Jornalistas Livres

Categoria: Negras e Negros

  • Elisa Lucinda: Tábua de tiro ao Álvaro

    Elisa Lucinda: Tábua de tiro ao Álvaro

    Fotomontagem: Joana Brasileiro / Jornalistas Livres

    É mesmo de estarrecer. A esquerda passou o final de semana de bode. Minto, não só a esquerda, o povo brasileiro todo está de cara. A justiça resolveu escancarar de vez que, na verdade, só castiga pobre. Não bastasse a “pobre mãe” Adriana Ancelmo, mulher do Sergio Cabral, receber o indulto humanitário para poder criar seus filhos em casa, sem que o mesmo benefício seja dado a milhares de mães encarceradas, longe de seus filhos, e pelo mesmo motivo: foram aviõezinhos dos seus maridos. Não bastasse o Temer caindo aos pedaços, mas agarrado como uma unha encravada ao poder, Aécio volta a ser senador, como se para ser senador não se precisasse mais ser honesto, não se necessitasse de uma vida sem flagrantes delitos, uma pessoa que não esteja sob tanta suspeita. É de vomitar. No país, onde tantos ladrões de galinhas, de celulares, de trouxinhas de maconha estão amargando nas cadeias, enquanto o homem da mala de quinhentos mil reais mais conhecido do mundo, pessoa íntima do presidente, autorizada a soturnas visitas noturnas no Palácio, é liberado para cumprir sua pena em casa, coitado. O que será desse homem preso em sua mansão, cheio de empregados a seu dispor, vendo sua TV, à beira de sua piscina e outros mimos, mas tendo que carregar uma tornozeleira eletrônica?

     

    Ai, meu deus, só falando assim pra ver se meu olhar acha um pouco de graça na podridão da República de agora.

     

    Pois não bastasse tudo isso, no sábado, recebi um convite amoroso do meu amigo, músico, compositor, talentoso demais, pra que fosse  vê-lo no Beco do Rato, como faço sempre que posso, e em tal onda deliciosa sempre sou convidada a  curtir e dar canja de poesias e canções. O evento é mensal, e é uma roda de samba da melhor qualidade, de repertório e de som, produzido pelo meu amado Diogo Rodrigues. Como estava no teatro assistindo a um espetáculo imperdível também, “O Reino de Suassuna”, do grupo a Barca dos Corações Partidos, que bateu no mesmo horário, eu não pude ir ao samba. Perdi.  Pois foi neste dia que se deu o ocorrido do vídeo que postei ontem e que está aí nas redes em geral.

     

    Um homem trabalhador, honesto, bonito, pai, cidadão longe de qualquer suspeita, um homem de bem, brasileiro que, a duras penas, neste momento de violentos ataques à cultura, neste momento de desmonte, exercia este seu trabalho mensal no Beco do Rato. Esse homem sofreu brusca e desrespeitosa abordagem policial, na porta deste seu espaço de labor. Inacreditável. Tratado com desrespeito, revistado, humilhado sob os olhares do próprio público! Um achincalhe. Uma porrada. Uma desonra para um ser cujo valor está no “ser” e não no “ter”.

    É violento demais. Ofensivo demais. Seu nome é Nêgo Álvaro. Guardem esse nome! Por coincidência, passei a semana ouvindo seu disco que ganhei do próprio de presente,“Cria do Samba”, lançado pela Coqueiro Verde Records (aconselho, é agradável, inteligente, inspirado, muito bom de se ouvir). Um cara pacífico, que foi aviltado, “pesquisado” grosseiramente, questionado asperamente por policiais que não encontraram nada de ilícito que ele portasse, e que, mesmo assim, numa sequência  de erros sem limites, nossa vítima, a que  recebe a indevida ação, foi arbitrariamente conduzida à delegacia. Sem dever nada. E tudo sendo filmado, tanto pela polícia quanto pelos amigos do Álvaro. Isso não é filme não, gente. Isso acontece aqui, todo dia, no nosso chão.

    Lendo ontem a nota de “Escurecimento” publicada por esse querido artista, somada a outro artigo que também li hoje do fabuloso Henrique Sousa sobre as questões que envolvem o homem negro num mundo de domínio branco, me vi envolta na teia de pensamentos do que mais me assola, entre tantos  problemas  deste país: a dificuldade, o sacrifício, a verdadeira gincana com provas cobertas de cacos de vidro, que significa construir-se como um ser negro, como uma mulher negra, com divindade neste Brasil. Houve uma hora em que um dos policiais, na infeliz abordagem, afirma que o Nêgo Álvaro estava sendo vitimista, quando o mesmo lhe perguntou se estava sendo preso porque era preto. Ora ora, se existe uma coisa que o povo negro não precisa é de se fazer de vítima Não precisa. Já está posto. Tratava-se justamente da vítima de uma ação que não acontece com um rapaz de 28 anos branco. Não rola.

