Jornalistas Livres

Categoria: Geral

  • ‘O PT no poder surpreendeu e decepcionou, condenou corruptos e se corrompeu, acertou e errou’

    ‘O PT no poder surpreendeu e decepcionou, condenou corruptos e se corrompeu, acertou e errou’

     

    Desde pelo menos o início da década de oitenta, milhões no Brasil sonhavam com a democracia que já acenava no horizonte de um governo civil-militar que dava seus últimos suspiros.

    A luta de muitos cujas vidas foram devassadas, atormentadas e destruídas enquanto lutavam contra o golpe de 64 e, depois, pela conquista da democracia no Brasil, foram e são testemunho dessa transição lenta e inconclusa que germinou esperanças, provocou canções, espetáculos de teatro, obras de arte, deu guarida à indignação de trabalhadores, incitou , intelectuais e acadêmicos a saírem de suas cadeiras e gabinetes, instruiu políticos a defenderem uma pauta republicana e amadureceu estudantes.

    Uma nova ética foi inaugurada no Brasil, que muitos ainda chamam de princípios da esquerda. Nessa pauta se incluem principalmente o combate sem tréguas às iniquidades que fundam a nação brasileira e, mais tarde, a luta pelo alinhamento entre o estado democrático de direito e os direitos humanos no país.

    Iludidos ou não, muitos que engrossaram tais fileiras plantavam no Partido dos Trabalhadores as melhores esperanças e talvez –secretamente — a revolução tão aguardada, que ocorreria por vias institucionais e eleições livres e justas.

    Ato Periferia com Dilma nas eleições de 2014 em São Paulo — Foto: Mídia NINJA

    Mais de 12 anos depois das primeiras eleições presidenciais, o Partido dos Trabalhadores chegaria ao poder, e essa foi uma conquista de parte da sociedade brasileira e dos muitos que lutavam e lutam por um Brasil republicano.

    O PT no poder surpreendeu e decepcionou, foi corajoso e covarde, foi republicano e autoritário, condenou corruptos e se corrompeu, acertou e errou.

    A despeito do que pesa mais na balança nesse momento e destacado pelas análises sérias desse período — que hoje são a minoria sobre esses últimos quase 13 anos — o PT foi e é um partido que hoje se encontra no poder há mais de 12 anos, e que desde 2002 vem sendo reconduzido ao Planalto, sucessivamente, pelo cidadão que compareceu às urnas a cada nova eleição. Dessa trajetória, o que podemos afirmar é que o PT soube esperar.

    Soube aguardar a democracia, soube aguardar as eleições. Soube perder para Collor de Melo em 1989, para Fernando Henrique em 1994 e 1998 e se preparou para as eleições nos anos vindouros e venceu. O PT — com todos os seus erros e problemas que são muitos — ,e cortando na própria carne, é o governo que mais apurou (e permitiu apurar) irregularidades, mazelas e corrupções de toda espécie, incluindo as de pessoas importantes do empresariado, da classe política e de seu próprio partido e governo. Jamais se viu tantas figuras ilustres das elites financeiras e políticas no banco dos réus, investigadas e sob suspeita.

    Como efeito e decorrência disso, os poderes judiciário e legislativo autônomos permitem uma das oposições mais críticas e francamente opositoras ao governo da história do país e tais lideranças dos poderes instituídos trabalham, para o bem e para o mal,segundo o regimento atual das câmaras legislativas.

    Os atuais líderes da câmara e do senado foram, também eles, duas vezes eleitos, primeiro pelos cidadãos brasileiros e, depois, para assumirem as respectivas presidências da câmara e do senado, pelos seus pares, igualmente eleitos pelo voto popular e, enquanto cumprirem o regimento e o decoro, será difícil acusá-los de irregularidades do ponto de vista do exercício de suas funções.

    Entretanto, nesse embate e nessa crise política que se aprofunda, mas que historicamente sempre existiu no país, há uma verdade inconteste que precisa ser repetida, alertada, denunciada: há hoje no Brasil um golpe de Estado a caminho. Um golpe que inclui e é efeito das oligárquicas concessões de rádio e TV — que o governo foi incapaz de apurar e redistribuir de forma mais representativa e equânime — e das negociações políticas e fraturas ideológicas às quais o Partido dos Trabalhadores muito rapidamente cedeu, estabelecendo ligações partidárias com o principal objetivo de se preservar no poder.

    Às tendências hegemônicas do PT parece nunca ter ocorrido que a fidelidade às suas bases é o que o levou e o levaria ao poder novamente, quantas vezes fosse possível e necessário, desde que o partido tivesse o que dizer e a quem convencer, e desde que tivesse quem se dispusesse a fazer isso (seus militantes e simpatizantes) em nome das bandeiras que historicamente carregava.

    O PT envergonhou o que no Brasil denominamos de princípios fundamentais e inegociáveis das esquerdas, aqueles que orientam na luta contra a assimetria de poder político e econômico no Brasil — e hoje, quem diria, o PT tem receio das manifestações de rua; seja por ser hostilizado por elas, seja por temer o risco de ver seu apoio muito reduzido e alquebrado.

    Militantes são expulsos de manifestação por portarem bandeiras partidárias na Avenida Paulista. A tentativa de entrada dos partidos tradicionais de esquerda nos protestos ficou conhecida como “Onda Vermelha” — Foto: Mídia NINJA

    O partido então enfrenta a sua mais importante crise, desde sua fundação, e deve enfrentá-la com dignidade.

    Mas o que o PT, seus eleitores do passado e do presente, e todos os partido se cidadãos que se auto denominam democráticos ou republicanos não podem aceitar é o golpismo,que pretende a alternância de poder à força e sem sustentação e que quer arrancar do poder executivo um partido que chegou a ele respeitando todos os preceitos da democracia representativa, persuadindo eleitores, e não por efeito de conflitos armados ou de pressões por renúncia ou impeachment sem circunstância e fundamento.

    Impeachment e renúncia não podem ser nem pleiteados e nem reivindicados a não ser implodindo a jovem democracia brasileira que mal chega aos seu 30 anos.

    Para as ruas devem ir agora e depois não apenas os petistas e os apoiadores do PT, hoje em menor número do que no passado, mas todos aqueles que lutaram para que partidos nascidos na democracia chegassem ao poder; porque democracia significa também a maturidade de aceitar a derrota e se preparar para novos pleitos.

