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Categoria: Curiosidades da Rússia

  • CURIOSIDADES DA RÚSSIA: as Cidades-Herói

    CURIOSIDADES DA RÚSSIA: as Cidades-Herói

    Da Gazeta Laika

    Das 11 cidades que são sedes da Copa do Mundo na Rússia, três possuem o título de “Cidade-Herói”; Moscou, Leningrado (São Petersburgo) e Stalingrado (Volgogrado). Essa honraria soviética foi concedida para as cidades que foram símbolos da resistência ao nazismo durante a Grande Guerra Patriótica (como os russos denominam a Segunda Guerra Mundial).

    Nos muros do Kremlin, em Moscou, cada uma dessas cidades, que totalizam 12, são representadas por um bloco de mármore, com uma estrela e o nome da cidade, onde todos os dias é possível ver flores que são depositadas por aqueles
    que passam por lá.

    As três cidades-heróis que são sedes do mundial foram palcos das batalhas mais importantes da Guerra. Em Stalingrado ocorreu a grande virada soviética sobre os nazistas. Em Moscou, as tropas alemãs pararam em 1941, sem conseguir invadir e prosseguir. Já em Leningrado, a história foi ainda mais dramática, se é que é possível. A cidade foi vítima de um cerco nazista que durou cerca de 900 dias, que deixou mais de 1 milhão de civis mortos.

    Mesmo com a fome avassaladora, o frio rigoroso e os bombardeios diários, os soviéticos não se renderam e os soldados nazistas nunca pisaram em Leningrado – a não ser como prisioneiros de guerra. Foi o cerco mais longo da história.

    Amanhã, a Rússia enfrenta a Espanha pelas oitavas de final, na cidade-herói de Moscou. Será que os russos vencem essa batalha?

    Foto: soviéticos em rua de Leningrado durante o cerco destruidor

  • CURIOSIDADES DA RÚSSIA: a dança dos Cossacos

    CURIOSIDADES DA RÚSSIA: a dança dos Cossacos

    Da Gazeta Laika

    “Ontem sonhei que estava em Moscou, dançado pagode russo na boate Cossacou”. Ontem não teve pagode, mas teve vitória brasileira em Moscou. Ao vencer a Sérvia por 2×0, o Brasil se classificou para as oitavas de final, para o alívio da torcida.

    Agora, vocês sabiam que o “Pagode Russo”, famoso forró de Luiz Gonzaga, não é apenas uma divagação do nosso compositor nordestino? A comparação que ele faz entre o frevo e a dança dos cossacos “naquele cai ou não cai”, vem sendo estudada por historiadores que apontam que a origem do ritmo pernambucano pode ter relação direta com os cossacos.

    Os “Kosak”, que vem do turco “homem livre”, foi um dos povos fundadores da Rússia. Eles formavam tribos nômades de camponeses que não queriam se submeter a servidão. Durante a história eles se fixaram no sudoeste do país, onde hoje é a Ucrânia, também nos montes Urais e na Sibéria. Durante o Czarismo eles se transformaram em regimentos de soldados a comando do rei. Tanto é que em 1917, após a revolução, eles lutaram no Exército Branco para manter a monarquia. Depois que o Exército Vermelho venceu a guerra civil, muitos cossacos foram mortos ou fugiram do país. Alguns deles chegaram ao Brasil.

    Estudos apontam que a origem do frevo, pode estar relacionado ao contato que alguns pernambucanos tiveram aos navios cossacos que atracavam nos portos de lá. A famosa dança malabarística dos cossacos pode ter inspirado os dançarinos do Nordeste a criar a dança, que combina passos de capoeira, ballet e também, a dança dos cossacos.

     

  • CURIOSIDADES DA RÚSSIA: o metrô de Moscou

    CURIOSIDADES DA RÚSSIA: o metrô de Moscou

    Da Gazeta Laika

    O vídeo da torcida do Brasil que viralizou nas redes mostra os brasileiros cantando em uma estação de metrô em Moscou. O vídeo chama a atenção não apenas pela empolgação e os novos cantos da torcida brasileira, mas também pela beleza da estação moscovita, que não passa despercebida.

