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Categoria: Geral

  • Quando quem deveria nos proteger nos mata

     

    A penúltima chacina acontecida no Brasil, mais especificamente em Osasco, deveria despertar em toda a sociedade um profundo sentimento de indignação. Mas não. Tão certa quanto a constatação de que essa chacina não será a última é a constatação de que alguns setores da sociedade não apenas deixaram de se indignar, como concordam e até aplaudem esse tipo de crime

    Há inequívocos indícios de que a chacina foi executada por policiais militares organizados como grupo de extermínio: as evidências nesse sentido são claríssimas, embora a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo queira protelar a declaração oficial que confirmará o que todos já sabem.

    Não será a primeira vez que isso acontece, e como disse anteriormente, quando acontecer novamente, não será a última.

    Será a penúltima.

    Conforme minha pesquisa, só nesse ano foram contabilizadas oficialmente nove chacinas cujas investigações apontam como autores grupos de extermínio formado por policiais militares:

    1 — Mogi das Cruzes (Grande SP)
    24 de janeiro: três pessoas são assassinadas no bairro Capureta.
    Cristian Silveira Filho, Ivan Marcos dos Santos Souza, Lucas Tomas de Abreu morrem na rua Waldir Carrião Soares.
    No mesmo dia, ocorrem outras duas mortes na cidade.
    Um policial militar de Suzano é indiciado pela Polícia Civil sob suspeita de participação na chacina.
    O nome do acusado não foi revelado.

    2 — Vila Jacuí (Zona Leste)
    24 de janeiro: O soldado Ataíde dos Santos Júnior é assassinado a tiros quando andava de moto, de folga, na avenida Campanella.
    2 de fevereiro: Gabriel Silva Soares, Edvan Lemos Cordeiro e Mateus Lemos Cordeiro foram assassinados por homens encapuzados quando conversavam em uma praça da rua João Tavares. A pequena Manoela Costa Romagnoli, de apenas dez meses, que estava dentro de casa, também morreu, ao ser atingida por uma bala perdida.

    3 — Parque Santo Antônio (zona sul)
    28 de fevereiro: Morre o soldado Fernando Esnilherson Nascimento, que estava internado havia mais de uma semana após ser baleado em patrulhamento.
    7 de março: Cinco pessoas são executadas na rua José Sedenho e outras seis pessoas morreram na região. O nome das vítimas não foi noticiado pela imprensa.

    4 — Jaçanã (Zona Norte)
    22 de março: O cabo Spencer William de Almeida é assassinado no bairro quando fechava o portão da casa em que morava.
    24 de março: Marcos Nunes Pereira Pinto morre e outras quatro pessoas ficam feridas em um bar da rua Igarapé Primavera.

    5 — Tremembé (Zona Norte)
    5 de abril: O soldado Rafael Lisboa Porto é morto, no Tremembé, por assaltantes que invadiram a casa dele após darem a desculpa de que queriam buscar uma bola que teria caído no quintal.
    9 de abril: Barbara Cristina de Andrade, Elias Menezes dos Santos e José Rodrigo Silva de Lima são executados na rua Arley Gilberto de Araújo. Outra pessoa havia sido morta pouco antes na região.

    6 — Parelheiros (Zona Sul)
    15 de abril pela manhã: O cabo Leonílson Figueiredo Dias é executado em frente à casa onde morava, na Estrada 15.
    15 de abril à noite: Rodrigo da Silva Costa e um desconhecido são mortos na rua Fonte Nova. Ulisses Dias Gomes e outro desconhecido são executados na rua Alice Bastide.
    Duas pessoas da mesma família morrem na rua Sônia.
    Os locais dos crimes ficam em um raio de 500 metros.

    7 — Vila dos Remédios (Zona Oeste)
    18 de abril: Oito integrantes da torcida Pavilhão Nove, do Corinthians, são mortos na sede da agremiação. Foram executados André Luiz Santos de Oliveira, Jhonatan Fernando Garzillo, Jonathan Rodrigues do Nascimento, Fabio Neves Domingos, Marco Antônio Corassa Junior, Mateus Fonseca de Oliveira, Mydras Schmidt e Ricardo Junior Leonel do Prado.
    Em maio, a Polícia Civil identifica o soldado Walter Pereira da Silva Junior como um dos prováveis autores da chacina.

    8 — Mogi das Cruzes (Grande SP)
    6 de de abril: O soldado Sílvio de Souza, que trabalhava em Suzano, é encontrado morto, com as mãos amarradas, no quilômetro 22 da Rodovia Ayrton Senna, em Guarulhos.
    No dia 20, um PM reformado é baleado em assalto em Suzano.
    26 e 27 de de abril: Ao menos seis pessoas morrem e outras duas ficam feridas durante uma série de ataques em Mogi das Cruzes, cidade vizinha a Suzano.
    Em um único ataque, na rua Presidente João Goulart, bairro Capureta, três pessoas são assassinadas: José Dias Figueiredo Jr. e dois desconhecidos.

