Há 20 anos nascia o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto em Campinas, interior de São Paulo, e pra comemorar uma data tão importante, nada melhor do que uma festa, não é mesmo? Ontem estive no show-festa do MTST mas não encontrei o MTST.
Um grande encontro foi organizado entre sexta e sábado, em Embu das Artes, com delegações de 14 estados para trocar experiências e debater sobre a atual conjuntura política e os caminhos que o movimento deve seguir no próximo ano. O show-festa viria para encerrar com chave de ouro as comemorações pelo movimento ter conquistado pelo menos 20 mil moradias, beneficiando 80 mil pessoas, em todo o país.
O evento então começou, grandes nomes se apresentariam ao lado de bandas do próprio movimento, mas não foi isso que aconteceu. Os não-famosos se apresentaram no início do evento, naquele momento que as pessoas estão começando a chegar e comprando uma breja pra aliviar o sol escaldante. Sem surpresa alguma, uma forte chuva começou e, claro, as bandas do movimento não tinham nem 100 pessoas como público. Chuva de verão não dura muito, mas foi o suficiente pra que o show dos não-famosos terminasse sem aplausos.
O sol voltou a brilhar: alegria, festa, carnaval. No público as mesmas carinhas do Loollapalooza ou do Rock in Rio. Conversei com algumas pessoas, uma pergunta simples: “o que está acontecendo aqui hoje?” e as respostas seriam perfeitas se eu fosse o Mamãe Falei, do MBL. “show do Caetano”, “aniversário do MTST” (enquanto procurava alguma placa em volta pra ver quantos anos), “o MST trouxe o Criolo”. Um desânimo total! Então decidi trocar a pergunta: “o que é o MTST?” e, céus, por que fiz isso????? As respostas me embrulharam o estômago. “É o movimento que quer ganhar moradia do governo” – seguido da piadinha ,”aliás, preciso, viu, tá difícil morar com meus pais me controlando, acho que vou morar com eles, “ah, movimento de moradia, né”, “eles ocupam terras que ninguém usa”.
Bom, nesse momento eu já tinha percebido que o público estava mais entusiasmado em postar no Instagram uma foto da lama dos canteiros do Largo da Batata comparando com o um certo festival de música do que qualquer outra coisa. Entre uma selfie, uma ajeitada na maquiagem e um gole de cerveja, a única preocupação era como encontrar os amigos no meio da multidão.
Não consegui encontrar nenhum militante de outro estado, o que foi muito estranho porque, como já comentei, haviam 14 delegações em São Paulo.
Resolvi ir pra área do palco e reparei em algumas coisas estranhas e resolvi enumerá-las:
1) A camiseta de comemoração dos 20 anos era preta. Não vermelha, não roxa – como o MTST já fez em outras ocasiões, mas preta. E o mais curioso: nas costas estava escrito “Caetano Veloso”, como se fosse uma assessoria de imprensa.
2) Eu trabalho com midialivrismo, to acostumada a cobrir atos, manifestações e shows. Naquele ambiente não havia nenhum rosto conhecido, o lugar que antes era ocupado por trabalhadoras e trabalhadores do MTST, agora era todo de pessoas que pareciam ter sido contratadas. Poucas vezes tive problemas para acessar os locais reservados para a imprensa, mas ontem logo de cara fui barrada porque “imprensa não entra mais”. Acho que a minha cara de inconformada fez com que mudassem de ideia, mas não antes de eu ter que questionar o porquê uma mídia voluntária de esquerda não poderia entrar. Enfim, entrei mas preferia não ter entrado. Não permaneci por mais de 20 minutos naquela área.
Eu estava frustrada, não consegui conversar com o povo sobre o MTST, não consegui conversar com quem fez os shows, não consegui ver nada político, apenas carnaval.
Eu amo carnaval e eu amo festas, acho que precisamos mesmo de momentos de confraternização, mas me pergunto: não era o povo lutador do MTST que merecia comemorar? Onde estão os trabalhadores e as trabalhadoras que constroem diariamente o movimento? Onde estavam as crianças que tornam os atos tão lindos e emocionantes? O show-festa era de quem? Pra quem? Onde estava o vermelho que todo mundo carrega com orgulho no peito?
