Jornalistas Livres

Autor: Victória Cócolo

  • ‘O Homem sem sonhos é como o pássaro de asas quebradas’; Guti Fraga fala sobre arte e democracia

    ‘O Homem sem sonhos é como o pássaro de asas quebradas’; Guti Fraga fala sobre arte e democracia

    De sorriso largo, Guti atende um repórter seguido do outro. ‘Está sem comer desde manhã,’ afirma a assessora. Já eram três e pouco da tarde.

    Antes de começarmos a entrevista, pergunto se quer uma pausa de 15 minutos para poder, enfim, almoçar.  Ele não quer, me convida a entrar na sala aonde ainda pouco gravara com uma emissora regional.

    “Precisamos ser rápidos, preciso pegar o trem ainda hoje”, ele diz. Sem entender muito bem, olho para o papel de parede que reveste a sala e vejo a ilustração de um trem, dou risada e, de cara, simpatizo com a figura humilde e simpática, responsável por trabalhos icônicos da tv e do cinema brasileiro.

    Gotschalk da Silva Fraga, nascido em Alto da Garças (Mato Grosso), em 15 de março de 1952, conhecido como Guti Fraga, é um ator e diretor de teatro. Formado em jornalismo, conheceu o teatro Mambembe em Goiânia e de lá partiu para Argentina, aonde cursou agronomia, medicina e teatro ao mesmo tempo, na década de 70. Com o golpe militar no país hermano, acabou retornando ao Brasil.

    Começou a trabalhar com teatro em 1977, quando se mudou para o Rio de Janeiro. Em 1986 fundou a ONG Nós do Morro, da qual foi presidente, diretor artístico, professor e administrador.

    Há 32 anos o Nós do Morro é responsável por democratizar a arte, levando o conhecimento cênico e da área técnica do teatro, para o Morro do Vidigal. O projeto formou atores para o filme Cidade de Deus, entre eles Jonathan Haagensen, Micael Borges, Thiago Martins, Roberta Rodrigues, Marcelo Melo Jr., Sabrina Rosa, Cintia Rosa, Mary Sheila e Roberta Santiago.

    Entre os dias 11 e 14 de setembro, a Fundação Nacional de Artes (Funarte) realizou em Campinas (SP) onze oficinas de capacitação nos segmentos de artes cênicas, música e artes visuais. Guti Fraga ministrou uma das oficinas e aproveitou a oportunidade para bater um papo com os Jornalistas Livres sobre arte e democracia.

    Confira as principais partes da entrevista abaixo.

    Guti Fraga em oficina de teatro, promovida pela Funarte, em Campinas (SP). Foto/Hebe Rios

     

    JL: Qual a importância de levar a arte pro morro, democratizar a arte?

    Eu acho que nós vivemos numa sociedade em que uma classe social não tem nem a oportunidade de sonhar, então o “Nós no Morro” propõe a oportunidade de criar uma porta para os sonhos, com todas as dificuldades para sustentar e manter o projeto. Mas é satisfatório saber que muita gente conseguiu encontrar esse caminho e a possibilidade através da arte, inclusive o da própria sustentabilidade. Afinal, o Homem sem sonhos é como o pássaro de asas quebradas, não dá para viver sem sonho.

    JL: Vivemos num momento crítico para a arte, no país. Além da falta de investimento, temos um governo e uma parcela social que questiona a existência do papel da arte e até a necessidade de um ministério da cultura. Como é ser artista num momento com tantos conflitos neste meio?

    Ser artista, ou trilhar para este caminho neste momento, é um ato de resistência. Veja o Nós do Morro, 32 anos de vida e estamos sem patrocínio há um ano. A gente ainda não fechou porque temos um certo voluntarismo. Eu acabei de deixar de fazer uma novela para dar aula para três turmas para tocar o projeto, é uma escolha de vida. Apesar de tudo eu me sinto muito privilegiado. Eu não escolhi isso, fui escolhido pelos Deuses da arte. Nunca fiz favor para ninguém, eu é que ganho com a troca. A relação humana é muito forte na vida, pequenos atos fazem a diferença.

     

    JL: Muito se fala sobre o que vocês proporcionam às pessoas, mas e o contrário? o que essas pessoas proporcionam para vocês, os voluntários? Em que pontos eles mais te tocam?

