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Categoria: Artigo

  • É possível um elo entre Mariana e Paris?

    É possível um elo entre Mariana e Paris?

    Quando cheguei a uma certa idade comecei a fazer uma retrospectiva histórica, filosófica e sociológica do Brasil e do mundo, mais detidamente durante as décadas que vivi.

    Óbvio, para mim, pelo menos, que principalmente a partir do fim da 2ª guerra mundial, com a disputa pela hegemonia no poder por Estados Unidos e União Soviética, o mundo começou a mudar e a se tornar no que é hoje.

    Os Estados Unidos, para se impor ao bloco soviético, foram às últimas consequências para demonstrar que o sonho americano, o american way of life, o país livre, eram muito superiores ao que o comunismo pregava.

    E realmente eram. Pelo menos do jeito que as coisas estavam acontecendo.

    A publicidade extrapolou todos os limites ao explicitar ao bloco ocidental que, se as pessoas não consumissem sem parar, não contribuiriam para a manutenção do sistema.

    A exploração de recursos naturais se impôs, uma vez que havia a necessidade de suprir a indústria de matéria-prima.

    A proliferação de produtos eletro-eletrônicos exigiu a construção de mais e mais usinas, sejam elas hidráulicas, que destroem o meio ambiente ao redor, sejam elas termoelétricas, que poluem a atmosfera, ou nucleares que podem causar grande contaminação, como Chernobyl ou Fukushima.

    A obsolescência programada pelas empresas fez com que as pessoas trocassem seus produtos por outros assim que modelos novos fossem sendo lançados ou assim que os “antigos’’ com mais de um ano de fabricação começassem a quebrar sem que o conserto fosse a opção mais econômica.

    A Educação deixou de priorizar a produção de conhecimento, a pesquisa científica e o pensamento intelectual. Criou-se um funil destinado a selecionar somente aqueles que fossem capazes de ser úteis à manutenção do sistema. Aqueles que jamais perderiam seu tempo em reflexões acerca das conjunturas humanas, sociológicas, econômicas, filosóficas ou históricas, mas sim, o canalizariam em 100% para o crescimento das empresas em que trabalham.

    Afinal, era prioritário que eles galgassem cargos mais altos nas empresas.

    Aqueles que não passavam no funil ou que nem mesmo a chance tiveram de passar por ele, eram obrigados a viver suas vidas também de forma a alimentar o sistema, mas de outra forma. Seriam a mão-de-obra mais pesada das empresas, sempre nos postos inferiores.

    Outros seriam excluídos totalmente por terem nascido em lares muito pobres e desestruturados, não tendo a chance nem sequer de pensar em entrar para o sistema. São os miseráveis hereditários do mundo, que nem sabem por que estão aqui. Muitos não veem outra opção para sobreviver senão entrar para o crime, que pode lhes garantir, pelo menos por algum tempo, a ilusão de viver como os do andar de cima.

    A guerra fria acabou, mas o american way of life prosseguiu cavando o mundo cada vez mais avidamente, afinal, para alimentar o sistema e aumentar os lucros era imperativo extrair dele o máximo que se pudesse.

    Marx previu tudo isso e mais, mas não vamos falar dele sob pena de que o texto seja acusado de comunista, muito em voga nos dias de hoje, certo?

    Chegamos aos dias de hoje em que 1% da população mundial detém 50% de toda riqueza.

    Como riqueza não se cria, apenas se transfere (numa adaptação livre de Lavoisier), não há como melhorar a vida dos restantes 99% sem melhorar a distribuição dessa riqueza. Mas esquece, isso não será feito. Thomas Piketty falou sobre isso em seu livro “O capital no século 21”.

    Então o sistema criou uma casta de deuses que domina o mundo e uma multidão de simples fiéis. Alguns não serão fiéis, como se verá adiante.

    Para aumentar os lucros os deuses tudo podem.

    Pausa para uma história verídica.

    Na década de 1970 a Ford americana lançou um automóvel chamado Ford Pinto, alguém se lembra?

