Jornalistas Livres

Categoria: Geral

  • Direito à dignidade

    Direito à dignidade

     

    Boletim Nº1 do grupo de trabalho de Formação dos Jornalistas Livres

    Car@s companheir@s,
    Estamos vivendo um momento muito triste. A violência policial ultrapassou há tempos o limite do suportável. Só que agora acertou a cabeça de um menino de 10 anos — e todo mundo viu. Há raiva, revolta, medo. Mas há também uma força gigante que move mães, pais, irmãos, avós, tios, tias e envolve todos nós na busca pela esperança.

    A constatação de que a justiça é seletiva, de que o extermínio da juventude negra e pobre é uma escolha da polícia, uma diretriz de segurança pública e, portanto, uma responsabilidade do Estado, nos impõe, enquanto rede de veículos de jornalismo independente focado em direitos humanos e democracia, o dever de assumir uma posição.

    Estamos do lado de quem é mais oprimido. De todas essas mulheres que não param de velar seus jovens. Somos parte do enfrentamento e da luta, não só no Alemão, mas junto com todos que passam diariamente por essas graves violações de direitos humanos. Diante disso, precisamos fazer o nosso trabalho com a maior qualidade possível.

    Ao mesmo tempo, como é uma situação de comoção coletiva, é fácil ultrapassarmos a linha tênue que divide jornalismo e sensacionalismo. Como estamos lidando com vida e morte, com violência e muita dor, precisamos ser cuidadosos na cobertura. Nesta cobertura e em tudo o que diz respeito aos direitos humanos. Ainda mais quando há crianças envolvidas.

    É preciso estar atento e forte.

    Por conta da nossa natureza, sabemos cobrir bem o ao vivo, as manifestações. Essa é uma parte fundamental do nosso trabalho. Registrar o ponto de vista de quem está no chão, na caminhada. E obrigar a que essa história esteja contada. Isso é muito bom. Estamos também nos preparando para aprofundar nas reportagens, para mostrar o contexto em que as violações acontecem, como se dão, onde nascem, a responsabilidade das forças de segurança do Estado, as políticas públicas, as histórias das pessoas, os dados, as opiniões. A maneira com que faremos essa narrativa é igualmente importante.

    Tudo isso nos dá a oportunidade de estabelecer novos padrões de cobertura. Se todos estiverem de acordo, gostaríamos de iniciar este crucial debate propondo três deles para hoje e os próximos dias:

    • Jornalistas Livres não publicam imagens em que pessoas — especialmente crianças — são retratadas em situações degradantes.

    • As exceções se impõem quando essas imagens forem denúncias e única prova de que determinada injustiça ocorreu. No entanto, se o vídeo ou a foto já estiver circulando pela rede (ou se a Globo, ou outra TV, já tiver exibido), não nos interessa. De qualquer maneira, essas imagens precisam necessariamente de cuidado, tratamento, contexto. Sabemos que é uma contra-mão da dinâmica de rede. Mas é importante assumir esse cuidado.

    • Nenhuma vida vale mais que outra. Não faremos comparativo entre o assassinato do menino Eduardo e a morte do filho do governador, essa última tratada com muito mais cuidado pela mídia convencional. Não colocaremos uma em contraposição à outra. Porém, a morte causada por um agente do Estado é nosso foco de cobertura. Trataremos dela.

    Devemos ser coletivamente responsáveis diante das graves violações de direitos humanos, agindo como ombudsmans uns dos outros e, sobretudo, de nós mesmos. Acreditamos no debate franco e aberto entre nós e com o público leitor, como instrumento de aprendizado coletivo.

    Lembramos que nesta segunda-feira, dia 6 de abril, às 20h, acontecerá a oficina sobre a cobertura de “adolescentes em conflito com a lei/maioridade penal”. Muitos aspectos acerca dessas questões poderão ser abordados nessa conversa. E assim vamos alinhando a cobertura e imprimindo a nossa identidade. A oficina será transmitida ao vivo via internet, pel@s canais d@s #JornalistasLivres.

    @s integrantes do GT de Formação se colocam à disposição para qualquer diálogo a respeito desses temas. Um abraço a tod@s.

    Força, coragem e alegria para nós.

    GT de Formação

     

  • Ex-presos políticos avaliam o passado e o presente em antiga sede do Deops

    Ex-presos políticos avaliam o passado e o presente em antiga sede do Deops

     

    Três militantes visitam o Memorial da Resistência com nossa equipe de reportagem. Eles relatam o passado de prisão e tortura; comentam os pedidos de intervenção militar no presente e reafirmam: golpe nunca mais no futuro.

    Sou o Memorial da Resistência de São Paulo. Talvez você não me conheça, mas faço parte de uma história importante deste país. Uma história que nunca deve ser esquecida, para que se faça justiça aos 434 mortos e desaparecidos que dela decorrem. Sou um edifício inaugurado em 1914 para abrigar os escritórios e armazéns da Companhia Estrada de Ferro Sorocabana, no centro da capital paulista.

    No entanto, alguns anos depois acabei me tornando uma das sedes do aparato de repressão do Estado brasileiro, o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP). Esse órgão passou a funcionar em 1924, com a finalidade de controlar os trabalhadores, reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao poder. Mas foi durante a ditadura militar que o Deops se tornou de fato uma polícia política.

    Diversos militantes políticos no período da ditadura militar (1964–1985) foram presos, torturados e mortos dentro das minhas paredes. Em 1964, os presos políticos eram trazidos aqui. Já depois de 1969, eles vinham após o período que eram submetidos a prisões políticas na Operação Bandeirantes (OBAN) ou no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi).

    Estar aqui servia para legalizar as prisões, que não eram oficiais nos outros órgãos repressores: eram feitos os inquéritos oficiais e tomados os depoimentos formais.

    No segundo andar ficavam salas nas quais se torturavam pessoas. O delegado Sérgio Fleury, que se tornou um torturador mais notório que qualquer militar, perseguia militantes e matou muitos deles por meio da tortura, tinha uma sala neste andar.

    Desde 2005, passei de símbolo da opressão e medo ao símbolo da resistência e da memória. Transformei-me em uma homenagem a todos que lutaram, muitos dos quais perderam suas vidas, para que o Brasil se tornasse um país democrático, e para que a sociedade nunca se esqueça do que foi o horror da ditadura.

    Visitando o passado

    Na semana em que o golpe militar completa 51 anos, recebi a visita de três militantes e ex-presos políticos, não para serem interrogados ou presos, mas para dividirem suas histórias de vida, as suas lutas contra o regime militar e contra os resquícios que essa ditadura deixou na sociedade brasileira. São eles: Aton Fon Filho, Maria do Carmo Gomes e Sebastião Neto.

    Aton Fon Filho é advogado. Defende causas relacionadas a movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele me visita com frequência para dar palestras e acompanhar exposições. Fon atuou na Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização coordenada por Carlos Marighella. Foi preso aos 22 anos, ficando na cadeia por nove anos, 11 meses e três dias. “Não fala que é dez anos! Já fiquei muito tempo preso, não me dá mais 27 dias”, brinca. Foi torturado. Entre as sequelas, perdeu a audição do ouvido direito.

