Jornalistas Livres

Autor: Aline Frazão

  • Aumento da tarifa em BH: manifestantes não deixarão as ruas até prefeito se pronunciar sobre promessa de campanha

    Aumento da tarifa em BH: manifestantes não deixarão as ruas até prefeito se pronunciar sobre promessa de campanha

    Fotografias: Gustavo Miranda/ Sô Fotocoletivo

     

    Não é loucura ou sonho almejar um sistema de transporte público gratuito e de qualidade. O movimento Tarifa Zero já realizou estudos em várias capitais do país para mostrar que é possível investir em transportes de massa, como ônibus e metrôs, de graça para a população.

    Atualmente, as tarifas de ônibus nas grandes cidades aumentam de tempos em tempos, muitas vezes violando o direito de ir e vir das pessoas. Além do que, como diz Cléssio Mendes, do Tarifa Zero, toda a população tem a ver com o transporte público, pois mesmo aqueles que não andam de ônibus, dependem do trânsito para trabalhar, levar o filho na escola. E convenhamos, ninguém gosta de ficar em engarrafamentos:

    “os ônibus vão ficando caros, não tem investimento para melhorar a qualidade e as pessoas vão deixando de usar o ônibus. Com o financiamento público, por meio de impostos progressivos que atinjam pessoas que podem pagar, você consegue financiar aos poucos o transporte de forma que ele não fique tão oneroso pra população e que não a afaste de continuar usando”.

    O transporte público é oneroso para a população porque os donos dos ônibus são empresas que querem lucrar, apenas! Em sua campanha eleitoral à prefeitura de Belo Horizonte, o atual prefeito Kalil, disse que ia tirar o transporte público das mãos dos empresários (https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1240943969297312&id=1064837793574598).

    Nessa terça-feira (03), o Movimento Passe Livre realizou o primeiro ato contra o aumento da tarifa: “a passagem aumentou, o prefeito concordou, o Kalil é só caô”, gritavam os cerca de 500 manifestantes que saíram da Praça Sete, no centro de BH, e marcharam até a casa do prefeito, na zona sul da capital.

    “O prefeito poderia utilizar de recursos que conseguiriam diminuir o preço da passagem. Não que ele tenha autonomia total sobre o preço. Mas o próprio Márcio Lacerda (ex-prefeito de BH), em 2014, fez uma manobra que suspendeu a cobrança de um imposto, o Custo de Gerenciamento Operacional. Essa é uma exigência nossa também”, explicou Rafael Lourenço, do movimento Passe Livre.

    Em um ato simbólico, os manifestantes colocaram fogo em caixotes de pallets, preparados para servir como catracas, e pularam, ao som de baterias e gritos de ordem. Na porta do prédio onde mora Kalil, foi lida uma carta do Passe Livre ao prefeito. Dentre as reivindicações do movimento estão o cancelamento imediato do aumento da tarifa do ônibus e a abertura da caixa preta das empresas de ônibus.

    “Ele (o prefeito) disse que ia fazer a abertura da caixa preta do transporte e tirá-lo das mãos dos empresários. Estamos aqui para fazer uma prova de fogo com ele, para saber se o que ele falou durante a campanha ficou só lá ou se ele vai ter uma conduta diferente da gestão anterior”.

    Durante o ato ficou decidido que no outro dia será feita outra manifestação, no mesmo horário e mesmo local. Os manifestantes querem uma resposta rápida do prefeito, afinal, desde essa terça o valor de R$4,05 já violenta mais um pouco os pobres trabalhadores e estudantes. “Na verdade, é o prefeito quem vai decidir quantas vezes viremos aqui. E a gente vem quantas vezes for preciso”, finalizou Rafael.

  • Rompimento da barragem em Mariana provocou cenário adoecedor

    Rompimento da barragem em Mariana provocou cenário adoecedor

    Depressão. Transtornos, como do sono. Vômito. Diarreia. Ociosidade que causa estresse, dependência química em álcool e outras drogas. E o contato com a lama e a água contaminada pode provocar doenças que levam à morte.

