Cinema no rio São Francisco: sobre sonhos, encanto e saudade!

Cinema no Rio Sao Francisco 11 Edição Pedra de Maria da Cruz - MG 30 08 2016 Foto Andre Fossati

Depois de conseguir inflar uma tela com um grupo de amigos de São Paulo, Inácio Neves, um cineasta mineiro cheio de energia e sonhador, decidiu criar um projeto que levaria cinema a pessoas que nunca haviam visto uma tela na vida.

Desde 2004 as sessões de cinema ao ar livre vêm encantando e emocionando os ribeirinhos. O projeto já passou por mais de 400 cidades: da nascente à foz do Velho Chico. A 11° edição do cinema no Rio São Francisco terminou no último domingo.

Foto: Andre Fossati
Foto: Andre Fossati

Dessa vez, o cinema passou por 10 cidades. A única diversão em muitas delas é o cinema no rio, uma vez por ano…

A cada parada, um envolvimento, um afeto trocado, e depois uma saudade que fica. As oficinas de fotografia são as primeiras a chegar nas localidades. Crianças, adultos e idosos saem às ruas com os olhos a observar a luz da própria cidade. Antes de cada sessão de cinema, os alunos se veem na tela: um retrato seguido de suas fotos.

Foto: Andre Fossati

A produção procura algum artista da cidade que queira se apresentar na abertura da sessão. Manga, por exemplo, descobriu um ótimo violeiro: seu Chiquinho.

Em Ponto Chique, outra cidade, o grupo de batuque passou a fazer apresentação fora depois da passagem do cinema no rio por lá.
Um cara gostou muito da apresentação e ajudou. Seu Olímpio disse ter feito show pro Lula, em Brasília. Ele conta todo emocionado.

As sessões

Uma tela inflável de 3,60 x 8 metros. Pipoca farta e de graça. Sessões ao ar livre, geralmente em uma praça ou na beira do rio.

No cinema, documentário sobre os municípios – uma equipe do projeto vai até às cidades antes das exibições e grava com moradores.
De preferência moradores que tenham muita história pra contar!
Seu Baixinho, antigo vaqueiro, foi um dos personagens do filme em Matias Cardoso, cidade da segunda parada.

A equipe foi buscá-lo em casa, e a princípio relutante, se divertiu na sessão e, como disse, achou interessante sua ‘voz ali e depois no mundo’.

Os ribeirinhos se reconhecem a todo momento nas telas. Como disse Sildete, que nos contou que as crianças ficam na expectativa pra quando vem o cinema no rio de novo, os filmes falam nossa língua: ‘aqueles filmes que passa na tevê a gente quase não entende né’.

Foto: Andre Fossati
Foto: Andre Fossati

Olhares atenciosos e risadas durante o filme Disque Quilombola, em que crianças, por telefone sem fio, contam a amigos sobre o que é o quilombo, sobre os modos de vida e as tradições. Outro que divertiu foi o curta Calango Lengo, um desenho sobre um calango sertanejo que vive fugindo da morte até ver a chuva cair e molhar a plantação.
Tem documentário sobre o rio São Francisco, sobre a vida de ribeirinhos, e a escolha dos filmes, todos brasileiros,
torna o cinema no rio especial para aquele povo que ‘visita’.

Foto: Andre Fossati
Foto: Andre Fossati

O cinema e o rio

Pela primeira vez a equipe do cinema no rio subiu o Velho Chico, rumo à sua nascente, e não rumo à sua foz.
Partiu de Manga, quase na divisa com a Bahia, e chegou até Pirapora, no norte de Minas. As paradas de exibição foram Manga, Matias Cardoso, Itacarambi, Januária, Pedras de Maria da Cruz, São Francisco, São Romão, Ponto Chique, Ibiaí, Pirapora.

Para tristeza e nostalgia geral, pelo terceiro ano o projeto não tem equipe por rio, de barco. Apenas por terra.

O Velho Chico agoniza tanto que não é mais possível navegar em suas águas. Muitas croas, que são bancos enormes de areia no meio do rio, já viraram ilhas.

Todas as cidades por onde passou o cinema são históricas, com casas estilo coloniais, indicando ali o começo de um Brasil, quando os conquistadores europeus encontraram os indígenas. Depois trazeriam os negros para usar de sua força de trabalho. De modo que são lugares cheios de histórias. Histórias dos seres encantados estão na memória. Alguns dizem que hoje não há mais Mãe D’água, Vapor Encantado.  O caboclo d’água talvez ainda exista. Alguns garantem que sim.

Dona Bastu, de São Romão, diz já ter dançado com Virgulino, o Lampião. Quando mais nova, já viu caboclo d’água. Era também uma encantadora de peixes, pois era só pisar na água que vinham muitos peixes, como os gigantes dourados, que faziam um verão na água, como diz ela. Com 90 anos e uma vitalidade e sorriso incríveis, não há como duvidar de dona Bastu…

São mistérios e histórias do São Francisco.

Foto:Andre Fossati
Foto:Andre Fossati

A última parada do cinema no rio, em Pirapora, deixou mais visível ainda que o problema no São Francisco é muito grave. Que o desmatamento tem que parar. E tem-se que plantar, muito.

Tantas ilhas no meio do rio, tanta margem sobrando, tanto vapor encalhado. O maior deles, o Benjamim Guimarães, já não faz viagem há muitos anos para Juazeiro, na Bahia.  Uma viagem de 7 dias. De Juazeiro a Pirapora gastava-se 9 dias, pois ia-se contra a corrente, subindo o velho chico.

Tantos anos que seu Carlos não consegue nem pensar. A passeio faz 4 anos.  Há 2 anos o Benjamim não navegava de jeito nenhum, até que a Rede Globo resolveu gravar cenas da novela “O Velho Chico” em um passeio pelo rio. Segundo o contra mestre da embarcação, que encontrei dentro do vapor sentado recebendo alguns visitantes que chegavam de vez em quando, como se ali fosse um museu, a embarcação foi um desastre. O barco ficou encalhado e as cenas foram gravadas com ele parado mesmo.

Seu Carlos é só lembrança: lembrança de um tempo de longas viagens pelo rio, das pessoas que por ali chegavam, de várias partes do país, do mundo… O rio da integração já não integra.

Como bem disse o ambientalista e turismólogo Rômulo, as veredas, mãe das águas, estão morrendo, e o cerrado, pai das águas, também está indo embora.

O que vai sobrar?

Foto: Andre Fossati
Foto: Andre Fossati

Depois de percorrer por todas essas cidades acompanhando o cinema no rio São Francisco, ficam duas impressões: uma é pensar na importância de um projeto como esse. A segunda, e a mais importante, é que é preciso cuidar dos ribeirinhos, para que eles cuidem do rio.

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