    Mesmo dentro da cadeia, continuou na luta contra a ditadura. “Não dá para falar da prisão como uma única coisa. Tem três períodos distintos. O primeiro é o momento da prisão, em que o objetivo era obter informações para prender outros membros da organização. Foi o período mais duro, porque demandava resistência nossa para não entregar informações dos outros companheiros, e tínhamos dúvidas se sobreviveríamos à tortura que enfrentávamos. O segundo momento é quando temos a garantia na prisão e estabelecemos novas metas. No caso da ALN, definimos que mesmo presos tínhamos um papel a cumprir na luta, lá de dentro. Fazíamos denúncias do que se passava nas cadeias, das pessoas que desapareciam, e protegíamos companheiros que eram presos. O terceiro momento é quando víamos sinais de debilidade da ditadura, mostrando que ela ia ser superada naquela fase, e apoiamos o movimento de anistia e a luta pelas diretas, ao sair da cadeia”, relata.

    A outra visitante foi a mineira Maria do Carmo Gomes, que militou na Oposição Metalúrgica, entidade operária que se colocava contra a ditadura militar e contra os sindicatos, aliados aos setores patronais à época.

    Participou das lutas contra a ditadura no final de 1978 e 1979. Hoje é aposentada e colabora com o Núcleo de Memória do Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP). Trata-se de uma iniciativa que atua, entre outros temas, com projetos ligados ao registro da repressão dos anos de chumbo dentro de fábricas paulistas.

    “Na época do golpe eu era pequena. Mas lembro do meu pai, que era um lavrador semianalfabeto do Vale do Ribeira, ouvindo um radinho de pilha com a testa franzida, e ele dizia: ‘coisa boa não vem pra nós’. A partir daí a gente já tinha aquelas recomendações. ‘Se estiver na estrada e vir um caminhão, pula no meio do mato, se esconde porque o Exército está por aí’. Então a gente já veio com esse medo na cabeça para São Paulo, mesmo não sabendo direito o que estava acontecendo. A ditadura é uma coisa que modificou completamente minha vida. Me fez criar consciência e ir para a luta”, afirma.

    Ao lado de Fon e de Maria do Carmo nesta visita estava Sebastião Neto. Ele também foi operário e membro da Oposição Metalúrgica. Nascido em Goiás, vive há 44 anos em São Paulo. Foi preso na ditadura quando jovem por seis meses. “Mas de cadeia, basta um dia. Pois é nesse um dia que vão tentar te quebrar”, conta.

    Neto viveu clandestino até se tornar operário. Trabalhou mais de 20 anos nas fábricas metalúrgicas, foi dirigente da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e hoje se dedica ao IIEP, nas ações de relacionadas à memória operária.

    Hoje, Neto cobra que o Estado continue os trabalhos iniciados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).

    “A maior falha da CNV é não ter continuidade, no sentido de justiça e reparação e não apontar os responsáveis civis que também tiveram papel no golpe, que o financiaram. Haviam órgãos civis que existiam há cinco anos antes do golpe e o apoiaram ativamente, criando um sistema de comunicação entre as empresas, organismos de estados e as forças de repressão como o Deops”.

    Raízes da ditadura

    Os três militantes acreditam que o golpe militar, articulado com grandes empresários e organizações civis que representavam interesses das elites, se deu para frear um momento no qual os trabalhadores brasileiros lutavam por direitos e participavam ativamente da vida política.

    “A ditadura foi uma vitória das forças imperialistas não só no Brasil, como na América Latina. Nos anos anteriores ao golpe, os trabalhadores viviam um processo que buscava reformas estruturais que libertassem nosso país da colonização ao qual ele era submetido. A ditadura foi uma repressão dessas tentativas dos trabalhadores. E, para efetivar essa repressão, é que se valeram de torturas e assassinatos”, afirma Aton Fon Filho.

    Maria do Carmo destaca a situação enfrentada pelas mulheres operárias nos anos de chumbo. “A mulher trabalhadora sofria de forma violenta na ditadura. A exploração da mão de obra da mulher era muito importante para as fábricas, porque elas faziam o trabalho de produção de forma hábil, por um salário muito menor que o dos homens. A luta da mulher era observada a todo momento pelos patrões, e qualquer movimento a mais, éramos demitidas. Duas mulheres não podiam ir ao mesmo tempo ao banheiro, não porque ‘diminuiria a produção’, mas para não se encontrar e conversar”, relata.

    Contar essa história de repressão e horror é um desafio na opinião de Sebastião Neto. “Não é fácil explicar o que foi a ditadura para quem viveu sempre na democracia. Você não tem direito a nada na ditadura. A repressão política impede que o povo pense e se organize. A ditadura criou um novo regime fabril: nenhuma liberdade, intensificação da jornada de trabalho e a pior legislação possível. O golpe foi dado para explorar com mais eficiência a classe trabalhadora do campo e da cidade”, diz.

    Fon alerta que, apesar da transição democrática, resquícios da ditadura ainda existem, em todas as esferas da sociedade brasileira. “Não podemos falar que a ditadura militar foi. Muitas das suas repercussões permanecem entre nós. A ditadura se prolonga porque o projeto que foi estabelecido por Ernesto Geisel em 1974 de uma transição lenta, gradual e segura foi e continua sendo bem sucedido, criando até mesmo na cabeça dos que são militantes de esquerda, que buscam a igualdade, o medo”.

    Já para Neto, “a democracia não significa ausência da ditadura. Assassinatos de pobres e negros ocorrem com frequência devido à violência policial, trabalhadores são assassinados — pelo menos 1.200 trabalhadores foram assassinados no campo na ditadura; mas para não ficar muito longe, em 1986, no governo Sarney, foram mortos 280 trabalhadores rurais. Além disso, criou-se a cultura da tortura nas delegacias”.

    Golpe nunca mais

    No dia 15 de março de 2015, milhares de pessoas convocadas pela direita saíram às ruas. Entre os alvos das manifestações estavam a presidenta Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores. Em faixas e cartazes, parte de quem foi aos protestos de verde e amarelo pedia a volta dos militares ao poder.

    Fon acredita que muitas pessoas que estavam no ato não tinham plena consciência do porquê de estarem lá. “Tenho certeza que muitos que estavam lá não tinham muita ideia do que faziam ali. Digo isso porque participei da Marcha da Família em 1964 sem saber o que era. Saí do trabalho mais cedo, fomos liberados, fui pra lá e quando vi, estava segurando uma faixa. Notei que estava indo na direção de volta ao trabalho, abandonei e voltei pra casa. Se eu fiz isso, imagino que outras pessoas possam ter feito”.

    Maria do Carmo concorda. “Eu peguei uma foto da Marcha da Família e comparei com a manifestação do dia 15. A conjuntura de hoje é diferente. Não temos guerra fria, não há a desculpa do ‘perigo do comunismo’. É uma minoria que pede intervenção militar. O povo que foi às ruas tem uma insatisfação com o governo e o rumo do país, mas não é o mesmo de 1964.

