Ufa, finalmente, por unanimidade (3 x 0), as 450 famílias do acampamento Quilombo Campo Grande tiveram, na tarde de hoje, 11, a confirmação, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em Belo Horizonte, de que as terras da usina falida Ariadnópolis, em Campo do Meio, no Sul de Minas, pertencem a elas, assim como sua história de 21 anos de luta e produção. A emoção tomou conta das trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra.
O juiz Luciano Pinto, junto com a turma de desembargadores do TJMG, decidiu a favor dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do acampamento Quilombo Campo Grande. Eles consideraram que a falida empresa Cápia já havia desistido de qualquer liminar de despejo numa audiência de conciliação realizada anos atrás, como constava no processo.
O advogado das famílias do acampamento, Cézar Britto, mostrou as contradições do pedido de despejo e chamou atenção para o absurdo de se conceder uma liminar após sete anos de tramitação no Judiciário. Para ele, a permanência dos acampados comprova o direito de posse da terra. A defesa apontou também a desistência da empresa sobre o processo durante uma audiência, anos atrás.
Britto destacou também as dívidas trabalhistas deixadas no município de Campo do Meio pelos latifundiários que agora queriam expulsar as famílias das terras do Quilombo Campo Grande.
Os moradores do Quilombo Campo Grande são responsáveis pela produção de inúmeros alimentos no local, dentre os quais o café, uma cultura própria da região que no ano passado chegou a 8.500 sacas produzidas. Um dos destaques é o café da marca Quaii, hoje vendido em vários estados e também exportado para alguns países.
Conhecida também como Fazenda Ariadnópolis,o Movuimento dos Sem Terra (MST) disputa a área desde 1998 para destiná-la à reforma agrária. A Ação Reintegratória de Posse 0024.11.188.917-6 foi requerida em 2011 pela massa falida da Capia, antiga administradora da Usina Ariadnópolis Açúcar e Álcool S/A. Parado na Justiça por cinco anos, o processo ganhou força após a homologação do plano de recuperação judicial da Capia em 2016.
A empresa faliu em 1996 sem pagar os direitos trabalhistas de seus funcionários – alguns ainda não tiveram a baixa na carteira de trabalho, assim como a rescisão, FGTS e INSS. Cerca de 140 das famílias do Quilombo Campo Grande são de ex-empregados ou filhos de ex-empregados da Capia.
A empresa alega que um investidor estaria disposto a garantir a produtividade do terreno. As famílias acampadas já produzem no local. Além da produção de café, são 1.100 hectares de lavouras diversas, como milho, feijão, mandioca, amendoim, ervas medicinais, frutas e hortaliças.
Por Patrícia Zaidan e Martha Raquel, especial para os Jornalistas Livres
Quem desconfia de Carmen Silva Ferreira – baiana, 59 anos, mãe de 8 filhos, retirante que dormiu nas ruas de São Paulo no início dos anos 1990 e tornou-se líder do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC) – pode entender melhor esta mulher ouvindo personalidades importantes que a viram transitando no Congresso Nacional, em gabinetes de juízes, prefeitos e governadores, falando em audiências públicas, universidades, unidades do Sesc…
Ela é conhecida por levar reivindicações e apresentar soluções criativas em todos os lugares onde são tomadas decisões que afetam o povo sem endereço e sem visibilidade. Para além da injusta e desnecessária decretação de sua prisão, em 24 de junho, sob acusações de extorsão e envolvimento com bando criminoso, Carmen, como explicam os entrevistados desta reportagem, é uma brasileira rara e imprescindível para a sociedade. Já ganhou inúmeros prêmios, entre eles o da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas (pela petulância em devolver vida a prédios abandonados no coração da capital paulista); o de melhor atriz, por Era O Hotel Cambridge, dirigido por Eliane Caffé, que conta a história da ocupação do hotel dos anos 1950, o Prêmio APCA e mais outros nos festivais do Rio de Janeiro, San Sebastián e Rotterdam.
Mas o melhor de Carmen, dizem os 16 especialistas ouvidos pelos Jornalistas Livres, está na audaciosa metodologia que desenvolveu para reduzir o déficit habitacional da cidade e gerir ocupações. Uma delas, a Ocupação 9 de Julho, serve também de palco para o exercício da cidadania e a discussão da democracia – considerando que democracia só pode existir a partir de uma cidade oxigenada e em equilíbrio, pois é nela que as pessoas pulsam, se expressam e se organizam.
Carmen sabe que há muito a fazer até zerar a demanda de quase 1 milhão de cidadãos em busca de 358 mil lares na capital. A conta poderia fechar mais rapidamente se no centro expandido, por exemplo, fossem aproveitados os 700 imóveis privados que se deterioram e devem IPTU há décadas, e as centenas de prédios da União, do Estado e do Município igualmente imundos, sob risco de ruir e descumprindo a “função social da propriedade”, conforme exigência da própria Constituição Brasileira. A baiana já tirou quase 3 mil pessoas de moradias subnormais e dos baixos de viadutos, promovendo ao mesmo tempo inclusão social, bem-estar, acesso à saúde, cultura, escola… São ações que, ao final, têm impactado positivamente o cotidiano da cidade inteira.