     

    É muito difícil você ser negro e se constituir numa sociedade com uma boa auto-estima num país que não considera um homem como o Nêgo Álvaro um príncipe. Não tem beleza ariana, não serve para esse papel. Para muitos ele pode ter, só por ser preto, cara de bandido. Esse modelo torto é o que se vende e se impõe às nossas crianças, nos livros de histórias, nos filmes, nas telenovelas. Parece que estou batendo na mesma tecla, mas é preciso abrir os olhos para que a gente não se omita nessa luta que é de todos e que tanto empobrece o país, dá merda no final. A injustiça gera ódio. É perigosa. O que são as cadeias senão grandes senzalas? Enquanto escrevo a juventude negra está sendo assassinada sem sair no jornal. Sem nome. É só número. “Qualquer coisa a gente diz que estava envolvido com drogas, e fica pairando um certo ar de ‘justiça’ sobre o genocídio.”

     

    Tudo isso que digo agora vem cheio de sede da justiça que acho possível nesse momento em que venho trazer aos que me leem esclarecimentos a partir de uma realidade, que a maioria dos meus amigos brancos não vive. São notícias de um inferno, do que poderíamos chamar de porões da cidadania. Nos trabalhos que passo e por onde ando, inclusive dentro das instituições sócio-educativas, farejo tantos Djavans, Seus Jorges, Emicidas, Lázaros Ramos, Camilinhas Pitangas, Taisinhas Araújos, Miltons Nascimentos, Caetanos e Gils, todos anônimos, sem falar de bailarinas, tenistas, golfistas, pianistas, maestros, artistas plásticos, grandes desenhistas que muitas vezes não chegam a conhecer seus dons porque não têm as mesmas oportunidades. Enquanto não juntarmos isso, enquanto não diminuirmos a distância dessa desigualdade, nosso processo de paz ficará adiado, creiam-me. Estou, mais uma vez, chamando à luta os humanistas, os que clamam pelos direitos humanos e dedicam grande parte de sua batalha diária, compondo narrativas a partir de seu parlamento, seja ele qual for: as salas de aula, os palcos, as mídias, as telas. Atenção, jovens roteiristas, em suas equipes há quantos negros escrevendo a nova história? Podemos ser todos o que estou chamando de abolicionistas modernos!

     

    Por outro lado, estive agorinha na Flup, a Festa Literária das Favelas, bravamente empunhada por Julio Ludemir e Ecio Salles, e foi na Mangueira, estava lotado, e era de tarde, e era sábado, o encontro esplendoroso revelando que os movimentos sociais estão bombando nas periferias, nas favelas. Não somos mais o mesmo país, repito galera, há uma esquerda invisível aos olhos da Casa Grande, que está em suas comunidades atuando de modo diferente. Muitos puderam ir à universidade nos últimos governos, antes do golpe, e muitos são educados pela cultura do rap, que cresceu na mesma medida em que o silêncio não é mais possível.

     

    Estou dizendo para não ficarmos só em casa vendo Netflix. Sem meter a mão na massa, sem falar no difícil assunto, sem perguntar a si mesmo se você seria capaz de namorar uma mulher ou um homem negro. E se seria, por que não rolou até agora? Será só questão de gosto ou não estava no escopo dos que te educaram? E não lhe foi permitido sonhar? É como costumo parodiar: “Precisamos falar sobre Kevin”, ou seja, assunto amargo, remédio difícil de tomar, mas depois a gente melhora, creiam-me. A gente se torna um ser humano melhor, mais coerente com o nosso discurso.

     

    Meu filho, Juliano Gomes, o sarará do qual muito me orgulho e que também já foi abordado pela polícia quando tinha o cabelo black grande, e teve que ouvir do policial que ele tinha aspecto suspeito, pois é, esse cara está promovendo uma sessão amanhã, dia 06 de julho, no Instituto Moreira Salles- RJ, às 19 horas,  onde  exibirá o clássico “Adivinhe quem vem pra Jantar”,  logo depois da sessão de Corra. Tudo será seguido de debate com esse crítico, linkando as duas obras e seus papéis dentro do tempo. Um programa imperdível para quem quer já ampliar o seu olhar sobre o tema do qual falamos aqui. Fica a sugestão.

     

    Bom, essas palavras querem beijar o rosto do meu querido amigo, ofendido no sábado passado, tratado como sub-cidadão, ferindo a Constituição que o presume inocente, a princípio. Mas a boa notícia é que ele é articulado, tem público, visibilidade, advogado, e a ação não ficou invisível exatamente para que não fique impune. Mas o mais pedagógico é que essa cena explícita mostra para muitos o que acontece nas favelas e em todos os lugares que a gente não vê, onde a justiça não alcança.

     

    Através dessa injustiça ocorrida na Lapa, coração carioca, podemos ver o crime que acontece no escuro dos “quartos de despejos” da cidade, que raramente importam às primeiras páginas dos jornais. Uma mostra trágica das notícias do que estamos trazendo na poesia que fazemos, nas canções  resistentes, nas  narrativas que armamos. Enquanto vilões graúdos praticamente secaram as veias da nação, uma multidão chamada povo vive um ultraje diário, inclusive os policiais. Mal pagos, trabalhando em péssimas condições, com uma formação desatualizada dos caminhos conceituais da segurança contemporânea, formada para não ser uma polícia comunitária, esses profissionais, muitas vezes negros e pobres também, morrem na mesma guerra. Gente que queria ser alguém na vida e que pudesse lutar pelo seu semelhante, mas foi massacrada ali. É verdade. Há grandes policiais nas corporações, homens sensíveis, corajosos, honestos. Mas o nosso sistema está cupinizado.