    “Só um tolo quer uma ditadura, porque ela atinge todo mundo. Mas não me espanta pessoas irem às ruas pedir isso. Como diz um amigo meu, foi um ato contra a ‘abolição da escravatura’. O que me incomoda é que a esquerda está perdendo contato com a sua base, com dificuldades de chegar às pessoas e ter um instrumento político que sirva aos trabalhadores e ao povo pobre”, comenta Neto.

    Da memória à resistência

    A ditadura militar, com toda sua violência e repressão, foi capaz de acabar com a vida de muitas pessoas e até ideais. Muitas delas aqui, nas minhas salas e celas.

    Os que conseguiram sobreviver e resistir relatam hoje, em diversos espaços e iniciativas, esse passado para que ele não se repita. Fon, Neto e Maria do Carmo são apenas três.

    Mas não são só militantes que resistiram, são também a memória viva da repressão e da luta contra a ditadura no Brasil, assim como outras milhares de pessoas que lutaram contra o regime.

    E essa luta abriu caminho para todos aqueles que nasceram na democracia, conhecem o passado de seu país e reivindicam no presente um futuro diferente, para que tudo que aconteceu aqui, dentro de mim, nunca mais se repita.

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  • Na prática, SP já reduziu a maioridade penal, diz antropólogo

    A entrevista a seguir foi feita no meio de 2014. Na ocasião, o pesquisador Fábio Mallart, que viveu de perto a rotina da Fundação Casa, acabava de lançar seu livro, “Cadeias Dominadas –A Fundação Casa, suas Dinâmicas e as Trajetórias de Jovens Internos” (264 pp, Editora Terceiro Nome). Na obra, Mallart, constata que a Fundação Casa já se transformou em cadeia, onde menos do que educar e sociabilizar, como era previsto pelo Estatuto da Criança e Adolescência, o que acontece é a mera rotina de punição e segregação do jovem em conflito com a lei. Funciona com a mesma lógica punitiva e carcerária dos estabelecimentos voltados para adultos.

    Mestre em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo e membro do Núcleo de Etnografias Urbanas do Cebrap, Mallart conviveu com jovens infratores nas unidades da Fundação Casa (antiga Febem) entre 2004 e 2009. Durante esses anos, ministrou oficinas de fotografia aos adolescentes dos complexos do Brás, Franco da Rocha, Tatuapé, Vila Maria e Raposo Tavares, em São Paulo. Foi a forma que encontrou para se aproximar dos jovens, conhecer-lhes o cotidiano, suas formas de organização e de resistência.

    O paralelismo entre as cadeias de adultos e a Fundação Casa é total. Até a superlotação típica dos presídios agora acontece nas unidades da fundação, segundo denúncia protocolada pelo Ministério Público Estadual. “A situação, de séria gravidade, configura flagrante desrespeito aos direitos humanos dos adolescentes”, diz o texto da ação.

    Na entrevista, Mallart mostra como o Estado “alinhou” a Fundação Casa com os métodos usados nas prisões. E mostra também como os jovens “alinharam-se” com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital.

    O fracasso atual dessa estratégia penitenciária no combate à violência mostra que a redução da maioridade penal, em vez de corrigir os problemas que o pesquisador aponta, apenas conseguirá aprofundar o drama vivido por tantas famílias e jovens a que o Estado vem negando um futuro.


    Laura Capriglione — Em seu livro, você defende a ideia de que o sistema socioeducativo de internação progressivamente se alinhou à lógica do sistema penitenciário. Como isso aconteceu? Quais os sintomas desse deslocamento?

    Fábio Mallart — Esse alinhamento pode ser flagrado de maneira mais clara a partir de meados da década de 2000, com a nomeação, pelo governador Geraldo Alckmin, da procuradora do Estado Berenice Maria Giannella como presidente da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), depois rebatizada Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa). Berenice foi corregedora-geral do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo e ocupava a função de secretária-adjunta da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária). Essa nomeação marca o ingresso de vários funcionários do sistema carcerário na Febem, assumindo a direção de algumas unidades de internação. Além disso, nesse mesmo período da década de 2000, você tem uma série de transferências de adolescentes da Febem para presídios localizados no interior de São Paulo. Transferências que foram, diga-se, autorizadas pelo governador Geraldo Alckmin.

    Laura Capriglione — Isso aconteceu antes dos ataques do PCC?

    Fábio Mallart — Sim, antes. É quando começam as transferências de adolescentes infratores para presídios. No meio de 2006, quando eu trabalhei no complexo da Vila Maria, uma das unidades operava de forma muito semelhante ao “Regime Disciplinar Diferenciado”, o RDD, vigente em algumas unidades do sistema adulto. Era assim que os adolescentes chegavam a ficar 23, às vezes 24 horas, trancados no quarto, sem atividades, como parte de uma lógica evidentemente punitiva e carcerária. Em algumas unidades da Fundação Casa, você tem também, em meados da década de 2000, a introdução do GIR (Grupo de Intervenções Rápidas), que vem da SAP, e começa a ser deslocado para algumas unidades para controlar a dinâmica de funcionamento desses espaços.

    Laura Capriglione — E os internos, diante dessa mudança?

    Fábio Mallart — Como nos presídios paulistas, você tem posições políticas entre os adolescentes, que se dividem em estruturas hierárquicas conhecidas nas prisões de adultos. Foi assim que apareceram nas unidades de internação figuras como o piloto, o faxineiro… esses setores todos. Os adolescentes das unidades de internação dominadas procuram seguir as orientações que são transmitidas pelos integrantes do Primeiro Comando da Capital, e aí são orientações que, em geral, vem tanto de penitenciárias quanto de regiões periféricas. Então, o quadro atual da Fundação Casa deve ser visto nesse entrecruzamento. Você tem uma política oficial marcada pela lógica carcerária e tem também os adolescentes orientando suas ações de acordo com as orientações do Primeiro Comando da Capital.

    Laura Capriglione — O que veio primeiro, a lógica do PCC entrando nas cadeias ou veio primeiro a lógica institucional das penitenciárias entrando na Fundação Casa?

    Fábio Mallart — É difícil saber o que veio primeiro. São duas coisas muito entrelaçadas. Reconstituindo algumas trajetórias de internos pude ver que muitos adolescentes já entram na Fundação Casa sabendo as normas de conduta do PCC. Então, se o adolescente trabalhava em um ponto de venda de drogas, ele já entra sabendo como opera dentro do Comando. Porque, naquela biqueira, ele já orientava suas ações de acordo com os preceitos do PCC. A lógica, portanto, vem de fora. Não se constitui dentro da Fundação Casa. Ao mesmo tempo, as políticas governamentais são uma espécie de espelho dessas políticas que estão no sistema prisional adulto. O que eu acho interessante notar é que, hoje em dia, mais do que nunca, a fronteira entre o “dentro” e o “fora” dessas instituições é porosa. Os muros são porosos. Não existe mais aquela prisão totalmente fechada, sem relações com o mundo exterior. Pelo contrário, o que se vê são os princípios do PCC atravessando esses muros institucionais, e esses adolescentes tentando sintonizar as ações deles, do cotidiano, com o cotidiano prisional e das periferias urbanas, também.