    Com 80 anos de existência, o metrô de Moscou é considerado um dos mais bonitos e eficientes do mundo. É responsável pelo deslocamento diário de 9,2 milhões de pessoas e a rede metroviária contempla praticamente toda a cidade, com 12 linhas e 196 estações. São 327,5 km de extensão dos trilhos, quatro vezes maior do que o de São Paulo. A rede também é muito eficiente e o tempo médio de espera para um trem é de 90 segundos, diminuindo para 60 nos horários de pico. Mesmo com muitos trens antigos da década de 60/70, as linhas não deixam de ser modernas, disponibilizando, por exemplo, Wi-Fi grátis para os passageiros.

    Além da eficiência, o metrô é conhecido como o “palácio do povo” e suas estações são extremamente bonitas e luxuosas. Parte dos projetos do primeiro plano quinquenal de Stalin, o metrô começou a ser construído em dezembro de 1931, com o intuito de ser a vitrine das conquistas do socialismo, dos trabalhadores e dos camponeses. Por isso foi pedido aos arquitetos que projetassem estações extravagantes, grandiosas que apontassem para o futuro radiante da nação. Por isso as estações contam com mosaicos, afrescos, pinturas e esculturas que enfeitam esse mundo subterrâneo, retratando a temática heróica da revolução de outubro, a defesa da pátria e o estilo de vida soviética.

    As estações de metrô foram usadas como abrigo durante a Segunda Guerra Mundial e já foram construídas pensando em ser, em caso de necessidade, abrigo anti-bombas. É por isso que elas são extremamente profundas, com escadas rolantes que parecem que não vão acabar jamais.

    Estação Taganskaya
  • Os ventríloquos e a “buceta rosa”: sobre as astúcias e as lacunas cognitivas do machismo

    Os ventríloquos e a “buceta rosa”: sobre as astúcias e as lacunas cognitivas do machismo

    Por Revista Cult 

    O melhor jeito de desmistificar uma palavra ou expressão é usá-la sem preconceitos. Há que se tomar o cuidado de não banalizá-las, pois todas elas merecem respeito, afinal carregam conceitos que podem sempre nos fazer pensar melhor.

    Há poucos dias o Brasil viveu um momento de extrema vergonha com alguns torcedores que viajaram à Rússia para a Copa do mundo. Merece análise o ato envolvendo homens brasileiros e mulheres russas em torno da expressão “buceta rosa”, arma de um dos espetáculos mais machistas vividos pela cultura brasileira nos últimos tempos.

    Manuela D’Ávila, no programa Roda Viva, viveu algo parecido. A quantidade de interrupções e a miséria política de muitas das questões queriam também reduzi-la a uma boneca que falasse o que os arguidores queriam ouvir. O autoritarismo, do qual o machismo é uma forma especializada, sempre funciona obrigando a falar – como nas coerções e torturas – ou fingindo uma sedução ao ato de falar, como vimos com as russas.

    Nossa análise deve levar em conta aspectos tais como as condições de possibilidade nas quais o ato violento envolvendo brasileiros e russas se deu. Estamos no século 21 e os costumes deveriam ter se modernizado, mas não. A Copa do Mundo continua sendo, para muitos, um espaço masculino e a masculinidade – essa característica raramente analisada – continua tentando se afirmar pela violência. Poderia haver uma masculinidade melhor do ponto de vista psíquico e político, mas isso seria pedir demais ao momento da mentalidade nacional. Em função de seu arcaísmo e caducidade, a masculinidade tem se mostrado algo ultrapassado e, pelas viseiras que fornece aos machistas, tem sido o fundamento do fracasso cognitivo de muitos homens.

    O machismo é a prova do fracasso cognitivo e emocional do sujeito. Uma questão complexa, mas facilmente verificável no dia a dia de quem convive com a imbecilização machista.

