Nesses dias, em cadência de lutos, tantos relataram sua dor, lamento e pranto pela morte de seus afetos e profundo respeito, gratidão, afinidades.
Há palavras que ficam na mente, nomes, homens pelo ritmo do andar e gestos de acolhimento.
Aritana foi uma dessas palavras na cabeça de minha juventude, um sucesso em novelas e literatura, na forma de atores bonitos que revelavam sua saga em prosa. No mundo real, o personagem lembrava a postura de um líder e suas educações, a fineza no trato.
Conheci pessoalmente o cacique Aritana Yawalapiti, em Cuiabá,no centro da América do Sul, no Mato Grosso. Anos depois, em Canarana, em uma reunião tensa de consulta pública aos povos da terra indígena do Xingu, para a construção da Pequena Central Hidrelétrica, de Paranatinga, com a presença do então governador, Blairo Maggi, conheci sua força no salão paroquial da matriz católica local, onde centenas de homens indígenas e seus coloridos cocares, bordunas de guerra em punho, peles pintadas de urucum e jenipapo, observavam as demandas dos brancos.
Após longos diálogos e múltiplas conversas em línguas, Aritana e outros caciques se entenderam nas divergências da obra necessária para o potente agronegócio, que se expandiu intensamente. O governador saiu meio apressado da reunião, escoltado por sua guarda, pois os indígenas batiam os pés no chão, em coro, entoavam música semelhante aos trovões que precedem a tempestade.
Ao longo dos anos, muitas vezes encontrei o cacique, em reuniões e cuidados com a saúde dos povos indígenas, pauta frequente em meu cotidiano. Sempre generoso e cortês, o enigmático cacique fazia perguntas sobre os amigos, mandava abraços e nos dava bons conselhos.
Hoje, o que resulta é a PCH, em puro concreto interrompendo o fluxo natural do Rio Culuene, e o choro dos índios e seus Kwarip que inundam as planícies e campos do Xingu. Aritana faleceu, partiu o cacique. Entre outros, soma-se a canoa da peste que perpassa as áreas indígenas da nação.
É severo o momento e os povos indígenas se pronunciam novamente ao mundo, sua juventude e seus líderes, parlamentares até, protestam, afirmam seus direitos constitucionais, escrevem livros, dançam seu sagrado em todas as tvs do planeta, não calam.
Aritana, como Raoni, Davi Yanomami, Ailton Krenak e Álvaro Tukano, entre tantos outros inomináveis pensadores indígenas, representava a fina flor das reivindicações e afirmação dos direitos indígenas, os povos tradicionais que, milhares de anos antes da primeira missa, aqui se afirmaram, povoamento e populações.
Dos entraves que nos cercam, como nação ou povo brasileiro, denota-se a doença do indivíduo e cunham-se as diferentes visões de mundo, entre indivíduo e comunidade. Para Pindorama, antigo império imaginário, era o coletivo. Na terra brasilis firmaram-se o indivíduo, as corporações, as madeireiras, os garimpos, as vastidões da soja e da boiada.
Cacique Aritana partiu. A última vez que estive com ele foi na celebração em grande ritual de Kwaryp, o ritual dos mortos, onde nos dependíamos entre cuidados com a vida e suas memórias.
Um dos mais influentes pensadores da atualidade, Ailton Krenak vem trazendo contribuições fundamentais para lidarmos com os desafios que enfrentamos hoje: uma terrível pandemia, um governo de extrema-direita e os diferentes efeitos do aquecimento global.
“Se enxergarmos que estamos passando por uma transformação, teremos que admitir que nosso sonho coletivo de mundo e a inserção da humanidade na biosfera terão que se dar de outra maneira. Nós podemos habitar este planeta, mas terá que ser de outro jeito. Senão, seria como se alguém quisesse ir ao pico do Himalaia, mas pretendesse levar junto sua casa, a geladeira, o cachorro, o papagaio, a bicicleta.”
Em reflexões provocadas pela pandemia, o líder indígena e escritor volta a apontar as tendências destrutivas da chamada civilização: consumismo desenfreado, devastação ambiental e uma visão estreita e excludente do que é a humanidade.