    As pessoas me tocam o tempo inteiro. Construir o artista é como construir uma casa. Primeiro o pedreiro constrói o alicerce. Ultimamente eu tenho estado muito otimista com o alicerce da classe pobre. Depois que eu comecei a estudar, escutar mais da batalha de slam dentro do Brasil, eu comecei a ver que a classe pobre tem um alicerce que é o intelecto. Ver tantas pessoas nas batalhas de slam, que jogam tudo o que pensam sobre o país, a vida, sobre tudo, de uma maneira tão inteligente, é incrível. Não tem dinheiro, mas tem inteligência e isso não tem dinheiro que pague.

     

    .JL: Você está otimista com as eleições, acha que dependendo dos resultados, vamos conseguir ter um investimento maior em cultura, mudar os rumos da arte?

    É um momento trash para falar sobre isso. Eu concordo quando o Alcione Araújo, que escreveu “As irmãs Siamesas”, diz que a arte é educação. Temos muito o que mudar no país em relação a isso, precisamos de alguém que entre e tenha essa consciência, como na época do Gil. Principalmente nesta época, a cultura foi se transformando, se ampliando para toda a classe social, isso é o que a gente espera.

    Não vejo essa esperança, mas dentro de mim, dentro de nós, se a gente vai somando, as diferenças ficam de fora e podemos ficar de mãos dadas em prol de objetivos em comum, prefiro acreditar nisso.

     

     

     

  • Estão aplicando manual da desestabilização na Nicarágua’, diz embaixadora

    Estão aplicando manual da desestabilização na Nicarágua’, diz embaixadora

    A Nicarágua passa por um período turbulento marcado por intensos protestos contra o governo do presidente Daniel Ortega, reeleito em 2016 pela Frente Sandinista de Libertação Nacional. A cobertura internacional das manifestações tem destacado, em geral, a repressão aos participantes do movimento oposicionista, relatando prisões e até mesmo mortes.

    Em entrevista ao Brasil de Fato, a embaixadora da Nicarágua, Lorena Martinez, defende que os protestos, iniciados por conta de uma proposta de reforma da previdência, já não tem mais razão de ser e tem sido instrumentalizados pela direita e pelo empresariado. Para ela, aplicam em seu país o mesmo “manual da desestabilização” utilizado em outros países, incluindo a Venezuela e o próprio Brasil.

    Martinez afirma que as manifestações na Nicarágua hoje contam com a presença de indivíduos pagos que se valem do emprego de armas de fogo e violência. A diplomata afirma, em resumo, que há contra o governo sandinista uma tentativa de “golpe de Estado”.

    Brasil de Fato: As notícias que chegam ao nosso país ressaltam a repressão policial às manifestações. Há, inclusive, uma certa confusão sobre o que reivindicam os protestos. O que realmente se passa na Nicarágua?

    Lorena Martinez: Desde 18 de abril há protestos na Nicarágua. Antes dessa data, estávamos trilhando um bom caminho: crescendo economicamente, com bons níveis de redução da desigualdade e de inclusão social.

    Os protestos surgiram por conta do tema da reforma da previdência, que, realmente, era um pedido do FMI. Nós temos um programa com o FMI. O governo não aceitou a proposta do FMI, pois era muito ruim. Propôs outra, que afetava mais o setor empresarial. Afetava a população também, mas era muito melhor que o projeto do FMI. A partir daí surgem os protestos, em alguma medida, com legitimidade. De outro lado, os empresários se aproveitaram. Eles têm a atitude de nunca deixar alguém mexer em algo que afete seus rendimentos. Os empresários, que não queriam contribuir mais, se envolveram.

    O governo, depois de muitos dias de protestos retirou a proposta inicial, mas os protestos continuaram, sob o argumento de que havia repressão.

    Como entender a atuação da Polícia Nacional nesse contexto? Há repressão?

    A Polícia [da Nicarágua] é muito nova, tem 39 anos. A mesma idade da Revolução. Não é uma polícia repressora. O governo e o presidente Ortega não têm como objetivo reprimir o povo. É um presidente oriundo de uma Revolução. Os comandantes da Polícia e o presidente sofreram tortura, foram alvo da repressão. Sofreram muitas coisas que agora os acusam. Nossa Polícia tem valores revolucionários, não foi construída para assassinar o povo.

    No momento em que houve muitos protestos, teve que atuar como em todos os países. Há mortos dos dois lados. No início, falava-se que eram estudantes. Mas agora não são estudantes, são pessoas pagas para continuar os protestos e continuar nas barricadas.