Mas seus atos também incomodam. Ao prenderem de forma ilegal dois filhos de Carmen (a cantora e produtora cultural Preta Ferreira e o educador Sidney Ferreira, que tiveram o pedido de Habeas Corpus negado e seguem presos há 13 dias), o que queriam, na verdade, era atingir a líder. Perseguida no inquérito policial que repete denúncias infundadas, das quais foi inocentada no ano passado, ela não está sozinha. Neste grave momento, 16 pessoas de destaque na sociedade, com quem Carmen construiu relações de respeito e fraternidade, falam também do seu caráter e do seu empenho pessoal. O que eles revelam:
Fernando Chucre
Fernando Chucre,secretário municipal de Urbanismo e Licenciamento da gestão Bruno Covas e ex-secretário de Habitação da administração João Dória:
“Nos últimos meses, há um grande esforço da prefeitura para requalificar a área central de São Paulo. Existem projetos estratégicos; entre eles os de habitação são essenciais. Levar famílias para viver ali, onde tem inúmeras atividades de dia e nada à noite, talvez seja o mais relevante para a requalificação. Outra observação: no centro estão os empregos. Fazer casas nas extremidades da cidade pode ser mais barato, mas não inclui o custo com escolas, saúde e transporte. E o cidadão tem que gastar duas horas para chegar ao trabalho e duas para voltar. Há terrenos desocupados e inúmeros prédios não utilizados que deveriam ser destinados à moradia de 350 mil pessoas.
Ao assumir a Habitação, chamei os movimentos para conhecer as demandas, ver o que podia e o que não podia ser feito. Conheci Carmen Silva neste momento. Continuamente, ela fazia a defesa das pautas da habitação. É uma mulher extremamente segura e envolvida com o movimento que administra. No incêndio do prédio Wilton Paes, no Paissandu [em 1º de maio de 2018], a prefeitura montou um grupo de mediação de conflitos e visitou todas as ocupações [no centro há cerca de 70 prédios habitados por 4 mil famílias. O Wilton Paes pertencia à União e esteve abandonado por 17 anos até ser ocupado pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), que não mantém nenhuma proximidade e nada tem a ver com o MSTC de Carmen, como ela já declarou algumas vezes]. Entre os mediadores, atuavam técnicos da prefeitura em segurança, assistência social, saúde, além de acadêmicos e representantes dos moradores. Eles encontraram diferentes situações: havia lideranças que tinham compromisso e alguma articulação para moradia definitiva, entre os quais Carmen se destacava. Havia também casos de polícia.
O movimento de Carmen conseguiu o retrofit [reforma de imóvel antigo] para o Hotel Cambridge[com financiamento da Caixa Econômica Federal, dentro do programa Minha Casa Minha Vida-Entidades, a obra segue sob severas e constantes fiscalizações do poder público. Com Carmen sempre à frente]. O empreendimento deve ficar pronto em breve. Eu tenho muito respeito por ela.”
José Armênio de Brito Cruz
José Armênio de Brito Cruz, presidente da SP Urbanismo, empresa de administração indireta da prefeitura paulistana:
“Podemos não fazer a mesma ação. Mas Carmen e eu estamos caminhando com objetivos iguais, na mesma direção. Na primeira vez que nos vimos, eu presidia o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). O Cambridge começava a se institucionalizar. Carmen dedica a vida a isso, com atitude republicana na organização dos que precisam de uma casa – no Brasil são 6 milhões de famílias nessa situação. Ela transitou muito bem em todas as administrações municipais nas últimas décadas. Tem uma visão bastante madura, enfrenta o problema de moradia sem viés político. Há líderes que colocam siglas partidárias acima da reivindicação.Carmen não gera demandas de infraestrutura e defende a ideia de que a cidade fica melhor estruturada com todos morando onde os equipamentos públicos já funcionam. Essa idéia é muito mais inteligente do que ocupar uma área rural e tentar colocar lá o que as pessoas precisam para sobreviver. São Paulo tem, em média, 100 habitantes por hectare; Paris, 275. É um assunto de economia urbana, de diversidade populacional e de otimização dos recursos disponíveis. Carmen enxerga isso e contribui para atingir esse planejamento urbano tão necessário.”