Crítico mordaz à ideia de que a economia não pode parar, Krenak provoca: “Nós poderíamos colocar todos os dirigentes do Banco Central em um cofre gigante e deixá-los vivendo lá, com a economia deles. Ninguém come dinheiro.” Ele também tem um recado para os bilionários que estão investindo em viagens espaciais e sonham com o eventual estabelecimento de colônias em outros planetas: “Vão logo, esqueçam a gente aqui!”.
Para o líder indígena, “civilizar-se” não é um destino. Sua crítica se dirige aos “consumidores do planeta”, além de questionar a própria ideia de sustentabilidade, vista por alguns como panaceia. Se a terrível pandemia da Covid-19 nos faz sentir que o chão nos falta, as ideias de Krenak despontam como os “paraquedas coloridos” que ele descreve em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo, que já vendeu mais de 50 mil cópias no Brasil e está sendo traduzido para o inglês, francês, espanhol italiano e alemão.
A vida não é útil reúne cinco textos: “Não se come dinheiro”, “Sonhos para adiar o fim do mundo”, “A máquina de fazer coisas” e “O amanhã não está à venda” (publicado como e-book gratuito), além daquele que dá título ao livro — todos adaptados de palestras, entrevistas e lives de Krenak, realizadas entre novembro de 2017 e junho de 2020.
Ler e ouvir Ailton Krenak é algo que surpreende o espírito. Das montanhas de Minas, seus cursos d’água e brisas, às vezes tão frias, vales de ideias revolvem a planície de nosso mundo.
Minas de pedras de poesia e saber, penso no Drummond, sabendo que nunca esquecerei desse acontecimento nas retinas castigadas, que tinha pedra no meio do caminho.
Indígenas, ouro da terra, esmeraldas tão lindas, pergunta meu ser. Nem sei, brilha a pedra dura no canto escuro de nossas recusas, escuso acusa. Grita a face oculta da nação que enterra seus mortos, vende rios, florestas, identidades.
De Minas Gerais canta, proseia, indaga, o indígena Ailton Krenak, voz tão retumbante, recolhida no isolamento ensurdecedor desse momento. Sinto um terremoto, um tremor na terra e nos homens que nela trafegam.
A empresa Planeta Terra, a vida do consumidor e a cidadania. Vivemos inquilinos na vida?
Diante da luz intensa, de faíscas, raios, hipnotizados ficam os homens quando sentam para ouvir a palavra.
Na filosofia dos homens o pensamento indígena aflora, os pensadores, vozes tão antigas, vanguarda primitiva que insiste, perdura, perpassa.
É certo que o Sol se encontrava com sangue e para isso era necessário tomar certas providências.
Nhãu” (Temepĩyãu nãu), anaconda-men. Drawing by Takara Wauja (1980). Acrylic on paper, 70 x 50 cm. Museum of Archaeology and Ethnology of the University of São Paulo, Vera Penteado Coelho Ethnographic Collection (WD80-303).
Fico pensando num texto antigo, Um Eclipse do Sol, de Vera Penteado Coelho, https://www.persee.fr/doc/jsa_0037-9174_1983_num_69_1_2229 , onde o sangue do Sol afetava muita gente que necessitava proteção adequada para não ser contaminada.
Pajé Itsautako Waurá, em cuidados com a saúde.
Entre abusos de autoridade, minha cabeça sai do lugar, enquanto mais de mil morrem na peste, dia a dia. País doido o meu, poderes insanos, lambe saco, beija pés, no dito popular. Desde 1987 carrega advertências, vejo nas manchetes, um desembargador da república, desmascarado, de Santos.
Queimam a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado, a serviço do agro outros negócios, ao ponto de negarem provimentos necessários à saúde dos povos indígenas e outras minorias.
País pobre esse, sem milagres meu ou seu, na mente e perfídia dos homens e seus poderes. Nem ouso pronunciar nomes, palavras assim não devem sair da boca, alimentar insanidades de demônios.