    Quando o presidente Ortega chamou uma mesa de diálogo com os manifestantes, para que eles colocassem sua demanda, no primeiro dia, pediram a renúncia do presidente. Como se faz negociação sendo que o único ponto da agenda é a renúncia de uma pessoa eleita com quase 72% dos votos e com um grande apoio popular?

    Há manifestantes armados, então? As imagens que nos chegam mostram apenas o uso de rojões.

    Aqueles que permanecem protestando são extremamente violentos. Estão assassinando pessoas que se identificam como sandinistas. Se tornou um movimento ideológico, uma ação partidária. Há muitas casas incendiadas apenas por serem de familiares de dirigente ou parlamentar sandinista.

    A população que estava protestando inicialmente não está mais nas ruas.  Essa violência jamais foi vista em nosso país. O nível de ódio é assustador. São pessoas pagas por “programas especiais”, que chegam em nome da democracia, da liberdade de expressão, com financiamento para “jovens líderes”, e que depois desembocam nessa atuação.

    Eles estão armados. Nós temos fotos. Eles têm armas de alto calibre. Não estão só com rojões, como eles dizem. Ainda que os rojões também matem. São pessoas destruindo a propriedade privada e a pública. Muitos diretórios sandinistas estão sendo queimados.

    Além disso, já se demonstrou que várias ações violentas foram realizadas com o intuito de responsabilizar a Polícia sandinista.

    O Brasil passou por uma onda de protestos em 2013, iniciados por uma reivindicação a respeito de tarifas de transporte. Muitos avaliam que, ao final, estes protestos foram canalizados pela direita. É essa a visão que o governo sandinista tem do atual processo?

    Na Nicarágua, estão aplicando o manual da desestabilização. A mesma coisa que fizeram na Venezuela, aqui, em outros países, estão fazendo na Nicarágua. Há [por exemplo] manipulação de fotos: coisas que aconteceram em outros países e que passaram por montagens. Dizem que é “um assassinato cometido pela Polícia Nacional”, mas não é. Há a imagem de uma idosa que foi vítima de violência doméstica e que tem sido utilizada como vítima de violência policial na Nicarágua durante o Dia das Mães. Há uma manipulação grande. Temos uma grande preocupação em combater as notícias falsas, mas as fake news são mais rápidas do que qualquer outra coisa.

    Você citou a divulgação de fake news. Como têm se comportado os meios de comunicação na Nicarágua?

    Os meios de comunicação são poucos e estão em poucas mãos. A mesma família, normalmente. Sempre foram anti-sandinistas. Não é algo novo. Tanto os empresários, como parte da Igreja Católica, e os meios de comunicação, demonstram seu anti-sandinismo não é de agora, é desde sempre.

    Desde o triunfo da Revolução, passando pelos 17 anos de neoliberalismo, sempre essa foi a atitude. Mostra que a esquerda são os “bandidos da história”. Neste momento, os meios de comunicação estão se prestando à manipulação da informação, ao incentivo do ódio, da violência.

    Em relação ao financiamento de ‘novas lideranças’ e organizações não governamentais, a Nicarágua entende esse processo como ingerência internacional em seus assuntos internos?

    Esse tipo de financiamento tem sim o objetivo de desestabilizar os países. Há vários programas pra fortalecer os focos de oposição ao governo. Os milhões que chegam não são para apoiar o povo da Nicarágua. Estão apoiando diretamente as ONGs que, supostamente, deveriam atuar em um tema determinado. Esses jovens vão para os países de onde vêm esses financiamentos para conhecer as fórmulas e métodos que vão utilizar depois.

    Além da renúncia de Ortega, há mais alguma coisa sendo reivindicada pelos manifestantes?

    Não têm nenhuma proposta. Primeiro porque são muito pequenos. São minoria. Os partidos envolvidos não tem uma boa representação na Câmara de Deputados. Não tem grande expressão social. Não há proposta de governo. Circularam memes com imagens de mensagens que eles supostamente estariam trocando, nas quais eles discutiam uma junta interina de governo. É isso que eles querem, chegar ao poder sem a necessidade de passar por eleições. Com votação popular, eles não passam. Que façam um trabalho político, partidário, participem das eleições. Não há razão para adiantar eleições ou para a saída do presidente.