Tenho pra mim que enquanto a gente, como esquerda, ficar querendo agradar a classe média, a luta não avança. A festa do povo virou o showzinho de Pinheiros. Não tinha povo, não tinha luta, mas rendeu várias fotos ótimas nas redes sociais.
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Esse texto exprime a opinião pessoal da autora. Aqueles que tiverem opinião contrária, e quiserem contribuir com o debate, tem aqui um espaço aberto. Envie sua opinião para jornalistaslivres@gmail.com
Campinas foi palco de mais um crime brutal. Denise Neves dos Anjos, de 37 anos, foi encontrada morta na última segunda-feira, 03, com um corte de canivete no pescoço em sua casa, no bairro do Taquaral. As mãos e os pés da gerente de loja estavam amarrados com arame. O principal suspeito é o companheiro José Huilia da Silva de 46 anos, que teria cometido o crime e fugido com o filho de nove anos para Andradina, onde deixou a criança com a mãe e seguiu até uma estrada rural de Coroados, região de Araçatuba, e cometeu suicídio.
A polícia precisou quebrar os vidros do carro para ter acesso ao corpo de José. Segundo o delegado de Coroados, Paulo de Tarso, uma garrafa de água com uma substância azul foi encontrada próximo ao carro e encaminhada para o Instituto de Criminalística para análise. O laudo deve ficar pronto em dia 04 de agosto. Dentro do veículo foram encontrados documentos, um cobertor infantil, um pacote de batata frita, uma quantia próxima de R$ 400,00 e dois celulares.
O casal estava junto há 16 anos e em janeiro, Denise chegou a registrar um boletim de ocorrências contra José na Delegacia de Defesa da Mulher. Na ocasião, a mulher registrou queixa por ter sido agredida com socos e ter a cabeça empurrada contra a parede. O corpo de Denise foi encontrado pelo cunhado Adevanir da Silva que achou suspeito o comportamento do irmão ao deixar o filho com a avó. Não se sabe ainda se a criança estava presente na hora do crime.
A Polícia Civil de Coroados e o Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa de Campinas estão trabalhando para esclarecer o crime. Ninguém foi ouvido até o momento. O delegado Rui Pegolo está no comando do caso.
Denise foi enterrada em Monte Castelo, sua cidade natal, próximo à divisão com Mato Grosso do Sul.
Bilhete Único, Vale-Transporte BOM, Vale Alimentação, Vale Refeição e convênio médico. Esses são os cartões que me salvam todos os meses. Jornalista formada há pouco mais de um ano, nunca tinha trabalhado num regime de CLT. Todas as minhas experiências anteriores foram ou estágio ou contrato temporário ou como pessoa jurídica e eu já estava acostumada a reservar pelo menos metade do meu salário para gastos como alimentação e transporte.
Não gosto de usar carteira, então comprei uma capinha de celular que consigo guardar meus cartões. Durante uma festa esqueci meu celular no banheiro e encontrei 30 minutos depois. Comentei com uma amiga, desesperada, que se perdesse o celular estaria ferrada – não só pelo celular, mas principalmente pelos cartões que estavam ali dentro.
Esses benefícios que conquistei apenas no quarto local de trabalho e aos 23 anos me dão a chance de usar o salário para gastos com a minha vida pessoal e não com demandas relacionadas ao trabalho.
Durante uns quatro anos eu conseguia apenas pagar o aluguel e me manter trabalhando – pra conseguir pagar o aluguel. Meus gastos diários com alimentação e transporte chegam a R$ 37,00 (R$ 19,50 de passagens e R$ 17,50 alimentação). Em uma semana eu gastaria R$ 222,00 e em um mês, R$ 814,00.
A CLT me garante que esses gastos sejam custeados pela empresa – gastos esses que se aproximam da renda bruta da maioria das pessoas do nosso país. Segundos dados do Censo 2010, divulgados em 2015 pelo IBGE, aproximadamente 60% da população brasileira ganha um salário mínimo, R$ 937,00, como renda mensal.