    Sem isso os regimes não passam de pseudo democracias, simulacros de falso republicanismo. E é evidente que diante do golpismo que se articula e organiza, o país necessitará da mesma energia e as mesmas virtudes que o reconduziram à democracia em 1985.

    Uma enérgica e contundente reação “nas escolas, nas ruas, campos e construções” contra o golpismo branco,que desmerece as últimas eleições e quer atropelar o tempo institucional que regula o voto, será urgente e necessária.

    Sem o respeito às decisões colhidas de eleições democraticamente instituídas e geridas,a pátria estará não apenas dividida, mas inteiramente afogada no ideário: se não ganho, não vale. E daí por diante a situação será imprevisível.

    Milhares de manifestantes foram às ruas por todo o Brasil, no dia 15 de março de 2015, para pedir impeachment da presidente Dilma. Com gritos, cartazes e carros de som, o mar verde amarelo foi marcado por ódio incitado com pedidos de volta a ditadura militar e com retaliação para quem passasse nos locais – Foto: Alice Vergueiro

    Se o golpe se deflagra, a autorização para que resultados colhidos das urnas sejam desmerecidos e não reconhecidos no futuro terá sido dado.

    Quem disse que o impeachment ou a renúncia da atual presidente encerraria a crise política?

    Quem disse que outros milhões de brasileiros que no passado votaram em Lula e Dilma aceitarão passivos Aécios, Cunhas e quem mais vier, se empurrados goela abaixo, deslegitimando o voto conquistado historicamente com sangue, suor e lágrimas por grande parte da população brasileira?

    Como disse Renato Meirelles, presidente do Data Popular, em entrevista ao “El País”, a insatisfação com o governo não quer dizer desejo de que a presidente saia. Pode, inclusive, também expressar o desejo de que melhore. Para que, ao final do mandato, ela venha a fazer jus aos votos confiados a ela.

    Creio que para aqueles que levaram os membros do poder executivo e do legislativo ao poder pelas urnas e pelo voto a notícia deve ser emitida clara e limpidamente e sem hesitação: Não vai ter golpe!

    Respeitem o voto conquistado e que ainda rege nossa claudicante democracia.

    Mas se o golpe vier, isso não resultará num fim pacificador, ao contrário, convocará o início de reações e conflitos que podem vir a ser incontroláveis e cujo desfecho será imprevisível. Se o respeito ao voto do cidadão for desfeito, a cada um não restará muito mais do que agir por conta própria, num país onde as posições de consenso e as instituições são, constantemente, ridicularizadas e lançadas à lata do lixo.

    Caberá sempre ao eleitor decidir e reavaliar seu voto na próxima vez em que estiver diante das urnas. O sequestro do voto é um atentado grave à cidadania e aos cidadãos, num país em que o futuro da democracia ainda é totalmente incerto e nebuloso.

    Apertar o botão verde nas próximas eleições será o efeito de um sistema eleitoral que se moderniza e se consolida, e que se tornou tão propalado mundo afora, ou não será muito diferente de um vídeo game inútil e risível em que é sempre possível recomeçar o jogo do início diante da derrota.

    Paulo Endo é psicanalista, professor da Pós Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades e do Instituto de Psicologia, ambos da USP, membro da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância da USP.

     

  • Reforma ou “deforma” política ?

    No dia seguinte à aprovação em segundo turno na Câmara do financiamento empresarial a campanhas política, dois jovens jornalistas lançam documentário O Preço, que mostra quanto custa uma eleição

    O primeiro semestre de 2015 foi marcado pelas pautas da reforma política votadas no Congresso Nacional. Diversas propostas foram debatidas, entre os temas o financiamento das campanhas eleitorais é sempre um dos mais polêmicos. Afinal, o dinheiro vence as eleições?

    No Brasil temos um sistema misto de financiamento, no qual pessoas físicas podem doar até 10% do seu rendimento bruto do ano anterior com teto de R$50 mil e pessoas jurídicas até 2% do faturamento bruto. Os candidatos contam, também, com o dinheiro do fundo partidário, que são recursos do orçamento da União distribuídos proporcionalmente entre 27 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, respeitando a representatividade do partido no Congresso. E ainda há a propaganda eleitoral “gratuita”, onde os partidos conseguem espaços nas emissoras de televisão e rádio, que recebem isenção fiscal.

    Com as recentes votações e manobras do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, para garantir a constitucionalidade do financiamento empresarial; a Operação Lava-Jato criminalizando algumas doações empresariais declaradas e isentando outras; e o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes segurando com uma “vista dos autos” há mais de um ano a decisão já irreversível do STF pela proibição da prática, sem dúvida a questão do financiamento empresarial está na ordem do dia.

    Os produtores e diretores do filme com o Secretário Eduardo Suplicy

    Assim, é mais do que oportuno o lançamento nessa quinta, 13/08 às 19h na Galeria Olido, no centro de São Paulo, do documentário O PREÇO, de Álvaro Costa e Wellington Amorim. O filme acompanha a trajetória de dois candidatos a deputado estadual pelo Estado se São Paulo nas eleições de 2014. Para potencializar a discussão do tema, o filme ainda conta com depoimentos de Gil Castello Branco (Secretário Geral da ONG Contas Abertas) Silvio Salata (ex-Presidente da Comissão de Direitos Eleitorais) e Eduardo Suplicy (Ex-senador e atual Secretário de Direitos Humanos de São Paulo). Após a projeção do documentário haverá um debate com convidados e diretores.

     

  • O jornalismo justiceiro faz mais vítimas

    O jornalismo justiceiro faz mais vítimas

     

    A tragédia de Castelo do Piauí não tem fim. Três meses depois das agressões que vitimaram quatro meninas, resultando na morte de uma delas, os atos de barbárie se sobrepõem

    Até 27 de maio, o município de Castelo do Piauí, a cerca de 180 km de Teresina, era desconhecido por grande parte dos brasileiros. Entrou para o mapa do Brasil por causa do estupro coletivo de quatro meninas. Supostamente, os autores da agressão teriam sido quatro adolescentes e um adulto.