    Durante o 1° Encontro Nacional dos Atingidos que aconteceu em Mariana entre os dias 3 e 5 de novembro, a Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares apresentou um dossiê sobre a saúde dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão.

    “A gente fica em quarto apertado e sem quintal. Ninguém aguenta mais, estamos estressados e cansados”. Muitos atingidos tiveram de deixar suas casas na roça, onde viviam de plantações e criação de animais. Hoje vivem em casas alugadas pela Samarco.

    A tragédia obrigou um novo estilo de vida àquelas pessoas, o que está provocando muitas doenças. Além de perder casas e entes, as perdas naturais e simbólicas provocam alterações mentais. As pessoas perderam as referências. Há muitos casos de depressão, inclusive com uma vítima fatal, casais se separando e muito stress.

    Fotografia por Gustavo Miranda

    O solo e a água foram tomados pelos rejeitos de minério, onde há metais pesados como alumínio, chumbo, arsênio, mercúrio. O contato das pessoas com esses metais faz com que eles se acumulem no corpo, o que pode alterar funções dos neurônios e do coração, causar cefaleia, câncer e anomalias reprodutivas.

    A rede chama atenção para a qualidade da água e a probabilidade de o ecossistema não se recuperar. A própria falta de água também causa infecções, pela não limpeza de alimentos, do corpo e da casa.

    Fotografia por Gustavo Miranda
    Fotografia por Gustavo Miranda

    “Lama em Barra Longa”

    Na segunda cidade atingida pela lama, foram agravadas as doenças respiratórias nos idosos e a vida agora é dentro de casa. Nas crianças surgiram as doenças respiratórias e manchas na pele.

    Sônia, de Gesteira, distrito do município, deu seu depoimento durante o encontro. Assustador. Segundo ela, a filha não para de apresentar diarreia, febre e manchas pelo corpo. Ela fez a denúncia absurda de que a empresa, juntamente com a prefeitura, usou rejeito para fazer o calçamento na cidade. Sônia conseguiu um laudo comprovando que a filha passou a apresentar os sintomas depois da chegada da lama, mas a empresa se negou a pagar um tratamento e mandou a mãe procurar pelo SUS.

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    Fotografia de Barra Longa, 03/16, por Mídia Ninja.

    A lama que atingiu Barra Longa na madrugada do dia 6 de novembro destruiu os espaços públicos e coletivos, como a calçada de caminhada, a praça, o campo de futebol… Após um ano, o cenário não mudou. Há lama por todo o lado. Na seca, poeira de lama; na chuva, barro de lama. Segundo Sônia, a empresa age como se estivesse em uma mineradora. “Não há mais bem estar na cidade. A rotina são os caminhões trabalhando dia e noite, muitos funcionários da empresa circulam pela cidade, o que limita nossa circulação”, desabafou.

    E de novo aquela velha história: os atingidos não têm voz, nem acesso às informações. Não há diálogo. A energia dos moradores está mais cara, há mais gastos com produtos de limpeza e são muitas as violações de direitos.

    A rede mencionou que há ainda o aumento de DST’s – Doenças Sexualmente Transmissíveis, pelo fato de as cidades atingidas estarem mais cheias e tumultuosas.

     

    “Saúde das mulheres, a mais afetada”

    O relatório da Rede de Médicos e Médicas Populares constatou que a saúde das mulheres é a mais afetada. Principais responsáveis pelo cuidado da casa e da família, elas acumulam o peso de uma lama criminosa.

    A pescadora Creuza, de São Mateus, cidade atingida no Espírito Santo, carregava sua filha nos braços mostrando os machucados e as manchas na pele. O sofrimento é maior pois nenhum exame médico conseguiu detectar o problema.