    Laura Capriglione — E o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)? Como fica, diante da transformação das medidas socioeducativas em prisão?

    Fábio Mallart — O ECA, que resultou do processo de transição democrática, decidiu pela separação entre adolescentes abandonados e adolescentes infratores. Para os adolescentes abandonados, a partir de então, se estabeleceu que eles deveriam receber medidas de proteção. Para os adolescentes infratores, se estabeleceu que eles deveriam receber medidas socioeducativas. Para mim, de certa forma, há um paradoxo. Pois, olhando em retrospecto, é claríssimo que, ao dividir abandonados e infratores, o ECA, em conjunto com outras dinâmicas, acionou o caráter punitivo e carcerário das chamadas “medidas socioeducativas”. Ao dizer que “esses abandonados merecem medidas de proteção, e os infratores merecem medidas socioeducativas”, o ECA acabou fazendo com que as medidas socioeducativas se aproximassem, cada vez mais, de uma lógica punitiva. Não é à toa que as unidades de internação são chamadas, tanto por adolescentes quanto por funcionários, de “cadeias”. Acho que é um termo que, por si só, evidencia duas coisas. Primeiro, há uma lógica punitiva carcerária operando nesses lugares. Segundo, você tem uma simetria entre as unidades de internação e as unidades do sistema prisional.

    Laura Capriglione — Se você tem esses jovens sendo cooptados pelo crime tão cedo, nas biqueiras, começando precocemente a dominar esse repertório cultural do crime, não é meio natural, digamos assim, não é meio uma resposta lógica que o Estado responda com uma política de encarceramento que faz da Febem/Fundação Casa espelho das penitenciárias? Teria como ser diferente isso?

    Fábio Mallart — O problema é que parece claro hoje em dia que o modelo prisional vigente está falido –tanto em relação aos adultos quanto aos jovens. Vários pesquisadores têm apontado que, quanto mais você encarcera, mais você fortalece a criminalidade, em vez de combatê-la. Hoje está claro que a expansão do PCC dentro e fora das prisões está estritamente relacionada a um encarceramento em massa que o Estado pôs em prática há alguns anos. Porque você vai jogando cada vez mais gente para dentro, para dentro, para dentro e isso só tem fortalecido a organização. De certa forma, eu acho que existe um reflexo dessa política de encarceramento em massa também na Fundação Casa. Há, inclusive, um texto da própria Berenice em que ela diz ter a sensação de que, se fossem construídas 50 novas unidades, essas 50 novas unidades estariam repletas em pouco tempo. Então é um reflexo da própria política governamental que vai jogando cada vez mais adolescentes para dentro do sistema, e isso não combate o crime, mas, pelo contrário, fortalece o crime.

    Laura Capriglione — Desde a nomeação de Berenice Gianella, há um estado de relativa calmaria nas unidades da Fundação Casa. Um motim, aqui e ali, mas nada daquelas mega-rebeliões que aconteciam todo o tempo nas Febems… Como se conseguiu isso?

    Fábio Mallart — Eu tive a oportunidade de estar dentro da Fundação Casa em vários momentos a partir de 2006. O que aconteceu dentro da fundação foi o mesmo que aconteceu nos presídios e, em alguma medida, nas periferias urbanas, que é a bandeira branca. Os adolescentes receberam indicações de que, a partir daquele momento, as agressões entre eles ou qualquer tipo de rebelião deveriam ser evitadas. Trata-se de um período de paz nas cadeias paulistas, que inclui a Fundação Casa. Do ponto de vista de quem está “tirando” uma cadeia, como dizem os próprios internos, o cenário é muito mais favorável, porque os funcionários não oprimem tanto. Também houve uma sensível redução dos índices de violência entre eles. Não é que hoje não existam mais espancamentos entre adolescentes e de funcionários contra adolescentes. Eles ainda existem. Só que a intensidade e a frequência são menores. E hoje se veem cenas que seriam inimagináveis na década de 80, como adolescentes impossibilitarem a entrada de funcionários no pátio. Entrevistei um ex-interno da Febem, que passou 15 anos dentro do sistema a partir do início dos anos 70, e que ficou espantado com o que viu na Fundação Casa ao voltar para fazer um trabalho social. “O que é isso? Os adolescentes agora fazem a gestão da cadeia, são eles que entregam alimentação, são eles que organizam as atividades esportivas, os campeonatos de futebol”, relatou-me…

    Laura Capriglione — Os jornais costumam dizer que existe nas cadeias um acordo entre o PCC e a direção do sistema prisional em São Paulo. Você tem alguma pista de que isso tenha se desdobrado também na Fundação Casa?

    Fábio Mallart — Dentro das unidades de internação isso ficou muito claro. Naquelas cadeias chamadas de “dominadas”, presentes nos grandes complexos da instituição (Raposo Tavares, Franco da Rocha, Vila Maria, e, na época, o Tatuapé também), quem faz a gestão do espaço institucional são os próprios adolescentes. São os chamados disciplinas, que são jovens reconhecidos como líderes tanto por funcionários quanto por adolescentes, que se dividem em uma série de posições: piloto, faxina, encarregado e setor. E os adolescentes que ocupam essas posições políticas são responsáveis por gerir o espaço institucional, desde a entrega da alimentação até a organização dos campeonatos de futebol, dos torneios de dominó, mas também de relações e negociações com o diretor da unidade. Que essas negociações e esses acordos são frequentes, não me resta nenhuma dúvida, isso não só na Fundação Casa, mas em alguma medida nos presídios, nas periferias.

    Laura Capriglione — Em que medida tais acordos são respeitados?

    Fábio Mallart — É interessante perceber que esses acordos são frágeis, instáveis. São acordos que podem terminar a qualquer momento, e aí acho que a gente consegue entender a eclosão de episódios de terrível violência, como naquela onda de mortes em 2012, quando houve uma matança geral. Policiais e facção criminosa em guerra. Na Fundação Casa, pude presenciar várias situações em que os pilotos saíam das unidades de internação e iam negociar aquilo que eles chamavam de “benefícios”, junto ao coordenador da unidade. Ou, por exemplo, saíam para fazer reclamação de que as visitas estavam sofrendo muito esculacho para entrar na cadeia.

    Laura Capriglione — Quando você fala “saíam”, é sair mesmo?

    Fábio Mallart — Saíam e iam para a sala do diretor. Depois, voltavam.

    Laura Capriglione — Todas as cadeias são assim?

    Fábio Mallart — Não. O que eu flagrei na pesquisa foi a existência de três tipos de cadeias. Primeiramente, existem as “cadeias dominadas”, que são essas em que os adolescentes são responsáveis pela gestão do espaço institucional. Depois, vem as cadeias na mão dos “funças”, unidades em que os funcionários detêm o controle, onde impera a lógica do “licença, senhor”, “licença, senhora”, cabeça baixa, mão para trás. Por fim, há as cadeias “meio-a-meio”, em que vigora um equilíbrio das forças, em que algumas tarefas são compartilhadas, onde tem uma tensão muito maior, porque o que está em disputa é justamente a unidade. É preciso não generalizar, nem achar que todas as cadeias da Fundação Casa são cadeias dominadas. Depende da conjuntura.