    9 — Jardim São Luís (Zona Sul)
    21 de junho: O soldado Elias Dias Brasil é assassinado em Embu das Artes, na Grande São Paulo. Os matadores fogem e abandonam o veículo usado no crime no Parque Fernanda, Capão Redondo, zona sul da Capital.
    1º de julho: Seis pessoas são mortas na região. Alerrandro Henrique de Sena, Carlos Alexandre da Cruz Oliveira, Cosme Norberto da Silva, Israel Júlio Nascimento Brito, Marciano de Oliveira e Sidney Alves de Lima são assassinados na rua Maria José de Carvalho, no Jardim São Luis.

    Existe em nossa sociedade uma fissura que tenta se ocultar, em que o conceito de Justiça é substituído pela barbárie da vingança, vingança contra vítimas que na absoluta maioria dos casos não têm nenhuma relação com os crimes perpetrados contra elas.

    Muitos policiais matam amparados por uma moralidade socialmente aceita de que a execução de pessoas com antecedentes criminais é “legítima para extirpar o crime da sociedade.”

    A imprensa, quando dá mais destaque à possível existência de antecedentes criminais dos mortos age como co-autora das execuções, assassinando-lhes a reputação na tentativa de legitimar suas mortes.

    A pena de morte é justificável sob tal alegação?

    O cidadão que no passado cometeu algum crime deve carregar sobre seus ombros o estigma de “ex-presidiário”, estigma que o condena ao ostracismo social, à dificuldade em encontrar um emprego, ou à truculência com a qual é abordado pela polícia, tratado como “eterno criminoso” ao responder afirmativamente a uma indagação sobre seus antecedentes criminais?

    O ex-presidiário deve ter contra si uma sentença de morte não-oficial, independente de ter pago sua dívida para com a sociedade?
    É essa lei que os grupos de extermínio formados por policiais militares querem impor quando entram em um bar repleto de pessoas e decidem quem deve morrer ou quem deve viver conforme a resposta que obtêm ao perguntarem: “Quem aqui tem passagem?”

    A parcela da sociedade que não aceita a cooptação da Justiça pela barbárie da vingança clama por uma investigação isenta por parte da Secretaria de Segurança Pública, uma investigação que aponte seus autores, que corte na própria carne e extirpe de uma vez esse câncer.
    Que a Justiça — não vingança — Justiça seja implacável contra esses criminosos.

    A parcela da sociedade que não aceita a cooptação da Justiça pela barbárie da vingança deseja ardentemente que a penúltima chacina ocorrida em São Paulo seja definitivamente a última.

    *Diógenes Júnior é pesquisador independente, paulistano de nascimento, caiçara de coração e gaúcho por opção. Radicado em Porto Alegre — RS, escreve sobre Política, História, Cinema, Comportamento, Movimentos Sociais, Direitos Humanos e um pouco de um tudo.

    Originalmente publicado em http://www.vermelho.org.br/noticia/269762-10

     

  • Futebol Callejero no Capão Redondo

    Futebol Callejero no Capão Redondo

     

    Evento Estéticas das Periferias leva futebol de rua e conscientização para o Capão Redondo


    Neste 30 de Agosto, domingo passado, aconteceu o último Encontro Estéticas das Periferias, no Capão Redondo, mais precisamente na Vila Valquíria. O evento foi organizado pela Ação Educativa em parceria com diversas outras instituições, entre elas a Associação Capão Cidadão, que forneceu o espaço para o evento acontecer. Este encontro passou também por outras regiões consideradas de risco pelos altos índices de violência, levando cultura, lazer e conscientização para os moradores das comunidades.

    Uma das principais ferramentas para que eles tenham sucesso na empreitada é o futebol, esporte que sempre promoveu sociabilidade entre os moradores de comunidades carentes do Brasil. O futebol tradicional, que é o utilizado pelos grandes clubes do mundo, perdeu boa parte de seu espírito de coletividade e têm cada vez mais levado os jogadores a pensar unicamente no capital, na carreira e no individualismo antes de ver a influência que tudo isso tem nos jovens carentes. Para mudar essa ideia, o Estéticas das Periferias realizou o I Festival de Futebol de Rua e contou com uma metodologia diferenciada do futebol, o Fútbol Callejero (espanhol para ‘Futebol de Rua’), que foi criado na Argentina pelo ex-futebolista Fabian Ferraro e já está presente em mais de 64 países ao redor do mundo, contando inclusive com uma Copa América e com um mundial.

    O Futebol Callejero tem regras diferenciadas do futebol tradicional. O jogo é dividido em três tempos ao invés de apenas dois, sendo que no primeiro tempo os jogadores se reúnem para discutir as regras a serem utilizadas durante a partida. Essas regras podem variar de acordo com a necessidade de cada equipe e comunidade, mas alguns pontos básicos precisam ser seguidos.