    Fotografia por Gustavo Miranda
    Fotografia por Gustavo Miranda

    Os peixes também estão contaminados pela lama e não há mais pesca no Rio Doce e no litoral atingido. Os catadores de carangueijos e pescadores estão sem onde tirar o sustento das famílias e o próprio alimento.

    Em um grito de desespero, a mãe encerrou a fala: “A SAMARCO VAI TER DE PAGAR POR TODO O CRIME QUE COMETEU.”

  • 2º Encontro dos Povos do Espinhaço – Seminários do Saber

    2º Encontro dos Povos do Espinhaço – Seminários do Saber

    O nome encontro dado a esse tipo de evento é muito propício. As pessoas ali estão sempre juntas.
    Comem juntas, dormem juntas, pensam e sonham juntas.
    São encontros e (re) encontros a todo momento.

    Com início na noite de 13 de outubro, uma quarta-feira, o II Encontro dos Povos do Espinhaço foi lindo do começo ao fim.
    Durante quatro dias, foram muitas as experiências vividas em Tabuleiro, distrito de Conceição do Mato Dentro
    que guarda grandes riquezas naturais e onde as pessoas vivem de modo simples e harmonioso com a natureza.

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    Cachoeira de Tabuleiro, a maior queda de Minas Gerais. Foto: Ronildo Prudente

    Várias comunidades que vivem na grande cordilheira do Brasil, a Serra do Espinhaço, estiveram presentes.
    Quilombolas, produtores rurais, assentados, indígenas…e benzedeiras, raizeiras, parteiras, artistas, mestras e mestres!

    As rodas de conversa, as oficinas e outras vivências foram espalhadas por Tabuleiro: na escola, no posto de saúde, no campo de futebol, na praça da Igreja embaixo de uma enorme árvore, na cachoeira.
    Muita troca tinha que acontecer: aquele encontro era só afetividade e sabedoria.
    É dona Helena, mulher benzedeira carregada de  poder, humildade e sabedoria, mostrando as pessoas o caminho certo a seguir.
    É Mária Lúcia, raizeira que respeita a natureza e não hesita em passar o conhecimento adiante.
    A agricultora Maria de Jesus atraiu atenção e admiração dos ouvintes ao falar da associação da qual faz parte.
    Ela é a maior produtora de feijão do município onde vive e neste ano já colheu milhares de milhos provenientes de sementes crioulas.
    Depois de contar a experiência, deixa uma dica: “o que eu acho muito importante é a união.
    Se um vai, todo mundo tem que ir junto”.

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    Foto: Aline Frazão

    Alegria também não faltou. Grupos de tradição, como a marujada, o candombe do Quilombo do Mato do Tição e os Caboclos de Nossa Senhora do Rosário encantaram o público.
    Isso pra citar alguns exemplos.
    Teve também pífano com o grupo Pipiruí, brinquedos de boi, batuque, folia de reis, ciranda, shows, roda de capoeira, teatro, cinema, palhaços e tecido acrobático.

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    Roda de capoeira. Foto: Aline Frazão

     

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    O rapper do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, Ice Band, foi uma das atrações do encontro. Foto: Ronildo Prudente

    Mas o encontro também foi feito de inquietação. Logo na primeira conversa ficou visível um problema comum àquela gente, que se ainda não bateu à porta, é ameaça constante em suas vidas: as águas.
    Na Serra do Espinhaço, que nasce em Belo Horizonte e vai até a Chapada Diamantina, na Bahia, estão presentes nascentes e rios que desaguam no São Francisco, no Jequitinhonha e no Rio Doce (morto pela Samarco).

    Local ancestral e sagrado

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    Foto: Aline Frazão

    Os indígenas Pataxós, de Carmésia, não muito longe dali, presentes no II Encontro dos Povos do Espinhaço,
    puderam sentir a força dos encantados, como disse o cacique Romildo.
    Estávamos em um ritual dentro do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, com vista para a grande lapa que abriga a cachoeira de Tabuleiro, maior de Minas.
    Segundo o cacique, aquela grande pedra serviu um dia de esconderijo para indígenas que estavam sendo perseguidos e massacrados pelos colonizadores.
    Ali era território dos botocudos, a quem Dom João VI declarou guerra por volta de 1801.

