.

    O GOLPE

    É nesse quadro que aparece o atalho do impeachment para dar o golpe que não ousa dizer o nome. É bulindo com juízes carreiristas, instrumentalizando a Polícia Federal – diante da omissão governamental – e usando à larga os meios de comunicação (financiados e prestigiados pela administração federal) que se chega ao resultado de 367 a 137 na Câmara.

    O golpe não veio de fora da coalizão governamental, mas de seu interior. Não foi um embate clássico situação versus oposição, mas a expressão clara do esgotamento do pacto. Não foi um golpe em uma noite de verão. Foi meticulosamente construído pelos dois lados.

    A noite de 17 de abril de 2016 entrará para a História como uma infâmia. O rebotalho da política esganiçou-se ao microfone para agradecer à Deus, à família (e à propriedade, poderíamos dizer) e chancelou um tapetão institucional na democracia brasileira.

    O problema desta não é o fato de ser jovem e tenra. É o fato de ser uma democracia de classe, num país de abissais diferenças sociais. Por isso ela é instável.

    REBELIÃO E DESOBEDIÊNCIA

    Resta aos democratas a denúncia, a rebelião, a desobediência civil e a luta. E a necessidade premente de se reconstituir não apenas a esquerda, mas um novo vetor progressista.

    A grande novidade foi a constatação de que existe uma esquerda de massas viva e pujante. Talvez as frentes surgidas nessa guerra – A Povo Sem Medo e a Brasil Popular – sejam embriões de um novo polo organizativo.

    Não nos iludamos: o governo Temer terá imensas dificuldades para se estabilizar. A crise é profunda. Mesmo usando o discurso da “herança maldita”, brandido pelo PT há mais de uma década, sem melhorar minimamente a vida do povo, sua já escassa legitimidade irá pelo ralo.

    Enfim, é hora de lamber feridas.

    Mas é urgente examinar os erros e insuficiências desse período. Só assim será possível andar para a frente e não suar numa esteira, na qual tem-se até a ilusão de correr sem sair do lugar.

    *Professor de Relações Internacionais da UFABC e ex-candidato do PSOL ao governo de São Paulo (2014)

  • O RESULTADO DA VOTAÇÃO ESTÁ EM ABERTO – A RUA DECIDE!

    O RESULTADO DA VOTAÇÃO ESTÁ EM ABERTO – A RUA DECIDE!

    Estudo exclusivo de da socióloga Thais Moya para os Jornalistas Livres. Ela é pós-doutorada pela Unicamp e ficou conhecida por seu estudo e cruzamentos que desnudaram a Planilha da Odebrecht, revelando que a direita e Eduardo Cunha eram os grandes protagonistas do esquema da empreiteira. O estudo de Thais aponta: há 337 deputados favoráveis ao golpe, 145 contrários e de fato apenas 5 indecisos (ela estima 26 ausentes). A  intuição de Thais: 340 golpistas e 146 democratas. Se for isso mesmo, o golpe não passa. Leia o estudo.


     

    Neste domingo, a Câmara dos deputados decidirá pela abertura ou não do processo de impeachment. Para que o processo seja aberto é necessário que dois terços dos deputados votem favoravelmente, o que corresponde a 342 votos. Essa quantidade de votos é necessária independentemente da quantidade de votos contrários e também das abstenções e ausências no dia. Ou seja, ou conseguem 342 votos, ou não aprovam a continuidade do processo de impeachment de Dilma.

    O senador Roberto Requião, PMDB/PR, anunciou, na manhã de ontem, sábado (16), que deputados estavam deixando Brasília com intuito de não participarem da votação.

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    Até 22h de sábado, 488 deputados registraram presença na sessão que começou as 18h58, o que demonstra que 25 deputados não estão na Câmara a poucas horas da votação. Destes 25, mais de 80% não registraram presença nas três sessões anteriores do mesmo dia.

    Em 1992, na votação do impeachment de Collor, houve 23 ausências e abstenções, ou seja, em torno de 5% da Casa. Não seria surpreendente se a mesma parcela se ausentasse nesse domingo.

    Dos 25 deputados que não registraram presença, onze se manifestaram favoráveis ao impeachment, dez contrários ao processo e quatro se dizem indecisos. Arrolados nos partidos PEN, PMDB, PP, PR, PROS, PSB, PT, PTB, PT do B, PTN, PV e SD.

    Se essas projeções de ausências se concretizarem na votação, os dois lados poderão perder em torno de dez votos já contabilizados, o que colocaria o grupo favorável ao impeachment numa margem ligeiramente inferior aos 342 de votos necessários.

    Esta margem aumenta se cruzarmos os dados dos mapeamentos realizados por movimentos favoráveis e contrários ao impeachment (Vemprarua.net e mapadademocracia.org.br), pois a relação de indecisos não são compatíveis, o que revela um cenário ainda mais imprevisível para votação.

    O “mapa da democracia”, realizado por movimentos contrários ao impeachment, contabiliza 20 nomes entre os indecisos, já o “mapa do impeachment”, do movimento golpista, contabiliza 27 deputados indecisos. Além dos números não baterem, os nomes dos indecisos variam muito em cada mapa. Apenas 8 deputados estão nas duas listas, ou seja, há uma variação de mais 15 nomes entre contrários e favoráveis.