Philip Yang
Philip Yang, fundador do Instituto Urbem, empresário do setor de petróleo, gás, mineração e energia, mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School, serviu como diplomata brasileiro em Genebra, Pequim e Washington:
“Eu dava uma palestra no Insper [instituto de ensino e pesquisa, com cursos de graduação, pós-graduação e educação executiva] quando notei Carmen na sala. Ela daria uma aula depois da minha, e disse que havia chegado mais cedo para me ouvir. Eu fiquei para assistir à aula dela, e aceitei o convite para conhecer a Ocupação 9 de Julho. É preciso separar o que é legítimo do ilegítimo. Com este propósito, eu já andava visitando ocupações. Carmen atua numa lacuna da sociedade, em um modelo parecido com o da Enterprise Community [organismo sem fins lucrativos sediado em Columbia, Maryland, que constrói habitações acessíveis nos Estados Unidos para famílias de baixa renda]. Essa organização tem um braço de financiamento e outro de gestão – algo que as empresas sociais brasileiras ainda não conseguiram, e que Carmen maneja muito bem. Ela vem desenvolvendo uma metodologia que não tem paralelo na cadeia econômica do país. Seu sucesso está baseado na busca de financiamento, gestão territorial, predial e de pessoas. Ela ainda responde pela administração comunitária da obra de recuperação do imóvel. Botar na cadeia pessoas como Carmen é um retrocesso enorme na construção dessa metodologia que não está presente em nenhuma organização brasileira. Trata-se de um trabalho de enorme distância de outros que praticam extorsão, traficam drogas, cometem delitos graves. Criminalizar, prender movimentos como o dela é jogar fora a água suja com o bebê junto.”
Cássia Naves Fellet
Cássia Maria Andreucci Naves Fellet, psicanalista, pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros, da USP, trabalha em uma tese de mestrado sobre saúde mental nas ocupações organizadas:
“Eu me apresentei a ela como pesquisadora. Imediatamente Carmen afirmou que as assembleias do movimento eram às quintas, deu o endereço, e disse que eu fosse também participar da reunião da coordenação, às segundas. Nunca havia me visto. Podia não querer que um profissional estranho observasse o seu trabalho. Mas tem uma percepção rápida das coisas e muita sagacidade. Carmen não fez uma universidade, porém intui a resposta possível em contextos difíceis. Sua resposta a eles é sempre no sentido de fazer render proveito e benefícios para o coletivo. Ela tem uma ambição grande, de levar junto as pessoas que, com ela, sobreviveram à situação de vida precária. Com sua capacidade, podia estar trabalhando em qualquer tipo de negócio, dirigindo uma empresa na iniciativa privada. Gosta de aprender com quem ela se relaciona.Usa muito bem sua prodigiosa memória e seu raciocínio em conversas com autoridades. Por isso não as teme. Filha de um militar, muito disciplinada e obstinada, conseguiu fazer sua trajetória apesar dos dramas. Enfrentou a opressão do pai e do marido possessivo, sofreu muito ao deixar os filhos na Bahia até o dia que conseguiu trazer todos para São Paulo. Por tudo isso, percebe rápido as brechas que aparecem. Entra por elas e decide logo para onde seguir. Poderia ter ficado mais fechada e protegida pelo pessoal do movimento, mas sabe que não deve nada a ninguém. Ao contrário, é a sociedade que deve a ela. Por isso é arrojada, não se intimida nem se põe submissa a nenhuma personalidade que esteja no poder. Está muito consciente da dívida que a história tem com ela e com as outras pessoas de origem semelhante.”
Paulo Tavares
Paulo Tavares, co-curador da Bienal de Arquitetura de Chicago:
“Convidamos Carmen para mostrar na Bienal de Chicago [a maior exposição de arquitetura das Américas, que acontece em setembro] como funciona a Ocupação 9 de Julho. Ela estará entre acadêmicos de relevância internacional. A escolha ocorreu depois que estivemos em São Paulo, em 2018, com o objetivo de pesquisar e definir o que levar à mostra. Fizemos um workshop na Ocupação e notamos que se tratava de uma das experiências contemporâneas mais significativas de habitação social e reforma urbana inclusiva.Não só no Brasil, mas no mundo. Isso pesou para que nossa equipe curatorial incluísse o MSTC como participante, e ele terá lá um pavilhão. Na ocupação estão 121 famílias, cerca de 400 pessoas morando de forma adequada, com serviços educacionais, oficinas de artesanato e capacitação profissional. Carmen é uma das entrevistadas no livro que lançaremos pela editora da Universidade de Columbia. Há alguns meses, publicamos uma carta aberta para somar esforços na defesa da Ocupação, que está sob a ameaça de despejo [em abril, após um longo processo, o edifício localizado numa das áreas centrais mais cobiçadas por especuladores imobiliários, passou a ser propriedade do Instituto de Previdência Municipal de São Paulo]. O despejo não pode acontecer. O impacto sobre as famílias seria gravíssimo.”