    Pois bem, o Ford Pinto tinha um erro de projeto. O tanque de combustível fora colocado atrás, muito próximo ao para-choques, o que fazia com que a cada colisão traseira, o tanque explodisse matando ou mutilando seus ocupantes.

    A Ford foi processada por alguns familiares de vítimas.

    Durante o julgamento, apareceu um memorando interno dando conta de um cálculo que a empresa fez.

    Nesse cálculo, estimava-se que o custo para reparar o erro seria de 11 dólares por veículo.

    A Ford estimou que, caso um certo número de vítimas a processasse e ganhasse, ainda assim seria mais barato manter o carro do mesmo jeito.

    Chegamos a um ponto na História da humanidade em que a busca do lucro se sobrepõe facilmente à vida.

    Por décadas esse sistema se infiltrou no nosso DNA, de forma que contestá-lo se torna heresia nos dias de hoje. Ao que tudo indica, vamos até o fim com ele, como o sapo que morre ao ser cozido lentamente na panela, quando teve oportunidade de sair. Sinto tristeza em ver que o mundo ocidental foi tomado por essa ideologia da qual não consegue escapar.

    Tudo isso que foi escrito se destina a tentar explicar os acontecimentos de Mariana e de Paris.

    Mariana

    Em Mariana, subdistrito de Bento Rodrigues, o que aconteceu foi uma busca incessante por lucros em detrimento da segurança.

    Burlas em laudos técnicos, fraudes, corrupção de agentes vistores e de governadores, tudo isso faz parte da rotina de uma grande empresa que só se preocupa com lucros.

    Nenhuma barragem, obra de engenharia que deve ser bastante segura em seu projeto, se rompe da noite para o dia sem dar sinais antes.

    Os sinais podem ter sido vários, desde fissuras no concreto até estalos bem altos.

    A tragédia foi anunciada, mas ignorada, em nome de se obter maiores lucros pois a interrupção de funcionamento para reparos e manutenção teria custos.

    Indo para Paris

    Em 2013, apareceu o grupo auto-intitulado “Estado Islâmico”, o EI, com a pretensão de derrubar o regime de Bashar al-Assad, presidente da Síria. Barack Obama rapidamente, informado pela CIA, enxergou a possibilidade de ajudar o grupo na defenestração de Bashar al-Assad, para pretensamente colaborar para a instauração de um “governo democrático” no país, que lhe possibilitasse usufruir do petróleo ali existente.

    Para não dar na vista, Obama divulgou à mídia que iria combater o EI. Pelo contrário, as armas que o grupo emprega são de fabricação norte-americana.

    O grupo só fez crescer.

    Quem se agregou ao grupo? Sim, os excluídos de vários países do mundo que viram em sua adesão ao EI uma oportunidade de fazer alguma coisa de suas vidas sem espaço no sistema em que vivem.

    Vimos ingleses, franceses a até americanos ingressarem voluntariamente no EI.

    A Rússia decidiu intervir e vem abrindo baixas significativas no EI. Obama não gostou.

    Provavelmente em pouco tempo a Rússia consiga acabar com o Estado Islâmico.

    O que aconteceu em Paris talvez seja um canto de cisne para o grupo.

    Porém, o que aprendemos das lições passadas nos últimos dias?

    Nada.

    O mundo continuará a prosseguir na mesma trilha equivocada em que está, a fraternidade universal não será alcançada, outros “acidentes’’ ambientais ocorrerão, novos grupos de excluídos e inconformados surgirão e a humanidade está com seus dias, talvez décadas, contadas.

    Alguém acha que sou muito pessimista, ou apenas realista?

    Não há a mínima possibilidade de mudança.

    Os deuses são como aquelas pessoas que tem carros blindados e que vivem em condomínios cercados por segurança extrema.

    Desde que tenham sua própria segurança, que acabe o mundo ao redor.

    Abre-se mais uma champanhe.


  • #AgoraÉqueSãoElas!

    #AgoraÉqueSãoElas!

    As mulheres demonstraram nos últimos dias um protagonismo inquestionável na luta contra os ataques de Eduardo Cunha. O vigor deste movimento animou a iniciativa #AgoraÉqueSãoElas. Por isso, o espaço desta coluna será hoje ocupado por quatro militantes sem-teto, de diferentes Estados do país. Com a palavra Sylvia Malatesta, Natalia Szermeta, Ana Paula Perles e Claudia Favaro, militantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e da Frente Povo Sem Medo.