    Com a repercussão do caso, a polícia se apressou para achar culpados e identificou primeiro os adolescentes. Com o andamento rápido das investigações, descobriu-se a participação do adulto, classificado pela polícia e imprensa como “traficante”, como se esse “título” bastasse para comprovar a culpa do homem. Em pouco tempo estavam presos os monstros. Cumpriu-se, assim, a desesperada busca pela sensação de justiça.

    Nos primeiros dias após as agressões, os meios de comunicação nacionais silenciaram. Era como se o que acontece em um rincão do Piauí não tivesse suficiente interesse para seus leitores e espectadores. Mas a participação de adolescentes como agentes das agressões dias antes de a Câmara dos Deputados votar a redução da maioridade penal chamou a atenção da imprensa nacional.

    Como um baluarte do jornalismo justiceiro, a revista Veja chegou a estampar em sua capa, em mais de 1 milhão de exemplares, os rostos dos quatro adolescentes, dando como certa e comprovada a autoria das agressões. A publicação ignorou leis. A Constituição Federal estabelece, no artigo 5o, que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Não cabe à Veja julgar a autoria dos crimes. O Estado de Direito no Brasil garante o que se chama “presunção de inocência”. Ou seja, todo mundo é inocente até se provar o contrário.

    “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente a sua culpa.” Artigo 5o da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)

    A revista da Editora Abril também infringiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Convenção para os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990, ao identificar os adolescentes por meio de fotos e iniciais.

    “Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência.”
    Parágrafo único do artigo 143 do Estatuto da Criança e do Adolescente

    “As crianças têm direito a proteção contra a intromissão em sua privacidade, família, lar e correspondência, bem como contra a difamação e calúnia.”
    Convenção para os Direitos da Criança

    O Coletivo Intervozes, organização da sociedade civil que trabalha com o direito à informação, entrou com representação contra a revista Veja por conta dessa reportagem. A Defensoria Pública de SP também move ação contra a Editora Abril e sua publicação.

    Sede de justiça

    Area de pintura rupestre em Castelo do Piauí

    A apressada punição dos supostos autores do crime seria um desfecho aceitável caso os procedimentos de investigação e justiça tivessem sido observados, especialmente no que se refere aos direitos humanos. Não foi o que aconteceu. Trinta e três dias após as agressões, o adolescente G., de 17 anos, morreu espancado — enquanto se encontrava sob tutela do Estado -, no Centro Educacional Masculino (CEM), em Teresina. Não se sabe se o adolescente foi morto à noite ou na hora do banho — conhecido momento de vulnerabilidade em que os abusos costumam acontecer nas unidades de internação de adolescentes. Alega-se que a unidade estaria superlotada e por isso G., apesar das ameaças de outros jovens, foi colocado na cela que abriga internos que cometeram atos infracionais graves como homicídio e estupro.

    G. era o delator do crime de estupro do qual teria feito parte. “A sede pela descoberta do autor pode prejudicar a busca daquilo que chamamos de Justiça”, afirma Riccardo Cappi, doutor em Criminologia e professor de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA). Com o crime “solucionado”, todos poderiam dormir sossegados. “Nos interessa achar um culpado que esteja distante de nós. O castigo desempenha assim a função de afastamento da responsabilidade coletiva”, alerta Cappi.

    Nesta segunda-feira, 10 de agosto, o programa de exibição local “Bancada do Piauí”, da TV Antena 10, afiliada da Rede Record, revelou a participação do PM Elias Júnior como mandante do estupro coletivo, conforme informações do subcomandante da Polícia Militar Lindomar Castilho. Em conversa gravada com funcionários do CEM, G. afirmou que o PM o contratou por 2 mil reais para executar atos infracionais na cidade. Elias Junior foi afastado da corporação e está à disposição da Corregedoria.

    “Ele queria que nós ‘fizesse’ um crime lá em Castelo que nunca foi feito. Todo crime lá em Castelo sempre é descoberto. Ele pensou assim, ele vai preso, vai pro CEM, morre lá e eu fico de boa com meu dinheiro”, revela a gravação de conversa obtida pela TV Antena 10.

    A Defensoria Pública do Piauí entrou com pedido de absolvição dos três adolescentes envolvidos no caso e do adulto, que até ontem seria o mandante do crime.

    Não houve qualquer repercussão na mídia nacional comparável à cobertura na época dos fatos. Como se nós, jornalistas, não fôssemos mais responsáveis pela história que ajudamos a montar — e que agora entra numa reviravolta ainda mais cruel. Se o papel principal do Jornalismo é fiscalizar o Poder e acompanhar as políticas públicas, neste caso, falhamos muito. Deixamos que a ponta mais frágil do enredo ficasse exposta a qualquer violação.

    Teria sido bom jornalismo, comprometido com o respeito à dignidade da pessoa, procurar entender de que maneira se deram os depoimentos; compreender quem eram as partes interessadas em que o crime fosse assumido por meninos e por um “traficante”; questionar a rápida conclusão do caso; identificar as políticas sociais e as falhas da rede de proteção de crianças e adolescentes; contextualizar a situação social de um município que tem Índice de Desenvolvimento Humano baixo (IDHM 0,587, o que coloca Castelo do Piauí em 4.467ª posição entre os 5.565 municípios brasileiros) e com cerca de 20% da população em situação de extrema pobreza (renda per capita mensal abaixo de 70 reais).

    Em setembro, nos dias que antecedem o feriado da Independência do Brasil, Castelo do Piauí celebrará mais um “Cachaça Fest”. Ao lado das visitas a pinturas rupestres, a cachaça é o principal atrativo turístico do município. O que isso tem a ver com a tragédia das meninas e com a injustiça relacionada aos meninos do Piauí? Muito. Principalmente em um lugar em que a presença do Estado não se faz efetiva, nem em segurança, nem em educação, nem em saúde, nem nas condições de trabalho.

    Nessa sequência de barbáries mais uma vida sucumbiu. Enquanto a banalização do sangue continuar a exercer fascínio, estaremos sujeitos a esse tipo de injustiça. É a morte como pena. Para que os leitores, repórteres e editores de Veja — e demais publicações que negligenciaram essa cobertura — durmam tranquilos.