    Há grupos armados pedindo a saída de Ortega. O governo encara a continuidade dos protestos como um golpe de Estado, então?

    É um golpe de Estado. Ou melhor, é uma tentativa de golpe. Querem dar um golpe. É um grupo que quer desestabilizar o governo. Se um governo sai pelo desejo de uma minoria, isso é um golpe de estado.

    Edição: Tayguara Ribeiro

    Fonte: Brasil de Fato

  • Manuela D’ávila: “É preciso vencer as eleições para barrar o governo e os projetos neoliberais”

    Manuela D’ávila: “É preciso vencer as eleições para barrar o governo e os projetos neoliberais”

    Pré-candidata à Presidência da República e deputada estadual gaúcha pelo PCdoB, Manuela D’Ávila reuniu cerca de mil pessoas em um debate na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), realizado pelo Diretório Central dos Estudantes, na quinta-feira (28).

    No encontro, apontado como o maior ato de pré-campanha até o momento, Manuela comentou pela primeira vez a participação no programa Roda Viva, que repercutiu depois do tratamento dado à candidata, além de elencar as prioridades de sua campanha e do (possível) plano de governo.

    “Existe um preconceito muito grande de gênero que acomete a maior parte das mulheres, na estrutura desigual desse país. O que há de novo não é o fato. É a sétima eleição que eu disputo sendo submetida a esse tratamento, o que há de novo e extraordinário é a reação da sociedade brasileira a isso”, diz a deputada.

    Foto:Karla Boughoff
    Pré candidata do PCdoB lota auditório da Unicamp, em debate sobre as eleições de 2018. (Foto;Karla Boughoff/ Jornalistas Livres)

    Em entrevista à imprensa, Manuela afirmou que sua prioridade é vencer as eleições presidenciais. “É preciso vencer para barrar o governo Temer, que representa este projeto neoliberal de destruição do Estado e dos direitos do povo brasileiro”.

    Contra a prisão do ex-presidente Lula, quando perguntada sobre ter ressalvas ou arrependimentos em relação à ficha limpa, a deputada afirmou que a esquerda “desconsiderou o que são os julgamentos no Brasil”.

    “Subestimamos julgamentos de políticos mais comprometidos com interesses do capital, e a velocidade e forma com que acontecem julgamentos sem provas. Mas isso é algo que é comum no Brasil, porque os jovens brasileiros negros são presos sem nem sequer serem julgados, então faz parte do nosso sistema judiciário”, afirma a pré-candidata do PCdoB.

    Coletivos feministas da cidade homenagearam e se solidarizaram em relação aos ataques machistas que a deputada vêm sofrendo, não só no programa Roda Viva, mas ao longo de sua campanha. Mesmo após a questão do gênero se fazer presente durante toda a discussão, no horário reservado para as perguntas da plateia, um homem que se dizia “uma das poucas personalidades ricas do Brasil”, usou mais de sete minutos do tempo concedido para que apresentasse sua questão, para discursar a favor dos candidatos de esquerda limitando, ainda mais, o tempo de resposta da pré-candidata.

    Participantes seguram placa com a frase “Deixa elas falarem” (Foto;Karla Boughoff/ Jornalistas Livres)

    Manuela deixou a Unicamp prometendo responder às questões que não pôde responder, por falta de tempo. Mas deixou claro durante o evento que acredita ser necessária a renovação do Congresso brasileiro.

    “Não apenas renovar, como é feito a cada legislatura, mas renovar os sobrenomes, aumentar a participação de negros e negras, de jovens comprometidos com o desenvolvimento do trabalho, da renovação das políticas, concluí a pré-candidata.

    Ouça a fala de apresentação da candidata na íntegra. 

     

     

  • Guilherme Boulos: “É momento de ousar, propor novas alternativas, colocando o dedo na ferida e enfrentando os privilégios”

    Guilherme Boulos: “É momento de ousar, propor novas alternativas, colocando o dedo na ferida e enfrentando os privilégios”

    Pré-candidato à Presidência da República pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL),  Guilherme Boulos, aproveitou a última semana para fortalecer sua candidatura em uma das principais cidades do interior de São Paulo, Campinas (SP).  O psolista, que esteve na cidade durante quinta e sexta- feira, 14 e 15 de junho de 2018, participou de um debate no teatro de arena da praça do Ciclo Básico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e conversou com a imprensa local.