    Há registros de ocupação humana na Serra do Espinhaço há pelo menos 10 mil anos.
    O nome Luzia foi dado ao fóssil de uma mulher que viveu nessa época e foi encontrado próximo à Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte.
    Luzia é o esqueleto humano mais antigo encontrado nas Américas.

    A Serra do Espinhaço forma uma cadeia de montanhas carregadas de minerais.
    Apenas uma parte da cordilheira foi considerada reserva da biosfera.

    Mineração: ranço de Minas Gerais

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    Distantes dos centros urbanos mas próximos ao circuito das cidades históricas, cresceram pelas montanhas comunidades como os quilombos e as aldeias.
    No sábado à tarde, uma roda de conversa sobre territórios e desterritorializações falou sobre a ocupação atual dos povos do espinhaço.
    Ali ficou claro que a mineração é um grande problema que ameaça a natureza e as vidas em comunidade.

    Vanessa e Reginaldo, moradores da comunidade do sapo, em Conceição do Mato Dentro, são atingidos pelo projeto Minas Rio, um dos minerodutos existentes em Minas Gerais.
    Há três anos eles sentem o impacto na água, a poeira, o barulho, os tremores nas casas e as doenças.
    A empresa, a Anglo América, retirou os moradores das suas casas, onde eles plantavam e colhiam, e paga o aluguel e a luz.
    Mas as famílias não foram indenizadas. E nenhuma autoridade aparece por lá.

    Segundo Juliana, do MAM – Movimento pela Soberania Popular da Mineração, há em Minas Gerais oito minerodutos, que junto com água limpa, transportam minério. Três desses 8 são da Samarco, a dona da lama de Mariana.
    “Aqui em Conceição a gente vê o povo sem água e a Anglo usando água que daria para abastecer 300 mil pessoas
    indo parar no porto suja de minério”.

    José Helvécio, da comunidade de Passa Sete, disse viver abaixo da barragem de rejeitos da mesma mineradora.
    Conta não ter água nenhuma. Com a mãe de 95 anos acamada, tem de buscar água a 7 quilômetros de casa.
    “Eles queriam por água pra mim da barragem de rejeitos, que os peixes morreram”, conta indignado.

    São muitas as denúncias de violação de direitos humanos. E a natureza? Os rios dessa localidade que não estão contaminados, estão secos.

    E tem a velha história da mineração. As empresas exploradoras vão comprando os terrenos, ocupando todo o lugar, acuando os moradores.

    Governo Golpista

    A toda hora no encontro alguém mencionava o fato de estarmos vivenciando um Golpe de Estado.
    É que a vida desses povos tradicionais melhorou nos últimos anos, com legislações e políticas públicas de incentivo por parte do governo federal (petista).
    Como lembrou o professor Bebeto, esse novo governo tem uma postura bem adversa a essa valorização.

    O momento político não é nada animador, mas a política que se fez ali é animadora. A política do amor e do diálogo, da construção do poder popular.
    E como bem disse Thiago, um dos mobilizadores da Rede Espinhaço, o objetivo é agregar conhecimento, mas também promover ação, proposições em conjunto.
    Por isso mesmo, a rede, composta por associações, pontos de cultura, vilas do saber, aumenta sua teia a cada dia, e prova que os encontros podem muito mudar as pessoas, e o mundo em que vivem.

  • Cinema no rio São Francisco: sobre sonhos, encanto e saudade!

    Cinema no rio São Francisco: sobre sonhos, encanto e saudade!

    Depois de conseguir inflar uma tela com um grupo de amigos de São Paulo, Inácio Neves, um cineasta mineiro cheio de energia e sonhador, decidiu criar um projeto que levaria cinema a pessoas que nunca haviam visto uma tela na vida.