Comecei a escrever isso quando voltava de uma consulta. Por curiosidade perguntei ao meu médico quanto custaria a consulta caso eu não tivesse o convênio médico e, pasmem, R$ 320,00. O convênio médico não é uma obrigação da CLT, mas é um benefício importante que as empresas usam como um diferencial atrativo para oferecer aos trabalhador.
O que Michel Temer quer fazer aprovando a Reforma Trabalhista é fazer o povo pagar para trabalhar sem garantia de nenhum direito. Destruindo a CLT, não haverá mais proteção nenhuma às trabalhadoras e aos trabalhadores. A tercerização irá retirar esses benefícios que dão a mim, e a milhares de brasileiras e brasileiros, alguma chance de ter uma vida melhor, de gastar meu dinheiro comigo e com a minha família. Isso em contar com outros benefícios como FGTS, seguro-desemprego, férias e 13º salário, todos direitos conquistados a duras penas e que oferecem amparo ao trabalhador diante das oscilações da economia e do mundo do trabalho. Temer nos fará arcar com custos que são de responsabilidade da empresa. Voltaremos a trabalhar para conseguir apenas pagar o aluguel.
O tal do “negociado sobre o legislado” que parece super difícil de entender, na verdade é bem simples. Tudo será um grande acordo entre patrões e funcionários, e nessa a gente sabe qual voz vale mais, né?
Não podemos deixar que nossos direitos, duramente conquistados, sejam retirados de forma tão autoritária por quem nunca soube que o que é contar as moedas no fim do mês. Os prejudicados não serão os engravatados, seremos nós, que enfim estávamos podendo ter uma vida um pouco melhor. Nós queremos nossos jovens estudando e não trabalhando porque os pais são obrigados a gastar uma parte significativa do salário com demandas que são das empresas.
A única forma de nos fazermos ouvir é ocupar as ruas! A gente tem que parar o Brasil porque eles querem acabar com a nossa vida e com a de nossa família!
Contra os retrocessos absurdos de Michel Temer eu paro para a Greve de sexta-feira! E você?
“[…] com certeza não é isso que vai me fazer parar, porque eu não brigo por espaços, eu brigo por fé na emancipação.” – Aline Anaya
Centenas de mulheres participaram, no Centro de São Paulo, da 15ª Caminhada das Mulheres Lésbicas e Bissexuais. Com o tema “Luanas e Katianes, quantas mais? Resistiremos!”, elas protestavam contra a lesbofobia, responsável pela morte de mais de 120 mulheres em São Paulo, em 2016. Em entrevista à repórter Michelle Gomes, da Rede TVT, uma pergunta foi feita:
“A importância de vir toda hora aqui, pra rua, é pra que a gente mostre que nós existimos! Pra não se fazer apagamento, porque a mídia e todo o movimento LGBT não falam do L…” – Virgínia Figueiredo – Liga Brasileira de Lésbicas
“As lésbicas não são visíveis dentro do movimento LGBT, o L praticamente não existe. Até mesmo dentro de um cenário – além do político, comercial, somos invisíveis. Os gays homens tem até um nicho comercial, entendeu? E a gente está sempre à margem.” – Rafaela Erre – Compositora
“Quando você toma um enquadro, você é tratada como um homem mesmo que você não queira ser um homem. São coisas que a gente precisa debater entre nós, mulheres lésbicas, porque quando a gente fala isso, percebemos que a mana da outra quebrada, lá da Zona Leste, passa pela mesma coisa.” – Gabi Nyarai – Ativista / Batalha Dominação
“Uns dias atrás eu levei um enquadro da PM, eu, um companheiro e uma companheira minha – essa companheira não performa a feminilidade, no caso é uma companheira que costumamos chamar de butch, de lésbica caminhão – e esse policial tentou enquadrar a gente como se tivesse enquadrando um homem. Ele leu aquela mulher, mesmo ela falando que ela era mulher, como um homem.” – Fernanda Gomes – Organização da Caminhada Lésbica e Bissexual