    *Maria Carolina Trevisan é jornalista, repórter do coletivo Jornalistas Livres, coordenadora de projetos da ANDI, pesquisadora do Núcleo de Estudos Sobre o Crime e a Pena da DireitoGV e Jornalista Amiga da Criança.

     

  • PM assume escolas e impõe a disciplina dos quartéis

    PM assume escolas e impõe a disciplina dos quartéis

     

    Você sabe que alguma coisa está muito mal quando a única solução visível no horizonte é chamar a polícia.


    Para um país que ousou sonhar com a educação libertadora de Paulo Freire, a tendência agora é militarizar as escolas públicas consideradas “problema”. Já existem 93 escolas públicas no Brasil em que os alunos têm de bater continência para policiais armados na entrada das aulas, o cabelo tem de ser quase raspado para os meninos, as meninas têm de prendê-lo. Maquiagem, brincos e esmalte nas unhas, nem pensar. O uniforme é como uma farda.

    Namoros são proibidos. O afeto é substituído por aquela gritaria típica de quartéis: “Sim, senhor!” “Não, senhor!”

    O argumento mais usado para defender a militarização é o de que a polícia põe ordem na bagunça e permite que, assim, a escola melhore sua capacidade de difundir conhecimentos.

    É com base nessa idéia que o governador Marconi Perillo, do PSDB de Goiás, tem investido pesado na militarização das escolas. Goiás tem o maior número de escolas assim (26) e ele promete inaugurar mais 24 até o final do ano. Mas será que a disciplina dos quartéis é boa mesmo para a escola?

    Para conhecer mais de perto essa realidade, Jornalistas Livres enviaram a repórter Isa Assumpção até Manaus, capital do Estado do Amazonas, para mergulhar na realidade do Colégio Militar Waldock Frick Lyra, que em 2012 foi entregue pelo governo para ser administrado pela PM. O Amazonas tem quatro escolas militares em funcionamento.

    É bom esclarecer de cara que os métodos dos quartéis ainda não conseguiram nem começar a tirar a Waldock da rabeira do Enem. Ao contrário.

    Em 2012, a Waldock estava na posição 10.537º do ranking nacional. Em 2013, caiu para a posição 10.965º. Em 2014, despencou mais um pouquinho: ficou na posição 11.065º, entre um total de 15.639 escolas que participaram do Enem. Ou seja, existem 11.064 escolas em melhores condições do que a Waldock para colocar seus alunos em uma faculdade. Mas essa não é a pior parte. Confira a seguir o relato:

    “Tudo que chama a atenção, nós tentamos tirar”

    Cheguei no Colégio Militar Waldock Frick Lyra pela manhã, período em que o Ensino Médio funciona, na hora do intervalo dos estudantes. A cantina estava repleta de adolescentes fardados. Uniforme em molde militar: calça cinza, e camisa marrom clara, com insígnias da escola e da PM. Todos, absolutamente todos, estavam de boina na cabeça. Boina militar.

    Na escola não é permitido cabelos soltos, maquiagem, brincos. Todos têm que usar camisas para dentro das calças ou das saias. As saias das meninas são até o joelho e elas usam sapato com um pequeno salto. Todos são muito parecidos.

    As vestimentas são análogas às dos policiais. Portanto, se uma policial feminina não usa brincos ou cabelos soltos por uma questão de segurança quando vai trabalhar em campo (na rua), o modelo é aplicado na escola: as garotas seguem o mesmo padrão. Padronizada também é a cabeça dos meninos. Todos com os cabelos quase raspados.

    “Tudo o que chama atenção, nós tentamos tirar” explica o Major Alysson, diretor da escola, que depois de uma rápida apresentação, permitiu que eu tirasse fotos. De lá, os estudantes foram para uma quadra coberta. Esse era o primeiro dia de aula, e havia uma formalidade militar para cumprir. Os alunos formaram filas e aprumaram rigidamente seus corpos, bateram continência e gritaram em conjunto o brado da escola: “Disciplina, Honra e Educação!”

    As dezenas de fileiras, milimetricamente organizadas fizeram diversos movimentos parecidos com os do Exército, saudando os militares-professores que conduziam a ação. Intercalando mecanicamente entre “descansa” e “sentido”, uma coreografia nas quatro direções (norte, sul, leste oeste) foi se passando. Ao final, os alunos saíam da quadra, ainda em fileiras, em direção às suas salas.

    Só ficaram algumas turmas. Estas passaram por um ritual especial, mais rígido. De repente, o professor gritou “QUEM FOI?”. Ele exigia que um aluno, que estaria com um celular na mão, se apresentasse imediatamente. Duas meninas de cabeça baixa se apresentaram. Uma delas denunciou: “O celular é dela, professor.”

    As duas foram mandadas para diretoria.

    Segui para a sala do diretor Alysson. O diretor me esperava com um quase sorriso. Ele está à frente da gestão da escola desde de agosto de 2014. Chegou a dar aulas de física antes de entrar para a polícia e hoje, além de diretor, tem a patente de major.

    A transformação da Waldock

    Segundo o major Alysson, antes de a PM comandar a escola, os muros eram pichados, os professores não conseguiam dar aulas, os alunos eram rebeldes e havia indícios de tráfico de drogas.

    De forma superficial, sem muitos detalhes, disse que nessa época houve um homicídio na região. Relacionou o crime a alunos da escola. É desse episódio nebuloso que proveio a determinação do governador do Amazonas, na época Omar Aziz (PSD-AM), para que a PM começasse a dirigir a escola.

    José Melo era o vice de Omar Aziz quando a Waldock foi militarizada. Hoje governador, pelo PROS, Melo é autor de outras “obras-primas” amazonenses. Ele desmantelou a secretaria de Ciência e Tecnologia, que foi anexada à secretaria de Educação. Além disso, capitaneou a retirada da questão de gênero e LGBT do Plano Estadual de Educação. A assessoria da Secretaria de Educação afirma que o entendimento é de que esta não é uma questão para ser discutida dentro da escola.

    Houve manifestação do movimento estudantil, LGTB e Trans, mas que não conseguiu fazer face à mobilização dos católicos carismáticos. Por fim, o Estado do Amazonas sofre ainda com um corte na verba destinada a apoiar e financiar o ingresso de estudantes na universidade.