    Entre os compromissos com os grandes veículos de comunicação, Boulos , junto da candidata ao governo do Estado de São Paulo, a professora Lisete Arelalo,  reservou parte da agenda para atender a mídia independente e conversou  com os Jornalistas Livres sobre suas motivações para se candidatar a presidência, além do seu plano de governo.  Confira a entrevista abaixo.

    JL:  Antes de começar, agradecemos por ter concordado em conversar conosco hoje. Boulos, por que você resolveu se candidatar e como a sua candidatura vai contribuir para o cenário político atual?

    GB: Primeiro eu que agradeço, admiro muito o trabalho dos Jornalistas Livres, acho que temos que democratizar a mídia brasileira e fazer isso também com as próprias mãos. Não apenas lutar pela democratização, mas fazê-lo, assim como fazem os Jornalistas Livres, como faz a Mídia Ninja, como fazem vários órgãos de democratização no Brasil.

    A nossa pré-candidatura tem o objetivo de apresentar um novo projeto para esse país. Nós vivemos numa crise econômica, política e ética, uma crise de futuro e de esperança no Brasil. Essa crise passa pelo abismo que se formou entre Brasília e o poder, e o Brasil real, a sociedade.

    Nós precisamos enfrentar esse abismo com um novo jeito de fazer política, que passe por uma construção de aproximar o poder das pessoas, uma construção que não tenha medo de tocar em questões fundamentais, na desigualdade, nos tabus, em questões que são caras, para aqueles que querem liberdade para transformar a sociedade brasileira. Estamos levando a diante um projeto de renovação, que vai muito além das eleições. É um projeto para construir uma perspectiva de futuro da esquerda brasileira.

    JL: Você diria que têm prioridades dentro do plano de governo que está traçado? Se sim, quais?

    GB: A nossa maior prioridade é enfrentar a desigualdade. O grande problema nacional se chama desigualdade. Desigualdade de riqueza, de renda, de patrimônio, desigualdade racial, de gênero, desigualdade regionais, esses temas são essenciais hoje no nosso país, sempre foram, na verdade. Enfrentar a desigualdade significa ter a coragem de enfrentar privilégios.

    Nos treze anos do governo PT foi possíveis ter avanços sociais para os de baixo, com políticas públicas, programas sociais, aumento salarial. Isso sem enfrentar frontalmente os privilégios dos de cima. Aliás, os de cima continuaram ganhando até mais. Foi possível um ‘ganha ganha’, um arranjo social.  Quando a crise apertou, o cobertor ficou curto. Não tem espaço para aumentar o direito das maiorias sociais e ter políticas sociais no Brasil, sem enfrentar os privilégios do 1%, não dá mais. Nós não vamos governar para o mercado, nós vamos governar para os 99% do povo brasileiro.

    JL: A quantidade de candidatos lançados unifica ou divide a esquerda?

    GB: Temos que olhar a esquerda na diversidade que ela representa. Nós não podemos jogar nenhuma diferença pra baixo do tapete. Aqueles que querem transformar a sociedade brasileira não podem compartilhar de um pensamento único. É uma coisa atrasada, que mata o espírito crítico. Não é saudável para a esquerda compartilhar de pensamento único. Ao mesmo tempo, a esquerda tem que ter maturidade para estar unida naquilo que é fundamental: nos princípios, na defesa da democracia, na defesa dos direitos sociais, exigindo justiça por Marielle [Franco], exigindo liberdade para o Lula, combatendo todos os retrocessos representados pelo governo Temer.

    A esquerda também tem que aprender com as lições desse último processo. Não dá para aceitar, depois de tudo o que aconteceu, os setores do campo progressista recomporem alianças com partidos que deram o golpe e que estão na base parlamentar do Michel Temer. Isso é inadmissível, não dá pra aceitar, num momento como esse, tão grave da nossa história, ainda fazer composições com setores que só mostraram que querem espoliar a maioria do nosso povo. É momento de ousar, colocando novas alternativas, colocando o dedo na ferida. Enfrentando privilégios.

    JL: Na última eleição elegemos o congresso mais conservador em muitos anos, como revertemos esse cenário? Como eleger um congresso mais progressista?

    GB: O sistema político brasileiro, sobre tudo na eleição do congresso, está muito ligado às oligarquias locais.  No momento em que o Lula tinha 80% de popularidade, a bancada do PT era 15% do congresso. É uma expressão de como a eleição no congresso, no geral, não expressa a eleição presidencial e está ligada a fatores mais oligárquicos, clientelistas.