    Desde 2004 as sessões de cinema ao ar livre vêm encantando e emocionando os ribeirinhos. O projeto já passou por mais de 400 cidades: da nascente à foz do Velho Chico. A 11° edição do cinema no Rio São Francisco terminou no último domingo.

    Foto: Andre Fossati
    Foto: Andre Fossati

    Dessa vez, o cinema passou por 10 cidades. A única diversão em muitas delas é o cinema no rio, uma vez por ano…

    A cada parada, um envolvimento, um afeto trocado, e depois uma saudade que fica. As oficinas de fotografia são as primeiras a chegar nas localidades. Crianças, adultos e idosos saem às ruas com os olhos a observar a luz da própria cidade. Antes de cada sessão de cinema, os alunos se veem na tela: um retrato seguido de suas fotos.

    Foto: Andre Fossati

    A produção procura algum artista da cidade que queira se apresentar na abertura da sessão. Manga, por exemplo, descobriu um ótimo violeiro: seu Chiquinho.

    Em Ponto Chique, outra cidade, o grupo de batuque passou a fazer apresentação fora depois da passagem do cinema no rio por lá.
    Um cara gostou muito da apresentação e ajudou. Seu Olímpio disse ter feito show pro Lula, em Brasília. Ele conta todo emocionado.

    As sessões

    Uma tela inflável de 3,60 x 8 metros. Pipoca farta e de graça. Sessões ao ar livre, geralmente em uma praça ou na beira do rio.

    No cinema, documentário sobre os municípios – uma equipe do projeto vai até às cidades antes das exibições e grava com moradores.
    De preferência moradores que tenham muita história pra contar!
    Seu Baixinho, antigo vaqueiro, foi um dos personagens do filme em Matias Cardoso, cidade da segunda parada.

    A equipe foi buscá-lo em casa, e a princípio relutante, se divertiu na sessão e, como disse, achou interessante sua ‘voz ali e depois no mundo’.

    Os ribeirinhos se reconhecem a todo momento nas telas. Como disse Sildete, que nos contou que as crianças ficam na expectativa pra quando vem o cinema no rio de novo, os filmes falam nossa língua: ‘aqueles filmes que passa na tevê a gente quase não entende né’.

    Foto: Andre Fossati
    Foto: Andre Fossati

    Olhares atenciosos e risadas durante o filme Disque Quilombola, em que crianças, por telefone sem fio, contam a amigos sobre o que é o quilombo, sobre os modos de vida e as tradições. Outro que divertiu foi o curta Calango Lengo, um desenho sobre um calango sertanejo que vive fugindo da morte até ver a chuva cair e molhar a plantação.
    Tem documentário sobre o rio São Francisco, sobre a vida de ribeirinhos, e a escolha dos filmes, todos brasileiros,
    torna o cinema no rio especial para aquele povo que ‘visita’.

    Foto: Andre Fossati
    Foto: Andre Fossati

    O cinema e o rio

    Pela primeira vez a equipe do cinema no rio subiu o Velho Chico, rumo à sua nascente, e não rumo à sua foz.
    Partiu de Manga, quase na divisa com a Bahia, e chegou até Pirapora, no norte de Minas. As paradas de exibição foram Manga, Matias Cardoso, Itacarambi, Januária, Pedras de Maria da Cruz, São Francisco, São Romão, Ponto Chique, Ibiaí, Pirapora.

    Para tristeza e nostalgia geral, pelo terceiro ano o projeto não tem equipe por rio, de barco. Apenas por terra.

    O Velho Chico agoniza tanto que não é mais possível navegar em suas águas. Muitas croas, que são bancos enormes de areia no meio do rio, já viraram ilhas.

