Jornalistas Livres

Autor: Caio Santos

  • PM censura manifestações contra Bolsonaro durante Carnaval de Belo Horizonte

    PM censura manifestações contra Bolsonaro durante Carnaval de Belo Horizonte

    O Carnaval de Belo Horizonte abriu com uma tentativa de censura por parte da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). O capitão Lisandro Sodré, do 13º Batalhão, ameaçou abandonar o policiamento do Desfile do Bloco Tchanzinho da Zona Norte após um dos vocalistas puxar um canto de repúdio a Jair Bolsonaro (PSL) e de apoio ao ex-presidente Lula.

    [aesop_video src=”youtube” id=”pVpkLgn3nlE” align=”center” caption=”O portal de notícias BHAZ registrou o grito puxado por um dos vocalistas do Tchanzinho da Zona Norte.” disable_for_mobile=”on” loop=”off” controls=”on” autoplay=”off” mute=”off” viewstart=”on” viewend=”on” revealfx=”off” overlay_revealfx=”off”]

     

    Dezenas de milhares de pessoas acompanhavam o cortejo do bloco, que desfilava  pela avenida Sebastião de Brito, no bairro Dona Clara, na região da Pampulha. O evento transcorria normalmente até cerca das 20 horas, quando um dos cantores clamou “Bolsonaro é o cara*** e Lula Livre”. Após a manifestação, Sodré subiu no trilho elétrico do bloco e afirmou que ia abandonar a segurança da festa caso o grito se repetisse.  “Ele falou que se a gente continuasse, ele iria embora.” declarou Laila Heringer, uma das organizadoras do Tchanzinho, à Rádio Itatiaia:

    “A gente se sentiu intimidado com relação à nossa liberdade de expressão. Nós também nos preocupamos com a segurança de todas essas pessoas que vieram fazer essa festa linda e estão curtindo em paz. E a gente está sendo censurado? Eu não estou entendo o que está acontecendo”

    Também a rádio Itatiaia, o major Sérgio Dias, comandante da 16ª companhia do 13º batalhão da PM, sugeriu que os cantores do trio elétrico fizeram um “estímulo a violência” ao criticar Bolsonaro:  “Todos nós acompanhamos as eleições no ano passado e como o clima ficou acirrado, como ficou polarizado. Isso não pode ser transportado para um evento carnavalesco. Essa foi a orientação.”

    O porta-voz da Polícia Militar, Major Flávio Santiago, admitiu para o portal BHAZ que a polícia vai agir para “coibir manifestações políticas” no Carnaval. “É um ambiente em que não há previsão de manifestações políticas. Como pode haver divergências de opiniões, em um ambiente com muitas pessoas, pode haver uma perda de controle, prejudicando a segurança, podendo provocar até uma briga generalizada, com necessidade de uso de instrumento de menor potencial ofensivo”, afirmou o major.

    Se o objetivo era evitar violência, o resultado foi o oposto. Sentindo-se autorizados pela polícia, vários LGBTfóbicos começaram a agredir parte do público. Logo após a intervenção do policial Lissandro, um homossexual foi agredido a socos após ser chamado de “viado”. O conflito foi tanto que o desfile teve que terminar mais cedo que o previsto, explica o bloco Tchanzinho da Zona Norte em nota publicada na tarde de sábado (02/03):

    “atitudes como a do capitão Lisandro Sodré, ao contrário de estimular uma convivência pacífica entre pessoas de posicionamentos políticos divergentes (como sempre ocorreu em nossos desfiles), se presta à incitação de atos de intolerância por parte de foliãs e foliões, que se vêem legitimado por atitudes de semelhante intolerância vindas de uma instituição pública de tamanha importância, como é o caso da Política Militar.”

     

     

     

    No texto, o bloco reforçou o caráter político da festa e afirmou que pedirá aos orgãos públicos competentes, como a Corregedoria da PM e o Ministério Público, se expressem e tomem medidas cabíveis.

    O Carnaval é político

    Ao contrário do que dizem os militares, o Carnaval em Belo Horizonte é tradicionalmente um evento político. Hoje com um público estimado de 4,6 milhões e com mais de 600 cortejos de rua, o feriado na capital mineira é uma das maiores festas do Brasil. No entanto, ele se distingue por ter surgido e crescido justamente devido a uma década de manifestações populares. Organizadas por diferentes movimentos urbanos, essas manifestações apelavam para a estética carnavalesca como forma de mobilizar a população e reivindicar diversas demandas sociais. Foram justamente nesses atos políticos que muitos dos blocos atuais foram formados, alguns como o Alô Abacaxi e Angola Janga compostos justamente para defender direitos dos negros, das mulheres e dos LGBTs. Mesmo após se tornar massivo, manifestações, performances e gritos políticos são e sempre foram de praxe durante o evento.

    Para mais detalhes sobre o resgate do Carnaval de Belo Horizonte pelos movimentos de rua, clique aqui.