    “Desta vez, o grito feminino que saltou da goela de milhares de mulheres brasileiras ecoou nas grandes avenidas do país como um som de liberdade, de ruptura e de força. Ocupamos as ruas com nossos corpos vestidos ou despidos, com nossa fina voz e com nosso ventre!

    A tirania, que se sustenta nos resquícios arcaicos do período imperial, tremeu! A velha frase “A libertação da mulher é condição fundamental para a libertação da humanidade!” deixou de ser ‘delírio feminista’ e passou a estar na pauta do dia!

    Simone de Beauvoir (1908–1986) foi a bruxa da vez, levando a santa Inquisição a se manifestar direto do plenário na Câmara de Campinas: Campos Filho, vereador campinense, verbalizou que “é uma iniciativa demoníaca (do MEC). Por que eles estão querendo empurrar goela abaixo das pessoas quando se coloca uma situação como dessas na prova do Enem”.

    Por ironia, o sujeito faz parte de um partido cuja sigla é DEM. E, pasmem, a moção que pede a anulação da questão do Enem que cita a filósofa Simone de Beauvoir, foi aprovada e encaminhada para o MEC!

    Na mesma semana, belas manifestações tomaram as ruas do país em reação às absurdas movimentações que estão ocorrendo no Congresso Nacional. Eduardo Cunha não tem freio, ele é incansável. Quando o tema em questão é revanche, vingança ou abuso de poder, ele está lá, pronto a desafiar os direitos sociais e civis.

    As manifestações são também um grito de que é inaceitável a passividade, quando virou rotina a manifestação de pensamentos retrógrados, desrespeitosos e criminosos contra as mulheres. Não ficaremos caladas assistindo a uma sociedade que caminha a passos largos para a naturalização do horror, da pedofilia e do sexismo!

    Estamos nas ruas em defesa das milhares de meninas assediadas, das presidiárias que dão vida a seres humanos de cócoras no cárcere, das mulheres mutiladas, assassinadas, das que se suicidaram e das que ainda suspiram!

    Os ataques são uma verdadeira artilharia de retrocessos: o PL 5069/2013, que proíbe a venda da pílula contraceptiva do dia seguinte e obriga passar no IML antes de ser atendida, criminalizando movimentos e organizações feministas ao proibir qualquer divulgação de informações sobre o aborto; o PL 478/2007 — Estatuto do Nascituro, que dá status de sujeito de direitos ao nascituro, impedindo qualquer caso de aborto e cria pensão obrigatória a ser paga pelo estuprador ou pelo Estado; a PEC 99/2013 que dá o direito a Associações Religiosas de propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos; o PL 7382/2010 que penaliza pessoas que discriminam heterossexuais; o PL 6583/2013, que dispõe sobre o Estatuto da família, desconsiderando as relações homoafetivas e assim descobrindo-as de direitos.

    Uma sociedade mais humana não existirá se o Estado for tirano, se as leis forem injustas, se a Constituição não garantir os direitos fundamentais, se Eduardo Cunha e sua corja não forem varridos da história!

    Resistiremos bravamente ao nosso assassinato, não aceitaremos as nocivas medidas contra a humanidade, não ficaremos recolhidas em nossos lares. A cada direito atacado, ocuparemos as ruas. O corpo é nosso, a decisão á nossa e o Estado é laico.

    Dia 8/11 daremos continuidade nesta luta em todo o país . Queremos que Eduardo Cunha seja preso, que nossos direitos sejam preservados, que nossas filhas não sejam assediadas, que os criminosos não fiquem impunes. Que todas as famílias sejam reconhecidas e tenham proteção do Estado, que todas as religiões se manifestem com a mesma liberdade, que mulheres e homens tenham o mesmo salário ocupando a mesma função. Queremos igualdade e liberdade. Lema tão antigo e, ao mesmo tempo, tão atual.

    Não sairemos das ruas!