    Todas as cidades por onde passou o cinema são históricas, com casas estilo coloniais, indicando ali o começo de um Brasil, quando os conquistadores europeus encontraram os indígenas. Depois trazeriam os negros para usar de sua força de trabalho. De modo que são lugares cheios de histórias. Histórias dos seres encantados estão na memória. Alguns dizem que hoje não há mais Mãe D’água, Vapor Encantado.  O caboclo d’água talvez ainda exista. Alguns garantem que sim.

    Dona Bastu, de São Romão, diz já ter dançado com Virgulino, o Lampião. Quando mais nova, já viu caboclo d’água. Era também uma encantadora de peixes, pois era só pisar na água que vinham muitos peixes, como os gigantes dourados, que faziam um verão na água, como diz ela. Com 90 anos e uma vitalidade e sorriso incríveis, não há como duvidar de dona Bastu…

    São mistérios e histórias do São Francisco.

    Foto:Andre Fossati
    Foto:Andre Fossati

    A última parada do cinema no rio, em Pirapora, deixou mais visível ainda que o problema no São Francisco é muito grave. Que o desmatamento tem que parar. E tem-se que plantar, muito.

    Tantas ilhas no meio do rio, tanta margem sobrando, tanto vapor encalhado. O maior deles, o Benjamim Guimarães, já não faz viagem há muitos anos para Juazeiro, na Bahia.  Uma viagem de 7 dias. De Juazeiro a Pirapora gastava-se 9 dias, pois ia-se contra a corrente, subindo o velho chico.

    Tantos anos que seu Carlos não consegue nem pensar. A passeio faz 4 anos.  Há 2 anos o Benjamim não navegava de jeito nenhum, até que a Rede Globo resolveu gravar cenas da novela “O Velho Chico” em um passeio pelo rio. Segundo o contra mestre da embarcação, que encontrei dentro do vapor sentado recebendo alguns visitantes que chegavam de vez em quando, como se ali fosse um museu, a embarcação foi um desastre. O barco ficou encalhado e as cenas foram gravadas com ele parado mesmo.

    Seu Carlos é só lembrança: lembrança de um tempo de longas viagens pelo rio, das pessoas que por ali chegavam, de várias partes do país, do mundo… O rio da integração já não integra.

    Como bem disse o ambientalista e turismólogo Rômulo, as veredas, mãe das águas, estão morrendo, e o cerrado, pai das águas, também está indo embora.

    O que vai sobrar?

    Foto: Andre Fossati
    Foto: Andre Fossati

    Depois de percorrer por todas essas cidades acompanhando o cinema no rio São Francisco, ficam duas impressões: uma é pensar na importância de um projeto como esse. A segunda, e a mais importante, é que é preciso cuidar dos ribeirinhos, para que eles cuidem do rio.

  • Começou o quarto turno

    Começou o quarto turno

    O relatório do senador tucano Antonio Anastasia foi aprovado por 59 votos a 21. Ele representa um balde d’água fria naqueles que lutam contra o golpe. Faltam 5 votos para Dilma. Sobram 5 votos para Temer. Mesmo assim, é ilusão achar que a direita triunfará nesse processo. Com a consolidação da saída de Dilma no fim de agosto, estará aberto o quarto turno da eleição.

     

    Assim como a direita não aceitou a vitória de Dilma nas urnas, boa parte da sociedade jamais vai aceitar sua saída no tapetão. Nesse sentido, os protestos tendem a se intensificar, as ruas tendem a ficar cheias de gente e de pautas que estão sendo reprimidas.

     

    A partir de setembro, o jogo vira. Aqueles que atiravam pedras passam a ser vidraças e com um agravante: dificilmente terão uma bengala para se agarrar. Tudo aquilo que promoveram se voltará contra si. A crise econômica, a crise política, a crise de princípios. Todas as crises fabricadas ou hipertrofiadas cobrarão seu custo.

     

    Por outro lado, aqueles que saem definitivamente do poder têm vasta gama para cobrar os golpistas. A começar pela impopularidade de Michel Temer. 70% da população não o quer. Percentual que buscará sua saída pelos mesmos motivos que cassaram Dilma. Quantidade que deve aumentar quando mais gente perceber o tamanho da fraude que foi aplicada.