Ermínia Maricato
Ermínia Maricato, arquiteta, urbanista, professora, pesquisadora e fundadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). Defende a reforma urbana no país, participou da criação do Ministério das Cidades e integra o comitê nacional do BR-Cidades:
“No Brasil só se fala em parcerias para o setor privado lucrar, como é o caso das Parcerias público-privadas, as PPPs. Poderíamos vislumbrar a Parceria público-social. Com Carmen, por exemplo, em uma dessas relações. Mais de 85% da população brasileira mora nas cidades, e elas ainda não superaram as suas desigualdades históricas. Isso precisa ser repensado urgentemente. Carmen faz isso. Ela tem uma capacidade de administração rara. Por meio de uma taxa razoável [fixada em 200 reais mensais, com a possibilidade de acréscimos, decididos em assembleias de moradores, quando ocorrem emergências ou necessidade de reparos], consegue enfrentar as despesas de condomínio, segurança e manutenção preventiva. Propicia moradia para gente que jamais teria meios de morar no centro.A cidade, ao contrário, exclui a população pobre e a joga nas mãos do crime organizado. É ele que está loteando as áreas de proteção dos mananciais, atraindo gente para os extremos, caso de Parelheiros, ao Sul, e da Cantareira, ao Norte. Os prejuízos atingem a todos nós, uma vez que essa ocupação desordenada contamina e torna imprópria a água que bebemos. Em vez de olhar preconceituosamente para pessoas como Carmen, devíamos perceber que elas têm solução para oferecer. Ela tem uma autoridade que pouca gente na gestão pública apresenta. Segura o crime organizado fora das ocupações. É uma heroína. Um dia, perguntei ‘Como você consegue isolar a ocupação do crime organizado, que está tomando conta da cidade?’ E Carmen respondeu: ‘Eu falo mais alto, e eles me respeitam. Não entram nas nossas ocupações’. Então, por que não tomar uma pessoa como esta como parceira na gestão de uma cidade tão complicada?”
Vinicius Andrade
Vinicius Andrade, arquiteto, urbanista, professor da Escola de Cidade, é responsável pelo projeto de reforma da fachada da Ocupação 9 de julho:
Muitos prédios do centro oferecem riscos para a segurança, estão se desmanchando sobre a cabeça das pessoas. Carmen me chamou para projetar a recuperação da fachada do edifício da 9 de Julho, que é do arquiteto Jayme Fonseca Rodrigues, inaugurado em 1943, foi sede do INSS e tem 14 pavimentos concebidos para atividades de escritório. O reboco há muito tempo vinha se quebrando e caindo. Estamos criando uma solução contemporânea, uma segunda fachada elegante e que funcionará como proteção mecânica para o reboco não demandar manutenção nos próximos 50 anos. Eu atendi ao chamado de Carmen porque reconheço que ela é parte da solução do problema habitacional, vai no sentido oposto da desastrosa política das PPPs e dos projetos que, como o Minha Casa Minha Vida que, de forma distorcida e ineficiente, acabaram produzindo o isolamento das pessoas ao colocá-las longe de onde a cidade verdadeiramente acontece. Carmen é inovadora, forma lideranças, educa crianças que vão replicar o modelo em outras situações.”
Darci Frigo
Darci Frigo, advogado, ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, coordenador da Plataforma de DHesca Brasil, que defende direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais:
“No incêndio do edifício Wilton Paes começou a perseguição à Carmen[embora ela não tenha nenhuma ligação com o movimento que mantinha o prédio que desabou deixando mais de cem famílias desabrigadas]. Ao longo da minha carreira, vi inúmeras vezes processos semelhantes, de criminalização da luta social. Sempre buscam desmoralizar as ações como meio de destruir a reputação das lideranças populares. De antemão, em uma visão de seletividade penal, tentam tirar da legalidade um trabalho como o dela. Carmen circula no poder público para garantir direitos da população sem-teto. Nunca se aproximou para fazer nenhum tipo de proposta que a beneficiasse pessoalmente. Nunca a vi buscar algo para proveito próprio. É, em Brasília, conhecida como líder que defende minorias.”
Renato Cymbalista
Renato Cymbalista, professor de História do Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da USP, presidente do Instituto Pólis, que trabalha na construção de cidades sustentáveis e democráticas. Dirige o Fundo Imobiliário Comunitário para Aluguel (Fica):
“O que considero interessante é a troca de experiências que Carmen promove. Ela abre a ocupação para a vizinhança e diminui a segregação ao reunir ali artistas, jornalistas, ativistas, estudantes, organizações que levam eventos de cultura, gastronomia, saúde. A ocupação se mostra menos como o lugar de enfrentamento e mais de articulação e interlocução, até mesmo com quem o movimento não concorda completamente. Carmen tem convicções políticas definidas, mas se dispõe a dialogar com todos os setores. Temos agendas comuns e a ideia de que não iremos longe se deixarmos a cidade ser negociada sob as leis do mercado e da propriedade privada.”
Augusto de Arruda Botelho
Augusto de Arruda Botelho, advogado, especialista em direito penal:
“Decidi participar da defesa da senhora Carmen Silva pela injustiça que o processo significa. As denúncias são muito semelhantes às respondidas por ela anteriormente. Algumas testemunhas de acusação, inclusive, depuseram no processo no qual Carmen foi absolvida [em 2018]. O Ministério Público havia tentado a prisão preventiva na primeira e na segunda instâncias. Na época, a prisão foi considerada absolutamente desnecessária, o que reforça a desnecessidade da prisão decretada hoje. Se a detenção não ocorreu quando havia um processo criminal, muito menos deve acontecer agora, pois não há sequer uma acusação formal.”