    #AgoraÉQueSãoElas!#ForaCunha.”

     

    Foto: Mídia NINJA
  • Serra ataca novamente!

    Serra ataca novamente!

    Tramita no Senado um Projeto de Resolução que pode levar o país a anos de recessão. O relator, senador José Serra (PSDB-SP), propõe uma redução na dívida pública que pode prolongar a crise econômica por vários anos. O projeto implica enorme redução na capacidade do poder executivo de ajudar a economia a voltar crescer, de fazer investimentos e de continuar os programas para a redução das desigualdades sociais. É imperativo que tenhamos uma ampla discussão e participação do Executivo para uma mudança desse porte. Várias personalidades lançaram um abaixo-assinado com um manifesto: Contra o golpe fiscal na democracia brasileira.

    Por César Locatelli, especial para os Jornalistas Livres

    Como não conseguimos chegar ao poder pelo voto popular, temos de reduzir o poder da presidência.” Esse parece ser o mote de certos personagens de nossa cena política que, de modo similar aos vilões de contos de aventura, passam o tempo a entabular modos “heterodoxos” de vencer. No formato mais espalhafatoso estão tentativas de incriminar e impedir a presidenta; no formato mais dissimulado estão mudanças nas leis para manietá-la. O senador paulista José Serra relata um Projeto de Resolução do Senado que pode ser classificado nesse segundo caso e que, se aprovado, limitará fortemente a ação dos presidentes da República, atual e próximos.

    O atual Projeto de Resolução do Senado começou em 2000, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso encaminhou ao Senado uma proposta para se estabelecer limites para a dívida consolidada da União, Estados e Municípios. A parte relativa à União não foi apreciada e, portanto, foi arquivada. No início desse ano, o senador paulista solicitou o desarquivamento do projeto e tornou-se seu relator na Comissão de Assuntos Econômicos. Trata-se do Projeto de Resolução do Senado de número 84/2007.

    Antes de continuar, precisamos entender três conceitos técnicos usados na contas públicas.

    1. Ao longo do tempo, quando o governo brasileiro não conseguia arrecadar o suficiente para pagar despesas e investimentos, ele tomava dinheiro emprestado dos bancos, das pessoas e das empresas. Se somarmos tudo o que o governo devia, em agosto de 2015, chegamos a R$ 3,8 trilhões. Esse valor é chamado de dívida consolidada da União. É um valor alto, mas vejamos que tudo que o Brasil produz em um ano, que é o PIB, está próximo de R$ 5,7 trilhões. Então, a dívida consolidada da União está perto de 66% do PIB. Há países que têm dívidas muito maiores. Todos os desenvolvidos, por exemplo, têm dívidas, relativas ao PIB, maiores que o Brasil.

    Entendeu o que é dívida consolidada da União?

    2. Continuando. Se desse valor (R$ 3,8 tri) subtrairmos tudo que o governo federal tem a receber resulta na chamada dívida consolidada líquida da União, em outras palavras, é tudo que o governo deve menos o que tem em caixa e a receber. Em agosto, a dívida consolidada líquida era de R$ 1,5 trilhão. Percebemos, então, que a União tem direitos a receber no valor aproximado de R$ 2,3 trilhões, que somando a dívida consolidada líquida (R$ 1,5 trilhão), resulta na dívida consolidada ( R$ 3,8 trilhões).

    Falta só mais um conceito.

    3. Agora vamos olhar os recursos que o governo recebe. Somando tudo que o governo federal recebeu durante os 12 meses, de setembro de 2014 até agosto de 2015, temos o valor de R$ 657 bilhões. Essas são as a receitas correntes líquidas, a soma de tudo que a União recebe regularmente.

    Essas explicações são importantes porque o senador não está propondo valores limites, mas limites na relação entre o que o governo deve e o que recebe. Esse modelo é semelhante a limitarmos a dívida de uma pessoa em relação ao salário: se ganha mais pode endividar-se mais, se ganha menos pode endividar-se menos. O limite é uma relação entre salário e dívida. No caso do governo o limite é uma relação entre a dívida e as receitas.

    Bem, voltemos ao projeto de resolução do senado.