    Ventriloquacidade

    Fundamental ter em vista que o ato de violência perpetrado pelos machistasbrasileiros é um ato de linguagem. O que aconteceu entre machistas e mulheres russas não foi uma conversação, nem um bate-papo e nem muito menos algo que lembrasse um diálogo. Fundamental entender qual a operação linguística em jogo para perceber não apenas “como” funciona o machismo, mas qualquer sistema de opressão da qual esse ato nos revela o método.

    O ato de linguagem envolvido na violência em questão, é um ato de ventriloquacidade. Em primeiro lugar, os agentes do machismo precisam tratar as pessoas como objetos: é preciso ver as mulheres como coisas. No entanto, não se trata de transformá-las em bolas ou chuteiras (para ficar no universo simbólico do futebol), mas de reduzi-las a autômatos. De um ponto de vista machista, as mulheres nunca foram mais do que bonecas.
    Como coisas, as mulheres russas deviam fazer parte de um espetáculo de aviltamento e difamação. Nesse caso, os machistas fizeram com que elas falassem alguma coisa – não o que elas mesmas pensavam, mas antes o que eles pensavam.

    Perceba-se a figura em jogo. O que “eles pensam” encontra sua expressão como parte do corpo físico feminino com determinadas características: a “buceta rosa”, genitália e cor. A forma é violenta, mas o conteúdo também, afinal, há a objetificação de uma parte do corpo rebaixada à arma de humilhação. A “buceta rosa” serviu como uma pedra colocada na boca das mulheres. O método foi violento, mas como não envolveu espancamento nem morte, podemos dizer que foi uma espécie de “bullying”, arma básica da violência patriarcal e machista.

    Ora, o conceito de corpo é complexo e não se reduz aquilo que ocupa lugar no espaço. Pensemos, neste caso, a voz e o pensamento como um corpo. A voz é física e é um meio de comunicação e de expressão, mas também pode ser um meio de violência. Por meio da voz, esse corpo diáfano, chegamos à percepção e, assim, ao corpo do outro. A misoginia, como forma discursiva, é violenta na forma e no conteúdo. É o velho discurso de ódio, naturalizado na sociedade machista. A cena violenta com as mulheres se torna normal para os imbecis machistas que tentam esconder a imbecilidade pela astúcia patética embutida no ato.

    As mulheres foram reduzidas a animais e a objetos ao longo da história. Não é à toa que os xingamentos com os quais se tenta humilhar uma mulher sejam, geralmente, denominações animais. O evento envolvendo os machistas brasileiros é um exemplo de que o machismo – como o Brasil – se parece cada vez mais com o século 19, quando Hoffmann usou uma personagem boneca para falar de uma mulher ideal. Mas nem tudo é retrocesso no país do eterno retorno do mesmo. O machismo, pelo menos, está em um estágio avançado de decomposição emocional ao reduzir as mulheres a autômatos.

    Por isso, pela redução do ser humano ao autômato, o ato dos brasileiros em relação às russas pode ser considerado um ato de lesa humanidade. As mulheres russas que falaram o que não pensaram sem saber o que diziam foram roubadas de sua humanidade no instante do assalto machista. Todo o machismo sempre fez e continua a fazer isso, mas talvez nunca tenha ficado tão explícito como naquele momento em que os machistas ventríloquos se manifestaram.

    Eles falaram por meio do corpo das outras, mas tampouco eles falaram o que realmente pensam – se é que pensam -, porque o machismo implica um discurso pronto que opera no cancelamento da reflexão. Um recurso ao clichê, ao texto e à expressão pronta, sem nenhuma criatividade, àquilo que é copiado e colado, no caso do evento na Rússia, nas bocas das mulheres que falam sem saber o que fazem contra si mesmas. É a misoginia imposta à boca de uma mulher. O machismo é um discurso pronto que vem sendo desmontado, e essa cena nos faz pensar também que toda mulher que repete o discurso machista é, infelizmente, como a russa que fala sobre a “buceta rosa”, novo signo da opressão machista, cujo significado ela perde de vista. Ela se torna vítima e algoz de si mesma ao ter caído na armadilha machista.