Sigmund Freud, médico neurologista e psiquiatra criador da psicanálise
Talvez seja a psicopatologia de uma vida cotidiana, nem sei se Freud explicaria, mas vivemos tempos de tirar o fôlego, um véu, o desvelar, viés, um país enigmático.
Há linhas distintas entre os seres, se cruzam, se enlaçam, separam, distinguem. Sei que as ví, há. Existir é verbo pleno, um plano.
Das borboletas, do latim papilio, os lepidópteros, sei que nem tantas voarão quando o inverno passar. É assim mesmo, aprendi, quando há tristeza menos cores voam, menos sonharão entre a água e a terra no ciclo seguinte.
Mas borboleta não cessa ou desiste, existe apenas, pupa, voa e conclui.
Ipawu
Ipawu
Ipawu
O poeta Manoel de Barros, imaginou certa feita o mundo visto de uma borboleta,
…seria, com certeza,
um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Pajé Takapé Wauja, aspira, conecta-se.
Bem, nem sei o que virá de normal entre nossas anormalidades, fico com o primeiro tema do Mistério do Mundo, de Fernando Pessoa, quero fugir ao mistério
Para onde fugirei? Ele é a vida e a morte
Ó Dor, aonde me irei?
Exercício das forças de segurança, diante dos indígenas e do Congresso, numa manhã de abril, durante o Acampamento Terra Livre.
Liberdade de imprensa é o adubo de boa horta, bons frutos, boa gente. Nesse mundo amplo de isolamentos e afins, vou me nutrindo de imagens e seus milhões de palavras, por mais que do verbo careça nossa gente.
De carestia em carestia me escandalizo. É real o fato que de longe nos rompem, nos cunham, escandalizam?
Uma “ação social” feita por mulheres de militares na Terra Indígena Yanomami no final de junho incluiu maquiagem no rosto de mulheres indígenas, pintura de unhas, distribuição de roupas para famílias que vivem seminuas por costume e tradição, e estímulo à aglomeração de crianças, sem máscaras. Elas ficaram próximas num pula-pula, em fila para distribuição de doces e numa recreação. “Isso que fizeram foi um desrespeito total. Essa doação de roupas… O povo Yanomami não é mendigo. Pula-pula? Não precisamos de pula-pula. Provocaram aglomeração! A ação do governo foi muito errada”, disse à coluna Junior Hekurari Yanomâmi, presidente do Condisi-Y (Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Yekuana). “Precisamos de apoio do governo é para conter a covid-19, que está entrando, espalhando nas aldeias.”
Localizadas e encaminhadas pela coluna, fotografias dessas atividades deixaram perplexos três dos principais antropólogos que atuaram ou atuam na região. Um disse ter ficado “muito chocado”, outra viu “múltiplos desrespeitos” aos indígenas e a terceira comentou que as imagens revelam “a arrogância da colonização”. Até a noite desta quinta-feira (16) haviam sido registrados 280 casos de covid-19 entre os Yanomami, dos quais 136 dentro do território (ou 49% do total), segundo o conselho. Quatro mortes foram confirmadas e mais três estão sob suspeita.
A chamada “ação social” ocorreu nos pelotões de Surucucu e Auaris nos dias próximos da viagem que o Ministério da Defesa organizou de Brasília para a terra indígena Yanomami com servidores do Ministério da Saúde e cerca de 20 jornalistas. O voo gerou muita polêmica porque, além de o governo não ter considerado o momento crítico da pandemia, os militares levaram 66 mil comprimidos de cloroquina despachados pela Saúde — afirmam que é para combate à malária e que todos os viajantes foram submetidos a exames prévios. A coluna procurou o Ministério da Defesa, por e-mail e por telefone, para uma manifestação desde a tarde de terça-feira (14), mas não houve resposta até o fechamento deste texto. A coluna indagou, entre outros pontos, se as atividades exibidas nas redes sociais das mulheres dos militares tinham sido previamente informadas ou se tinham recebido o aval dos militares. Sobre a viagem do final de junho ao território indígena, a Defesa divulgou um texto, no dia 2 de julho, sobre a entrevista coletiva concedida no pelotão de Surucucu pelo ministro Fernando Azevedo. “Trouxemos cerca de quatro toneladas de materiais de saúde para atender a comunidade local. O governo está preocupado com a saúde do brasileiro”, disse o ministro, segundo o ministério. O órgão informou que era uma atuação integrada entre Forças Armadas, Secretaria Especial de Saúde Indígena, Funai e outros órgãos governamentais.