    O senador propõe um limite para a dívida consolidada, que inclui todas as obrigações financeiras da União, e para a dívida consolidada líquida, que é a dívida consolidada deduzidas as disponibilidades de caixa, aplicações financeiras e outros ativos financeiros. Ele não propõe um valor fixo, mas sim uma relação entre as receitas correntes líquidas, aqueles valores que entram regularmente para o caixa do Tesouro no período de um ano, e os montantes de dívida.

    Sua proposta é que a dívida consolidada (DC) seja limitada a 4,4 vezes a receita corrente líquida (RCL) e que a dívida consolidada líquida (DCL) não exceda a 2,2 vezes as receitas correntes líquidas. Usando novamente a comparação com o salário: o valor máximo que uma pessoa poderia tomar emprestado seria 4,4 vezes o salário do ano.

    Há, porém, uma regra de transição para os primeiros cinco anos, quando os limites são mais largos: nesse período a relação DC sobre RCL pode ser 7,1 e a DCL/RCL pode ser 3,8.

    Para fazermos uma comparação, podemos pegar os valores do relatório de Gestão Fiscal do Poder Executivo do segundo quadrimestre de 2015. A relação dívida consolidada e receitas correntes líquidas estava em 5,81 vezes e a dívida consolidada líquida dividida pela receitas consolidadas líquidas estava em 2,22 vezes.

    O que isso quer dizer? Primeiro que a dívida bruta hoje equivale a quase 6 vezes as receitas de um ano da União. Em segundo lugar, significa que se abatermos da dívida outros valores que a União tem a seu favor, chegaríamos à dívida consolidada líquida que vale 2,22 vezes as receitas de um ano da União.

    Se compararmos com os limites dos primeiros 5 anos, os valores de hoje estariam aprovados e dentro dos limites. O grande problema começa quando a União precisar se enquadrar e baixar a relação para 4,4 vezes. Grosso modo, a dívida deverá cair, do nível de agosto, R$ 1 trilhão de reais em 10 anos, ou, R$ 100 bilhões por ano durante dez anos. Imaginou? Veja o esforço de hoje para economizar muito menos do que isso, feito neste ano de 2015, e as consequências a que estamos assistindo.

    Não seria exagerado dizer que, se fosse hoje, com o comércio internacional deprimido, poderíamos ter 10 anos de recessão!!!

    Tem ficado bastante evidente uma divisão de opiniões entre os brasileiros quanto à crença na política para a solução dos nossos problemas. De um lado, está o grupo que julga que todos os políticos visam somente seus próprios interesses e, assim, quando menor seu poder, melhor. De outro lado, estão aqueles que acreditam que somente através da política será possível limitar o poder econômico e diminuir a desigualdade sócio-econômica no país. Os primeiros apoiarão a limitação de recursos disponíveis para o executivo federal realizar suas políticas. Os segundos enxergarão nesse projeto uma tentativa de enfraquecer os governantes eleitos pelo povo e inviabilizar as políticas sociais em curso.

    Toda vez que se aperta demais o controle das contas do governo quem mais sofre são os mais pobres: arrocho fiscal drástico corta gastos sociais e gera recessão que, por sua vez, gera desemprego.

    Vários intelectuais estão coletando assinaturas de apoio através do manifesto: Contra o golpe fiscal na democracia brasileira. Afirmam que: “um projeto de resolução do Senado Federal (PRS nº 84/2007), da maior gravidade para a democracia brasileira, pode ser aprovado brevemente, sem qualquer debate público. O senador José Serra é o responsável por emenda a esse projeto que pretende definir limites draconianos para a dívida pública da União, de modo a forçar a obtenção de superávit fiscais primários em torno de 3% do PIB por vários anos.”

    Advertem, ainda, que: “tamanha irresponsabilidade não pode resultar de um simples projeto de resolução que não será discutido pela Câmara dos Deputados nem poderá ser vetado pela Presidência da República, e que não foi sequer debatido pela sociedade brasileira. É urgente realizar esse debate para evitar a tragédia anunciada.”