     

    Indecisos nos dois mapas
    Aníbal Gomes – PMDB/CE
    Brunny – PR/MG
    Hissa Abrahão – PDT/AM
    José Priante – PMDB/PA
    José Reinaldo – PSB/MA
    Marcio Alvino – PR/SP
    Paes Landim – PTB/PI
    Tiririca – PR/SP

    Quando se faz a conferência dos nomes incompatíveis, se percebe que há 17 nomes que o “mapa do impeachment” coloca como indecisos, porém, no “mapa da democracia” aparecem como contrários. No lado inverso, havia 8 nomes como indecisos no “mapa da democracia” que aparecem como contrários no “mapa do impeachment”. Fora isso, há 4 nomes que o “mapa do impeachment” coloca como contrários que o “mapa da democracia” considera como indecisos.

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    Portanto, entre 40 indecisos presentes nas duas relações, 21 são potencialmente contrários ao impeachment. Dos 19 restantes, 9 são potencialmente favoráveis, restando 10 totalmente imprevisíveis.

    Usando a projeção dos mapas teríamos um placar de 155 contrários, 10 indecisos e 348 favoráveis.

    Subtraindo as possíveis ausências, seria um placar aproximado de 145 deputados contra o impeachment e 337 golpista, restando em torno de 5 indecisos que podem fazer toda diferença (para o total de 513 faltam 26, que devem ausentar-se mantida a proporção de 1992).

    A pressão popular será decisiva. Todos contra o golpe!

  • DATAFOLHA DESMORALIZA O GOLPE

    DATAFOLHA DESMORALIZA O GOLPE

    Por Lindberg Farias

    A estas horas do final de sábado, imagino os golpistas entre aturdidos e desesperados ao ler e interpretar os dois principais dados da pesquisa Datafolha publicada na noite de hoje, que são os seguintes:
    1) estourou no ar em pleno vôo o balão golpista do impeachment da presidenta Dilma;
    2) os candidatos tucanos (Aécio, Serra e Alckmin) despencam, enquanto Lula se mantém e consolida como principal alternativa factível de poder nas eleições de 2018. O jogo começou a virar para o nosso lado.

     

     

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    Derrotada a manobra do impeachment, a candidatura de Lula a presidente tenderá ao crescimento. Impressiona a resiliência popular da figura de Lula. Repetindo o bordão conhecido, nunca antes na historia desde país (e certamente do mundo), uma liderança política passou por um processo de linchamento midiático na dimensão do Lula. Tentaram transformá-lo, como eu disse ontem na tribuna do Senado, em um cidadão “aquém da lei”, um homem que não pode ser ministro mesmo sem ser réu ou acusado em nenhum inquérito.

    O linchamento fracassou. Lula não apenas sai vivo do linchamento, como lidera pesquisas das eleições presidenciais. Continua avaliado, em pesquisa espontânea, o melhor presidente da história do país (40%).

    Em paralelo, cresceu nas últimas semanas um belo movimento social de valores progressistas de elevado grau de espontaneidade, nas redes sociais e nas ruas. Enquanto isso, os movimentos de direita declinam a olhos vistos. Ninguém aguenta mais ódio, rancor e ressentimento como estratégia de crescimento político.

    Enquanto todas as atenções estavam voltadas para a crise política, a economia começou a dar sinais de reanimação. A inflação caiu, as bolsas subiram e a balança comercial emitiu sinais positivos. Acaso consolidado na próxima semana a vitória contra o impeachment, o governo Dilma se fortalece e passará a viver um novo momento. Literalmente, recomeça o governo, permitindo uma mudança de rumos que promova o reencontro com o programa vitorioso de outubro de 2014, reacendendo a chama do nosso projeto e acumulando forças para chegarmos às eleições de 2018 competitivos.

    Não se trata mais de repetir êxitos do passado, dos tempos recentes em que Lula e o lulismo proporcionaram um momento mágico de formidável afluência social dos mais pobres, combinado com a manutenção da lucratividade das empresas e os rendimentos do capital financeiro. A realidade do ganha-ganha capital-trabalho mudou. Chegou a hora de um programa de reformas estruturais visando resolver a desigualdade do conflito distributivo do capitalismo brasileiro.

    Todos os pré candidatos tucanos despencam nas simulações do Datafolha. O instituto simulou dois cenários, Aécio e Alckmin. Embora não pesquisado, certamente o cenário contra Serra não seria diferente.

    No confronto com Lula, que lidera com 21%, Aécio pontua ralos 17%, em queda livre desembalada de 9 pontos percentuais em relação aos 26% que angariava em dezembro de 2915; Alckmin declinou de 14% a 9% de dezembro para cá, ao passo que Lula obtém robustos 21%, em empate técnico com Marina.

    Suprema ironia, após duas décadas, os tucanos começam a perder para outras forças políticas, a exemplo de Marina e a direita, o posto de antagonista na polarização contra Lula e o PT.