     

    O quarto turno também tende a ganhar corpo na medida em que novas revelações de corrupção aparecerem. De pouco adianta Moro, Janot e a grande mídia tentarem abafar as denúncias e revelações, como no caso da Odebrecht. As redes sociais vão martelar na cabeça das pessoas a confirmação de um processo seletivo. Vai ter muita gente com sorriso amarelo rapidamente.

     

    Redes sociais essas que não deixaram cair no esquecimento a blindagem de Eduardo Cunha, os milhões de Temer e Serra. A corrupção do metrô de Alckimin, das escolas de Beto Richa. O #foraPT terá se esgotado, o #foratodos, não.

     

    Para além disso, o quarto turno vai abordar a perda de direitos. Vai combater a iminente precarização da saúde e educação, a alta de impostos, a privatização de setores estratégicos da nossa economia. Mais do que nunca, vai retomar o discurso do padrão de vida dos brasileiros que foi roubado cinicamente pelas elites que nunca se preocuparam realmente com o desenvolvimento da nação. Se de um lado a decepção com Dilma e o PT atingiram seu ápice, de outro, a adoção de uma agenda ultraliberal não foi aprovada nas urnas e a resistência tende a crescer.

     

    O quarto turno está apenas começando para colocar frente a frente aqueles que defendem a plutocracia contra aqueles que querem resgatar a democracia. A história não se escreve em apenas um capítulo.

     

    (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

  • Programa de Temer jamais teria sido eleito nas urnas, afirma Dilma

    Programa de Temer jamais teria sido eleito nas urnas, afirma Dilma

    Camilla Hoshino e Gibran Mendes, com fotos de Leandro Taques, para os Jornalistas Livres

    A presidenta Dilma Rousseff foi o foco das atenções no picadeiro do Circo da Democracia, no Centro de Curitiba, nesta segunda-feira (8). Cerca de 700 pessoas lotaram a tenda azul e amarela, enquanto outras milhares ocuparam as escadarias do Prédio Histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Aos gritos “”Fora, Temer’ e ‘Volta, Dilma’, a plateia assistiu ao discurso de cerca de quarenta minutos.

    “Estamos aqui no Circo da Democracia fazendo a avaliação e a reflexão sobre os caminhos que temos que trilhar daqui pra frente. Temos a obrigação de tentar parar o golpe, porque se eles tiverem oportunidade os estragos serão muito grandes”, afirmou Dilma se referindo ao governo interino e às medidas políticas adotadas nos últimos dois meses. A presidenta caracterizou o golpe institucional em curso como um golpe parlamentar, com motivação política, já que não houve a comprovação de crime de responsabilidade.

    “Se lembrarmos das épocas de resistência da ditadura, veremos que não podíamos falar que estávamos numa ditadura. É típico dos golpes não querer dizer que é golpe”, disse a presidenta sobre o atual cenário de repressão às manifestações sociais no país. “Dar nome aos bois hoje no Brasil é algo extremamente subversivo”, lamentou.

    Como exemplo, ela citou as restrições exigidas durante as Olimpíadas, em que pessoas podem ser presas por dizer “Fora, Temer” dentro do Estádio do Maracanã. Apesar disso, Dilma defende que é fundamental identificar os atores do golpe, que são, segundo ela, a mídia monopolista, o capital especulativo e a parte mais programática da oposição a seu governo que “foi sendo substituída por uma parte mais fisiológica”. Dentro deste último setor estão Michel Temer e Eduardo Cunha.