    A questão não é se devemos ser fiscalmente responsáveis ou não. Nem, tampouco, se devemos ou não ter limites. A questão é que, sem a devida discussão sobre esse tema, podemos estar criando um monstro. Como os vilões das aventuras fazem.

    O Projeto de Resolução está no endereço: (http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/83503

    O relatório de Gestão Fiscal do 2o. quadrimestre de 2015 está em:http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/352657/RGF2Q2015.pdf/3429fcd1-5785-4e09-96d5-22831d054931

    O abaixo-assinado está em: http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR85783

  • Em defesa dos moradores de rua, em defesa dos nossos refugiados urbanos!

    Em defesa dos moradores de rua, em defesa dos nossos refugiados urbanos!

    Por Padre Julio Lancellotti, especial para os Jornalistas Livres

    Neste ano, tem aumentado em muito os ataques da Polícia Militar à população de rua em São Paulo. Muitos já foram os confrontos em remoções, como as ocorridas na Cracolândia da Luz, na região do viaduto Bresser e Alcântara Machado. Em todos esses locais, verificaram-se ataques da Tropa de Choque, bombas de gás e efeito moral, repressão e violência com prisões e tumultos .

    O que tem agravado é a violência cotidiana do “rapa”, operado pelas sub-prefeituras, com a GCM (Guarda Civil Metropolitana) e PM coligadas. Mas a repressão contou também com a Força Tática da PM, que tem atuado de maneira truculenta e abusiva nas áreas de concentração da população de rua .

    A população de rua na cidade de S.Paulo é alvo da PM, da GCM e das sub-prefeituras, na chamada zeladoria urbana, dos seguranças privados e dos seguranças clandestinos. É por isso que hoje em dia é possível dizer que a população de rua vive em condições análogas às de REFUGIADOS URBANOS .

    Expulsa de todos os lugares, tratada com violência pela segurança pública , suspeita e rejeitada pelos Consegs (Conselhos de Segurança ditos Comunitários), essa população de rua sobrevive e resiste, sofre e chora — abandonada e humilhada.

    A vida do povo de rua é pública, devassada e muitos são seus juízes e algoses .

    Nos últimos 15 dias, tenho estado presente em ações da sub-prefeitura juntamente com PM e GCM, nas remoções de grupos de rua no Belém e na Mooca.

    O rapa das sub-prefeituras arranca o pouco que esses refugiados urbanos têm: remédios, documentos, roupas, cobertas, colchões, alimentos — tudo feito com requintes de crueldade. Em tais operações, além dos veículos da Prefeitura estão viaturas da GCM e da PM e os caminhões e funcionários da INOVA ,empresa contratada pela prefeitura para a limpeza pública. Nunca vi representantes da Assistência Social.

    O tratamento cruel e desumano é a prática. Desde arrancar cobertas de quem está dormindo, descobrir mulheres, insultar e provocar .

    Nos baixos do viaduto Guadalajara, um PM queria saber:

    “Quem é você ? dirigindo-se a mim. E o que está fazendo aqui ?”

    Respondi:

    “Sou o padre Júlio da Pastoral de Rua.”

    Então, ele me encarou e gritou, em tom desafiador:

    “E daí ?? Tudo vai ser retirado mesmo!”

    O Capitão logo chegou, perguntando o que havia ocorrido. Disse que o PM era comandado seu. Quando perguntei se ia tomar alguma providência, o oficial levantou o dedo em riste e em tom ameaçador vociferou :

    “Não vou fazer nada! Te conheço muito bem!”

    Na Bresser, também , as ações da Força Tática são diárias. Nesta sexta-feira, logo após a minha visita, chegou a viatura da PM. Avisaram-me e voltei. Encontrei dois PMs dando geral e intimidando os moradores, crianças chorando e mulheres acuadas. Todos calados e paralisados de medo.

    Logo percebi que um morador do local não estava mais por ali e comecei a andar entre os barracos. Notificados os PMs de que eu estava em busca desse morador, o morador apareceu. Estava sendo torturado dentro de uma barraco — os PMs queriam que ele apontasse os traficantes e onde estava a droga .

    Novamente incomodados com a minha presença, os PMs perguntaram-me:

    “Quem é você? O que faz aqui?”