    Não existe opressão fora da linguagem. Assim, os sistemas se especializam em operações de linguagem. Dos discursos prontos que transitam no cotidiano às grandes corporações donas dos meios de comunicação – que são meios de produção da mentalidade geral por meio da linguagem – é sempre a mesma operação que está em jogo.

    A mulher machista não é diferente do “pobre de direita” que repete a ideologia dominante imposta a ele contra si mesmo. Detalhe: as mulheres russas só repetiram o que lhes impunham os machistas porque tudo parecia uma simples brincadeira, afinal, era sugerido em tom de graça. O capitalismo e o machismo, bem como o racismo, são demônios covardes que sempre tentam parecer primeiramente graciosos para seduzir e, assim, oprimir mais facilmente.

    Me pergunto se esse gesto dos brasileiros seria realizado no Estados Unidos e se ele não é um resquício da guerra fria que sobrou para o capitalismo machista breganejo de nossa nação colonizada.

  • CURIOSIDADES DA RÚSSIA: a Revolução Russa

    CURIOSIDADES DA RÚSSIA: a Revolução Russa

    Da Gazeta Laika

    Hoje, Argentina e Nigéria jogam pela classificação para as oitavas de final no estádio Krestovsky, em São Petersburgo. A cidade, além de ter sido o lar da monarquia russa, foi epicentro de um dos eventos mais importantes do século XX, se não o mais: a primeira revolução de caráter socialista da história.

    A capital russa da época, que em 1917 se chamava Petrogrado, foi o palco das duas revoluções que mudaram a curso da história da Rússia e do mundo: a revolução de fevereiro e a de outubro.

    Em fevereiro de 1917, ocorreu a primeira fase da revolução russa, que resultou na abdicação do czar Nicolau II. A origem da revolução, foi a revolta popular contra os abusos autocráticos do czar, a insatisfação com a participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial, a fome e as injustiças cometidas pelo sanguinário Nicolau II.

    Já a revolução de outubro teve como objetivo a mudança do caráter da revolução de fevereiro, que foi republicana, liberal e acabou sendo, de certa forma, cooptada pela burguesia. Lenin, ao voltar para a Rússia depois do exílio na Finlândia, logo após sair de seu trem, proclamou às massas: “todo poder aos sovietes”.

    Essa palavra de ordem, juntamente com o programa de “paz, pão e terra”, levaram os bolcheviques (partido revolucionário comunista), a se organizarem para tomar o poder, liderados por Vladmir Lenin e Leon Trotsky.

    No dia 7 de novembro de 1917, os bolcheviques finalmente tomam o palácio de inverno (centro de poder russo) e acabam com o governo provisório, que estava no poder desde a revolução de fevereiro. A tomada do palácio foi pacífica, com poucos tiros e a rendição quase sem luta dos membros do governo provisório.

    Em 1924, após a criação da União das Republicas Socialistas Soviéticas em 1922, Petrogrado passou a se chamar Leningrado, em homenagem ao grande líder da revolução.

    Hoje, a seleção argentina vai ter que fazer uma verdadeira revolução no seu estilo de jogo para conseguir avançar às oitavas de final. A pátria onde nasceu Che Guevara vai ter que mostrar que é guerreira. Quem sabe Leningrado os inspire. Vamos ver o que dá.

  • Ninguém fica indiferente a uma Copa do Mundo

    Ninguém fica indiferente a uma Copa do Mundo

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Leo

    Até há aqueles que, desejando aparentar alguma intelectualidade, evocam a velha máxima do “ópio do povo”, ou mesmo aquela balela do “pão e circo”. Trata-se sempre de um marxismo de anteontem que de tão caricato nem merece atenção.

    Neste ensaio, não me faço de rogado e falo da Copa do Mundo, o que não significa, necessariamente, falar apenas de futebol. É que a Copa do Mundo é um evento tão importante, mas tão importante, que não se resume ao futebol. É muito mais que futebol.