“No Rio de Janeiro a gente tem o vagão feminino no metrô e me tiram do vagão feminino direto… São várias questões de violência que a gente vem sofrendo e que a gente vai arrumando estratégias de sobrevivência.” – JLo Borges – Grafiteira / Coletiva Visibilidade Lésbica
“Queremos a demanda na saúde, porque nós não temos profissionais adequados e capacitados para trabalhar as nossas especificidades como lésbicas. Eles tratam a gente como se a gente como se fossemos héteros. A gente fala que não transa com homem, a gente fala que não usa camisinha, e eles continuam passando remédio como se ignorasse o que a gente fala – isso quando não encaminham a gente pra algum psicólogo ou igreja, porque somos todas doentes segundo eles.” – Virgínia Figueiredo – Liga Brasileira de Lésbicas
“A importância da caminhada é trazer isso pra rua, as mulheres virem pra rua e entenderem que lesbofobia mata. A lesbofobia existe e mata todos os dias mulheres. O ano de 2016 foi um ano que teve mais de 120 casos de morte por lesbofobia aqui no estado de São Paulo.” Fernanda Gomes – Organização da Caminhada Lésbica e Bissexual
Sem qualquer estrutura ou acompanhamento, 600 famílias foram jogadas na rua com seus móveis e pertences após a PM expulsá-las no dia 28 de março da Ocupação Nelson Mandela, onde moravam no Jardim Capivari, em Campinas, interior de SP. Essas 2,4 mil pessoas – entre adultos, crianças e idosos – não receberam nenhum tipo de amparo social tanto da prefeitura de Campinas, que tem como prefeito Jonas Donizette (PSB), quanto do governo estadual, que tem Geraldo Alckmin (PSDB) no cargo de governador.
Pelo contrário, os poderes executivos se abstiveram de suas responsabilidades para atender as famílias mesmo em caráter de urgência. Nem mesmo durante a reintegração de posse sofrida pela Ocupação Pinheirinho, em 2012 – famosa por ter sido extremamente violento ao retirar cerca de 9 mil pessoas de suas casas à força pela Polícia Militar – essa situação foi vista, uma vez que, na época, as famílias chegaram a receber pelo menos aluguel social. A administração municipal chegou a oferecer apenas vagas para 50 pessoas.
Com bombas e spray de pimenta, quatrocentos e cinquenta homens da Polícia Militar começaram às 4h30 da manhã o processo de Reintegração de Posse. Esse horário é proibido por lei, assim como é lei que o proprietário disponibilize transporte suficiente que estão sendo expulsos para que possa levar seus pertences a algum lugar seguro – havia apenas 15 caminhões para atender a mais de 2000 pessoas.
ENTENDA COMO TUDO COMEÇOU
Escolher entre pagar 600 reais de aluguel ou alimentar seus filhos, assim era a vida de cerca das 30 famílias que no dia 18 de julho de 2016 ocuparam um terreno vazio há mais de 40 anos no Jardim Capivari, periferia de Campinas, interior de São Paulo. Os que antes eram invisíveis, não demoraram a ser notados. Já no final do mesmo mês, a Secretaria de Habitação do município enviou uma notificação aos proprietários do terreno, afirmando que teriam de adotar medidas judiciais para a retirada dos moradores que passaram a residir no local e criaram a Ocupação Nelson Mandela.
Em agosto, no mês seguinte,a ocupação sofre seu primeiro ataque e as famílias são expulsas. A justificativa era ali havia dano ambiental e o parcelamento clandestino da área, Aqui a publicação Diário Oficial do município na época. Sem terem para onde ir, os moradores voltaram ao terreno.
Protesto em defesa da Ocupação Mandela 26.01.2017 | Foto: Ana Carolina Haddad
FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA
A propriedade em questão,, assim como diversas outras no país, não cumpre com a função social especificada no Estatuto da Cidade. De acordo com a Constituição de 1988, é obrigatório que os terreno sejam utilizados para “o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas”. Normalmente esses espaços acabam sendo usados para especulação imobiliária, ou seja, ficam parados à espera de valorização e acumulam dívidas com o poder público.