    Respondi:

    “Sou o padre Júlio da Pastoral de rua.”

    Furiosos, me perguntaram:

    “Você é auxiliar dos traficantes?”

    Quiseram meu documento de identificação e anotaram meu RG. Um dos PMs pisava nos pés dos que estavam sendo averiguados, e dizia:

    “Vocês estão no seguro do padre?”

    Perguntas para humilhar, pois sempre dizem:

    “Vocês são da turma do padre? Pode chamá-lo. Avisa o padre!”

    Um deles me chamou a atenção, pois, durante todo o tempo, falava ao celular e dizia:

    “O padre tá aqui!”

    Depois de muito tempo foram embora contrariados. O morador de rua que tinha sido torturado no barraco vomitou e desfaleceu .

    O sofrimento deste povo é demais. Vê-los pisados pelas botas da PM é uma situação que clama por Justiça!

    Justiça que não virá pela Corregedoria, por identificação dos agressores e das vítimas, pelas secretarias de Segurança Pública, de Direitos Humanos, de Coordenação das Sub Prefeituras, pela Assistência Social, pelo comando da PM, pelo Ministério Público e pela Defensoria, pois todos sabem muito bem o que acontece e as propostas burocratizadas nunca chegam na calçada.

    Todos temos que cobrar e exigir que a violência do Estado cesse e nos manifestarmos solidários aos mais fracos estando ao lado deles e ecoando a sua dor .

    PS: Depois da polêmica envolvendo o governo paulista, a prefeitura de São Paulo decretou o sigilo de uma série de informações da GCM (Guarda Civil Metropolitana), como por exemplo o sigilo das imagens das câmeras da GCM. Querem esconder o quê? A truculência da GCM contra os moradores de rua? A covardia do rapa? As ações violentas da PM? As remoções? Os acertos do poder público com os traficantes? As propinas pagas para os agentes de segurança? Como age o crime organizado? O serviço reservado da PM e da GCM infiltrado nas manifestações? O submundo da cidade nas madrugadas? O extermínio que acontece nas quebradas? O crime organizado com participação de agentes públicos?

    A proibição foi conhecida a partir do pedido de imagens sobre a Cracolândia , o que o poder público esconde embaixo dos Braços Abertos e do Recomeço que a cidade não pode conhecer !

  • Ser professor

    Ser professor

    Por Alexandre Linares, especial para os Jornalistas Livres

    É acordar cedo. É Fazer diário. É estudar e estudar. É Pensar. É corrigir e ler, ler e ler. É ter alunos de todos os tipos. É empurrar alunos para o mar de dúvidas necessárias para o conhecimento. É ficar de pé muito tempo. Escrever na lousa. É fazer os alunos ficarem acordados. É tomar muito café com os colegas professores. É explicar a importância da mexerica. É fazer greve. É fazer faixas e plaquinhas para os atos de greve. É ficar sem aumento salarial. É lutar para que os alunos vão bem no ENEM. É ensinar alunos adolescentes como é importante ler com atenção. É forçar que aprendam a escrever para serem compreendidos. É fazer pensar. É fazer criticar. É fazer. É fazer protesto. É lembrar dos amigos e amigas que ajudaram você a se formar. É se emocionar com alunos entrando na universidade. É se emocionar mais ainda com ex-alunos se formando em universidades. É agradecer aos amigos que lhe ajudaram a ser professor (aquela aula teste!). É fazer parte dos sindicatos (Sinpro-ABC e Apeoesp Sudeste-Centro). É ir nas reuniões é fazer a luta contínua em defesa da educação. É ficar mais de 200 dias sem reajuste salarial enquanto o custo de vida come nossa renda. É confiar nos alunos. É ajudar a despertar os líderes dentro dos alunos. É ficar triste com erros. É ficar feliz com os acertos. É buscar dar coragem àqueles que tem dúvidas. É ficar firme na defesa da escola. É tanta coisa.

    É lembrar de cada um de nossos professores e professoras que passaram em minha vida: E.E. Branca de Castro, E.E. André Dreyfuss, E.E. Prof. Américo de Moura (EEPAM) , ETE Rocha Mendes, EMEPSG Rubens Paiva, Fatec-SP, Cursinho Universitário e Fundação Santo André.