    Sem namoro, sem celular, sem atrasos

    Voltando à Escola Waldock Fricke Lyra, o major Alysson admite que o começo da implantação da gestão militar não foi fácil. Os pais dos alunos não gostaram das novas exigências, com suas regras rígidas. É que, além da maneira de vestir, os alunos foram também proibidos de namorar ou de demonstrar algum afeto pelo sexo oposto (só podem conversar). Usar o celular é vetado absolutamente (inclusive se eles precisarem falar com os pais). Se chegarem atrasados, voltam para casa.

    Cerca de 100 alunos não se adaptaram e preferiram sair da escola. Hoje, são 1.994 alunos. Mais de 10 professores pediram transferência para outra escola.

    Apesar disso, a escola colheu resultados. Conquistou alguns prêmios nas Olimpíadas de Matemática e todos os dias tem pais na porta da escola, tentando vagas para seus filhos.

    Perguntei qual era a estratégia motivacional para os alunos, e o major respondeu: “A mesma que a usada para os militares.” Os alunos ganham medalhas, brevês, alamares etc. se conseguirem tirar boas notas e cumprir a parte da disciplina melhor do que os outros.

    Cada série tem uma patente e, a partir da sexta série, os estudantes podem concorrer às vagas de: sargento, subtenente, tenente aluno, major aluno, tenente coronel aluno, coronel aluno (igualzinho às patentes da PM). Quando um aluno é condecorado, recebe os sinais de sua diferenciação dos colegas. Seu retrato é exibido no corredor e ele passa a ostentar acessórios no uniforme.

    O major Alysson diz que muitos alunos querem seguir a carreira militar, mesmo que, segundo ele, não haja esse tipo de encorajamento por parte dos policiais. Segundo ele, a escola incentiva os alunos a escolherem cursos que sejam difíceis de passar no vestibular, como engenharia, direito e medicina.

    Bullyng oficial e outras humilhações

    Para os alunos que não cumprem as regras da escola existem diversas formas de punição: isolamento, atividade obrigatória (como ficar lendo um determinado livro no intervalo), repreensão, suspensão e — por último — a expulsão.

    Mas o major afirma que os alunos são muito bem comportados e aprenderam as respeitar as regras. “A punição é parte importante na aplicação das regras e da disciplina. Sem ela, não há como exigir o comportamento que se deseja dos alunos”, justifica.

    Questionei dois alunos que estão na Waldock desde antes da intervenção da PM, sobre como era estudar ali. Mael Barbosa, 18 e Bianca Silva 18, ambos do 3o ano, responderem timidamente do mesmo modo, afirmando que a escola é ótima, e que antes era pior. Que agora eles tem uma “chance na vida” e que pensam em fazer faculdade. Bianca disse que foi difícil deixar de usar a maquiagem e o cabelo solto, mas que hoje até prefere a cara limpa e o cabelo preso — ela diz achar mais adequado. Mael tem uma namorada na escola, mas não pode demostrar nenhum tipo de afeto. Tem que “falar de longe” com ela. Perguntei se não havia nenhuma crítica à extrema rigidez. Bianca disse: “Não posso falar mal da única chance que temos aqui”.

    “Única chance” é um dos discursos preferidos da Waldock, para justificar a militarização.

    Devolvi a frase para a doutora Iolete Ribeiro, professora de psicologia da Universidade Federal do Amazonas, na área de educação. Ela disse que esse tipo de justificativa é de certa forma uma hipocrisia. Segundo Iolete Ribeiro, a gestão da PM numa escola é efeito colateral da falha da própria Secretaria de Segurança Pública, que não consegue garantir um ambiente adequado para a comunidade.

    “Associar uma área da cidade à violência é comum, mas é um erro. A violência é fruto de toda a cidade, de um sistema maior. Faz parte de um olhar segmentado do espaço urbano o ato de responsabilizar os moradores ou a situação sócio-econômica da região pelos problemas, e corresponde a uma forma segregadora de tratar da cidade.”

    Para a pesquisadora, o bom comportamento na verdade está disfarçado de obediência. Ela afirma que a educação deve ser emancipadora, e não apenas ensinar a obedecer; pois desse modo não se desenvolve o sentimento de responsabilidade nos alunos, que ficam sem autonomia e não fazem as próprias descobertas e escolhas. Pelo modelo da PM, é um agente externo quem define a referência do que é ético. “Isso é extremamente perigoso, pois se forma uma massa de seguidores.”

    Segundo Iolete, a busca pelas notas altas tem um custo no cotidiano dos adolescentes. Quem não se enquadra se torna um desajustado, e acaba sofrendo grande desgaste para continuamente tentar se encaixar. Só há lugar para os melhores na concepção de educação militar; essa lógica da segregação multiplica o sentimento de não-coletividade e não corresponsabilidade.

    O sistema de medalhas, brevês e títulos militares incentiva uma supervalorização da competição e da hierarquia, e pode desenvolver pequenos ditadores, na medida em que os próprios alunos têm que supervisionar e denunciar os outros. Os que não conseguem sucesso na corrida podem se tornar agressivos ou deprimidos, conclui a estudiosa.

    Perguntei do Professor Maxuel da Silva Colares, 37, que dá aulas de matemática na escola Waldock e que já conseguiu várias medalhas para a escola, qual sua filosofia. Ele afirmou que “existem dois tipos de ser humano: aquele que obedece e aquele que manda”. Foi mais uma prova de que ali não existe o reconhecimento das diversidades. Os alunos são obrigados a obedecer a qualquer custo para ficar ali.

    Mas, a escola busca atender a comunidade, não é? Pelo menos é isso o que diz a propaganda da Waldock…

    Só que, na verdade, a Waldock acaba criando uma dose extra de segregação. Ou o modelo é aceito, ou o aluno não pode estudar ali. Isso se reflete também na metodologia aplicada para ingressar no colégio. É preciso fazer uma prova para entrar na 5ª e na 6ª séries, anos em que se iniciam os estudos ali. Quem não passar está automaticamente excluído. Isso é segregação ou não é?

    O discurso de que “Não existe dificuldade de aprendizagem e sim preguiça ou falta de obediência”, ligado às formas tradicionais de ensino, endossa que o problema é sempre o aluno e não a instituição — a escola então nunca é repensada.