    Nós temos que enfrentar isso, isso significa ousar, apresentar uma bancada, uma chapa, que tenha representatividade, que tenha compromisso com os de baixo. É importante apresentar alternativas para renovar o parlamento brasileiro e estaduais, não só com renovação de nome, mas com renovação de práticas, princípios, bandeiras. Isso é fundamental que se construa.

    Ao mesmo tempo, nós precisamos entender que esse jeito de fazer política está esgotado. O presidencialismo de coalizão chegou ao limite. Troca de votos no congresso por cargos no governo, financiamento de partidos por grandes empresários e banqueiros, essas pessoas depois cobram a conta em vantagens no governo e no parlamento. Esse é o sistema político brasileiro. Nós temos que oxigenar a política no Brasil com uma nova forma de fazer.  Isto significa nós trazermos os maiores interessados para o centro da discussão, o povo.  Com plebiscitos, referendos, ampliando uma democracia participativa. Isso para nós é essencial.

    JL: Você acredita que vivemos a democracia de forma plena?

    GB: O Brasil nunca viveu uma democracia plena. A democracia nunca chegou às periferias. Não existe democracia política quando não há democracia econômica e social, isso nunca teve. O que nós tínhamos de democracia foi resultado de muita luta de movimentos sociais.

    Com toda a fragilidade, a democracia que foi conquistada foi alcançada com luta social, com mobilização e ela está se perdendo cada vez mais. Nós vemos retrocessos democráticos profundos e temos que estar todos juntos para barrar esse processo.

    JL: Quais são seus planos econômicos para o país?

    GB: Nós temos que retomar investimento do público, nenhum país do mundo sai da crise sem investimento público. Vamos retomar o investimento público para gerar emprego, renda e distribuir essa renda sobretudo.

    Vamos fazer isso através de uma reforma tributária progressiva, cobrando de quem mais tem. Com taxação de grandes fortunas, com tributação de lucros e dividendos, com o aumento da alíquotas de imposto sobre herança. Com a criação de nova da faixa do imposto de renda, já que hoje é um absurdo. Um professor universitário pagar a mesma alíquota que o Neymar, não dá. Então nós vamos enfrentar essa farra da regressão fiscal no Brasil, dos juros da dívida pública, do sistema financeiro como um sistema espoliador – os bancos podem fazer o que querem, é uma república dos bancos isso aqui- e vamos garantir investimento público, para o bem da maioria do povo brasileiro.

    JL: Em um artigo que você escreveu para a Carta Capital recentemente sobre saídas não autoritárias, você fala sobre ‘a verdade ser revolucionária’, em quais casos a verdade pode ser revolucionária? 

    GB: Eu acho que a verdade é sempre revolucionária, ainda mais em tempos de tantas mentiras, em tempo de tanta intolerância e de ausência de debate público verdadeiro.

    Agora no contexto desse artigo, estava falando de algo muito específico, que é o passado da ditadura militar brasileira.  Quando a gente ouve vozes falando de intervenção militar, quando a gente vê um cidadão detestável, como vemos o Jair Bolsonaro propagando o ódio, a violência, fazendo apologia a tortura, nós temos que lembrar que do que aconteceu em 21 anos de ditadura no Brasil, e que segue voltando. Esse passado tenebroso segue assombrando o presente e comprometendo o futuro porque não foi resolvido. Porque não houve memória, verdade e justiça, e é por isso que nós defendemos como uma questão para o futuro do Brasil, a revogação da Lei da Anistia e a punição dos crimes da ditadura militar.

    Assista a entrevista na íntegra. 

     

    Quem é Guilherme Boulos?

    O paulista Guilherme Boulos é pré-candidato à Presidência da República, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), junto com a líder indígena Sônia Guajajara. Com apenas 35 anos, Boulos é o candidato mais novo da história brasileira.

    Coordenador do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e do coletivo Povo Sem Medo, Boulos é filho de dois médicos e professores da Universidade de São Paulo (USP).  É formado em filosofia pela USP, psicanalista, professor e escritor. Diferente da maior parte dos brasileiros, tomou a decisão de deixar a casa dos pais e mudou-se para a Ocupação Carlos Lamarca, do MTST, em Osasco, grande São Paulo, dois anos após se formar na faculdade. Atualmente, vive no Bairro Campo Limpo, junto da esposa e das duas filhas, em São Paulo (SP).