O número de famílias pulou de 30 para 140 nos meses seguintes. No início de 2017, já somavam aproximadamente 2.400 pessoas na ocupação, sem nenhum acesso aos direitos mínimos previstos na Constituição Federal em seu artigo artigo 6º – “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)”.
Protesto em defesa da Ocupação Mandela 26.01.2017 | Foto: Ana Carolina Haddad
Reuniões com a Comissão da Ocupação Mandela foram negligenciadas pelos governos municipal e estadual, segundo relatos de moradores e advogados da comunidade. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), em entrevista à Rádio Brasil Campinas, no dia 28 de março, chegou a afirmar que os moradores estariam “furando a fila” ao ocuparem a área no Jardim Capivari.
A urbanista Raquel Rolnik, professora da USP e especialista em política habitacional, criticou a postura do governador, durante o Fórum “Direito à Cidade – Desafios para uma agenda metropolitana”, realizado na Unicamp, no último dia 5 de abril. Ela, junto a outros acadêmicos, assinaram uma nota pública em solidariedade à Ocupação Mandela.
“A questão da moradia não é quantas casas novas nós vamos construir. Uma família que está numa situação de emergência habitacional, que não tem dinheiro para morar, pagar um aluguel, que não vai comer, não pode ficar esperando o dia em que vai chegar uma unidade. Portanto, uma política habitacional tem que trazer alternativas imediatas e emergenciais para quem tá sofrendo essa questão”.
Sem respostas do Poder Executivo, o Mandela continuava a resistir e a Polícia Militar fazia várias “visitas” à ocupação “avisando” que a reintegração iria acontecer a qualquer momento. As famílias que chegaram ali em busca de um lugar pra se proteger seus filhos e conseguir sobreviver agora viviam sob intensa pressão. O aviso oficial veio no dia 27 de março, por volta das 15h. A reintegração iria ocorrer já no dia seguinte. Mais uma vez a lei foi jogada na lata do lixo. Segundo a legislação brasileira, moradores de ocupações devem ser avisados sobre a reintegração de posse pelo menos 48 horas antes. O frio de começo de outono contrastava com o medo e a tensão no Mandela.
O relógio já marcava meia-noite, e as lonas, normalmente colocadas no chão para evitar que o frio da terra penetrasse os colchões, estavam levantadas na parede para que não atrapalhassem a passagem dentro das casas. As crianças, que deveriam estar dormindo para ir à escola no dia seguinte acompanhavam o desespero de seus pais, abraçadas aos animais de estimação, noite adentro, à espera do futuro sombrio que se aproximava.
Homens da Polícia Militar enfileirados às 04h30 em uma das entradas da Ocupação Mandela | Foto: Martha Raquel Rodrigues
A sentença veio às 4h30 da manhã, antes do sol nascer e também antes do horário permitido por lei para que a ação seja feita (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015). Um cheiro forte de gás lacrimogêneo invadiu a principal entrada da ocupação, e, num primeiro instante, os moradores comentaram: “estamos tão tensos que já sentimos o cheiro de bomba antes mesmo de chegar”. Mas o Polícia Militar, de forma covarde e traiçoeira, já entrava soltando o gás ardente por uma das oito entradas existentes no terreno.
Ocupação Mandela 28.02.2017 | Foto: Ana Carolina Haddad
Antes, casas, vendinhas, comércios e até salão de beleza, tudo feito de madeira e de forma improvisada, assim como as portas com fechaduras que, na verdade, eram, furos por onde se passavam correntes presas com cadeados. Agora restam as lembranças desse cenário cotidiano de quem morava na Ocupação Mandela.
Ocupação Mandela 28.02.2017 | Foto: Ana Carolina Haddad
Sem ter para onde ir, muitas famílias acabaram dormindo na rua de terça para quarta, junto de suas roupas, móveis e outros pertences. Havia promessa do proprietário do local de disponibilizar contêineres para armazenar os bens, que não foi totalmente cumprido. Já a prefeitura de Campinas se absteve. Por meio do Secretário de Relações Institucionais, Wanderley de Almeida, informou que não tem equipamentos suficientes para abrigar as famílias. Um dos moradores que ficou na rua após a reintegração desabafou: “o barraco foi destruído, mas a nossa força só aumentou”.