    No segundo tempo o jogo acontece e no terceiro os jogadores se reúnem novamente para discutir se as regras combinadas foram cumpridas. Tudo é feito sob a supervisão de mediadores, que agem como auxiliadores do diálogo. O sistema de pontuação pode mudar, por exemplo. O gol pode valer mais que apenas 1 ponto se ele for fruto de uma troca de passes ao invés de uma jogada individual. A ideia do Futebol Callejero é fazer com que os jovens entendam conceitos de coletividade e de resolução de conflitos através do diálogo e do respeito mútuo, eliminando assim a necessidade de uma autoridade em campo, que no futebol tradicional é representada pelo juiz. Além de promover o debate, o Futebol Callejero promove também a discussão de gêneros entre os jovens da comunidade, ao permitir que mulheres e homens entrem em campo juntos. A medida tem forte influência na questão de gênero nas comunidades.

    Foto: Adolfo Gabaldo Garroux

    As mulheres, inclusive, pareciam comandar os jogos, fazendo gols e dando dribles desconcertantes. Eram também voz ativa na hora de discutir as regras e o cumprimento dessas, e eram devidamente respeitadas pelos participantes masculinos. O poder de conscientização disso é astronômico, mostrando para a sociedade que as mulheres tem a mesma capacidade dos homens — se não tiverem mais. Toda essa metodologia veio para ensinar aos jovens que, se organizados, eles mesmos tem o poder de conduzir a sociedade de forma pacífica e efetiva, sem a necessidade de grandes autoridades para lhes dizer exatamente o que fazer. No final do evento troféus são entregues aos jogadores como premiação pela participação no festival.

    Rodrigo Guimarães, um dos mediadores e também jogador consagrado do Futebol Callejero no Brasil, falou conosco e explicou que essa é a metodologia escolhida pelos organizadores por seu poder de conscientização social. “Se a gente consegue resolver os conflitos do futebol por meio do diálogo, por que não conseguiríamos resolver conflitos da sociedade no geral? A ideia é que não formemos apenas jogadores ambiciosos, mas também cidadãos.”, disse.

    Coletivo Narra Várzea. Foto: Adolfo Gabaldo Garroux

    Todos os jogos foram narrados ao vivo pelo Coletivo Narra Várzea, que estava no palco conduzindo o evento ao lado de um DJ que fazia a alegria dos jovens com seus beats de rap. Aliados a um discurso majoritariamente sócio-educativo, o Narra Várzea, como o próprio nome já diz, existe para levar narrações esportivas para os jogos das comunidades. Os narradores agiam também como conscientizadores sobre diversas questões que pudessem surgir durante as partidas, como por exemplo a discussão de gêneros, sempre falando sobre a presença feminina em campo e como isso deveria ser respeitado. A empolgação dos narradores durante os jogos fazia também com que os jovens se sentissem importantes mesmo sem a ideia do futebol tradicional de crescimento individual. Um dos narradores e participantes do Coletivo Narra Várzea é Dugueto Shabazz, rapper, que atua também como arte-educador para os jovens da periferia. “A ideia é que o jovem da periferia não precise ir até o Ibirapuera pra encontrar lazer e cultura. Queremos que eles possam ir ao Ibirapuera também, mas eles tem que ter isso dentro da quebrada deles”, disse. Dugueto critica também a posição dos órgãos governamentais, principalmente o governo do Estado, que se mostram ausentes nessas questões básicas que necessitam de total atenção. Eles estão nos lugares onde essa consciência social precisa ser melhor difundida, e o fazem com total efetividade.

    Conversamos também com Magrão, representante da Associação Capão Cidadão, que nos contou um pouco de sua participação nas ações sociais da região. “Isso tudo aconteceu na minha vida após eu ter visto um grafite na rua, uma frase do Raul Seixas. ‘Sonho que se sonha só é sonho que sonha só. Sonho que se sonha junto é a realidade’. A partir dessa ideia eu comecei a mudar a minha vida no sentido de observar as coisas, de sonhar junto com as pessoas. E vejo que uma frase na rua, junto das tecnologias modernas utilizadas da forma correta, pode implantar conhecimento e mudar a vida de uma criança. É importante se igualar à criança, entender o universo dela”, disse. Nada melhor para isso que o futebol e o grafite, que estão presentes nas vidas dos jovens de periferia, que olham para essas práticas com olhares diferentes dos que olham para as práticas criminosas. A arte, a cultura e o lazer tem o poder de fazer com que os jovens sintam-se acolhidos e entendidos ao invés de ameaçados.

    “Eu fiquei encantada desde o inicio quando a proposta do Futebol de Rua me foi apresentada. Foi um pouco difícil no começo, levamos um ano pra conseguir participar e fomentar esse projeto, que é preventivo, sem dúvida. É importante ensinar aos jovens que existem outras formas de se resolver conflitos além das já utilizadas hoje, através da paz e da conciliação”, disse Maria Luiza de Freitas Nalini, presidente do comitê de ação social e cidadania do Tribunal de Justiça.