    Ainda no Colégio Militar, conversei com o Capitão Idevandro dos Santos, 36, que está na escola desde o começo da gestão da PM. Ele trabalha armado, pois, mesmo com o cargo de coordenador pedagógico, ainda é policial, e tem que garantir a segurança da escola e das áreas ao redor.

    Porém, utilizar uma arma em uma escola, segundo a doutora Iolete, pode causar uma impressão de ameaça, reforçando o ambiente de opressão. O uniforme também pode ser reconhecido como uma forma de violência, pois proíbe a manifestação de diferenças.

    O major Alysson explica que a filosofia do colégio militar segue a concepção do Exército, ao incentivar a criança a querer ser “uma pessoa de bem”, a ter espírito de civismo, amor à pátria e pela família.

    Indaguei sobre aulas de orientação sexual. “Normal”, ele disse. Elas são realizadas na aula biologia e na aula de religião.

    Depois completou: “A gente trabalha muito nessa área, mas é coisa de brasileiro mesmo, tem duas alunas grávidas (antes era muito mais). Isso apesar de elas andarem com os vestidos aqui em baixo… Imagina se elas andassem com as calças apertadinhas [que se vê nas ruas]?”

    Conversando com o Secretário de Educação sobre a situação, ele disse que o ideal não é militarizar uma escola. Apesar disso, defende o que foi feito com a Waldock. A mudança também teve o objetivo de testar tipos de ensinos diferenciados em determinadas comunidades. Ele afirma que no caso da Waldock foi necessário “algo mais forte”, por conta da violência. Explicou que normalmente escolas que possuem regras, tem resultados melhores.

    Apesar da metodologia rígida da PM na escola ter suas vantagens (os alunos da Waldock realmente estudam e têm uma infra-estrutura melhor à disposição), ainda considero que a escola deveria ser um espaço onde uma criança ou adolescente possa se reconhecer e valorizar sua cultura local. Uma escola que trabalhe as diferenças, que traga as vozes da comunidade para assim reconstruir a história. Educação pela libertação. Gosto disso.

    E lá fui eu visitar uma escola em que a diferenciação é uma vantagem.

    Lenda do Boto

    Fui para a comunidade do Fundo do Paracuúba, a 20 minutos de barco de Manaus, conhecer a Escola Municipal Nossa Senhora da Conceição.

    Fica numa região que tem seis meses no seco, e seis meses sob as águas do rio, que transforma completamente a paisagem. As casas são de palafitas. Durante o período da cheia, são ligadas por pequenas pontes. Nesse período, o meio de transporte é a canoa ou os barcos.

    Seu Joaquim, o diretor da escola, me contou brevemente sua história. Ele foi doado pela mãe para uma família, que morava na região. Frequentou a escola até a quarta série e começou a trabalhar no roçado aos 6 anos. Mais velho, foi para Manaus e trabalhou em diversos empregos (camelô, padeiro, barqueiro etc.). Uma vez, quando foi visitar a família na comunidade, uma representante da secretaria de educação pediu a ele que se transformasse em professor na escola.

    Ele disse que não poderia, pois só tinha estudado até a 4ª série, mas insistiram no pedido.

    Como a prefeitura de Iranduba lhe oferecia a possibilidade de continuar os estudos, Seu Joaquim não conseguiu recusar a oferta. Escolas ribeirinhas normalmente têm dificuldades para contratar e manter seus professores por mais do que alguns poucos anos.

    Em sua primeira aula na Escola Nossa Senhora da Conceição, havia 70 alunos, do Ensino Infantil à 4ª série, com idades entre 7 e 20 anos. Para dar conta da grande diversidade, Seu Joaquim encontrou, em um só texto, atividades para todos. O texto era uma lenda sobre o boto…

    Geralmente contada para justificar gravidez fora do casamento, a lenda fala que o boto rosa aparece transformado em um rapaz elegantemente vestido para seduzir as mocinhas. Os mais novos desenhavam a figura do animal, enquanto os mais velhos trabalhavam na redação.

    Esse tipo de aula é comum em escolas pequenas, em que não existem professores suficientes. Mas Seu Joaquim não se intimidou e foi em frente. Descobriu-se um ótimo contador de histórias. “A criança ouve, entra na imaginação”.

    Quando se trata de disciplina, ele afirma: “Só com o diálogo as coisas funcionam.” Ele não admite expulsar um aluno, tem que fazer com que ele fique na escola. Ele também tem problemas mais complicados, como o uso e tráfico de drogas por alunos, mas é conversando com eles que vai resolvendo a questão. Ele já foi ameaçado de morte por traficantes da região, mas continua lá, e nem se preocupa com isso.

    Seu Joaquim está lutando por melhorias na escola. Precisa de uma reforma no piso, que por causa das cheias, começa a ficar desgastado. Precisa trocar a fiação de energia, além de investir na manutenção dos equipamentos que já tem. Ele ganhou vários computadores, mas não pode usá-los. A prefeitura não manda nenhum técnico pra instalar as máquinas, que enquanto esperam pela burocracia, vão se deteriorando.

    No dia em que fui conhecê-lo, havia poucos alunos nas classes — faltou gasolina na prefeitura de Iranduba. Para que as crianças possam ir à escola nesta época do ano, elas precisam do transporte, feito de barco. Essa é uma das maiores dificuldades das escolas de comunidades isoladas: às vezes, os alunos moram a mais de uma hora de barco da escola mais próxima.

    Com as cheias, muitas escolas param de funcionar pois ficam parte debaixo d’agua. Falta investimento para fazer com que as escolas possam funcionar o ano inteiro. Mas, Seu Joaquim, com diálogo e liberdade, consegue fazer o milagre de dar aulas no ano todo. E ainda colhe resultados. Muitos dos seus alunos fizeram faculdade, e muitos se tornaram professores. A lenda do boto se perpetuará ali. Mais do que a cultura do “Sim, senhor!”, “Não, senhor!”

     

  • [Refugiados] Final de semana no Refúgio

    [Refugiados] Final de semana no Refúgio

    Por Larissa Gould e Oscar Neto, especial para os Jornalistas Livres.
    Com fotos de
    Adolfo Garroux, Giovanna Consentini e Mídia NINJA.