     

    Bem, esse assunto é sem fim, mas tudo isso é para beijar o Nêgo Álvaro, chamar à luta meu semelhante, os que apreciam meus pensamentos, os que me ensinam com os seus. É preciso que toda a sociedade se envolva para cuidar de cada criança que vai compor a nação de amanhã. Seja o que for o futuro, a população negra não pode seguir sendo o alvo, o lugar que existe para ser machucado por todos. Seja mulher, seja homem, seja menino. O negro parece um endereço certo para os desprezos sociais de um país marcado por quatro séculos de escravidão.

     

    Triste, o nome é alvo, mas de branco não tem nada. É quase não-humano nosso povo negro. É visto como um ponto preto, um lugar para se atirar. Apenas um alvo.

  • Por que Rafael Braga não é um caso isolado

    Por que Rafael Braga não é um caso isolado

    Rafael Braga não é um caso isolado.

    Sua história integra o quadro estatístico do sistema carcerário brasileiro. O país possui a quarta maior população de detentos do mundo. São 622 mil presos, sendo 61,6% negros. Isso não é uma coincidência.

    De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) realizado entre 2005 e 2012, o número de jovens no sistema prisional brasileiro (56%) supera de maneira discrepante a proporção de jovens da população do País (21,5%). Somente no ano de 2012, a quantidade de detidos com idades entre 18 e 29 anos foi 2,5 vezes maior que a de encarcerados de outras faixas etárias.

    Se analisados os dados sobre cor e raça, verifica-se que, em todo o período analisado pelo estudo, existem mais negros presos do que brancos. A cada três presos no Brasil, dois são negros. A pesquisa também registrou que o crescimento da população carcerária nacional impulsiona o aumento da quantidade de negros presos.

    Outra informação alarmante revela que, em um sistema superlotado, 48% dos presos brasileiros recebeu condenação de até oito anos, sendo que 18,7% se enquadra no perfil que deveria cumprir penas alternativas de acordo com Código de Processo Penal. Essa realidade está relacionada a fatores como: alto número de indivíduos sob custódia do Estado aguardando julgamento, tendências punitivistas dos operadores da justiça criminal, falhas no exercício do direito de defesa e deficiências na função fiscalizadora do Ministério Público.

    Quando as pessoas deixam os presídios, o sistema carcerário continua a contribuir para a perpetuação da desigualdade racial pelo País. O gasto anual no setor é superior a 40 mil reais para cada um dos mais de 140 mil presos por uso e comércio de drogas e o déficit por ano soma mais de 6 bilhões de reais , pagos através de tributação . Com essa conjuntura, os maiores punidos serão novamente os negros, em sua maioria pobres e vítimas de um sistema que penaliza desproporcionalmente a população de baixa renda.

    A lógica nacional de encarceramento massivo e vertiginoso vai na contramão das políticas de países com as maiores populações de presos do mundo, como Rússia e Estados Unidos, que estão diminuindo suas taxas de detenções anualmente. Diante disso, em poucos anos, o Brasil poderá ser o país com o maior número de encarcerados do planeta.

    Em evento promovido pela campanha #30DiasPorRafaelBraga e que discutiu o encarceramento massivo no País, o professor Humberto Barrinuevo Gabretti, advogado criminalista com foco em direito penal econômico, revelou que há um déficit de 250 mil vagas dentro do sistema prisional brasileiro e que, atualmente, os presídios estão abrigando o dobro de sua capacidade.

    “Esses números vão ao encontro ao caso do Rafael Braga. O sistema não escolhe aleatoriamente as pessoas que farão parte dele e, apesar de não ser declarado, tem como função realizar o controle dessa população. É um erro achar que os problemas do Brasil se resolverão a partir de repressão”, afirmou.

    Casos como os de Rafael Braga, condenado pela primeira vez em 2013 sob a acusação de porte ilegal de Pinho Sol, e que hoje responde por tráfico de drogas (0,6 grama de maconha e 9,3 gramas de cocaína), continuam acontecendo. Não dão nome, a população negra padece da invisibilidade ao não ter essa pauta como prioridade na agenda da esquerda brasileira, o Estado segue esmagando de cima para baixo e não da esquerda para direita. Os movimentos negros entendem a urgência e clamam por: Primeiramente, liberdade para Rafael Braga!