    Fotos: Dayane Ponte

    Além do Futebol Callejero, o evento contou também com apresentações teatrais e musicais, e também de grafites que foram pintados nos muros da sede da Associação Capão Cidadão. O evento teve grande participação da comunidade e de instituições como o Movimento População de Rua. A população da região compareceu em massa no campão de terra que era chamado pelo Narra Várzea de Arena Pantanal, além de prestigiarem o evento também de suas lajes e janelas que estavam viradas de frente ao campão. O evento durou o dia inteiro e incluiu diversas crianças e adolescentes da região, que poderiam muito bem estar em outros lugares naquele domingo ensolarado que não aprendendo sobre consciência social, consciência de gênero e coletividade.

    Foto: Adolfo Gabaldo Garroux

     

  • Por dentro das prisões modelo

    Por dentro das prisões modelo

    Conheça duas penitenciárias brasileiras que não são administradas pelo Estado — como funcionam, os interesses envolvidos, os pontos fortes e fracos

    Aquele espaço só pode ser visto por trás do vidro do andar superior. Ou, no máximo, pode-se pedir um zoom na tela do computador de monitoramento. Ali ninguém entra. Até mesmo os agentes penitenciários ficam do lado de fora. Conversar com um preso, só com autorização prévia da diretoria. De repente, uma movimentação estranha. Há gritaria, alguns guardas correm. Para nós, soa como se uma rebelião estivesse para começar. Mas era só uma bola de futebol furada — e uma tensão constante que exige que cada incidente seja resolvido antes de se tornar um problema maior. A correria dos guardas era para entregar uma nova “redonda”.

    Agentes de segurança observam movimentação dos presos nas áreas conhecidas como “vivências”.

    Na Associação de Amparo e Proteção ao Condenado (APAC) de Itaúna, a semelhança com qualquer outra unidade prisional termina nos altos muros da entrada. A porta é aberta por um “recuperando”, como são chamados os homens que cumprem pena ali. Ele te encaminha a outro interno, que mostra todas as dependências da unidade. Vários presos circulam e trabalham. É permitido conversar com qualquer um deles no trajeto. O lazer começa só a partir das 17h, quando acaba o horário de trabalho. Mais do que observar, os visitantes podem até escolher se preferem se juntar às partidas de futebol, de peteca ou de dominó que acontecem por ali.

    Detentos jogando futebol na unidade APAC de Itaúna (MG)

    Não se vê nenhuma arma e não há policiais. Também não existem câmeras de vigilância. A segurança é feita pelos chamados “inspetores de segurança”, sempre desarmados. São quatro ao todo, dois por turno, para um grupo de 200 presos. A região das celas é um ambiente escuro e frio, mas ninguém permanece ali ao longo do dia, a não ser que esteja cumprindo alguma sanção disciplinar. Toda a limpeza é feita pelos internos, que também constituem um conselho responsável por ajudar na manutenção da disciplina.

    “Entre os presos que cumprem pena nesse modelo (APAC), o índice de reincidência gira em torno de 10% e 20%, enquanto no sistema prisional comum, esse número é entre 70 e 80%. Ainda não existem dados do modelo privado no Brasil, já que sua implantação é recente.”

    Empresários e voluntários

    No CPPP, uma empresa privada é responsável por todos os serviços que não estão diretamente relacionados com a segurança. Desde assistência jurídica a atendimentos médicos, passando por fornecimento de comida e de materiais de higiene, tudo é responsabilidade da empresa. Apesar de estar previsto em contrato que a corporação não pode deixar faltar esses itens básicos, nos EUA, onde cerca de 10% dos presos estão em unidades que seguem esse modelo, já houve denúncias de falta deles.

    Lá, a empresa Aramark, por exemplo, responsável por fornecimento de comida em presídios, foi multada depois de comprovadas falhas que deixaram prisioneiros sem comida. Em cinco casos, também foram encontrados vermes nas refeições oferecidas. Denúncia semelhante aconteceu no Brasil em unidades que privatizaram a alimentação — elas vieram a público em 2012 por meio da Operação Laranja com Pequi, da Polícia Federal.

    Sala de aula dentro da unidade prisional PPP de Ribeirão das Neves (MG)

    As dificuldades para fiscalização em ambientes projetados para manter quem está dentro em total segregação dos que estão fora facilitam abusos desse tipo. É importante, ainda, lembrar que instituições privadas visam lucros e constantemente economias são feitas, por exemplo, a partir de compras de alimentos de menor qualidade ou vencidos. Nenhum real dessas economias se refletem em quedas dos custos do Estado, já que o valor pago para a empresa é fixado em contrato, que no caso do CPPP tem validade de 27 anos.

    Uma das maiores críticas ao modelo é o fato de a provisão de assistência jurídica ser feita pela mesma empresa que lucra com a permanência dos presos, em um possível conflito de interesses. Esse fato, aliado à proibição de conversas com qualquer preso que não seja indicado pela direção, dificulta a construção de um panorama real sobre o tratamento dos internos.