Nabil Bonduki
Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP:
“Eu estava lá quando o prédio do INSS foi ocupado pela primeira vez há cerca de 20 anos. Conheci Carmen nesta situação. [O local chegou a ser desocupado e voltou às mãos do MSTC em 2016]. Vi o que era aquele edifício e no que ele se transformou, agora habitado por mais de cem famílias. A Carmen não apenas conduz o movimento; ela é esse movimento. Como liderança, cresceu muito ao longo desse tempo. Desenvolveu uma visão ampla da cidade e daquilo que um cidadão pode fazer para melhorar a vida dos seus semelhantes. Não é mais uma liderança que está mudando o conceito de moradia. Carmen está lutando por uma cidade melhor, com qualidade de vida estendida a todos nós.”
Lizete Maria Rubano
Lizete Maria Rubano, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, participa do conselho nacional do BR-Cidades:
“Foi uma cena lindíssima. Carmen estava muito à vontade apresentando a experiência da ocupação do Hotel Cambridge na universidade Mackenzie. Os jovens estudantes encheram a plateia. Eles levantavam a mão e perguntavam: ‘No que a gente pode ajudar? O que a gente pode fazer para atuar nas ocupações?’ Ela respondeu: ‘Olha, na hora que descobri que arquiteto e urbanista fazem canalização de água e instalação elétrica, entendi que vocês podem ajudar em tudo isso e muito mais’. Eles ficaram felizes ao perceber que seriam muito bem-recebidos. O grande aprendizado da universidade com os movimentos sociais é que se pode fazer habitação de muita qualidade sob gestão da população e com apoio do Estado.O mínimo suporte dado por ele, no sentido de possibilitar e viabilizar essa experiência, representa um avanço na política habitacional.”
André Czitrom
André Czitrom, empresário.
“A empresa da qual sou sócio, a Magik JC, trabalha no centro, onde conheci Carmen. Produzimos edifícios dentro do programa Minha Casa Minha Vida em terrenos vizinhos ou próximos de onde os movimentos por moradia atuam. Lembro que uma vez ela visitou um de nossos empreendimentos e, pouco tempo depois, eu retribuí a visita. Já dividimos mesas de debate sobre a dificuldade de produzir habitação de qualidade e bem localizada, que continua sendo nosso desafio. Ela compreende a importância e a força do mercado, por isso o vê como parceiro estratégico, com quem vale a pena unir forças. É uma das poucas lideranças com capacidade de dialogar com funcionários públicos, com a iniciativa privada e até com aqueles que discordam de sua atuação. Ela realiza a partir das ideias que surgem. Reúne experiência prática e fundamental para aprendermos a desenvolver saídas mais acessíveis para toda a população.”
Eugênia Gonzaga
Eugênia Gonzaga, procuradora federal, presidente da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos:
“Não como convidada, mas como cidadã fui ao festival O Povo Pode, realizado na Ocupação 9 de Julho[o evento, em setembro de 2018, contou com shows, intervenções artísticas e discussões sobre democracia].Carmen me mostrou tudo. Percebi o cuidado que tem para que o movimento não seja deturpado, para que o ambiente seja positivo e para que aquela população seja assistida em educação e saúde [a Unidade Básica de Saúde-República atua dentro da ocupação, vacina crianças e adultos, faz prevenção de violência doméstica e gravidez precoce]. Soube que ela busca e consegue parcerias com o Ministério das Cidades e as Secretarias de Habitação do Estado e do Município com atitude republicana. Do contrário, não as obteria. E interage com outras iniciativas de cidadania. Ajudou a divulgar a Caminhada do Silêncio, que realizamos no Parque Ibirapuera [dia 31 de março passado, para lembrar e refletir sobre os que morreram enquanto lutavam pela redemocratização do país]. Reunimos dez mil pessoas. Carmen estava presente.”
Frei Alvaci Mendes da Luz
Frei Alvaci Mendes da Luz, pároco da igreja de São Francisco, reitor do Santuário São Francisco, responsável pelo trabalho da Pastoral da Criança na Ocupação 9 de Julho:
“Há 2 anos iniciamos um trabalho da Pastoral da Criança na região central. Nosso território está cercado por prédios ocupados. Entramos em vários deles. Os líderes sinceros e preocupados querem que as pessoas tenham um lugar digno para morar, um endereço físico para informar quando procuram emprego. Eles foram receptivos ao nosso trabalho. Os voluntários da igreja vão, conversam com famílias, acompanham gestantes, crianças, mulheres em aleitamento. Carmen facilita muito a ação. Na Ocupação 9 de Julho, que tem um espaço mais generoso, realizamos programações de férias. Levamos crianças de outras ocupações para brincar lá e praticar atividades, como pintura. Também levamos as da 9 de Julho para momentos de lazer na Ocupação José Bonifácio. Eu descrevo Carmen como uma mulher com espírito de liderança. É uma líder nata. Também incisiva e dura, mas é necessário. Em um lugar que reúne muita gente, pessoas de diferentes raízes e temperamentos, é preciso, muitas vezes, ser rigoroso e assertivo.”