     

  • Ocupação Mauá celebra a vida, a cultura e o amor, apesar da ameaça de despejo

    Ocupação Mauá celebra a vida, a cultura e o amor, apesar da ameaça de despejo

    Fotos dos Jornalistas Livres

     

    O edifício da rua Mauá, bem ao lado da Estação da Luz, no centro de São Paulo, é o lar e a moradia há 10 anos de cerca de 300 famílias sem teto. Crianças, mulheres grávidas, idosos convivem ali em harmonia, celebram alegrias e dividem as tristezas. Agora, este oásis de cultura, amor e resistência, bem no meio da cidade tão degradada, está ameaçado de desaparecer, por conta da ordem de despejo do juiz Carlos Eduardo Borges Fantacini, da 26ª Vara Cível.

    O prédio onde fica a Ocupação Mauá passou mais de 20 anos completamente abandonado, apodrecendo por falta de uso.

     Em 2007, um grupo de famílias trabalhadoras, engajada no movimento por moradia digna, ocupou o edifício e deu novo sentido ao velho prédio. Em comum entre elas, estava a baixa renda e a incapacidade para arcar com os custos do aluguel, cada vez maiores, mesmo em imóveis de remotas periferias.

    De lá para cá, foram inúmeros mutirões para a limpeza, reforma e conservação da habitação.

    Neste sábado, 24/6, a ocupação abriu seu grande pátio comunitário para eventos e atividades culturais, num encontro que misturou muita música, poesia, grafite e teatro.

    O festival foi uma celebração de amor, de luta e de união, mas também um apelo para que não se cumpra o decreto de reintegração de posse, que representa o fim do sonho de uma vida coletiva, sob um teto comum, das famílias que serão colocadas na rua.

    Veja as fotos e o astral lindo da ocupação, porque…

    QUEM NÃO LUTA TÁ MORTO!

     

    #NenhumaOcupaçãoAMenos

    CLIQUE SOBRE AS FOTOS PARA VÊ-LAS EM TAMANHO GRANDE

  • Os Panteras Negras estão entre nós!

    Os Panteras Negras estão entre nós!

    Por Flávia Martinelli, dos Jornalistas Livres

    Uma imagem escondidinha na exposição “Todo o Poder ao Povo” (no Sesc Pinheiros de São Paulo até o dia 02/07/17), que traz as obras do artista revolucionário Emory Douglas, ministro da Cultura do Partido dos Panteras Negras, chama atenção por sua atualidade e familiaridade com a realidade brasileira. Curiosamente, não se trata de nenhum dos cartazes, panfletos ou jornais do Black Panthers. Tampouco diz respeito à organização californiana que fez 50 anos e há mais de 30 foi duramente dissolvida pelas forças repressoras do governo norte-americano. Na salinha anexa ao salão da mostra, numa área reservada às oficinas de técnicas de impressão off-set que acompanham a programação do evento, um visitante anônimo deixou exposta uma das feridas abertas do nosso racismo nacional.

    No cartaz sem assinatura nem autoria, feito em folha sulfite simples, com tinta preta e vermelha, um jovem negro protege-se de um policial que levanta sua camiseta de maneira intimidatória. Quem já sofreu ou testemunhou alguém sofrendo uma batida policial nas ruas de São Paulo logo reconhece a cena. Em letras maiúsculas, o escrito: “QUEM NÃO REAGIU ESTÁ VIVO”. Chegando mais perto, para que não sobre nenhuma dúvida, está a legenda: “O governador Geraldo Alckmin (PSDB) defendeu na manhã desta quarta-feira (12) a ação da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) que terminou com nove suspeitos mortos na terça-feira (11). ‘Quem não reagiu está vivo’, afirmou Alckmin.”

    Legado: cartaz feito por visitante anônimo que participou da oficina de off-set da exposição do artista Emory Douglas, do Partido dos Panteras Negras

    Interessante. O legado, a importância e a potência dos Panteras Negras não morre. Ainda que tenham criminalizado o movimento desde a sua criação. Ainda que dezenas de membros do Black Panthers tenham sido assassinados. Ainda que muitos panteras permaneçam presos até hoje. Ainda que só pelo viés da arte seja possível apreciar uma exposição em homenagem ao movimento. Os Panteras Negras permanecem como o maior símbolo da luta antirracista em todo o mundo.

    A partir da arte de Emory, é possível analisar não só o poder das estratégias de comunicação na luta contra a opressão mas a força que reivindicações individuais ganham quando se tornam defesas coletivas. Foi Emory quem criou, como estratégia de enfrentamento, todo o componente visual do lendário jornal The Black Panther, principal difusor de ideias e fonte de renda do partido. A publicação semanal circulou por 14 anos, sob forte repressão do FBI, o inimigo número um do partido.

    Emory tinha 23 anos em 1967, quando se filiou ao Panteras Negras, e foi o responsável pela criação das representações históricas dos líderes revolucionários do movimento negro. As ilustrações mostravam como os Panteras queriam ser vistos e como eles viam a sociedade capitalista e imperialista norte-americana. O ilustrador, que aprendeu a desenhar num centro correcional de infratores, é autor da famosa caricatura do porco gordo e armado, símbolo do capitalismo e do Estado policial repressor e racista. Seus desenhos valorizam a força de resistência e a luta dos negros. Estamparam não só os jornais e cartazes mas cartões de felicitações, panfletos, bandeiras, botons e até embalagens de supermercado. Tudo para popularizar a ideologia do movimento.