    Laura Capriglione — Como comparar esses modelos de gestão em termos de índice de violência?

    Fábio Mallart — Dentro de uma cadeia dominada, o grau de violência entre adolescentes e funcionários é reduzido, se comparado a uma cadeia da mão dos “funça”, onde a disciplina é aquela da “mão para trás, cabeça baixa”. Eu não estou me referindo só à agressão física, mas a violências como por exemplo, essas, que obrigam os internos a ficar o dia inteiro sentados no chão, a fazer fila para ir ao banheiro, a não poder ficar dois minutos embaixo do chuveiro tomando banho, a ser revistado várias vezes ao dia. Eu sempre tomo cuidado para não passar a impressão de que nas cadeias dominadas tudo é uma maravilha. Não, também existem violências e tensões ali dentro. Um exemplo: se um adolescente se masturba no dia de visita, em uma cadeia dominada…

    Laura Capriglione — Morre?

    Fábio Mallart — Não. Desde que se instaurou a bandeira branca, o que eles costumam fazer é colocar o adolescente para fora da unidade, mandar para o “seguro”. Antes da bandeira branca, era comum a “madeirada”, em que se aplicava um corretivo físico em quem porventura fizesse isso, porque sabia que não podia fazer… Masturbar-se em dia de visita, enfim, é orientação que não pode ser descumprida.

    Laura Capriglione — Dá para dizer que os valentões cederam a liderança das cadeias aos negociadores?

    Fábio Mallart — O que eu pude perceber é que isso é um deslocamento no universo do crime, mesmo. Se na década de 90, na época do Carandiru, os ladrões respeitados eram os caras que tinham disposição para matar, o que pude notar é que existe hoje em dia uma predisposição ao diálogo. A tentar resolver as fitas na ideia. Isso significa que não haja violência? Não, de maneira nenhuma. Os adolescentes que estão à frente das cadeias, as lideranças, em princípio, tem que ter disposição para dialogar e resolver as coisas na ideia. Porém, se em determinado momento ele tiver que matar, ele tem que executar isso da melhor maneira possível. É uma combinação entre a predisposição ao diálogo, mas, ao mesmo tempo, sem perder de vista que tem que ter disposição para agir se for necessário.

    Laura Capriglione — Quais os outros requisitos para ser uma liderança?

    Fábio Mallart — Existem alguns, entre os quais uma performática da inteligência. Na época em que eu frequentei mais as cadeias, os pilotos usavam óculos, como atributo de um cara inteligente. Não é só ter uma predisposição ao diálogo, mas é mostrar isso no corpo, também. Se possível, usar uns óculos, nunca falar num tom de voz alto, ou gritar no pátio, sempre andar com extrema discrição. São adolescentes que não são muito vistos. Que tem uma postura corporal mais introspectiva.

    Laura Capriglione — Não pode rir?
    Fábio Mallart
     — É interessante, porque como eu dava aula de fotografia, a gente tirava muitos retratos… Mas os alunos dessas oficinas não riam porque o riso estampado na imagem era uma prova de fraqueza perante os funcionários. Então, eles evitavam o sorriso e diziam: “Pô, senhor, se a gente ficar rindo, os funcionários vão achar que a gente tem fraqueza na cadeia”, entendeu?

    Laura Capriglione — E como acontece a prática dos debates entre os internos?

    Fábio Mallart — Tenho relatos, que inclusive coloquei no livro, sobre horas e horas de debates para apurar se “um cara fez alguma fita errada”; é um processo com ampla possibilidade de defesa pelo acusado, até que se chegue a um consenso de que aquilo realmente foi feito por ele ou não. Há uma predisposição a esse tipo de diálogo. Nas periferias o que a gente tem visto é a replicação dessa prática dos debates. O resultado é que não se mata mais como antigamente; é preciso uma autorização, entrar em um consenso com vários irmãos para ver se mata ou se não mata. Acho que essa predisposição ao diálogo é hoje uma coisa do universo do crime mesmo, não só da Fundação Casa.

    Laura Capriglione — Isso contraria o senso comum, para o qual o crime e o governo são antagônicos. Não necessariamente, não é? Às vezes, parecem operar de forma complementar…

    Fábio Mallart — É isso o que eu estou dizendo. Muitas vezes essas políticas do crime e as políticas governamentais operam de modo complementar. Não são necessariamente antagônicas. O encarceramento em massa, por exemplo. O governo do Estado coloca um monte de gente dentro das unidades prisionais, pensando que assim reduzirá os índices do crime aqui fora, mas, na verdade, está fortalecendo o PCC nas cadeias. Um preso pode ficar muitos anos lá dentro, sujeito à disciplina do PCC. Mas sairá em algum momento. Como sairá? Outro dado interessante é a queda das taxas de homicídio nos últimos anos… O governo não cansa de se vangloriar de que o Estado de São Paulo reduziu as taxas de homicídio. Mas isso em certa medida está relacionado à prática dos debates, também na periferia. Não poder mais matar como se matava anteriormente. É curioso, porque obviamente o governo não vai reconhecer e dizer “olha, a queda dos homicídios está relacionada a uma política do crime”. Mas, com certeza, a prática dos debates e de arbitrar sobre a vida e a morte nas periferias, com certeza é muito funcional para o Estado também. Porque caem os homicídios, e o Estado diz “olha só os resultados das nossas boas políticas de combate ao crime”. Tem vários casos que apontam para isso, como é funcional para os dois lados. Tanto para o lado do PCC, porque o encarceramento o fortalece, quanto para o lado do Estado, já que as políticas do Comando, sobretudo nas periferias, ajudam a reduzir a taxa dos homicídios, e aí o governo usa isso em prol de si mesmo.

    Laura Capriglione — Na época daquelas rebeliões enormes que houve na Febem, diziam que a saída era criar pequenas unidades, com menos jovens, sobre as quais o Estado pudesse ter um controle maior. Concretamente, como é que isso aconteceu?

    Fábio Mallart — Eu trabalhei nos grandes complexos e eles às vezes tinham 1.500, 1.600 adolescentes. E não eram 1.500, 1.600 adolescentes separados e divididos –sem comunicação. Eram 1.500, 1.600 adolescentes que se comunicavam através dos pilotos, das lideranças, que subiam pelos telhados e tinham toda uma relação. Sem dúvida nenhuma, unidades menores são unidades mais fáceis de serem controladas. No Complexo Raposo Tavares, houve uma época em que a unidade de internação 37 era uma unidade super-reconhecida pelos adolescentes, porque era a dos reincidentes graves. Pois bem, eles tinham total controle da unidade, estavam em sintonia com a periferia e com os presídios também. Era uma unidade que, do ponto de vista da instituição, dava uma série de problemas. Certa vez, quando visitava essa unidade, para dar um curso, vi que os adolescentes haviam construído uma piscina dentro de uma sala. Tinham arrancado a porta e construído uma piscina. E quando eu entrava lá, eles diziam: “Pô, senhor, aqui só não entra moto e carro porque não passa na gaiola. O resto… tem tudo aqui dentro”.

    Laura Capriglione — E o Estado conseguiu retomar o controle desse unidade 37?