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Carla Caffé
Carla Caffé, diretora de arte do filme Era o Hotel Cambridge, arquiteta, urbanista, professora da Escola da Cidade:
“O encontro da Escola da Cidade com os movimentos de moradia tornou-se uma forma dinâmica de sair dos muros, interagir com o campo, pesquisar as pessoas que buscam soluções para os vazios urbanos, para a falta de mobilidade de quem trabalha no centro e quer viver ali onde tem hospital, metrô, cinema, lazer… Trocamos muitas experiências com as ocupações e acabamos escolhendo a Ocupação que funcionava no antigo Hotel Cambridge, do MSTC, para fazer o filme. Tinha tudo o que precisávamos: Carmen já havia entrado com os moradores e tirado toneladas de entulhos, caiado as paredes. Ela se tornou a estrela do filme. Para as imagens, era ótima a circulação das escadas abertas, a existência da biblioteca, do lugar para capoeira, a cozinha para fazer o pão, as costureiras produzindo camisetas e bandeiras. A comunidade se resolvia bem: em um prédio alto, sem elevador, quem morava no 11º andar não precisava descer até a rua para comprar xampu, óleo, miojo. Tudo era vendido por ali mesmo. Refugiados viviam no prédio. Depois de passar por todo processo protocolar, eles, em geral, se perdem sem apoio de qualquer organização, muito menos do Estado brasileiro. Quem abraça esse exército de pessoas desesperadas por qualidade de vida é o movimento de moradia. Criou-se um poder muito grande de transformação no Cambridge. E para isso uma liderança, com gestão colaborativa, foi fundamental. O filme ganhou prêmios, rendeu muito prazer. Para os alunos da Escola da Cidade as pesquisas nas ocupações foram, e segue sendo, um aprendizado vivo de como se preparar para os novos tempos, desenvolvendo uma inteligência social, uma inteligência compartilhada para pensar a cidade.
Hoje, 1° de julho, os moradores da Ocupação Tomás Balduíno, na localidade de Areias, município de Ribeirão das Neves, na Grande Belo Horizonte, fizeram uma manifestação para exigir uma posição da prefeitura diante do conflito fundiário que há mais de cinco anos aflige as 300 famílias que construíram a comunidade.
Após a recusa injustificada dos autores da ação de reintegração de posse em realizar um acordo, os moradores marcharam para cobrar da prefeitura de Neves um posicionamento mais decisivo para garantir uma solução pacífica e negociada que efetive o direito à moradia.
A Ocupação Tomas Balduíno está totalmente consolidada e hoje é referência em produção agroecológica, saneamento ecológico e coleta seletiva. Tudo isso construído com muito esforço e com o apoio das brigadas populares, da PUC Minas e da UFMG. A Tomás Balduíno é de luta e não aceita que seu direito fundamental à moradia e a vida digna sejam violados. Por isso exige uma reunião com o prefeito Juninho e a garantia de que haverá o envolvimento efetivo do Município no processo.
Ocupado desde 2016, o antigo prédio do INSS na Avenida 9 de Julho, em São Paulo, é hoje uma das ocupações modelo no país. Abandonado na década de 1970, o prédio já foi palco de inúmeras reintegrações de posse e ocupações. Atualmente 120 famílias vivem no prédio. São aproximadamente 450 trabalhadores e trabalhadoras de baixa renda, brasileiros e imigrantes que, dia a dia, transformam um local antes abandonado, depredado e sem função social, em um lar organizado, com capacidade residencial e produtiva.
Em meio a essas pessoas, uma potiguar: a aposentada Irene da Silva, de 66 anos. Natural de Sítio Novo, cidade com pouco mais de 5 mil habitantes no Agreste do Rio Grande do Norte, ela tem uma história de vida com muitos trechos comuns aos milhares de nordestinos que fizeram e ainda fazem a travessia em busca de uma vida melhor em São Paulo.
De família de agricultores, dona Irene viveu até os 16 anos na zona rural. O pai era vaqueiro, trabalhava para fazendeiros da região. Sem alternativa de emprego, ela e os quatro irmãos foram para a pequena cidade de Sítio Novo, onde a mãe arrumou emprego como empregada doméstica na casa do prefeito. A jovem seguiu para Natal e, repetindo o destino da mãe, também foi trabalhar como “doméstica”. Alguns anos se passaram e, após uma passagem por Manaus, chegou em São Paulo:
“Nessa época ainda tinha emprego. Os nordestinos que chegavam se ocupavam rápido na construção civil, como porteiro, cozinheiro, manobrista…Eu fui ser empregada doméstica novamente. Morei por três anos no meu primeiro trabalho aqui ”, conta.
Ocupação 9 de julho transformou antigo e abandonado prédio do INSS num lar para 450 pessoas
Dona Irene casou, teve duas filhas e viveu uma vida simples e digna na maior metrópole do país, sempre trabalhando. Foi também ASG, costureira, office-boy e cuidadora. O marido, de Maceió, era garçom. Com as duas rendas eles sustentavam a família e pagavam aluguel, sempre no centro da cidade. Mas os anos passaram, o Brasil mudou e, muitas crises econômicas depois, Dona Irene, já viúva e idosa, se viu sem condições de pagar aluguel.