    As APACs, por sua vez, são construídas sobre as bases do trabalho voluntário local. Com a filosofia de que a mesma comunidade que possibilita a transformação de um cidadão em um criminoso, ao negar a ele certos direitos, deve ajudar a tratá-lo, as unidades são sempre pequenas e recebem presos cuja família está na comarca. Assim, há um trabalho para a reconstrução dos laços familiares daqueles que anos antes abandonaram mães, esposas, irmãos e filhos para ingressar no crime.

    Detento recebendo atendimento dentário por um voluntário da APAC de Itaúna (MG)

    Mais do que isso, busca-se o envolvimento de toda a cidade. Dentistas, médicos e advogados locais reservam uma manhã ou tarde semanais para prestar serviços voluntariamente. Tal apoio — angariado em muitas reuniões, conversas e explicações antes da construção da unidade prisional — ajuda não apenas na manutenção da prisão, mas em geral se reverte em contratações de egressos da unidade depois do cumprimento da pena. É comum que cursos profissionalizantes oferecidos dentro do presídio por instituições respeitadas, como o Senai, abram as portas para moradores da cidade, que estudam lado a lado com os internos. Quando estivemos na APAC Itaúna, presenciamos uma situação desse tipo em um curso para padeiros.

    O que é aprendido é aplicado no funcionamento da APAC, que também não contrata cozinheiros ou compra marmita, nem traz pintores ou eletricistas de fora, muito menos terceiriza os serviços de limpeza. Tudo é feito pelos internos, que ganham remissão de dias de pena a cada dia trabalhado — como prevê a Lei de Execuções Penais. Isso ajuda a reduzir os custos de manutenção da unidade prisional.

    Detento da APAC de Itaúna (MG) cuidando de horta da unidade

    Tudo isso, aliado às discrepâncias nos aparatos de segurança, criam diferenças nítidas nos custos das unidades. Enquanto no sistema prisional comum, a manutenção de um preso custa em média R$ 1.800 por mês, nas APACs esse valor gira em torno de R$ 1.200. O contrato do CPPP, por sua vez, prevê que o Estado pague R$ 2.700 mensais por cada preso.

    Entre estupradores e ladrões de galinha

    De acordo com declarações públicas já feitas por membros da Secretaria Estadual de Defesa Social de Minas Gerais, o Estado tem evitado enviar para o CPPP presos de mau comportamento, chefes de organizações criminosas e condenados por estupro. Os dois primeiros grupos por serem potenciais encorajadores de rebeliões e brigas internas. Aqueles condenados por estupro, por sua vez, não são bem vistos por outros presos e, frequentemente, são agredidos e assassinados nas unidades prisionais. Uma morte dentro de um presídio privado não seria bom para os negócios: há altas multas previstas em contrato.

    Kit recebido por cada detento da unidade PPP de Ribeirão Das neves (MG)

    A escolha criteriosa daqueles que serão enviados à unidade ajuda nos bons índices apresentados até o momento — índices esses usados para justificar as novas licitações para construção de outros presídios com esse perfil.

    O modelo do CPPP já inspirou licitações semelhantes no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Distrito Federal. São Paulo também já fez consultas públicas para avaliar o interesse de empresas no projeto de um complexo que abrigaria 10.500 presos.

    Os críticos da APAC dizem que o modelo também não seria adequado para esses presos mais problemáticos. Quando estivemos na unidade de Itaúna, porém, encontramos cinco homens condenados por estupro — ao lado de outros cumprindo penas por homicídio e tráfico de drogas.

    Existia uma certa tensão na relação com outros presos, que diziam que “é difícil ter que seguir ordens de um cara desses”, referindo-se a um dos cinco que fazia parte do conselho de disciplina local. Considera-se que estupradores são cruéis — “ele fez isso uma vez, vai fazer sempre, pode fazer com minha irmã, com minha mãe”, explica um dos internos. Apesar da tensão, nunca foi registrada uma agressão verbal ou física contra eles.

    Reunião do conselho disciplinar da APAC de Itaúna (MG), formado pelos próprios detentos
    Detento do presídio PPP de Ribeirão das Neves (MG) recebe atendimento jurídico

    Como o envio de presos à unidade depende em grande parte do juiz de execuções penais da comarca, em muitos municípios apenas os chamados “ladrões de galinha” chegam às APACs. Em outras, porém, como é o caso de Itaúna — comarca na qual o juiz, Paulo Antonio de Carvalho, é publicamente um entusiasta do método — todos os tipos de crime, de tráfico a homicídio, acabam na unidade.

    Nunca houve, porém, um caso de agressão física, assassinato ou rebelião em nenhuma das unidades APAC em seus mais de 40 anos de existência.

    Também no CPPP não foi registrada nenhuma morte desde a sua criação, em 2013. Já no sistema prisional comum, apesar de não existirem estatísticas sobre rebeliões, segundo o Ministério da Justiça, 566 pessoas morreram em penitenciárias do país durante os seis primeiros meses de 2014.

    Na próxima matéria da série sobre os presídios modelos, vamos tratar das principais críticas e limitações de unidades prisionais dos modelos do CPPP e da APAC.