     

    Quando o Partido dos Panteras Negras para Autodefesa nasceu, em 1966, em Los Angeles, na Califórnia, o racismo era amparado pela lei. O grupo surgiu como resposta à violência policial e se tornou um dos mais perseguidos e emblemáticos movimentos de luta por igualdade de direitos. Na época, a população negra havia, a sanguinárias penas, conseguido direito de voto e derrubado leis segregacionistas absurdas que separavam brancos e negros em locais públicos entre eles ônibus, escolas e universidades. Mas esses direitos, menos que básicos, não garantiram melhoria na condição social das comunidades que viviam em periferias assoladas pela pobreza e exclusão.

    Para se ter uma ideia, os poucos estudantes negros que frequentavam uma faculdade precisavam de acompanhamento de escolta de Panteras para evitar agressões físicas. Em 1965, a repressão massacrante da Guarda Nacional diante da revolta de negros – que protestavam contra a violenta abordagem de policial a um jovem acusado de “direção perigosa” – foi pano de fundo para o surgimento do Partido. Na ocasião, houve 34 mortos, 1.032 feridos e 3.952 presos. O grupo foi criado a partir da reivindicação de autodefesa de uma comunidade cansada de ser humilhada.

    Com a Constituição dos Estados Unidos e revólveres à mostra, os Panteras faziam patrulhas de controle de violência policial nas ruas valendo-se de duas leis: uma que permitia uso de arma para autoproteção e outra que liberava o acompanhamento de perto de ações de policiais.

    Uniformizados com boina, jaqueta de couro preta, óculos escuros e cabelo afro, os jovens entendiam a valorização da estética negra como parte de sua militância. A descolonização cultural amedrontou uma sociedade acostumada à naturalização da opressão racista.

    A resposta do Estado veio rápida: um ano depois da criação do partido, o Congresso mudou a lei e proibiu o porte de armas de fogo carregadas em público. Rapidamente o movimento foi criminalizado. Mas isso não impediu sua popularização e ampliação de pautas.

    Os panteras foram além da autodefesa. Organizaram-se para também denunciar a falta de moradia, de acesso à saúde e alimentação digna. De ideologia abertamente marxista, o partido criou programas de assistência social – como café da manhã de graça para crianças e ônibus gratuito para parentes visitarem familiares presos em presídios. Estudos apontam que em cinco anos, o movimento conquistou mais de 5 mil membros ativos e montou bases operativas em mais de 50 cidades. Também virou o principal alvo do FBI.

    O jornal The Black Panthers sofreu inúmeros ataques. Vender o periódico semanal era considerado um ato político no partido e o lucro era dividido entre o vendedor na rua e a organização. Cada exemplar custava US$ 0,25 e o custo era em torno de US$ 0,8 a US$ 0,10. Intimidações à gráfica e aos vendedores, destruição de exemplares, boicote de gráficas e linhas aéreas e de caminhões de transporte eram comuns. O FBI fez tudo para impedir sua circulação. Emory conta em entrevistas que o serviço de inteligência norte-americano recebia os primeiros exemplares antes da redação – que em 1975 era formada por 25 pessoas. Ainda hoje pairam dúvidas sobre a morte do chefe de distribuição do jornal em Nova York.

    Na exposição do Sesc é possível ver alguns dos documentos e dossiês oficiais que registram as investigações e táticas do governo para desestabilizar e conspirar para destruir o movimento. O uso de agentes infiltrados e estratégias de difamação foram sistemáticas. Há suspeita de que o governo tenha participado até da introdução de drogas como a heroína em comunidades para enfraquecer o grupo.

    Ainda hoje, tudo o que se diz sobre os Panteras Negras está encoberto por camadas e camadas de manipulação de informações e obscuridade.

    A Anistia Internacional há décadas intercede por rever processos de presos políticos. Muitos foram absolvidos depois de depoimentos de agentes do Estado que confessaram participar da fabricação de provas falsas. Apesar disso, há centenas de casos de membros que morreram na prisão, fora os que permanecem presos. 

    A exposição do Panteras Negras no Sesc, portanto, é mais uma oportunidade para constatar que a luta por igualdade de direitos e resistência, apesar de avanços, está longe do fim. Ainda mais no Brasil, país que mais assassina jovens negros do mundo e contabiliza um morto a cada 23 minutos, segundo dados do ano passado no Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mas o cartaz que denuncia a barbárie diária da polícia de Geraldo Alckmin está aí para fazer valer o legado de Emory Douglas. Os Black Panthers estão entre nós!

    Em tempo: além do cartaz dedicado à Alckmin, há na mesma salinha de oficina de impressão off-set uma linda imagem, também anônima, da poeta Carolina Maria de Jesus, favelada, catadora de papel e uma das principais escritoras negras do Brasil. No sulfite, a frase: “Eu adoro a minha pele preta e meu cabelo rústico. Se é que existe reencarnações eu quero voltar sempre preta.”