Maquiagem e “campanha do agasalho”
Mulheres de militares postaram fotografias e comentários nas redes sociais sobre a “ação social”. Uma das fotos, no Instagram, mostra uma mulher não indígena, que diz morar no pelotão desde abril e casada com um militar, fazendo maquiagem no rosto de uma indígena no PEF (Pelotão Especial de Fronteira) Auaris. Outras indígenas parecem aguardar sua vez de atendimento. A mulher escreveu: “Hoje foi o nosso Aciso [Ação Cívico-Social] com os indígenas aqui no PEF e produzimos as mulheres e elas ficaram como elas falam na língua delas ‘wekoonekatojo’ ou ‘taitha’ (toíta), que quer dizer bonita”. A postagem foi curtida por 116 pessoas.
Foi montada uma bancada para distribuição de roupas. As imagens mostram mulheres indígenas seminuas escolhendo a doação. Em diversos pontos do território Yanomâmi, os indígenas vivem nus ou seminus, com adereços pelo corpo. Outra mulher de um militar escreveu “o que aconteceu aqui no pelotão Sucururu” no dia 25 de junho. “Tudo começou com um comentário do sargento daqui do PEF sobre arrecadar agasalhos para nossos indígenas e isso me despertou a vontade de ir além e pedir não só agasalhos, mas sim roupas e cobertas também.
Especialista vê “arrogância burguesa”
Professora emérita da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisadora sênior do CNPq, a antropóloga Alcida Rita Ramos fez trabalhos de campos com os Yanomamis de 1968 a 2005 e é considerada uma das principais estudiosas sobre o povo. A pedido da coluna, ela olhou as várias fotografias divulgadas pelas mulheres dos militares em redes sociais. “O que vejo nessas fotos é um múltiplo desrespeito aos Yanomami e uma arrogância burguesa de dar arrepios”, disse a professora. Ela separou os problemas em quatro blocos. “Primeiro, mais grave, manusear objetos, os cabelos, as unhas das indígenas, usando instrumentos cortantes, sem qualquer preocupação com contágio, incorrendo em séria infração, se não mesmo crime.” Em segundo lugar, “achar que as indígenas ‘merecem’ se apresentar com a estética das ‘brancas’, como se elas mesmas não tivessem a sua própria e muito celebrada estética”. Um terceiro ponto levantado pela pesquisadora é “disfarçar proselitismo religioso com desenhos infantis, expondo as crianças indígenas aos efeitos ilegais do missionismo”. Por fim, “impingir brinquedos a crianças, sem terem o mínimo conhecimento do que é ser criança indígena e quais são os padrões locais de jogos infantis”.
Aglomeração de crianças e interações sem máscara
Imagens mostram crianças aglomeradas, sem máscara, conversando com adultos também sem máscaras durante o que seria uma recreação com papel e lápis colorido. É possível ver, nas folhas, o desenho de um homem barbudo, pairando entre nuvens, como se fosse Deus ou Jesus Cristo, para ser colorido. Na hora de receber doces, as crianças fizeram uma fila sem máscara e sem distanciamento. Depois posaram para fotos também sem máscaras e reunidos na frente do pelotão. Mesma aglomeração ocorreu na hora da brincadeira em um pula-pula. Júnior Hekurari Yanomâmi, do conselho de saúde indígena, disse que nenhuma dessas atividades era uma necessidade para os Yanomami. “Não houve um diálogo. Simplesmente pararam lá no aeroporto de Boa Vista e vieram para as aldeias. Isso durante a pandemia. Depois de uns nove dias que eles saíram, passou para 48 casos de covid em Waikás. Tinha três casos antes. Em Auaris, já temos um caso. Estamos muito preocupados.”