    Fábio Mallart — Sim e não. No começo de 2008, a unidade resolveu pegar todos esses adolescentes e os enviou para outras unidades do estado. Reformaram a unidade e trouxeram uma população nova. Pois bem, depois de alguns meses foram chegando –pouco a pouco– adolescentes do Complexo Brás, para cumprirem a medida socioeducativa ali. Quando eles chegaram era um controle absurdo. Eram 10 adolescentes para mais de 15 funcionários, mão para trás, cabeça baixa. Era uma cadeia que naquele momento, depois da reforma, era classificada como uma cadeia na mão dos “funça”. Só que, com o passar do tempo, quando foram chegando mais adolescentes, mais adolescentes, mais adolescentes, eu fui percebendo que essa ordem disciplinar punitiva foi trincando. Então os adolescentes foram tentando, por meio das famílias, acessar defensores de direitos humanos, as organizações não governamentais começaram a reclamar do tratamento que era dado aos adolescentes, que vira e mexe tinham marcas de espancamento. Os adolescentes começaram a acessar os integrantes do PCC fora das unidades. Em algumas situações, quando eles sabiam que algum integrante da Veij (Vara Especial para Infância e Juventude) ia fazer uma inspeção na unidade, eles marcavam os próprios corpos, para que a Veij concluísse que eles estavam sendo espancados. Eu pude perceber uma serie de disputas para conseguir retomar o controle da cadeia. E num determinado momento, quando eu saí da unidade, ela já não era mais uma cadeia na mão dos “funça”, ela já estava sendo classificada como uma cadeia meio-a-meio. Os adolescentes falavam para mim: “Senhor, falta pouco. Logo mais a cadeia vai estar na nossa mão”. Acho que o exemplo dessa unidade mostra como essas figurações de poder (dominadas, na mão dos “funça” e meio-a-meio) não são estáticas. São figurações mutáveis, são produtos do próprio jogo que se trava dentro dos espaços institucionais.

    Laura Capriglione — Num certo sentido, você não acha que o que a gente tem implantado nas cadeias já é uma antecipação de fato da maioridade penal?

    Fábio Mallart — A discussão da redução da maioridade penal é uma discussão sempre feita de maneira muito grotesca. Em geral, em momentos de comoção popular, quando um adolescente mata alguém de classe média ou alta, aí a gente tem uma discussão sobre isso. Mas a verdade é que, aos poucos, fui me dando conta que, quando você tem unidades de internação que são chamadas de “cadeias”, tanto pelos agentes institucionais quanto pelos adolescentes; quando você tem uma série de funcionários do sistema prisional que assumem a direção dessas unidades; quando você tem uma unidade que opera a partir da imitação do RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), que é do sistema prisional; quando você tem transferências de adolescentes de unidades de internação para unidades prisionais do interior paulista, eu acho que todas essas medidas já vão apontando para uma coisa que é muito mais perversa, que é a redução informal da maioridade penal.

    Laura Capriglione — Informal?

    Fábio Mallart — Sim, e uma tal informalidade é extremamente perversa. Enquanto as pessoas estão discutindo se no plano legal vai ou não haver a redução da maioridade penal, na prática algumas das unidades de internação hoje em dia já operam a partir da lógica prisional.

    Laura Capriglione — Qual é a posição dos juízes? Eu queria que você falasse sobre essa peculiaridade das varas especiais de infância e juventude… Como elas lidam com o jovem infrator?

    Fábio Mallart — Na minha pesquisa, eu não trabalhei com as varas especiais da infância e juventude, mas conversando com adolescentes e com funcionários da instituição, e pesquisando na literatura, percebe-se claramente a presença da mentalidade encarceradora nessas varas especiais da infância e juventude. E acho que nem poderia ser diferente, já que, conforme conversamos, há uma simetria entre o sistema prisional e o sistema socioeducativo.

    Laura Capriglione — Quem são esses internos da Fundação Casa? Que tipo de ato infracional eles cometeram?

    Fábio Mallart — A quantidade de pequenos traficantes que são colocados dentro dos espaços de internação e dentro das prisões hoje em dia é um ponto a ser considerado. Eu me deparei com adolescentes que tinham sido presos por estarem com 15g de cocaína, com uma pequena quantidade de maconha; por estarem perto da biqueira; por terem alguma relação com quem trabalhava na biqueira. Esse cenário também diz muito sobre o modus operandi da polícia, do tipo de suspeito que já é julgado e condenado na hora da abordagem policial.

    Laura Capriglione — Então estamos falando de pequenos usuários, pequenos ladrões… é tudo crime de pé-de-chinelo?

    Fábio Mallart — Isso não significa que não possa haver adolescentes que sejam chefes de quadrilha, adolescentes de 16 anos que tenham 18 assaltos na ficha. Uma das trajetórias que reconstituí, o “Túlio”, tem esse perfil. Ao ser preso, ele tinha mais de 16 assaltos, chefiava quadrilha, saiu nos jornais da cidade dele. Então, não é que sejam apenas pequenos ladrões ou pequenos traficantes… Mas, certamente, na esmagadora maioria dos casos, os jovens infratores são pequenos traficantes, pessoas pegas com pequenas quantidades de droga, ou por furto, enfim, coisas desse tipo.

    Laura Capriglione — E esses pés-de-chinelo vão aprender um monte de coisa com os “Túlios” da vida. Tem essa ideia da cadeia como escola do crime. Também funciona na Fundação Casa, não é?

    Fábio Mallart — Eu sempre fico um pouco com o pé atrás com essas formulações, sabe, tipo “a cadeia é a escola do crime”. Acho que tudo que envolve o crime está cheio desses chavões que tentam explicar, geralmente numa perspectiva muito causal. Agora, o que eu pude perceber é que muitos adolescentes entravam nas unidades já sabendo o modo de operação do Primeiro Comando da Capital. Isso significa que os adolescentes são integrantes do PCC? Jornais falam há pelo menos uma década de uma “facção mirim”, de que o PCC está dentro das unidades, de que os adolescentes são integrantes do PCC. Eu responderia isso de duas formas. Depende do ponto de vista. Se você levar em consideração que, para ser integrante da facção, você precisa passar por um processo de batismo para se tornar “irmão”, não, a maioria deles não são integrantes do PCC. Agora, se você levar em consideração que esses adolescentes orientam as suas ações pelas palavras e fecham com o PCC, que correm lado a lado, aí sim, eles podem ser vistos como integrantes, mesmo sem serem irmãos.

    Laura Capriglione — O que você acha da privatização das unidades da Fundação Casa?

    Fábio Mallart — Fico preocupado, porque a gente está lidando com vidas. Até que ponto essas vidas serão afetadas por interesses comerciais, caso haja a privatização? Até que ponto uma ou outra atitude da empresa que estiver fazendo a gestão daquele espaço não estará sendo guiada por questões econômicas, de eficácia e de produtividade? A alimentação na maioria das cadeias já é terceirizada (e aliás o serviço era péssimo). Mas privatizar a gestão e, consequentemente, vidas humanas, eu acho que é algo que deve ser no mínimo pensado e repensado com bastante cautela.