    Resistência: também sem autoria, cartaz de visitante deixado na exposição

     

    TEM QUE IR: Até 02/07/2017 no Sesc Pinheiros, de terça à sexta-feira das 10h às 22hs e domingos até 18h30. Grátis.

    PARA SABER MAIS:
    – O catálogo da exposição “Todo ao povo – Emory Douglas e os Panteras Negras” é uma obra-prima. Há um QR Code para baixar parte do catálogo no celular.
    – Documentário “Os Panteras Negras: Vanguarda da Revolução”, no Netflix

  • Sobre formas e a nova cara do Jornal Nacional

    Sobre formas e a nova cara do Jornal Nacional

    Durante o trabalho noturno de leituras e correção de trabalhos de alunos(as), rendo-me à assistência do JN, agora com nova roupagem. Em meus interesses sobre a forma das coisas, comecei a observar detidamente o cenário, a bancada. E confesso que tive dificuldade em permanecer atenta por uma questão de ótica: o exagero dos (d)efeitos visuais, como bem lembrou Valmir Costa, as luzes que se assemelham aos holofotes de grandes eventos e, assim, vão nos anestesiando com seus efeitos alucinógenos. Letreiro de motel de beira de estrada perde feio. Mas como forma não é mero detalhe, dá pra intuir que essa mudança (mais uma num lapso de tempo relativamente curto) sinaliza para algo de fundo, para a decadência do jornalismo global que tenta nos engabelar por meio de uma duvidosa plasticidade e beleza visual (o termo global aqui tem sentido duplo: planetário e da Rede Globo. Refiro-me, claro, a esse modelo de negócio que se desmancha).

    Vem de longa data a relação forma X conteúdo, todos(as) sabemos. Vistos de maneira dicotômica, quase sempre o segundo levou vantagem sobre a primeira no que diz respeito à produção de sentidos. No entanto, temos uma longa discussão teórica, eu mesma a enfrentei no doutorado, sobre a importância da forma na produção de sentidos. O pensador Mouillaud, já teria afirmado o quanto a hierarquização entre forma e conteúdo não é produtiva: o termo conteúdo remete à metáfora de uma caixa ou de um escrínio nos quais um objeto está, de fato, “contido”. Para esses analistas, a própria língua era apenas um envelope do sentido, do qual era necessário extrair as “categorias”, assim como se separa a amêndoa do caroço. (…). À primeira vista, a embalagem e o objeto podem ser separados sem que o objeto perca sua identidade; entretanto, um perfume continuaria a ser um perfume sem seu frasco? O presente permanece um presente sem as fitas e as graças que os envolvem? A prece é prece sem seu gestual? (MOUILLAUD, 1996: 29).

    Renata Vasconcellos, Roberto Irineu Marinho e William Bonner na inauguração do novo estúdio do Jornal Nacional (Foto: João Cotta/Globo)

    Considerando, então, que forma e conteúdo são indissociáveis, a nova identidade visual deve ser percebida e analisada como um forte indício de que as matérias, os textos também já foram solapados, rebaixados a uma categoria estética e política que de jornalismo não tem nada. A cobertura política da política disso nos dá testemunho. Prospectemos, portanto, novas formas, formatos de notícia. Decididamente, o JN é triste retórica que atrasa o país. Descendo ladeira abaixo, quer nos levar a todos para o precipício.
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    *Rosane Borges, 42 anos, é jornalista, professora universitária e autora de diversos livros, entre eles “Esboços de um tempo presente” (2016), “Mídia e racismo” (2012) e “Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro” (2004).

    Foto: Divulgação/ Globo
  • Atemporal: Os 10 pontos dos Panteras Negras ontem e hoje

    Atemporal: Os 10 pontos dos Panteras Negras ontem e hoje

    Reflexões sobre a luta antirracista nos EUA e no Brasil sob os olhos que quem vive o racismo na pele e se inspirou pela exposição “Todo poder ao povo! Emory Douglas e os Panteras Negras”

     

    1. Queremos liberdade. Queremos o poder para determinar o destino de nossa Comunidade Negra.
    2. Queremos emprego para nosso povo.
    3. Precisamos acabar com a exploração do homem branco na Comunidade Negra.
    4. Nós queremos moradia, queremos um teto que seja adequado para abrigar seres humanos.
    5. Nós queremos uma educação para nosso povo que exponha a verdadeira natureza da decadente sociedade Americana. Queremos uma educação que nos mostre a verdadeira história e a nossa importância e papel na atual sociedade americana.
    6. Nós queremos que todos os homens negros sejam isentos do serviço militar.
    7. Nós queremos o fim imediato da brutalidade policial e assassinato do povo preto.
    8. Nós queremos a liberdade para todos os homens pretos mantidos em prisões e cadeias federais, estaduais e municipais.
    9. Nós queremos que todas as pessoas pretas quando trazidos a julgamento sejam julgadas na corte por um júri de pares do seu grupo ou por pessoas de suas comunidades pretas, como definido pela Constituição dos Estados Unidos.
    10. Nós queremos terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz. E como nosso objetivo político principal, um plebiscito supervisionado pelas Nações-Unidas a ser realizado em toda a colônia preta no qual só serão permitidos aos pretos, vítimas do projeto colonial, participar, com a finalidade de determinar a vontade do povo preto a respeito de seu destino nacional.

