O carnaval é o momento em que o lúdico é a meta. A métrica é ousar e ser ousado, extrapolar os limites pré-estabelecidos pela sociedade. No picadeiro da folia tudo pode e tudo é permitido.
Assim pensam os milhões de foliões por aí afora. Que no gozo da festa se deixam levar por todo seu inconsciente reprimido e transformam os quatro dias de folia em uma grande oportunidade para expor seus desejos e posicionamentos de mundo que durante meses ficam guardados na caixinha do “agora não, espera o carnaval, pois lá tudo é permitido”.
As vestes coloridas, os pierrôs, arlequinais, se juntam a fantasias de presidiários, de super-heróis e de máscaras de figuras públicas acusadas ou apenas denunciadas, no país da judicialização da política.
Esta semana tivemos mais um episódio do Brasil cordialmente responsável, que acredita no mito da democracia racial. Capítulo de hoje: a blogueira Tata Estaniecki mostrou sua verdadeira face ao postar uma foto em suas redes sociais com uma máscara em “homenagem aos escravos”, para ir ao baile de carnaval de uma marca de roupa.
Máscara esta que é inspirada na Máscara de Flandres, que tinha como objetivo impedir a ingestão de alimentos ou bebidas por parte dos escravos. Ou seja, mais um instrumento de mutilação humana contra um povo que era açoitado pelo simples fato de existir. Negros e negras eram apenas uma coisa, uma propriedade. Não podiam ter religião de matriz africana. E todo ou qualquer ato desumano contra a raça negra era normatizado.
Antes de continuar fica a pergunta: por que só vale a piada contra negros? Quem disse que o Black Face ou a Nega Maluca é engraçado para nossa população? Quem define o que é piada para a outra etnia, credo, gênero e afins?
Isso é a naturalização do escárnio.
No Carnaval tudo pode? Não. Leis devem ser cumpridas em meio à folia. O país, apesar de receber um golpe por dia e parecer uma zona, ainda tem leis e regulamentos que garantem a preservação da cultura e tradição de povos, comunidades e grupos específicos.
Lembrando que políticas públicas de ações afirmativas para povos negros, quilombolas, ciganos, comunidades tradicionais de matrizes africanas, reserva de cotas e análogos, assim como as lutas diárias da militância negra, criação de partido como Frente Favela Brasil, entidades e grupos como a Seppir, Quilombação, somados a coletivos, entidades e projetos negros, como o Aparelha Luzia, Geledés, Alma Negra, Jornal Empoderado e outras mídias negras, são todos esforços para diminuição das injustiças acometidas com a raça negra, nos âmbitos sociais e gerais. São reparos históricos às injustiças causadas pelos mesmo que antes usavam as Máscaras de Flandres e hoje ainda normalizam a piada racista.
O que fica do episódio, mais um, é que faz parte desta gente de bem que foi “educada” para acreditar e vender a ideia que com “*eles (as) pode a piada”, que a reclamação é “vitimismo” ou pior: “é coisa de preto”.
*Eles e elas aqui seriam as pessoas negras.
A blogueira precisa estudar mais sobre a cultura negra e sua luta. Pois se ela faz deliberadamente a “fantasia”, sabendo da historia da população negra, necessita urgentemente ser chamada a responder judicialmente pelo crime. Caso seja apenas ignorância e herança deste Brasil escravocrata, é aconselhado que a blogueira passe rapidamente por uma introdução da história deste povo que existe antes de a família dela existir.
Sobre aprender, compreender e respeitar a história, sugerimos a blogueira ler o livro “O que você sabe sobre a África?“. Um livro que nasceu da parceria da antiga administração do prefeito Fernando Haddad com a Secretaria Municipal de Educação (SME) e a extinta, pela atual gestão, Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR).
Neste livro a Tata Estaniecki irá fazer uma viagem pela história do continente e dos afro-brasileiros e saberá que “existe uma história dos negros e da África sem o Brasil, mas não existe uma história do Brasil sem os negros e sem a África”.
Vale lembrar para a blogueira e tantos outros que ainda acham que a “Nega maluca” ou o “blackface” é apenas uma “piada”, “adereço” ou “acessório” que isto tem nome. É racismo. E como tal toda prática racista é crime previsto na Lei 7.716.
Ainda finalizo lembrando a letra do samba “O Dia Em Que o Morro Descer e Não For Carnaval” (de Wilson das Neves e Paulo Cesar Pinheiro), que entre outras coisas pede que o povo acorde e lute pelo que acreditam, contra aqueles que os humilham e torturam. E quando o morro, favela e a periferia “descerem”, as máscaras irão cair.