    Na Copa do Mundo se manifestam alinhamentos geopolíticos, projetos de emancipação nacional, rivalidades e reconciliações entre nações historicamente afastadas pela guerra.

    Na Copa do Mundo, podemos perceber as tendências ideológicas internacionais, as formas de pensamento que estão se fortalecendo. E é exatamente este o meu alvo neste ensaio: as tendências ideológicas internacionais, formas de pensamento que estão em notório processo de fortalecimento.

    Pra isso, tomo aqui como objeto de reflexão o evento que na dinâmica da Copa do Mundo da Rússia foi atravessado por aquilo que estou chamando de “tendências ideológicas internacionais”: a punição imposta pela FIFA à Seleção do México por gritos homofóbicos direcionados pela torcida mexicana ao goleiro alemão Manuel Neuer.

    O evento demonstra claramente que o mundo está mudando, que práticas até então aceitas como naturais não estão mais sendo toleradas.

    Essa mudança pode ser lida, pelo menos, de duas maneiras: aqueles que defendem a punição imposta à torcida mexicana afirmam que a homofobia é um preconceito que deve ser combatido em todos os lugares, até mesmo nas praças esportivas. Por outro lado, há os que interpretam as críticas como exageradas, o famoso “mimimi”, termo pra lá de conhecido por todos nós.

    Em uma discussão que é bastante complexa, tento tomar o caminho do meio, me situando entre os dois extremos.

    Se o combate à homofobia e a outros formatos de preconceitos é fundamental para o aprimoramento dos valores democráticos, a disciplinarização e o controle do comportamento que esse combate exige pode se desdobrar numa narrativa de colonização e de silenciamento de vozes periféricas que por ventura não se enquadrem no modelo civilizatório considerado adequado.

    O grande desafio, acredito, é a delimitação de uma fronteira capaz de distinguir o combate ao preconceito do policiamento do comportamento e da colonização.

    Pra isso, é fundamental compreender quais práticas são, de fato, discriminatórias e ofensivas, e quais práticas têm apenas conteúdo lúdico, funcionando como ritos de socialização entre pessoas que comungam códigos específicos, muitas vezes estranhos ao decoro e à polidez tão desejados por algumas vozes ligadas aos movimentos identitários.

    É muito difícil distinguir a ofensa do ritual lúdico, até porque as fronteiras entre eles são porosas e bastante tênues. Além disso, existe uma incontornável dimensão subjetiva que condiciona a percepção da discriminação e da ofensa.

    Aquilo que ofende você, leitor e leitora, não é o que me ofende, e vice-versa.

    Mas como estamos tratando de um tema público, coletivo, é necessária a invenção de algum critério que torne a discussão possível, para além das subjetividades e da fulanização.

    Lá vai a minha proposta:

    Considero práticas de ofensa e discriminação aquelas que desqualificam o outro pelo que ele é, pela sua condição de existência. Considero práticas lúdicas pertencentes ao repertório da cultura popular aquelas não têm o objetivo prioritário de desqualificar o outro, mas, sim, de sedimentar valores e identidades dentro de uma comunidade.

    Todo o argumento que desenvolvo daqui pra frente parte dessa premissa. Se o leitor e a leitora não concordam com a tipologia, talvez seja mais prudente interromper a leitura por aqui. Não vale ficar se aborrecendo na internet. A vida já está tão difícil…

    Acompanhado dessa tipologia, afirmo que o coro entoado pela torcida mexicana não é uma prática de ofensa e discriminação, mas, sim, um ritual tradicional que já há muito tempo tem lugar nos estádios mexicanos.

    No México, em uma partida de futebol, lá pelas tantas a torcida grita “Puuuutooo” para o goleiro adversário.

    O adjetivo tem, sim, conotação homofóbica, mas seu uso não é necessariamente homofóbico, pois pouco importa a orientação homossexual do goleiro adversário. Todo aquele que estiver ocupando aquela posição (goleiro adversário) será chamado de “puto”, independente de qualquer coisa.