Foi então que, através de uma sobrinha envolvida com o Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), surgiu a oportunidade de se mudar para uma das ocupações:
“Eu só não vim antes porque eu tinha medo, e não era dos outros moradores não. Eu tinha medo da polícia, de ser expulsa, de sofrer algum tipo de violência junto com as minhas filhas durante uma possível reintegração de posse. Mas criei coragem e vim. Morei primeiro na Ocupação do antigo Hotel Cambridge e estou aqui na Ocupação 9 de julho há cerca de um ano”, explica.
“Eu só não vim antes porque eu tinha medo, e não era dos outros moradores, não. Eu tinha medo da polícia, de ser expulsa, de sofrer algum tipo de violência”
A filha mais nova vive com ela e a mais velha, casada, também mora na Ocupação 9 de julho, em outro apartamento.
Hoje Irene espera ansiosamente para realizar o sonho da casa própria. Em até dois anos deve ser contemplada com um imóvel desapropriado que agora integra o programa de empreendimentos populares da Prefeitura de São Paulo. Mas garante que, independentemente disso, vai continuar militando:
– “Aprendi muito e aprendo todos os dias aqui dentro. Aqui são as mulheres que lutam. No último dia 8 de março, um grupo de mulheres ocupou um prédio para mostrar aos nossos governantes o que mulher sabe fazer. Minha vida deu uma reviravolta, mas não há mal que não venha para o bem. Cheguei nova em São Paulo, trabalhei, trabalhei e nunca consegui comprar minha casa. Chegava na Caixa Econômica Federal e dava com a cara na porta. Agora, com a ajuda do movimento, vou realizar esse sonho e o melhor: sem sair do Centro”, orgulha-se.
“A gente vive em vários Brasis”
A baiana Carmem Silva é uma das lideranças da Ocupação 9 de julho
A Ocupação 9 de julho é coordenada pelo Movimento Sem Teto do Cento (MSTC), que organiza também outras cinco ocupações na região central de São Paulo. A sigla faz parte da Frente de Luta por Moradia (FLM), que agrega outros movimentos sociais do qual fazem parte cerca de 25 mil famílias espalhadas pelos quatro cantos da cidade. A missão principal é mobilizar e organizar cidadãos que estão na luta por moradia digna. O movimento promove ações e debates, junto ao governo e à sociedade civil, para que o direito constitucional de acesso a moradia seja cumprido pelo Estado.
A baiana Carmen Silva é a líder do MSTC. Nascida em Santo Estevão, no Recôncavo Baiano, filha de um militar e de uma empregada doméstica, ela casou aos 17 anos na tentativa de escapar do machismo do pai. A tão sonhada liberdade seria apenas ilusão. “Só fiz transferir o problema. Fiquei casada por quase 16 anos e aos 32 vim para São Paulo. Sofri muita violência doméstica até conseguir tomar as rédeas da minha vida”.
Vítima de violência doméstica, Carmem enfrentou e conquistou São Paulo
Carmen acredita ter sido salva pela política:
– “A gente vive em vários Brasis. Os governantes fazem questão de estabelecer essa gentrificação territorial para nos dividir. É uma estratégia da minoria dominante que nos separa culturalmente e nos enfraquece. Enfrentei muito preconceito quando cheguei, fui parar nas ruas, depois em um albergue e lá fui apresentada aos movimentos sociais. Quase três décadas depois, posso dizer que também sou cidadã paulistana porque conheço essa cidade como poucos e adquiri a compreensão geopolítica necessária para discutir políticas públicas de direito à cidade”, conta antes de explicar o papel do movimento na Ocupação:
“O papel do MSTC é organizar trabalhadores para cobrar do Estado. Se a gente ocupa é porque está abandonado e sem função social. O cidadão de menor renda não precisa ficar isolado em glebas, nas periferias extremas. Ele pode sim viver no coração da cidade e ter acesso a tudo o que ela oferece. Em todas as capitais brasileiras existem vazios urbanos – empreendimentos erguidos apenas para fins especulatórios. Enquanto isso, os governos não desenvolvem políticas públicas eficientes no âmbito da moradia. É aí que entram os movimentos sociais. A gente toca a luta pelo direito de existir”.
Almoços de domingo tamanho família
Almoços mensais na Ocupação 9 de julho têm programação cultural ativa e é aberto à população
Tem luta e sobretudo alegria e afeto. A gestora cultural Laura Maringoni faz parte do Aparelhamento, um grupo que desde 2017 atua em parceria com o MSTC na Ocupação 9 de julho. Eles montaram uma cozinha industrial no prédio, que é utilizada exclusivamente durante ações coletivas. Uma das principais é o almoço mensal. Aberto ao público, o evento é considerado hoje a principal vitrine do movimento. Chama atenção para a causa e estreita laços com uma parcela privilegiada e influente da população paulistana.