    O Brasil possui mais de 8 mil refugiados e São Paulo é a cidade da América do Sul que lidera esse ranking. Nos últimos 5 anos o número de refugiados no país passou de aproximadamente 500, para mais de 8 mil, desses, 26% na Capital Paulista. As informações são do ACNUR, agência da ONU para a questão dos Refugiados.

    Foto: Mídia Ninja

    O grande número de refugiados tem mudado a cara da cidade. Chegam com suas cores, música e língua com a perspectiva de recomeçarem a vida. E se, para nós, a princípio são todos iguais; basta um mínimo de atenção para perceber o contrário. Chegam do Haiti, do Senegal, de Mali, Burkina Faso, Gana, Argélia, Benim, Ângola, Camarões, República Democrática do Congo… Cada um com uma história, muitas vezes parecidas.

    Os Refugiados são pessoas que deixaram seus países por motivo de perseguição devido à raça, nacionalidade, pertencer a um determinado grupo social ou possuir determinada opinião política.

    Embora sejam bem recebidos pelos brasileiros, ainda passam por maus bocados quando o assunto é a burocracia e adaptação. Para chamar a atenção para a questão e para o intercâmbio cultural com os brasileiros, nesse final de semana aconteceram dois importantes eventos: a Copa dos Refugiados e o Cultura de Refúgio, reafirmando a importância de ampliar o diálogo e pensar políticas públicas para estrangeiros nessa condição social.

    Os Jornalistas Livres estiveram nos dois espaços, confira o que rolou.

    Foto: Mídia NINJA

    Cultura de Refúgio

    Nesse domingo (2) a festa Domingo na Casa, organizada na Casa Fora do Eixo São Paulo, teve como temática a Cultura de Refúgio.

    A Casa Coletiva FdE fica localizada no bairro do Cambuci, uma região central, mas afastada…quase um centro periférico. De lá saíram artistas como OSGEMEOS, mas assim como toda a capital, teve sua rotina alterada por esses ilustres estrangeiros. O grande número de cortiços da localidade faz com que os refugiados, que possuem muita dificuldade para alugar uma moradia regular devido à documentação, se concentrem na região, explica Edvam Filho, morador da casa coletiva.

    Foto: Mídia NINJA

    O evento começou com a exibição do documentário Soul King Nino Brown, sobre a importância da cultura de resistência do HipHop.

    “Ninguém tem futuro sem ter passado. A gente pega o que tem de negativo e transforma em positivo”, lembrou Nino após apresentação. E resistência é a história de vida dos refugiados.

    O filme foi seguido pelo debate Cultura de Refúgio, mediado pelo refugiado e advogado congolês Pitchou Luhata Luambo, coordenador GRISTS (Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-Teto de São Paulo), com a participação da cineasta Eliane Caffé, do jornalista congolês e recém-formado em mecatrônica, Alphonse, e do comerciante angoles Fabricio, ambos refugiados.

    Foto: Mídia NINJA

    Pitchou explica o motivo da escolha do viés cultural do debate “Saímos do nosso país, mas não deixamos nossa cultura. Chegar em um país com outra cultura e costumes é uma grande dificuldade”.

    Eliane realizou em 2014 a gravação de um longa-metragem com os refugiados, por um ano ela conviveu quase diariamente com eles. “O que eu sinto hoje é que a realidade do refugiado só vai ampliar esses bolsões de deslocamento. E o problema são os guetos que se formam. A única forma que eu vejo de furar esses guetos é por meio de projetos culturais.”

    Foto: Mídia NINJA

    A barreira cultural e da língua são as principais dificuldades que encontram para a adaptação. Alphonse conta sua história: “Sendo jornalista e estudante sempre estava na linha de frente brigando por nossos direitos, por causa disso sofri perseguição. Consegui fugir graças a Deus, fui primeiro para a Tanzânia e de lá vim para o Brasil. Estou no Brasil há três anos e ainda estou aprendendo a língua, foi uma dificuldade muito grande”. Ele acaba de concluir o tecnólogo em mecatrônica, atualmente dá aulas de inglês e francês.

    Fabrício saiu de Angola após ter sofrido violência policial depois de uma manifestação. Escolheu o Brasil exatamente pela língua irmã ao seu país de origem. Está no Brasil há 3 meses, para ele a adaptação está sendo tranquila: “A facilidade da língua me ajudou muito”.

    Pitchou, que está no Brasil há 5 anos, explica quais outras dificuldades enfrentam. “Estamos sofrendo por causa da desinformação das pessoas”. Ele explica que a maioria das instituições desconhece o “Protocolo”, documento que os refugiados possuem. Ele já foi impedido de resgatar seu FGTS por não reconhecerem o documento.

    Após o debate, o espaço cedeu lugar para uma animada festa, que contou com a banda Afreeka, do Congo, e o grupo Enligne Music, do Haiti. Além da música, os participantes puderam degustar a culinária tradicional dos países e participar de uma feira de roupas típicas (lindas!).


    Copa dos Refugiados

    A primeira fase da 2ª Copa dos Refugiados ocorreu no sábado e no domingo e reuniu 18 seleções com cerca de 240 jogadores.

    Os times de cada país se enfrentaram no campo do Ceret (Centro Esportivo, Recreativo e Educativo do Trabalhador), localizado no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo.

    O evento é totalmente organizado por refugiados e solicitantes de refúgio que vivem na cidade. Um deles é Franky Tresor Bitanga (ou Bitanga Franky Tresor, já que na África o sobrenome vem na frente), que chegou no Brasil há 11 meses em busca de uma vida melhor e de mais oportunidades.

    O jovem camaronês de 23 anos acha importante um evento desse tipo, sobretudo pela reunião entre os refugiados e também com os brasileiros.

    “Esse tipo de coisa é boa para pessoas que vêm de fora e se sentem sozinhas. O brasileiro é um povo sempre alegre, então quando você pode trocar alguma ideia com eles é sempre uma ideia bacana”, ressalta.

    Foto: Adolfo Garroux

    Como o clima era de futebol, Franky não demorou a cravar: “Vamos ser campeões e a final vai ser contra a Costa do Marfim”.

    Talvez ele esteja certo. No próximo sábado (8) ocorrem as semi-finais e finais da competição. Os primeiros jogos serão Nigéria x Costa do Marfim, às 9h, e Camarões x Guiné-Bissau, às 10h, e definirão os finalistas que jogarão às 13h (a disputa do terceiro lugar deve ocorrer às 12h).