     

     

     

     

     

  • Alunos da PUC-Campinas são condenados por SUPOSTA INTENÇÃO de ocupar universidade

    Alunos da PUC-Campinas são condenados por SUPOSTA INTENÇÃO de ocupar universidade

    Seis estudantes da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas foram condenados culpados pela justiça, por uma suposta intenção de acampar no Campus I, da universidade, localizada na região do Parque das Universidades, em Campinas (SP).

    Os estudantes foram sentenciados a arcar com parte dos custos que a universidade teve com o processo no período entre 2016 e 2018.

    O processo aconteceu após uma plenária convocada para discutir pautas político-sociais contundentes na época. No caso, a PEC 241/55 – sobre o congelamento de investimentos nas áreas da saúde e educação que tramitava no Senado; a Reforma do Ensino Médio; e a permanência estudantil na universidade. A reunião aconteceu na Praça de Alimentação da PUC, no dia 9 de novembro de 2016 e contou com a participação de cerca de 60 estudantes.

    O evento foi realizado num contexto pós-impeachment, em que universitários ocupavam reitorias por todo o Brasil, em forma de protesto contra o golpe e os retrocessos. Inclusive, nas Pontifícias dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

    Os alunos participantes da assembleia afirmam que durante todo o evento foram interpelados e questionados por funcionários que estavam presentes no ambiente e que chegaram a colaborar, explicando a razão de estarem reunidos. Mesmo assim, os funcionários em questão não deixaram o local sob a alegação que prezavam pela segurança dos próprios alunos e começaram a gravar o debate.

    Doze horas depois, cinco estudantes do curso de Artes e um do curso de História receberam a visita de um Oficial de Justiça, dentro das dependências da própria universidade, onde souberam que estavam sendo intimados.

    Os envolvidos no episódio alegam que os alunos processados se tratavam de bolsistas ou dependentes de programas sociais para permanecer em seus respectivos cursos. Além de serem todos alunos do quarto ano, condição que poderia impedir a graduação.

    Uma aluna que acompanhava o evento, também estudante do curso de Artes, afirma que uma das alunas intimadas não estava presente no dia da plenária.

    Uma manifestação em apoio aos estudantes e pela liberdade de expressão dentro da universidade aconteceu na semana seguinte.

    Mesmo sem sinais de que os alunos pretendiam ocupar a universidade ou até mesmo o interrompimento de qualquer atividade, os alunos foram considerados culpados e sentenciados a arcar com parte dos custos do processo movido pela PUC-Campinas.

    CONFIRA A DECISÃO NA ÍNTEGRA:

  • Ocupação Nelson Mandela, de Campinas (SP), denuncia abandono de terreno em que sofreram reintegração de posse há um ano

    Por: Ana Carolina Haddad

    Depois de um ano em que sofreram reintegração de posse, a Ocupação Nelson Mandela voltou ao terreno em que a ação foi realizada para denunciar o abandono da mesma. Na época, 600 famílias foram expulsas da comunidade, localizada no Jardim Capivari no distrito Ouro Verde, por meio de uma ação truculenta da Policia Militar, em 28 de marco de 2017. O proprietário da área havia conseguido o mandado com a justificativa que o terreno seria utilizado.

    O advogado representante da Ocupação Mandela, Irineu Ramos, criticou a negligencia do poder público municipal com a população que espera por ações da Companhia de Habitação de Campinas (COHAB) para ter um lugar para morar.

    “A reintegração de posse da comunidade Nelson Mandela do terreno ocupado pelas famílias evidenciou como o poder público é convivente com os abusos da propriedade privada e a usurpação da função social destas propriedades. Promovida a reintegração, as famílias continuam sem moradia, perambulando entre os terrenos inutilizados que formam grandes vazios na área urbana. O Município não toma providências efetivas para garantir moradia para as milhares de famílias inscritas na Cohab enquanto consente com a inutilização ou subutilização de áreas que deveriam ser desapropriadas e destinadas à moradia popular”.

     

    Hoje, a Ocupação Nelson Mandela se encontra no Jardim Nossa Senhora Aparecida, no mesmo distrito, na mesma cidade. São 108 famílias que continuam resistindo e lutando.