    Falar sobre os Panteras Negras não se trata de fazer um pequeno resumo escolar com palavras amontoadas tentando explicar o que aconteceu. Trata-se, isso sim, de trazer de volta a consciência comunitária do povo negro que nunca morreu, o desejo de justiça e a indignação com o que fizeram e ainda fazem conosco. Tratar desse partido hoje, décadas depois, não é como ir ao zoológico, tirar fotos dos animais, fazer uma pequena pesquisa na internet. Trata-se principalmente de acordar cada Pantera dentro de cada irmã e irmão de cor, abrir as jaulas, reacender o instinto de união, comunidade e esperança, tendo apenas uma presa em comum: o racismo.

    Na década de 60, nos Estados Unidos, policiais perseguiram, agrediram, criminalizaram, prenderam arbitrariamente a população negra. O número de pessoas dentro da prisão era cada vez maior, a miséria assolava vários estados do Sul do país, e os resquícios da escravidão acarretavam o aprofundamento das desigualdades sociais. Foi dentro dessa realidade que Bobby Seale e Huey P. Newton nasceram. Os dois vieram de famílias pobres dos estados do Sul, tentando ganhar a vida. Conheceram-se em Oakland, Califórnia, quando estudavam no Merritt College. Lá, começaram a participar de movimentos estudantis por igualdade racial, raiz principal do Partido dos Panteras Negras, que foi criado justamente para autodefesa da população negra, contra a injusta repressão da polícia.

    Eles organizaram pequenas patrulhas comunitárias compostas por negros, que se vestiam de preto, jaquetas de couro, óculos de sol – essa se tornou a “identidade visual” do grupo –, sempre andando armados, com as armas à mostra. As patrulhas impunham respeito diante da polícia autoritária e vigiavam sua ação dentro dos bairros, explicitando o sentido de comunidade a que pertencia qualquer negro revistado pela polícia. Eles formularam o Programa dos Dez Pontos, que articula e define as perspectivas dos Panteras Negras.

    Do gênero felino, esses animais não foram feitos pra ficarem enjaulados. Uma pantera sabe se cuidar e cuidar do seu povo. Esse é, basicamente, o ponto número um dos Panteras Negras. O governo racista daquela época não era capaz de garantir o direito do povo negro, seja de Oakland, seja de qualquer outra cidade onde os negros viviam. Mais de 50% da população do Alabama vivia abaixo da linha da pobreza. A articulação dos Panteras Negras era urgente.

    A questão da pobreza nos leva ao ponto dois: A necessidade de emprego para a população – talvez esta idéia seja também atual para o povo brasileiro e a nossa realidade. Nascer numa sociedade de configuração capitalista exige que a população trabalhe para se sustentar, garantir as necessidades próprias e das famílias e os direitos básicos, cada vez mais retirados. A maioria das empresas dos Estados Unidos daquela época possuía uma postura racista institucional – traço ainda presente, mesmo que mascarado, em empresas do Brasil – seja ela explícita quando um negro nem chega a ser contratado; ou quando nosso tratamento dentro das firmas é diferenciado do tratamento de pessoas brancas, o que também é refletido no nosso salário mais baixo e na falta de dinheiro para ter alimento sobre a mesa.

    Recentemente, mais um negro foi constrangido ao tentar entrar em um shopping na região nobre de São Paulo. A comunidade negra já está farta de ver tal cena. Nos Estados Unidos dos anos 60, um negro nem poderia se sentar no mesmo banco de ônibus do branco, e dividir espaços, seja na escola, no hospital ou até mesmo na rua. A comunidade branca explorou exponencialmente o trabalho provindo das mãos negras, tanto para criar a ferrovia que corta de Leste a Oeste os Estados Unidos, quanto para construir os grandes shoppings da cidade de São Paulo em seus bairros nobres. Ainda hoje, nossa cor nos deslegitima a estar dentro desses ambientes que foram construídos por nossas mãos. Não à toa, o terceiro ponto reforça que queriam (e queremos!): que o homem branco e a classe burguesa parem de explorar a comunidade pobre e negra apenas para construir seus prazeres.

    Morro do Alemão, Capão Redondo, Belágua no Maranhão e tantos outros lugares no Brasil onde a população pobre, em maioria negra de linhagem afrobrasileira, se esforça para tentar sobreviver sobre os duros custos de vida. Por sermos descendentes de escravos, temos que multiplicar nossas forças (quando temos), para tentar ter um conforto de vida e uma casa (sonho ainda de muitos brasileiros). Dificuldade essa que a burguesia, e a classe média oriunda da Casa Grande nunca precisou passar e enfrentar, pois sempre terá aquela velha herança guardada na família. Quando falamos de racismo estrutural, falamos dessas estruturas que vêm sendo consolidadas há anos, cujas conseqüências ainda são enfrentadas pela população negra. A possibilidade da família negra de ter uma casa, um lar pra morar, é o tema do quarto ponto do programa.