     

  • Milhares dos melhores

    Milhares dos melhores

    “Os estudantes tem que se dar conta que não é só uma mudança do sistema, é uma mudança de cultura, é uma cultura civilizatória. E não tem como sonhar com um mundo melhor se não gastar a vida lutando por ele. Temos que superar o individualismo e criar consciência coletiva para transformar a sociedade.” — Pepe Mujica

    Milhares de jovens que não se calam frente à ruína do sistema político e econômico no mundo contemporâneo. Uma juventude disposta a modificar radicalmente velhas visões de mundo e conquistar o respeito pela diversidade de seus modos de vida. Foto: Mídia NINJA

    Jovens cariocas de todas as idades, ao redor do mítico ex-presidente uruguaio, que colocou seu país no mapa do mundo ao dar passos decisivos na agenda do século XXI, regulamentar a maconha, descriminalizar o aborto e impedir a redução da maioridade penal marchando junto dos movimentos sociais do país.

    “Não há homem imprescindível, há causa imprescindível. Sem a força coletiva não somos nada”

    Na Concha Acústica da UERJ estavam aqueles que querem ver o STF descriminalizar o porte de maconha ainda esta semana no Brasil, dando um primeiro passo rumo ao fim desta guerra genocida que nos mancha a todos os brasileiros de sangue.

    Ao redor de Mujica, os que querem ver a democracia vencer definitivamente a ditadura, desmilitarizando a polícia militar. Ao redor de Pepe, estavam aqueles que querem exercer o direito humano à comunicação, democratizando a velha estrutura de mídia erguida pela ditadura militar no país.

    “Os únicos derrotados no mundo são os que deixam de lutar, de sonhar e de querer! Levantem suas bandeiras, mesmo quando não puderem levantar!” Foto: Mídia NINJA

    Ao redor do velho Mujica, aqueles que querem ver respeitado o direito da mulher sobre seu corpo, e nenhum a menos pelos crimes do machismo. Ao redor de José Mujica, os que reconhecem no amor o verdadeiro vínculo familiar e constroem ao redor de si mesmos uma mundo livre de racismo, machismo, homofobia, transfobia, xenofobia e toda sorte de fundamentalismos do mal.

    Os que sabem que os pobres da África não são da África, são nossos. Os que sabem que não precisamos imitar a Europa. Os que não querem o desenvolvimento na base da dor e da angústia. Ao redor do velho líder latinoamericano, os sonhadores do novo mundo possível. Os que pretendem libertar as energias utópicas e construir um novo tempo de esperança na humanidade aqui e agora, porque só a felicidade nos interessa. Os que sabem que não haverá mundança no mundo material, sem mudança na cultural. Os que já dedicam à vida, à aventura civilizatória e às causas nobres da humanidades.

    O discurso de quase duas horas contou com mais de 20 mil espectadores ao vivo na transmissão realizada pela Pós TV. Assista na íntegra.

    Numa noite histórica, 27 de agosto de 2015, a juventude vibrou com a política como num show de rock. Eram os filhos de Mujica, românticos del Uruguay Libre. Pepe Mujica é pura inspiração! Gracias, Pepe. O Brasil te ama.

    Foto: Mídia NINJA

     

  • Isso não é comigo!

    Isso não é comigo!

     

    André Mesquita, Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio e a artista plástica Clara Ianni

    Livro sobre arte e terrorismo de Estado denuncia a cultura do extermínio e a guerra não-declarada contra a população negra, pobre e periférica

    Na noite da última sexta-feira (21), a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, recebeu o lançamento do livro “Esperar não é saber: Arte entre o silêncio e a evidência”, do escritor e historiador André Mesquita, e um debate para 100 pessoas. O foco do trabalho de Mesquita são as intervenções artísticas que expõem e denunciam violências cometidas pelo Estado. A mesa contou com as presenças de Clara Ianni, artista plástica, e de Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, além do próprio autor.

    Em suas 227 páginas, o livro, contemplado pelo Ministério da Cultura e pela Fundação Nacional de Artes — FUNARTE no Edital Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais 2014, e distribuído gratuitamente no local, faz a compilação de documentos, entrevistas, vídeos, fotografias e traz a análise de trabalhos de artistas e ativistas. O objetivo é expor o potencial crítico de ações artístico-políticas realizadas durante as ditaduras do Brasil (1964–1985) e da Argentina (1976–1983).

    A ideia do autor é dar continuidade à distribuição gratuita da edição por meio de outros encontros e também enviar a publicação para bibliotecas públicas, museus, residências artísticas centros culturais e sociais, grupos de direitos humanos e movimentos sociais.

    Para explicitar a lógica da repressão que, quando não ocultada pelo Estado genocida, é utilizada como dispositivo de terror e controle social, Mesquita divide sua pesquisa em três capítulos. Nos dois primeiros, aborda as intervenções Situação T/T,1 (1970), de Artur Barrio, no qual trouxas ensanguentadas foram lançadas à margem de um córrego em Belo Horizonte, criando um clima de tensão entre as autoridades e a população local, que acreditava se tratar de restos mortais de torturados pelo Esquadrão da Morte, e “Nosotros no sabíamos”, de León Ferrari, que, ao apresentar dados comprovando as atrocidades do governo ditatorial argentino, escutou de seu público exatamente a mesma frase que dá título à obra.