    A presença de brasileiros nas arquibancadas não foi tão acentuada, mas os “namoridos” Aparecido da Costa Silva e Luzia Daniel de Andrade fizeram questão de assistir a alguns jogos.

    Foto: Giovanna Consentini

    “Viemos assistir primeiro porque gostamos muito de futebol”, comenta Luzia. “Acho que nosso país tem que ajudar esse povo que está vindo para cá, dar assistência. É nossa obrigação. Somos todos irmãos e seres-humanos”, opina.

    O espírito de fraternidade é justamente o objetivo de Jean Catumba, congolês organizador do evento. Ele explica que a Copa surgiu para criar um espaço de amizade, para estimular o contato com o povo brasileiro.


    “Queremos falar para os que ainda não conhecem quem é refugiado. O Brasil é o país do futebol, escolhemos esse caminho para mostrar que temos uma fraternidade, que não somos perigosos, que temos valor e que pode construir um país junto com os brasileiros”, diz.

     


    Jean espera que, em 2016, o evento possa ser melhor organizado, em parceria com a Prefeitura de São Paulo. “É para melhorar a divulgação, pois os brasileiros ainda não entenderam o nosso objetivo”, conclui.

    Foto: Adolfo Garroux

    A 2ª Copa dos Refugiados é promovida pelo Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) e pela Caritas Arquidiocesana de São Paulo, com apoio da Prefeitura de São Paulo, do Colégio São Luís, da Cruz Vermelha, do Sesc (Serviço Social do Comércio), do Sindibast (Sindicato dos Empregados em Centrais de Abastecimento de Alimentos do Estado de São Paulo), da UGT (União Geral dos Trabalhadores), do Colégio Espírito Santo, da corretora de seguros Da Veiga, das Irmãs Missionárias do Espirito Santo e da Paróquia Cristo Rei — Tatuapé.

    Os 18 países competidores são Haiti, Guiné-Buissau, Afeganistão, República Democrática do Congo, Gana, Argélia, Cuba, Bangladesh, Síria, Mali, Senegal, Serra Leoa, Nigéria, Angola, Togo, Guiné-Conacri, Paquistão, Colômbia, Burkina Faso, Costa do Marfim, Camarões, Gâmbia, Etiópia e Iraque.

    Foto: Adolfo Garroux

    Preconceito: Uma cena triste ocorreu durante os jogos de domingo (2). Um homem corria pela pista que fica em volta do campo do Ceret enquanto a bola rolava. Um dos seguranças do local foi até ele e indicou um placa que proibia a utilização do espaço em dias de jogos. O segurança, por fim, perguntou se ele estava participando da competição, ao passo que a resposta foi a seguinte: “Graças a Deus, não”. Após discutir com representantes do evento, o homem finalmente deixou o espaço.


  • Quando coisas estranhas acontecem…

     

    Não é questão de se criar uma teoria da conspiratória a respeito do mundo, mas é no minimo estranho quando coisas são mudadas em momentos tão “convenientes”. Mais estranho ainda quando as mudanças não são devidamente publicizadas

    Ontem de manhã, ao acessar o Facebook, recebi uma notificação de que eu havia sido marcado em um evento por uma amiga. Acessei a marcação para ver do que se tratava, e lá estava eu, confirmado como um dos que comparecerão ao ato contra o PT, no dia 16.

    Achei estranho, mas logo percebi que o estranhamento era geral, e que na realidade todas as pessoas que estavam confirmadas no evento não tinham confirmado presença no mesmo e, sim, em outro evento que havia sido alterado.

    Ao começar a apuração da história, de cara percebemos que as pessoas que ali estavam na verdade tinham confirmado presença em um evento realizado durante as eleições de 2014, contra a candidatura do Senador Aécio Neves. O truque? Alguém simplesmente foi lá e mudou o nome do evento.

    Até aí, tudo bem, estamos falando de apenas mais uma tosquice cometida ou por alguém que mudou de lado, ou por alguém que realmente se camuflou… De qualquer forma, não seria nada tão sério assim, se não fosse…

    ….Pelo fato de que até pouco tempo atrás o Facebook não permitia que eventos com a data passada fossem reeditados — eu mesmo promovi um evento contra a candidatura do governador Geraldo Alckmin e tentei reeditar o mesmo sem sucesso.

    Isso que era impossível tornou-se possível.

    Analisando este tipo de liberação, facilmente chegaríamos à conclusão de que o que hoje é permitido é quase como se o Facebook, sempre tão preocupado em criar uma rede social sem spammers, de uma hora pra outra se rendesse sem motivos.

    Imaginem como seria se todos resolvessem ficar reeditando seus eventos infinitamente, e a pessoa pudesse ficar flodando as notificações dos convidados diariamente. Pouco harmônico e condizente com as políticas implantada pela rede.

    (flodar é por exemplo quando alguém fica enchendo a timeline de comentários a ponto de você não conseguir acompanhar o que está acontecendo)

    Como se não bastassem tais estranhamentos, o Facebook também alterou as possibilidades de confirmação em um evento. Até pouquíssimo tempo, existiam as seguintes opções: Confirmar, Talvez e Recusar. No entanto, agora as opções passaram a ser: Comparecerá, Não sei e Não posso ir.

    Não sou nenhum especialista em PNL (Programação Neurolinguística), mas a opção Não posso ir com certeza é bem diferente da opção Recusar.

    Para piorar, o mais estranho desta história toda, é que nenhuma das alterações foi divulgada pela rede — em uma busca ao Google não encontramos qualquer menções sobre tais alterações 🙁

    Não estamos aqui a afirmar absolutamente nada, até mesmo por que os indícios que temos não nos permitem provar a existência de uma relação direta entre os fatos. Mas é muito estranho que este episódio ocorra justamente no dia do pronunciamento da Presidenta; justamente em meio a uma grave crise política, e que tenha servido para abafar os depoimentos da Lava Jato, justamente um dia antes de dois partidos deixaram a base aliada.

    #Estranho

    Publicado originalmente em: http://dilmarousseff.org/redes-sociais/quando-coisas-estranhas-acontecem/