    Laura Capriglione — Mas é preciso fazer alguma coisa…

    Fábio Mallart — Sempre na questão das políticas públicas, tem um espaço de reflexão que é quase que pulado. “Vamos fazer algo”, “vamos fazer uma intervenção”, “vamos fazer uma mudança”, mas isso tem efeitos. É preciso pensar nesses efeitos. Por exemplo, em 2006, uma das coisas que a fundação fez foi pegar as lideranças de todos os grandes complexos e colocar na Vila Maria, nessa unidade que depois ficou sob o RDD. Pegou todas essas lideranças numa tentativa de anulá-las e pôs na Vila Maria. Só que, quando fez isso, o espaço da Vila Maria virou uma referência para todas as outras unidades do estado.

    Laura Capriglione — Como?

    Fábio Mallart — Lá havia o que os adolescentes chamavam de ladrões estruturados, que podiam dar uma opinião, tinham uma palavra, como eles diziam, mais forte, uma experiência, uma caminhada… Os adolescentes de outras unidades sempre tentavam ter uma relação com os adolescentes que estavam presos naquela unidade. Além disso, os adolescentes que foram para a Vila Maria podiam ficar ali por 30 dias. Então eles ficavam 30 dias e depois voltavam para suas unidades de origem. Entrevistei um rapaz, “Pedro”, que me disse exatamente isso: “Pô, senhor, eu voltei com uma visão maior, sabe? Voltei um cara mais estruturado”. Tinha convivido com um cara que tinha dez passagens. Ao voltar para sua unidade, voltou com muito mais status do que quando saiu.

    Laura Capriglione — Em que as unidades atuais são diferentes das antigas?

    Fábio Mallart — As “cadeias dominadas” possibilitam um outro jeito de estar no mundo, diferente daquele dos adolescentes que estavam naquela década de 70 e 80. Só que tem uma perversidade… e acho que a trajetória do “Pedro” mostra isso claramente. Quando o reencontrei pela última vez, ele me disse uma frase: “Senhor, eu sinto saudades daquela época”. E eu fiquei pensando: “Afinal de contas, por que ele sente saudade de uma época em que chegou a ser espancado, em que estava preso?” É evidente o porquê. Quando ele saiu da instituição, se deparou com os mesmos problemas familiares que tinha, o grupo de amigos dele, a maioria tinha sido morta, a outra parte tinha sido presa. Depois de muito tentar, ele conseguiu emprego como empacotador de soja, em uma empresa que só contratava egressos do sistema prisional adulto. Foi aí que ele conseguiu se encaixar. Ganhava um salário irrisório. Ele se deparou com uma situação muito diferente da que vivia quando estava internado na unidade de internação. O “Pedro” era piloto, tinha uma posição de prestígio e poder; ele negociava com diretor, ele era ouvido tanto por adolescentes quanto por funcionários. Ao sair, o que encontrou foi totalmente o avesso dessa posição. Daí, acho que vem a explicação de ele sentir falta da época da internação. No final das contas, o reconhecimento social que ele tinha dentro evaporou-se no ambiente externo à Fundação Casa. Tem uma perversidade nesse jogo também. “Pedro”, quando foi desinternado, foi carregado no colo por 150 adolescentes, que o chamavam de “cara firmeza”, todo mundo agradecendo os serviços prestados. Fora da “cadeia”, ele nunca teve reconhecimento nenhum.

     

  • Psicólogos manifestam-se contra a redução da maioridade penal

    Psicólogos manifestam-se contra a redução da maioridade penal

     

    Adolescentes confinados na antiga Febem, em 1991 — Foto: Márcia Zoet

    Psicólogos manifestam-se contra a redução da maioridade penal

    Os psicólogos lidam com as questões do desenvolvimento humano de uma perspectiva profissional e científica. Nesta medida, é importantíssimo o posicionamento do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, contrário ao projeto de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.

    A discussão sobre o tema, que estava parada desde 1993 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, foi desengavetada por iniciativa de parlamentares da chamada “Bancada da Bala”, formada principalmente por deputados originários da polícia/Exército.

    Segundo o Conselho Regional de Psicologia, crianças e adolescentes são “pessoas em desenvolvimento, o que as coloca em um patamar especial, devendo ser alvo de políticas de proteção e promoção de saúde, educação e lazer, entre outros direitos, com total prioridade sobre outras demandas sociais.”

    Os psicólogos também consideram a criminalização de crianças e adolescentes uma forma de “desresponsabilizar Estado e sociedade do seu papel na proteção e promoção de direitos.

    Para compreender o posicionamento do CRP-SP, #JornalistasLivres entrevistaram a presidente da entidade, Elisa Zaneratto Rosa, para quem o momento político atual caracteriza-se pela retomada de uma agenda “regressiva, de caráter fundamentalista”. Abaixo, a entrevista:

    #JornalistasLivres — Por que o ressurgimento da pauta da redução da maioridade penal?

    Elisa Zaneratto Rosa — A questão da maioridade penal é um debate antigo. A análise que a gente faz é que vivemos um momento político em que algumas posições que defendem o retrocesso de garantia de direitos, que sempre existiram na sociedade, estão ganhando mais força, mais visibilidade.

    #Jornalistaslivres — Por que isso é retrocesso de garantia de direitos?

    Elisa Zaneratto Rosa — Porque a Constituição foi uma dura conquista do processo democrático brasileiro, assim como o nosso ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que refletiu um amplo processo de mobilização da sociedade em defesa dos direitos da criança e do adolescente. A afirmação desses direitos permitiria a criação e o aperfeiçoamento de mecanismos de proteção e de um sistema de políticas públicas e de garantia da proteção integral da criança e do adolescente. Então, esses marcos, que são lá do fim da década de 1980, é que estão ameaçados agora.

    #JornalistasLivres — O que significa dizer que adolescentes são “pessoas em desenvolvimento”?

    Elisa Zaneratto Rosa — São pessoas que estão em processo de constituição de seus valores. Todos nós passamos por um processo de desenvolvimento pelo qual nos apropriamos dos valores postos na sociedade, em que desenvolvemos capacidades para fazer a reflexão crítica sobre esses valores. A Psicologia reconhece que isso depende de um processo de formação — e de um processo de formação, inclusive, em relação ao qual o Estado tem responsabilidade.

    O problema é que o Estado, que deveria garantir os direitos e a proteção às crianças e aos adolescentes, esse Estado não só não garante, mas muitas vezes é quem viola esses direitos.

    #Jornalistaslivres — Como assim?

    Elisa Zaneratto Rosa — Quando analisamos o conjunto de adolescentes que respondem, hoje, por ter cometido atos infracionais, vemos que, em sua imensa maioria, são adolescentes das camadas mais pobres da sociedade, que vivem em situação de vulnerabilidade. A gente percebe o recorte racial importante. Isso indica a omissão do Estado na garantia de direitos básicos.

    #JornalistasLivres — Qual o perfil dos delitos cometidos pelos adolescentes que respondem por ato infracional?