Parte das pessoas que ficaram sem moradia foi acolhida por voluntários e familiares. Igrejas e outras instituições também abriram suas portas para receber os desabrigados, como é o caso da Comunidade Nossa Senhora da Paz, localizada nas proximidades da área da Ocupação. O padre Marcel Alvarenga, responsável pela igreja, lembrou que a atuação dessas organizações é limitada.
“A responsabilidade é do Estado. Não é só a questão de a gente acolher o pessoal que está sem casa, que está nas ruas. É função do Estado dar moradia, educação, saúde e segurança para todas as pessoas. O que a Igreja tá fazendo aqui, acaba sendo uma coisa para remediar a falta da ação do Estado, que age muito porcamente”.
Ocupação Mandela 28.02.2017 | Foto: Ana Carolina Haddad
Há quem continue nas ruas do entorno do local. Algumas pessoas relataram que, em alguns casos, não há sequer o que comer. Muitas foram parar no hospital por causa da fumaça causada por incêndios durante a reintegração de posse, como é o caso das filhas de 6 e 5 anos da moradora Patrícia, que saíram do hospital apenas alguns dias depois.
“Eles disseram que estavam conversando com o proprietário da terra para entrar em um acordo. Todo mundo ficou feliz e saiu comemorando, e depois vieram dizer que era mentira, que estavam inventando pra gente ficar desestabilizado. A polícia começou a botar fogo nos barracos com tudo as nossas coisas dentro, eles fizeram muita coisa errada com a gente lá.”
Crianças que moravam na Ocupação Mandela 31.03.2017 | Foto: Fabiana Ribeiro
As filhas de Patrícia ainda não voltaram para a escola, assim como outras crianças das 282 que moravam na Ocupação Mandela. Elas estavam matriculadas em creches, pré-escolas e escolas de ensino fundamental da região. Depois da reintegração de posse, muitas crianças que foram abrigadas na casa de parentes em outros bairros, tiveram que deixar de frequentar as escolas da região onde viviam por falta de dinheiro para o transporte.
Crianças que moravam na Ocupação Mandela 31.03.2017 | Foto: Fabiana Ribeiro
Sobre a situação das crianças, de acordo com o Conselho Tutelar de Campinas, foi acordado que a coordenação faria um levantamento do número de alunos que necessitam de locomoção, para que a Prefeitura disponibilize o transporte escolar. No entanto, segundo órgão, a lista não foi enviada.
Dona Luiza, antiga moradora da Ocupação Mandela 31.03.2017 | Foto: Fabiana Ribeiro
Para que qualquer reintegração de posse seja realizada, a lei especifica que todos os aparatos necessários devem ser garantidos durante a ação. O proprietário é quem deve arcar com todo o maquinário (como tratores, retroescavadeiras, caçambas) e funcionários, além de disponibilizar transporte para os moradores e os seus bens, como explica antigo Coronel e Especialista em Direitos Humanos, Adilson Pães.
“Os policiais não estão ali para ameaçar moradores, como já aconteceu em outras reintegrações de posse. De colocar cachorro com coleira perto dos moradores para assustá-los, nem pra meter o pé na porta e derrubar parede. Os policiais estão ali para garantir a integridade física do Oficial de Justiça e para manter a ordem. Se alguém resistir, prende por desobediência apenas aquele que resistir, mas não faz do local uma praça de guerra com bomba e tiro de borracha”.
Uma série de procedimentos devem anteceder qualquer reintegração de posse, segundo o Código de Processo Civil. Os moradores devem ser avisados sobre a ação além de ter direitos garantidos por Oficiais de Justiça, a Secretaria de Habitação, a Empresa Municipal de Desenvolvimento, o Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal, a Assistência Social e o Conselho Tutelar, e membros da Advocacia Pública e Particular. Todos esses detalhes devem ser acertados em reuniões com a comissão dos moradores, antes que a ação seja realizada.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública assumiu que a Polícia Militar entrou no terreno de 118.480,65 m², às 04h30 da manhã, horário proibido de realizar a Reintegração de posse. De acordo com o Capítulo III, da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, uma Reintegração de Posse só pode acontecer das 06h às 18h ou, em horário de verão, das 06h até o pôr-do-sol.
