Durante o trabalho noturno de leituras e correção de trabalhos de alunos(as), rendo-me à assistência do JN, agora com nova roupagem. Em meus interesses sobre a forma das coisas, comecei a observar detidamente o cenário, a bancada. E confesso que tive dificuldade em permanecer atenta por uma questão de ótica: o exagero dos (d)efeitos visuais, como bem lembrou Valmir Costa, as luzes que se assemelham aos holofotes de grandes eventos e, assim, vão nos anestesiando com seus efeitos alucinógenos. Letreiro de motel de beira de estrada perde feio. Mas como forma não é mero detalhe, dá pra intuir que essa mudança (mais uma num lapso de tempo relativamente curto) sinaliza para algo de fundo, para a decadência do jornalismo global que tenta nos engabelar por meio de uma duvidosa plasticidade e beleza visual (o termo global aqui tem sentido duplo: planetário e da Rede Globo. Refiro-me, claro, a esse modelo de negócio que se desmancha).
Vem de longa data a relação forma X conteúdo, todos(as) sabemos. Vistos de maneira dicotômica, quase sempre o segundo levou vantagem sobre a primeira no que diz respeito à produção de sentidos. No entanto, temos uma longa discussão teórica, eu mesma a enfrentei no doutorado, sobre a importância da forma na produção de sentidos. O pensador Mouillaud, já teria afirmado o quanto a hierarquização entre forma e conteúdo não é produtiva: o termo conteúdo remete à metáfora de uma caixa ou de um escrínio nos quais um objeto está, de fato, “contido”. Para esses analistas, a própria língua era apenas um envelope do sentido, do qual era necessário extrair as “categorias”, assim como se separa a amêndoa do caroço. (…). À primeira vista, a embalagem e o objeto podem ser separados sem que o objeto perca sua identidade; entretanto, um perfume continuaria a ser um perfume sem seu frasco? O presente permanece um presente sem as fitas e as graças que os envolvem? A prece é prece sem seu gestual? (MOUILLAUD, 1996: 29).
Considerando, então, que forma e conteúdo são indissociáveis, a nova identidade visual deve ser percebida e analisada como um forte indício de que as matérias, os textos também já foram solapados, rebaixados a uma categoria estética e política que de jornalismo não tem nada. A cobertura política da política disso nos dá testemunho. Prospectemos, portanto, novas formas, formatos de notícia. Decididamente, o JN é triste retórica que atrasa o país. Descendo ladeira abaixo, quer nos levar a todos para o precipício.
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*Rosane Borges, 42 anos, é jornalista, professora universitária e autora de diversos livros, entre eles “Esboços de um tempo presente” (2016), “Mídia e racismo” (2012) e “Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro” (2004).
Uma resposta
Análise pertinente Professora. Percebi o mesmo.Fiquei a espreita para ver qual seria a mudança e seu objetivo e propósito. Afinal de contas, fomos convocados para tal através do anúncio espalhafatoso. Para minha surpresa a mudança era estética e que horrorosa estética. A voz fúnebre do poderoso chefão parecia anunciar a qualquer momento a falência da empresa.