“Essa troca é muito importante até mesmo para desconstruir a ideia que as pessoas tem dos moradores de ocupações. Imagem inclusive que é fomentada pela grande mídia. Aqui não tem bagunça, não tem bandido. São famílias. Cidadãos que não tiveram as mesmas oportunidades que eu tive, por exemplo, e que merecem ter direito à moradia”, conta.
Artistas como Otto, Zeca Baleiro, Chico César e Anelis Assumpção já se apresentaram na Ocupação 9 de julho
O que era apenas comida farta, foi ganhando corpo com o passar do tempo e se transformou em um grande acontecimento cultural. A movimentação artística é intensa. Cantores como Otto, Zeca Baleiro, Chico César e Anelis Assumpção já se apresentaram por lá. Além da música, tem oficinas, exposições e todo tipo de intervenções artísticas. Cultura é palavra de ordem e as ações nesse sentido não acontecem apenas durante o evento. Semanalmente, por exemplo, os moradores participam de uma oficina de desenho.
“Quando se fala em direito à moradia, não significa apenas um espaço físico, um teto sobre a cabeça. Morar é ter acesso à saúde, à educação, ao transporte público, à saneamento básico e, claro, à cultura. Trazendo as pessoas de fora aqui para dentro, a gente cria um cordão afetivo em volta desse lugar e isso se transforma em proteção para a causa”, justifica.
Laura reforça o viés político do movimento. Para ela, quem se envolve de qualquer forma está se posicionando:
– “Só podemos pensar em uma sociedade melhor, mais justa e mais equânime se a gente descruzar os braços, se unir e trabalhar. É preciso lutar juntos, de forma prática, por uma sociedade diferente da que temos hoje. Mais que nunca, precisamos resistir”, explica.
Domingo, 14 de abril de 2019, o Padre Julio Lancellotti junto com representantes da Comunidade do Cimento, de Movimentos de Moradia, e do Movimento de Povo de Rua, fizeram uma caminhada da Capela São Miguel à capela da faculdade São Judas Tadeu, onde foi feita uma missa do Domingo de Ramos, em homenagem aos moradores da favela do Cimento, que foram vitimas de um incêndio, poucas horas antes da reintegração de posse do terreno da favela, no dia 23/03.
Algumas famílias, sem ter para onde ir, alojaram-se em um galpão na Rua do Hipódromo, o ato também chama atenção para a data determinada para reintegração de posse do galpão ocupado, no dia 23/04, um mês após o incêndio que matou um homem e que dificultou a vida já sofrida de dezenas de famílias.
Fotos Douglas Mendes
A Comunidade do Cimento estava instalada às margens da Avenida Radial Leste, no entorno e abaixo do Viaduto Bresser, até a Avenida Pires do Rio, na Móoca, abrigava cerca de 215 famílias. O Incêndio ocorreu de maneira “misteriosa”, depois da chegada da GCM, CLIQUE AQUI para saber mais.
O ato foi chamado de Árvore da Resistência Popular – Comunidade do Cimento, e teve também o apoio do grupo Muda Móoca e de representantes das Igrejas Batistas da região.
Aqui imagens do incêndio que atingiu a favela do Cimento:
Por Laura Capriglione e Lucas Martins, dos Jornalistas Livres
Um homem não identificado deu entrada no Hospital Salvalus, na Mooca, às 20:31 de ontem, 23, com queimaduras pelo corpo todo. Ele chegou caminhando junto com uma mulher e foi recepcionado por um motorista de ambulância que estava na entrada do hospital. O funcionário relada que o rapaz tinha pelo menos 70% do corpo queimado e que nunca havia visto alguém numa situação como aquela durante sua carreira.
O rapaz estava no meio do incêndio da Favela do Cimento que, segundo os moradores, foi provocado pela Polícia Militar. A tragédia aconteceu em decorrência da ordem da juíza Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi que determinava a reintegração de posse em pleno domingo e com pouquíssimo prazo para a retirada dos pertences das famílias.
Durante a tarde, dois caminhões vazios estiveram na ocupação para levar os pertences dos moradores para o deposito municipal, mas partiram antes das 17h, deixando centenas de moradores sem ter como retirar suas coisas do local.
Neste momento centenas de pessoas vagam pelas ruas da região da Mooca sem ter pra onde ir. Famílias inteiras foram alvo, além do fogo, também das balas de borracha da PM. As viaturas da Polícia Militar circulam lentamente pela região para intimidar aqueles que não tem pra onde ir.
Este vídeo mostra as pegadas ensanguentadas do rapaz chegando no hospital. O Salvalus soltou uma nota no final da noite de ontem:
“NOTA DE POSICIONAMENTO O Hospital Salvalus informa que na noite deste sábado (23), às 20h31, registrou a entrada de um paciente sem qualquer identificação, vítima do incêndio que atingiu a favela no entorno do Viaduto Bresser. O Paciente com queimaduras foi prontamente atendido na unidade e encontra-se na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em estado grave. O Hospital Salvalus se solidariza e lamenta o ocorrido.”