    Aos poucos, é possível ver que o sentido da palavra “educação” ganha novos moldes com o tempo. O que deveria ser entusiasmo pelo saber, na prática, torna-se prisão de horas, onde os alunos não querem permanecer. Quando dizem que eles estão sendo “educados”, muitos se sentem adestrados, simplesmente para fazer provas que serão capazes de “salvar as suas vidas”. Os problemas dentro da educação brasileira são mais que reais: são visíveis. Um deles, em específico, vai ao encontro do problema da educação na sociedade norte-americana: a invisibilidade do povo negro dentro dos livros didáticos e nos currículos escolares.

    Se por vezes somos representados, nossa história é sempre curta e com o mesmo roteiro: Escravidão, escravidão e escravidão. Não sabemos de nossas origens, quem veio antes de nós, nossas contribuições para a sociedade. Não sabemos quem foram nossos escritores, músicos, artistas, poetas. Não sabemos quem são as mulheres negras dentro da nossa cultura, e os papéis que elas exercem na nossa sociedade. As leis federais 10.639/03 e 11.645/08 vieram para mudar essa história nas escolas, mas sua aplicação ainda é insuficiente. Querer uma verdadeira educação e não poder obtê-la por ser encoberta por livros de histórias que apenas representam a população branca e européia, só confirma a necessidade do quinto ponto dos Panteras Negras.

    Os pontos seis, sete, e oito do partido conversam entre si. Nos 16 anos de vida dos Panteras, um dos assuntos que sempre esteve presente foi a guerra do Vietnã, onde os Estados Unidos intervieram brutalmente, sem o consentimento de boa parte da população americana – essa parte inclui os Panteras Negras, que foram até o Vietnã dar um aperto de mão na população que ali sofria, em um gesto de solidariedade. Os Panteras Negras haviam percebido que o mesmo Estado que assassinava a população negra nas ruas também enviava seus jovens para morrer na guerra. O mesmo negro que antes era cercado pela violência policial agora era obrigado a “defender seu país”. O mesmo país que nunca os defendeu. Os Panteras exigiram a isenção do serviço militar e lutaram por meio das patrulhas para que a violência policial acabasse. A violência é a mesma que se vê presente em vários atos e manifestações ainda hoje, aqui, quando os secundaristas saem exigindo uma educação melhor, quando a população exige um presidente legítimo, eleito pelo voto democrático, ou quando Rafael Braga é preso pelo esdrúxulo motivo de portar de Pinho Sol, pois, para a polícia, sua cor de pele fala mais do que suas atitudes.

    O Brasil possui suas prisões em carga máxima e tem a quarta maior população carcerária do mundo. Muitas dessas prisões, seja aqui, seja nos EUA, são provocadas pela polícia racista: jogam o pó branco básico dentro da bolsa e enquadram mais um negro…

    A realidade de um negro é somente do negro, e somente outro negro pode entender. Mas estamos cheios de acadêmicos e estudiosos brancos que, por serem tão supridos de inteligência, pensam ser capazes de entender exatamente o que acontece com a comunidade negra.

    Uma das maiores dificuldades que temos na luta contra o racismo é esta: brancos que acham que entendem a nossa vida. Querem protagonizar ou se provar mais entendidos do que acontece conosco. Não serão capazes. Só quem está em nossa pele sabe o que é estar aqui. Todo apoio é bem-vindo, mas somos nós, negros, quem sabemos os limites entre apoiar e atrapalhar.

    A experiência dos Panteras Negras pode nos dar aporte histórico para pensar sobre essa questão. Não havia um interesse de entender o que acontecia com a população negra. Por isso, os Panteras reivindicavam a presença de negros no sistema judiciário. Queriam uma justiça que se preocupasse também com os filhos negros de 14 anos na rua voltando muito tarde pra casa, queriam uma justiça que entendesse que não é confiável uma polícia que dá enquadros em jovens negros e enfia o pacotinho branco dentro de suas mochilas.

    Querer terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz, minimamente deveria ser lei, regra, e um dever do governo. Esses desejos não alcançados fazem parte do décimo ponto dos Panteras Negras e das reivindicações de comunidades africanas, indígenas e tantas outras comunidades pobres, esquecidas. Os exemplos da realidade nos mostram que essas necessidades ainda são muito atuais.

    As manifestações que acontecem ao redor do mundo de populações fartas de governos que não as ajudam, e que, sob o nome da “democracia”, escondem do povo seus verdadeiros interesses, provam que a luta dos Panteras Negras é necessária e atual como antes.

    Você quer saber mais sobre os Panteras Negras? Tem uma exposição maravilhosa sobre eles no Sesc Pinheiros, em São Paulo, até o dia 2 de julho. Todas as terças, quartas, quintas, sextas e sábados, das 10h30 às 21h30. Rua Paes Leme, 195, Pinheiros SAO PAULO | CEP: 05424-150