    É defender o emprego de nossos colegas (no caso do Sistema S, Paulo Skaf está fazendo terrorismo!).

    É defender as escolas (Geraldo Alckmin que busca fechar 150 escolas além de desorganizar dezenas de outras escolas).

    É ter convicção na luta, aprendendo com as gerações anteriores.

    É ter fé no futuro, nos jovens estudantes que vão para rua para defender as escolas.

    É duro ser professor. Mas vale a pena.
    PARABÉNS meus amigos e amigas professores!
    ESTAMOS JUNTOS! A NOSSA LUTA CONTINUA!

  • Hoje eu quase fui agredida por um homem dentro do ônibus

    Hoje eu quase fui agredida por um homem dentro do ônibus

    Estava indo para o trabalho. Sentei na parte da frente para ter mais tempo no bilhete único. Um senhor já idoso estava conversando com a cobradora, e falava já várias coisas ofensivas para mulheres: falava mal de ruivas, de loiras, falava que não existe mulher feia depois de umas doses de álcool (e que foi assim que suportou beijar uma “negrinha”). A certa altura, defendendo a intervenção internacional no Brasil (!!), chamou a Dilma de vagabunda. Eu me levantei para girar a catraca e disse bem calma:

    “Senhor, não chame a Dilma de vagabunda. Nenhuma mulher, nem mesmo a presidenta, deve ser chamada de vagabunda porque esse xingamento ofende todas as mulheres. O transporte é público e você não tem o direito de falar essas coisas aqui.”

    Ele ficou puto, se levantou e pulou sobre mim, ficou muito perto mesmo, questão de milímetros. Disse, aos berros, que eu não entendia nada, que ele só estava falando da vagabunda da Dilma e não de todas as mulheres, que ele tinha sido preso na ditadura e tinha o direito de agir como quisesse e me ameaçou. Ali, com o corpo a milímetros do meu, disse que se eu falasse mais alguma coisa, ELE IRIA ME ENFORCAR DENTRO DO ÔNIBUS.

    Eu dizia que ele não iria encostar a mão em mim; ele vinha mais pra cima, morrendo de ódio. Qualquer coisa horrível podia ter acontecido se uma mulher (claro, uma mulher!) não tivesse entrado no meio, parado ele, gritando para ele me deixar em paz, e reforçando que chamar a Dilma e qualquer outra mulher de vagabunda é errado sim. Ela me protegeu enquanto eu passava a catraca e ele, do outro lado, gritava para o ônibus inteiro ouvir que eu, se defendo a Dilma, sou vagabunda também, que sou uma cretina, que sou loira (!!!) e que falo tanta merda que deveria enfiar um penico na cabeça. Isso tudo depois de ter me ameaçado enforcamento. Eu ia respondendo como dava, sem xingamentos, sem apelação, com algumas mulheres ao meu redor.

    Ele desceu no ponto seguinte e a sorte é que o ônibus estava cheio de mulheres, que então passaram o resto do caminho falando que sim, ele estava ofendendo as mulheres há muito tempo, que era um homem muito violento, que não se deve chamar de vagabunda porque nos ofende sim, e ainda rindo muito porque ele me xingou de loira. Uma delas disse “se meu marido estivesse aqui, já teria acabado com ele”, e eu respondi que não precisava, que as mulheres juntas davam seus jeitos.

    Ainda aproveitei e falei “tá vendo, gente, é por isso que a gente precisa do feminismo”. As mulheres do meu lado falaram que sim, precisamos mesmo.

    O ódio misógino assusta e não tenho vergonha de dizer que tremi muito de medo. Mas quando tem mulheres por perto pra nos proteger, garantir que a gente não vá se machucar, fica bem mais fácil. Fica bem mais fácil não se manter em silêncio quando outras mulheres estão por perto.

    É por essas e outras que a gente costuma dizer que seguiremos em marcha até que todas sejamos livres. Porque esse mundo, com homens violentos assim, não dá para nenhuma mulher. E precisa mudar.