    Por meio do vídeo “Apelo” (2014), de Clara Ianni, realizado em parceria com Débora Maria da Silva, mãe de Edson Rogério Silva dos Santos*, o autor se dedica a retratar a violência do Estado hoje, retomando discussões sobre desaparecimento desenvolvida nos capítulos anteriores.

    *Edson foi uma das 493 vítimas executadas pelas polícias civil e militar e por grupos de extermínio no Estado São Paulo, no episódio que ficou conhecido como “Crimes de Maio de 2006”.

    A chacina de Osasco e Barueri, que deixou 18 mortos e seis feridos, foi citada diversas vezes durante o debate, ilustrando, infelizmente, a atualidade do tema do livro. Segundo Débora, no Brasil há uma cultura velada do extermínio, realizada no contexto de uma guerra não-declarada, em que a faxina étnica foi aceita como forma de desenvolvimento.

    “Para nós, a ditadura nunca acabou e tem um alvo certo, que é a população pobre, negra e de periferia. Enquanto não houver justiça, não haverá paz. E o que nós não queremos é essa paz verde-e-amarela que a classe média e a burguesia quer nos oferecer, a paz do cemitério”, complementa.

    Quanto à aprovação na Câmara dos Deputados da PEC 171, que reduz a maioridade penal para 16 anos, Débora declara: “Deveriam estar discutindo o fim dos grupos de extermínio e não esse prego na tampa dos caixões dos nossos jovens.

    “O Brasil produz 56 mil Mães de Maio por ano”.

    Questionado sobre o comportamento dos manifestantes de domingo (16), durante uma intervenção artística sobre os mortos de Osasco e Barueri (saiba mais aqui https://medium.com/jornalistas-livres/marcha-f%C3%BAnebre-permanente-b8fc247af349), que reagiram bradando “Aqui não é lugar para isso”, Mesquita diz ser muito difícil atingir a classe média, porque a ideia da tortura, do desaparecimento e do assassinato caiu na normalidade. Seu livro surge, no entanto, como arma certeira, num momento em que tanto a população quanto as autoridades fecham os olhos para a institucionalização do terrorismo do Estado, como se dissesse:

    “Sim, você tem culpa nisso.”

     

     

  • “Já me mataram muitas vezes, agora eu quero é viver”

    “Já me mataram muitas vezes, agora eu quero é viver”

     

    Foto: Leandro Taques

    “Madalena, Madalena, você é meu bem querer. Eu vou falar pra todo mundo, vou falar pra todo mundo, que eu só quero é você”, cantarolavam seis pessoas em um palco improvisado no meio na Praça Rui Barbosa, região central de Curitiba.

    Com direito a microfone, tamborim e uma plateia bastante animada. No mesmo cenário, bancos de praça ocupados por gente de todo o estilo, alguns com cobertores nas costas, outros com mochila rasgadas compondo o look do dia.

    Mais adiante uma confusão. Um distraído tropeça em outro. “Abre o olho que te dou um na cara”, disse um senhor idoso de boné azul. Depois, voltou a dançar. Na primeira fila do “show” outros sorridentes. Dois deles dividiam um uísque cowboy. O relógio marcava 13h15. Antes do gole e da cara feia o copo é erguido e as cabeças balançam: o dia é especial. No mais, Kombis espalhadas — todas da Fundação de Ação Social (FAS) -, o consultório médico móvel da Prefeitura de Curitiba e mesas de ping-pong.

    Dia de festa? Não, dia de luta.

    Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

    Nesta quarta-feira (19) foi o Dia de Luta da População em Situação de Rua, data que marca os onze anos do Massacre da Sé, em São Paulo, quando sete moradores de rua foram brutalmente assassinados. A data também registra os dez anos do Movimento Nacional de População de Rua. “Se nós estamos comemorando? Não se trata de comemoração. Queremos dignidade e faz dez anos que estamos conquistando espaço. Já me mataram muitas vezes, agora eu quero é viver”, explica o líder do movimento em Curitiba, Fayçal Mohamed.

    Fayçal tem 56 anos, 25 deles vividos na rua. Carioca, disse que foi adotado aos cinco anos e morou na Palestina. Na volta ao Brasil estudou Direito no Rio de Janeiro. Mas, segundo ele, foi engolido pelo sistema. Foi preso em 1978 por um assalto a banco. Queria participar da revolução no país e precisava de dinheiro para comprar armamentos. “Mas se faz revolução só pegando em armas? É isso mesmo?”, perguntei. Fez que não com a cabeça e a reposta é digna de aplausos: “Hoje a revolução é pela inteligência e pela paciência”, disse.