O deputado estadual Orlando Silva, do PCdoB, afirmou em entrevista aos Jornalistas Livres que irá denunciar à Corregedoria porque a lei não foi cumprida.
Já o advogado representante da Ocupação Mandela afirmou que, no momento, a preocupação imediata é quanto ao abrigamento das famílias, mas que depois, junto à comissão dos moradores, pretende avaliar os meios cabíveis para denunciar as autoridades responsáveis.
Agora, essas famílias do Mandela ficam à espera dos Programas Sociais da COHAB (Companhia de Habitação Popular de Campinas), junto a cerca de 35 mil famílias que aguardam para serem sorteadas por uma moradia. A prefeitura de Campinas afirma que o papel da administração municipal seria trabalhar com a situação “pós-reintegração”.
Crianças que moravam na Ocupação Mandela 31.03.2017 | Foto: Fabiana Ribeiro
Enquanto isso, o morador Samuel Amorim, que estava na Ocupação Mandela desde o começo, continua sem condições de pagar por aluguel para ele, a esposa e os filhos, e agora também sem lugar para morar.
“Antes da gente morava de aluguel, não dava nada. Só uma pessoa trabalhando, tinha que sustentar meu filho e tinha 600 reais só de aluguel. Ou você pagava aluguel ou você comia. Aí surgiu a oportunidade do Mandela e fomos pra lá”.
OUTROS CASOS
O caso lembra o que aconteceu com o Parque Oziel, hoje bairro de Campinas. A sua história teve início em 8 de fevereiro de 1997, também na periferia do município, quando pessoas em situação de vulnerabilidade, sem emprego e sem onde morar, ocuparam a área que estava em débito com o poder executivo na época. Ela se tornou a maior ocupação da América Latina, com 3 mil pessoas, equivalente a 30 mil famílias.
Outra ocupação famosa da Região Metropolitana de Campinas é a Vila Soma, em Sumaré. A propriedade, que é oficialmente de uma companhia e à massa de falida de outra, reúne cerca de 10 mil residentes em quatro anos de existência. Segundo a Defensoria Pública, o número populacional supera 2,4 mil cidades brasileiras contabilizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ela ficou famosa principalmente depois de ter tido a reintegração de posse suspensa pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, no começo de 2016. O impasse entre os moradores e a prefeitura municipal continua até hoje.
Foi ao ar ontem a estréia do programa “Amor & Sexo” 2017 com o tema “Feminismo”. Feminismo entre aspas porque o feminismo vendido pela Globo não é verdadeiramente uma luta pela autonomia das mulheres sobre seus corpos e vida.
As citações do programa não terão as pessoas identificadas porque a reflexão é em cima da situação e não da pessoa. Não irei pessoalizar os discursos.
É importante pontuar que a liberdade sexual das mulheres serve aos homens. Liberdade não é sobre transar na primeira noite e sim sobre não querer transar e não transar. A mulher “livre sexualmente e sem tabus” é vista como vantagem pelo imaginário masculino e machista. A partir do momento que a mulher se nega ao sexo, ela “sofre as consequências” disso. Pros homens pouco importa se você se sente livre ou não, o importante é que ele faça sexo com você.
Dois minutos e quinze segundos foram dedicados a uma fala sobre regulamentação da prostituição. Ainda que não explorado, tratar deste assunto em rede nacional quando a TV aberta está presente na casa de 98% da população brasileira, é problemático. O tema foi pincelado e mostrou apenas um lado, assim fazendo a regulamentação parecer legítima e urgente. A regulamentação da prostituição não regulamenta a prática e sim a exploração realizada por terceiros, os cafetões, garantindo que eles fiquem com até 50% dos lucros da mulher em situação de prostituição. Quando se coloca uma posição favorável a exploração do corpo feminino em rede nacional, o feminismo sangra junto com todas as vidas perdidas por causa dessa violência.