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    Programa do golpe

    Na avaliação de Dilma, o governo interino impõe ao país um programa que garante apenas interesses de segmentos da elite e que jamais seria aprovado pela pela vontade popular, caso passasse por eleições. “Quem de nós aprovaria o fim do modelo de partilha do pré-sal? quem de nós aprovaria uma PEC que congela os gastos com saúde e edução por 20 anos?, quem aprovaria uma versão da CLT em que flexibiliza a própria jornada de trabalho?”, questiona. Ela condena as atuais previsões de terceirização, como a intenção de reduzir a cobertura de atendimento à população pelo Sistema Único de Saúde, a redução do orçamento do Programa Minha Casa, Minha Vida, além do Bolsa Família.

    Além do ataque ao direito dos trabalhadores, Dilma reforçou a intenção velada dos atores políticos do golpe em impedir as investigações sobre esquemas de corrupção no pais, “estancando a sangria”, como ela coloca, se referindo ao áudio vazado do ex-ministro do Planejamento do governo interino, Romero Jucá.

    Reforma política

    A presidenta eleita também defendeu, publicamente, a realização de um plebiscito que defina duas questões básicas: a realização de novas eleições e uma reforma política. De acordo com ela, o número total de partidos presentes no Brasil hoje — 25 com representatividade no parlamento -, não representa o número de projetos para o País. “Uma coisa é certa: se continuar esse regime, nós vamos ter mais partidos antes que pisquemos o olho. Toda a estrutura de financiamento de campanha, de acesso ao horário eleitoral de televisão e do acesso ao fundo partidário leva a formação de novos partidos, a fragmentação partidária e a desprogramatização dos partidos”, enfatizou.

    Essa repactuação, proposta pelo Plebiscito, precisa necessariamente passar pelas bases do País. “Não pode ser uma repactuação por cima”, afirmou. Este é o caminho para iniciar a recuperação do Brasil, comprometida com a crise política. Sem esta recuperação, na opinião da presidenta, a recuperação econômica do Brasil seguirá atrasada. “Não temos bolhas imobiliária, não temos empresas quebrando, porque se endividaram absurdamente. Nós temos uma crise fiscal com queda de arrecadação. Para sair dela, o que não é possível é o que um seguimento fala ‘que todo mundo paga, menos eu’. Essa é a história do pato”, comparou. Toda essa discussão, segundo ela, passa necessariamente pelo processo democrático tão fragilizado no Brasil.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

     

     

    Movimentos populares

    No palco, Dilma foi acompanhada por senadores paranaenses e lideranças sindicais e de movimentos populares, nem todos favoráveis à proposta do plebiscito por novas eleições. “A militância que está aqui não é golpista, não é traíra. Estamos aqui por consciência política e por vontade própria, porque o nosso projeto é para o bem comum de todo o povo brasileiro”, garantiu Roberto Baggio, coordenador estadual do MST. O militante reforçou o caráter democrático do Circo, onde cabe a diversidade de ideias e de debates. “Mas também expressa a vontade de que o voto dos 54 milhões de brasileiros seja respeitado”, afirmou.

    A presidenta da CUT Paraná, Regina Cruz, centrou suas críticas nos projetos que tramitam no Congresso Federal e que preveem retirada de direitos. “Mais de 60 projetos tramitam no Congresso Federal para retiradas de direito. O primeiro deles é a reforma da Previdência. Eles querem que a classe trabalhadora trabalhe até os 70 anos”, exemplificou. Segundo ela, essa fase do golpe é quando os deputados federais precisam “pagar a fatura para a Fiesp e eles querem que a gente engula esse processo, mas nós não vamos engolir. Por isso vamos às ruas”, assegurou.

    Também participam da mesa Marcelo Lavenére, ex presidente da OAB, conselheiro atual da entidade e autor do processo de impeachment do ex-presidente Collor; Alice Ruiz, poeta e compositora paranaense; Roberto Requião (PMDB); Gleisi Hoffmann (PT) e Vagner Freitas e Regina Cruz, presidente nacional da CUT.

    A Orquestra Latino-americana da Unespar abriu o evento com canções em homenagem às mulheres e à luta dos trabalhadores. O cerimonial trouxe a simbologia feminista com a citação de mulheres poetas, teóricas e militantes.

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