    Foto: Daniel Caron

    Sobre as pessoas em situação de rua ele explica: “Precisamos estar mais incluídos nas políticas públicas, o bonde anda e continuamos na mesma situação”. Quando pergunto sobre os abrigos municipais, que geralmente são a saída para muitos dos moradores de rua, principalmente quando as temperaturas caem em Curitiba, ele responde: “Eu exerço o meu direito de ir e vir; é uma escolha de cada um, quem pode me questionar? Minha casa é o mundo e minha família tá aqui. O problema tá no mundo, não na rua. Quem está nessa, como eu, é um reflexo do que não deu certo”, explica.

    Números

    Em Curitiba, são sete acolhimentos oficiais e mais seis conveniados. No total, são mais de 820 vagas de pernoite todos os dias, segundo a Fundação de Ação Social (FAS). Além disso, durante a Operação Inverno, quando as temperaturas ficam rigorosas, o número de vagas é ampliado. Fora isso, o município conta com seis Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centros POP), que fazem os atendimentos durante o dia e encaminham os moradores para outros serviços da Prefeitura, caso necessário.

    Para o assessor de Direitos Humanos da prefeitura de Curitiba, Igo Martini, um dos grandes desafios, muito debatido entre a equipe de Direitos Humanos, é como tornar os acolhimentos mais interessantes do que rua. “É um desafio a ser solucionado juntamente com a sociedade civil. Queremos acolhimentos confortáveis, seguros, com regras estabelecidas, mas antes dialogadas”, explica.

    Foto: Leandro Taques

    Além disso, Martini esclarece que a convivência dentro dos acolhimentos também é uma questão delicada. “É como viver em uma república, com divisões de tarefas, responsabilidades e diferentes comportamentos. Respeito é o segredo da receita, é preciso respeito às diversidades humanas, escutar e construir, e é nisto que toda a gestão está investindo”.

    Fayçal Mohamed. Foto: Leandro Taques
    “Não somos invisíveis”

    Dentro da pauta do Movimento Nacional de População de Rua está também a luta pela visibilidade e pela inclusão dos moradores de rua. “Não culpo quem passa por nós e aumente o passo, com medo. Vivemos em um lugar difícil mesmo, tem muita violência. Mas o fato é que não somos invisíveis”, afirma o líder do movimento de moradores de rua em Curitiba.

    Um conselho para a nova geração? “Todos nascemos de um ato de amor. Então porque quando grandes não cultivamos ele? Meu conselho é doe-se ao mundo. E mano, não faz o que eu fiz. Faz o que tem que fazer, que é mudar essa porra toda”. Grande Fayçal.

    Sonhos

    Rosemir Ananias, de 46 anos, também estava presente no Dia de Luta. O Zumba, como é conhecido pela família das redondezas da Praça Ouvidor Pardinho, é morador de rua desde os oito anos. Profissão? Cuidador de carros. Contou que não podia faltar neste dia de luta porque “não queria deixar os irmãos que morreram passar batido”. Curitibano, tem dois filhos, um de 20 e outro de 26 anos, mas não moram com ele. Por que escolheu a rua? “Ninguém escolhe a rua. Eu vim porque as coisas sempre foram difíceis”, desabafa com os olhos marejados. Um sonho? “Reencontrar minha mãe, faz dezessete anos que não a vejo. Já pensei em mandar uma carta, eu sei ler e escrever. Mas nunca fiz”.

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    Fotos: Leandro Taques

    Já era perto das 20h. A Rui Barbosa estava escura. Enquanto falava com o Zumba uma batida policial na praça. “O pessoal usando drogas, bebendo, faz parte da vida. Não é todo mundo que usa, mas é fácil conseguir”, me explica.

    Um carrinheiro se aproxima da nossa roda de conversa. Todos fizemos um agrado no cachorro que está com ele. É o Lailson Pereira, de 37 anos. Ele nos pergunta se “tá rolando uns benefícios nesse ato de hoje”. “Já teve comida, vai ter cinema. Amanhã vai ter lugar para cortar o cabelo”, respondem.

    Áureo Bruno de Lima, de 28 anos, desde os 15 na rua, também tem um sonho. “Aqui tem gente que trabalha de pedreiro, serviço de frete, mecânico. E se a gente montasse uma cooperativa, uma microempresa para moradores de rua? As pessoas nós já temos. Acho que vamos organizar um sindicato”, disse.

    Sete policias militares observavam tudo de longe. “Por enquanto nenhuma ocorrência, mas a droga tá correndo solta ali. O pessoal que volta pra casa do trabalho, que precisa pegar o ônibus aqui na praça, está reclamando”, me disse um deles em off.

    Me despeço com um nó na garganta mas uma esperança extraordinária. Pergunto a Fayçal onde ele vai dormir hoje. “Eu moro embaixo do meu boné”, e sorri. A luta continua.

    A vigília dos moradores de rua durou 24 horas, desde as 9h de ontem até a manhã de hoje (20). Segundo o Movimento, o Dia de Luta aconteceu em 12 estados brasileiros.

    Foto: Leandro Taques