    Elisa Zaneratto Rosa — A maioria dos adolescentes que respondem por algum ato infracional não cometeram crime contra a vida, mas sim contra o patrimônio ou estão envolvidos em processo que envolve, por exemplo, tráfico de substâncias. Boa parte da campanha pela redução da maioridade penal apoia-se sobre os casos de adolescentes que cometem crimes hediondos. Mas estes são a exceção e não a regra. A esmagadora maioria são adolescentes que vêm de uma condição de vulnerabilidade social extrema e que, em vez de serem amparados pelo Estado, que deveria intervir para ajudá-los a concluir de forma mais favorável a sua formação, serão mais ainda punidos. Nós temos, hoje, no Brasil, a terceira maior população carcerária do mundo, em sua maioria constituída por pessoas de camadas sociais pobres, e negros.

    É para esse sistema –absolutamente violento — que mandaremos os adolescentes que deveriam estar com direitos garantidos?

    #JornalistasLivres — Mas a senhora é contra punir os adolescentes em conflito com a lei?

    Elisa Zaneratto Rosa — Os adolescentes têm, sim, que se responsabilizar pelos atos cometidos, dentro de um processo de medida socioeducativa. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê medidas socioeducativas para adolescentes que cometem ato infracional, medidas estas que podem ser de várias formas. Tem vários níveis de medidas socioeducativas, inclusive aquelas de privação de liberdade, mas que não representam o confinamento dentro de um sistema absolutamente violento e ineficaz na ressocialização das pessoas que nele ingressam. O estatuto prevê que os adolescentes infratores respondam pelo que fizeram. Existem medidas para responsabilização. Eu não defendo a tese segundo a qual “Eles são vítimas, então não vamos fazer nada com eles.” Mas acho que é uma aposta errada investir no encarceramento, quando a gente nem bem garantiu que esses adolescentes tivessem a plena condição de seus desenvolvimentos.

    #JornalistasLivres — O pesquisador Fábio Mallart defende a tese segundo a qual as Febems já são, praticamente, cadeias, hoje em dia…

    Elisa Zaneratto Rosa — Sim, é verdade. As medidas socioeducativas, de privação de liberdade, acabam, muitas vezes, reproduzindo a mesma violação de direitos do sistema prisional comum, o que também é um equívoco.

    Por isso que eu digo: a gente nem bem conquistou os direitos pelos quais lutamos tanto e já vamos partir para o retrocesso? O desafio é qualificar o sistema na direção de práticas mais humanizadas, que devem garantir os direitos dos adolescentes.

    #JornalistasLivres — As pesquisas mostram que a maioria da população brasileira é a favor da redução da maioridade penal. Como lidar com isso?

    Elisa Zaneratto Rosa — Isso é um desafio para nossa sociedade. Eu acho que o que leva a população a defender, na sua maioria, a criminalização do adolescente é uma leitura que desconsidera as múltiplas determinações dos processos de violência, e que resume os processos de violência como se fosse assim: existem as pessoas que são “de bem” (por natureza, ou porque são bem formadas) e existem as pessoas que não são cidadãos “de bem”. Os meios de comunicação ajudam a consolidar essa simplificação.

    #JornalistasLivres — Como?

    Elisa Zaneratto Rosa — Quando alguém morre, ou é assassinado, ou tem um direito violado por um ato cometido por um adolescente, isso ganha visibilidade na mídia imediatamente, com a maior força! Mas, todos os dias, adolescentes são assassinados nas periferias das grandes cidades, e isso não ganha visibilidade na mídia! As pessoas não têm acesso a essa informação e não têm, portanto, a possibilidade de começar a problematizar essa lógica. Então, acho que um dos desafios é a gente conseguir pluralizar o debate, trazendo diferentes pontos de vista para a cena pública. Só assim a opinião pública poderá enxergar para além da aparência, para além do imediato.

    #JornalistasLivres — Quais seriam os outros pontos de vista que deveriam ser colocados no debate?

    Elisa Zaneratto Rosa — A opinião pública precisa ser esclarecida de que, na imensa maioria dos atos infracionais, existe um Estado que violou direitos. O adolescente não teve acesso à convivência familiar, ele não teve direito à educação, ele não teve acesso à cultura, ele não teve a proteção necessária, ele foi trabalhar antes da hora, ele ficou exposto a situações de violência… Ele teve uma série de direitos violados e ninguém respondeu por isso. E aí, quando esse jovem comete o ato infracional, o mesmo Estado que negou todos os direitos a ele vai e penaliza o sujeito.

    #JornalistasLivres — Como esse debate pode ganhar as ruas?

    Elisa Zaneratto Rosa — Acho que esse é o desafio: como é que a gente leva outras leituras à sociedade?

    E daí eu acho que democratizar a mídia é fundamental, mas acho que também temos o desafio de intervir nos processos de formação, nas universidades, nas escolas.

    O Estatuto da Criança e do Adolescente completa 25 anos neste ano. E é muito triste que justamente neste momento a gente tenha esse retrocesso, a gente tenha essa perda. Como é que nós queremos cuidar das nossas crianças e adolescentes? Como é que nós, enquanto sociedade, assumimos a responsabilidade pelo futuro do Brasil? Eu acho que a gente precisa de mais educação, de mais cultura — e não de mais prisões, uma instituição absurdamente perversa. Este é um apelo para que a gente aposte em outras formas de convívio e salve a nossa infância e os nossos jovens.

    Adolescentes na Febem em Tatuapé, São Paulo — Foto: Nair Benedicto / N imagens

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  • Estudantes da PUC-SP desocupam reitoria e continuam negociação

    Estudantes da PUC-SP desocupam reitoria e continuam negociação

    Por Larissa Gould, do Barão de Itararé, especial para os Jornalistas Livres

    Fotos: Mídia NINJA


    Na noite dessa terça-feira, estudantes da Universidade Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), zona oeste de São Paulo, ocuparam a reitoria do compus. A ocupação teve fim na noite de ontem, depois da promessa da gestão em abrir diálogo para negociação com os estudantes.

    O que motivou a ação dos estudantes foram os cortes no orçamento, a demissão de professores, o cancelamento do subsídio do restaurante universitário e problemas com FIES. Os alunos reivindicam, também, a abertura de diálogo com a direção da universidade, eleições diretas para a reitoria, bandejão comunitário gerido pela comunidade acadêmica, creche para mães e pais estudantes e funcionários — inclusive os terceirizados -, formulação de políticas para viabilizar a continuidade dos cursos que estão sendo fechados, inclusão das bolsas institucionais da universidade no programa Passe Livre, municipal e estadual, e a regularização da matricula de todos os estudantes do FIES.

    Os estudantes devolveram a reitoria às 18h30, com a assinatura de um documento assegurando a integridade do prédio e a abertura do diálogo com os alunos. Uma audiência será realizada com uma comissão de negociação de alunos e a Fundação São Paulo, mantenedora da Universidade, no próximo dia 24.

    Após a entrega da reitoria, os alunos seguiram para o ato “Funeral da PUC” em frente à Fundação São Paulo. Em seguida, realizaram uma assembleia geral para retirar a comissão de negociação, na prainha da universidade. Hoje será realizada uma nova assembleia para definir os encaminhamentos e futuras ações do grupo. Segundo os estudantes, cerca de 400 universitários participaram da ação.