Num determinado momento do programa, uma das convidadas fala sobre uma marcha “que todas saíram vestidas de vadias” e é importante perguntar o que é “se vestir de vadia?”. Ressignificar um termo pejorativo não retira o peso dele. Mulheres continuam sendo estupradas, machucadas e mortas enquanto são chamadas de vadias. A nudez do corpo feminino serve aos homens numa sociedade patriarcal machista.
A palavra “empoderamento” é usada com frequencia pelas convidadas para demonstrar a segurança que elas sentem quando não fazem o esperado pela sociedade – ou a falsa ilusão de que não fazem, como por exemplo, a falácia da liberdade sexual e da nudez sem tabus. Empoderamento vem de tomar poder, mas uma mulher não toma poder algum quando se vive numa sociedade estruturada pelo machismo e pela misoginia.
“Ajudem o machista senão vai sobrar pra vocês” – não é possível que essa frase tenha sido dito em tom de brincadeira num programa sobre feminismo. Isso nada mais é do que um exemplo da culpabilização da vítima. Mulher nenhuma é obrigada a ensinar o feminismo para quem as violenta.
Foi possível observar diversos “descuidos” do programa com a questão feminista que ficaram evidentes no momento em que foi dito que os homens precisavam ter o CARINHO de votar em mulheres – não é uma questão de carinho, as mulheres estão na luta por políticas públicas que as mantenham vivas e não em busca de carinho -, e quando foi citado que a “Clitonia”, personagem fictícia do programa, veio do espaço.
O programa tratou de forma caricata o feminismo e reforçou, disfarçadamente, mas não por coincidência, todas as formas de exploração da mulher.
A Globo não se interessa por feminismo, por representatividade e muito menos por assuntos polêmicos. O feminismo da Globo é o feminismo que nos aprisiona. Ontem o programa “Amor & Sexo” bateu 15,9 de audiência – isto é, uma audiência maior que 15 dos 24 programas diários da emissora. Os lucros movem a Globo. Se houvesse realmente uma preocupação da Globo sobre o assunto, o pedófilo do BBB 16 teria sido expulso, ou então, os atuais BBBs racistas já teriam sido retirados da casa.
A inclusão dos temas só interessa por causa do lucro. O programa que usou a representatividade como estratégia e sequer tocou na palavra lésbica, não está interessado na vida das mulheres – num geral -, nem das mulheres negras, nem das mulheres lésbicas. Está interessado apenas no feminismo que o capitalismo tratou de se apropriar.
Infelizmente a esquerda feminista vem pecando quando não faz um debate de forma ampla, atingindo a todas as mulheres e acaba sendo pautada pela Globo. A emissora com um currículo machista, misógino, racista e lesbofóbico cai na boca e na discussão de todo o movimento feminista, que o abraça prontamente. É preciso que nós pautemos as discussões e não fiquemos a mercê uma rede de televisão que sempre tratou as mulheres como objeto. A Globo se traveste de feminista e empurra pra debaixo do tapete os anos de exibição do corpo de uma mulher negra à venda, como carne. É impossível não se lembrar do programa “Cassino do Chacrinha” que, já nos anos 80, objetificava do corpo da mulher da forma mais machista possível. E não podemos deixar de mencionar que a Globo também fez parte da derrubada de uma presidenta legitimamente eleita.
Agora ela faz uma teatralização em cima de um palco e usa nomes fortes dos movimentos feminista e negro para passar uma imagem de que é a favor do feminismo e da libertação das mulheres. Mas na verdade, o “feminismo” da Globo é o feminismo que nos mantém presas.
Os Jornalistas Livres entendem que o feminismo contemporâneo contém múltiplas vozes. Nossas redes abrem-se a tantas inteligências que queiram compartilhar seus saberes e experiências para o fortalecimento das mulheres. É só mandar seu texto para: jornalistaslivres@gmail.com