Racismo crasso
O antropólogo francês Bruce Albert trabalha desde os anos 1970 com os yanomâmis, tendo participado da coalizão CCPY (Comissão Pró-Yanomami), que resultou na homologação da demarcação da terra indígena durante o governo Fernando Collor (1990-1992). Ele é coautor, com o líder Yanomami Davi Kopenawa, do livro “A Queda do Céu” (Companhia das Letras, 2015). Ele também olhou as postagens das mulheres dos militares a pedido da coluna. “Fiquei muito chocado com as fotos. Além de uma irresponsável falta de observância da regras de distanciamento físico no trato com uma população indígena particularmente vulnerável na pandemia, vejo também nas fotos um tremendo desrespeito à cultura e à dignidade das mulheres Yanomami.” “Esposas de militares num posto isolado brincam de ‘ação social’ com mulheres Yanomami colocadas em posição subalterna de objetos da sua ‘generosidade’ estética condescendente de mulheres brancas donas dos cânones de beleza dominantes (‘civilizada’). Assim, atrás dessa pseudo ‘ação social’ esconde-se um racismo crasso cujas raízes históricas remetem ao Brasil colonial. Destas cenas ressurge, de fato, as imagens das ‘escravas de estimação’ do tempo da colônia”, disse o antropólogo.
Indígenas costumam fazer trocas com militares, diz antropóloga
Sílvia Maria Ferreira Guimarães, mestre e doutora em antropologia pela UnB (Universidade de Brasília), professora do programa de pós-graduação em ciências e tecnologias em saúde, disse que é possível ver “a arrogância dessa colonização, achando que ela é tudo que todos desejam. O problema se acirra quando recai mais intensamente sobre as crianças”. Deixando de lado o episódio da “ação social”, há nuances na relação dos indígenas com o pelotão militar. Os militares do pelotão, conta a antropóloga, “ficam naquela área deles, eles fazem trocas com os Sanöma [subgrupo Yanomami], os Sanöma gostam, às vezes apreciam as comidas dos ‘brancos’ com essas trocas (arroz, café, açúcar)”.
A antropóloga conta que um técnico em enfermagem Yanomami recentemente lhe disse que “os garimpeiros não vão até Auaris por causa do pelotão que está lá”. “O pelotão cumpre essa ação de coibir o garimpo em Auaris. Eu acho que eles [militares] e missionários estão de certa forma sob controle dos Sanöma, que manejam a presença dessas pessoas, para as trocas, que os Sanöma apreciam muito. O garimpo não, já entra na violência. O problema dos missionários é o foco nas crianças, com suas escolas e o tipo de ação cotidiana perigosa que podem fazer.”
O antropólogo Adelino Mendez, em rede, diz que “nossos índios” é expressão vazia, pois nunca o foram. Com um pouco de veneno e açúcar, chamamos crianças e idosos para se deliciarem até a morte, diz, sobre os Timbiras. Milhões morreram na sevícia, então passamos a chamá-los de nossos índios.
As sociedades ameríndias vêm sendo devastadas desde 1492, quando, fala-se, Cristóvão Colombo aportou. Depois foi Pedro Álvares Cabral, aqui, em 1500, e seguiu-se a primeira missa.
Curumim não seria mais rei, falta fumo aos pajés desde de então, e as cunhãs já formaram nossa nação, tão diversa, magnífica, espúria, perversa. Mas seguimos na linha histórica, na beira das águas, semeando a barbárie, orgulhosos de um futuro que não apruma.
Penso que só sabemos viver melhor assim, no esquecimento, íntimos falsos altares, nossas sombras mesmo. Nossos índios são nossos mortos, afirmava Edilson Martins, em 1978, a destruição sistemática, os últimos Passos da Cruz do aborígene brasileiro, como observara à época, Antônio Callado.
Lago de nossa dor? Não, não existe amor no que não se vê, palácios de fidúcias invadem, labirinto, nossos caldeirões. Morre cacique, morre pajé, morrem cunhãs.