    O grito, então, não tem o objetivo de desqualificar a condição de existência daquele sujeito, mas, sim, sua situação temporária: a de estar guardando a meta adversária.

    Para fins de comparação, tomemos uma prática de discriminação que, infelizmente, é recorrente em estádios de futebol pelo mundo afora: o racismo.

    Diferente do coro mexicano, a prática racista, seja no samba, no Carnaval, no forró ou no futebol, sempre é direcionada à pessoa negra, no sentido de desqualificá-la pela sua condição racial. O mesmo acontece com a misoginia: a ofendida será sempre a mulher, independente de qualquer coisa. Também esse é o caso da agressão homofóbica.

    Uma pessoa branca jamais sofrerá racismo, assim como um homem jamais será vítima de uma ofensa misógina, assim como um homem heteronormativo jamais será vítima de uma agressão homofóbica.

    Repito, com o risco da redundância e com a busca pela clareza que tema tão espinhoso exige: racismo, misoginia e agressão homofóbica são práticas execráveis em quaisquer circunstâncias e devem ser criminalizadas, independente da classe social do agressor.

    O coro mexicano não se enquadra em nenhuma dessas categorias, pois é regulado por outra lógica, por uma lógica de socialização. É uma manifestação lúdica, é jogo social, tem regras próprias.

    Um exemplo para ilustrar:

    Quando brinco com um amigo tricolor depois de um Fla x Flu, não estou mirando na condição de gênero dele, tampouco preocupado com suas práticas sexuais. Estou, tão somente exercitando um rito de socialização, de encontro, que envolve dois personagens que já pactuaram as regras.

    O leitor e a leitora, talvez com os narizes torcidos e algo irritados a esta altura, podem argumentar que, independentemente de qualquer coisa, esse rito de socialização está equivocado, pois sugere que a condição homossexual é risível, é objeto de piada.

    O leitor e a leitora estarão certos em pensar assim. Não nego, de forma alguma, que há alguma dimensão preconceituosa nesse tipo de ritual lúdico.

    Se formos capazes de ultrapassar a barreira da avaliação moral, perceberemos a importância desse tipo de ritual para uma parcela da sociedade grande o suficiente para ser ignorada.

    Aí, o leitor e a leitora, treplicando, poderiam dizer: “Então, vamos ensinar o correto para essas pessoas”.

    O ímpeto colonizador está aqui, na sugestão de que tudo que essas pessoas sabem, tudo que elas acreditam, está, simplesmente, equivocado. Essas pessoas precisariam das luzes dos iniciados, precisariam de uma intervenção civilizatória.

    Todos sabemos onde esse tipo de “boa vontade” pode chegar.

    Além disso tudo, há outro aspectos, referentes ao cálculo político: uma democracia nos coloca diante do desafio e da necessidade de dialogar e conviver com os valores da maioria.

    Ou em outras palavras, pra finalizar e pra tentar esclarecer ainda mais o meu ponto: não é possível, simplesmente, passar como um rolo compressor por cima das visões e dos valores compartilhados há muito tempo. É claro que a prática pedagógica é urgente e necessária, mas ela precisa partir de algo, negociar com um “já existente”.

    Como demonstraram as eleições cariocas de 2016 e as intenções de voto para as eleições que provavelmente acontecerão em outubro, existe no espectro político brasileiro toda a sorte de proto-fascismos dispostos a se apresentarem como “defensores da tradição”.

    Não se constrói um mundo novo definindo como “errada” a forma como as pessoas pensam e agem, não na democracia.

    É necessária alguma negociação, com alguns valores compartilhadas por aquilo que, na falta de um termo melhor, chamo de “cultura popular”.

    No mundo novo que se quer construir terá que sobrar algum espaço para comportamentos considerados inadequados. É menos pior que esses comportamentos sejam restritos à praça esportiva, à catarse futebolística.

    Se não existir esse espaço, se não existir alguma tolerância com o inadequado, esse mundo novo não será construído e o que virá será ainda pior do que aquilo que temos hoje.