     

    *Reportagem original foi revista às 14:01 do 2 de março de 2019 para acrescentar o posicionamento oficial do Bloco Tchanzinho da Zona Norte.

  • MORADORES SÃO ATACADOS PELA PM DURANTE MANIFESTAÇÃO PACÍFICA EM BELO HORIZONTE

    MORADORES SÃO ATACADOS PELA PM DURANTE MANIFESTAÇÃO PACÍFICA EM BELO HORIZONTE

    Um ato pacífico sofreu repressão pela Polícia Militar de Minas Gerais na manhã de hoje, 29/01, em um trecho do anel rodoviário de Belo Horizonte. Centenas de habitantes das ocupações William Rosa, Marião e Prof. Fábio Alves manifestavam em solidariedade às vítimas de Brumadinho e pelo seu direito à moradia. Pelo menos duas pessoas foram detidas.

    Os movimentos reivindicavam a continuidade das negociações com o governo do Estado e opunham-se ao despejo iminente das famílias que vivem na Ocupação Prof. Fábio Alves, localizada na região do Barreiro. No decorrer do protesto, a vereadora Bella Gonçalves e sua equipe chegaram ao ato e ajudaram a mediar um acordo dos moradores com a polícia para a liberação das pistas. “A nossa função era garantir um canal de comunicação e evitar qualquer tipo de violência. Se essa comunicação existisse, a manifestação nem sequer teria acontecido”.

    Edinho Vieira/ Equipe Gabinetona

    Logo antes de decidirem dispersar, a PM lançou bombas de fumaça e disparou balas de borracha contra a multidão, prendendo dois jovens. Um policial chegou a ameaçar a vereadora e sua equipe, detendo sua identidade funcional e uma câmera fotográfica que registrou cenas de violência por parte da corporação militar. Gonçalves afirma que calcula acionar o Ministério Público contra a Polícia Militar, cuja ação segundo ela foi comandada pelo Tenente Coronel Domiciano. “Moradia tem que ser entendida como uma questão social, não coisa de polícia” concluiu Gonçalves.

    Edinho Vieira/ Equipe Gabinetona
    Edinho Vieira/ Equipe Gabinetona

     

     

  • Ativistas protestam contra Governo Bolsonaro em praça tradicional de BH

    Ativistas protestam contra Governo Bolsonaro em praça tradicional de BH

    Em protesto aos recuos, deslizes e retrocessos do presidente e seus ministros, Belo Horizonte ganhou uma manifestação festiva nesse sábado, 12/01/2019. A “Praia da Estação” consiste em uma performance já tradicional na cidade em que ativistas e pedestres brincam e se banham nas fontes da Praça da Estação, principal espaço público da capital mineira, como forma de protestar e reivindicar seu direito à cidade.

    Com uma história de oito anos, a Praia da Estação foi palco de várias lutas políticas e foi a principal responsável pela restituição do Carnaval de Belo Horizonte, hoje um dos maiores do país.

    Essa edição inaugura 2019 como um ano de forte resistência na cidade, que não perderá os ânimos nem o senso de humor contra o regime fascista do clã Bolsonaro. Intitulada “A Nova Era: Meninos vão de Azul e Meninas vão de Rosa “, o ato foi documentado pelos fotógrafos dos Jornalistas Livres, Maxwell Vilela e Cadu Passos.

     

  • Ativista pelo Direito à Moradia toma posse como vereadora em BH

    Ativista pelo Direito à Moradia toma posse como vereadora em BH

    A cientista política Bella Gonçalves assumiu ontem, 13/11, como suplente o cargo de vereadora na Câmara Municipal de Belo Horizonte pelo PSOL. Lésbica feminista, Gonçalves tem trajetória nas lutas pelo direito à cidade e por uma Reforma Urbana popular. Atua nas Brigadas Populares, movimento social presente em ocupações urbanas, vilas e favelas e em diálogo com diversos segmentos de trabalhadores informais. Ela ocupará o cargo deixado por Áurea Carolina, que irá para Brasília representar Minas Gerais como Deputada Federal.

    “Um salve às ocupações, aos camelôs, às LBGTs, a todas as lutadoras e lutadores da cidade” disse em seu discurso de posse. “Sou Bella Gonçalves, mulher lésbica, dos movimentos sociais e urbanos.”

    Em 2016, Belo Horizonte elegeu duas vereadoras mulheres com uma campanha coletiva realizada pela movimentação Muitas.  Formada por um conjunto de ativistas que decidiram concorrer sob uma mesma plataforma as eleições para vereador; a Muitas é composta por representantes da luta por moradia, de mulheres, de LGBTs, antirracista, entre outras frentes populares. Comprometidas em construir mandatos coletivos, transparentes, representativos e dedicados à inclusão de mulheres, negros e LGBTs, o grupo elegeu a cientista política Áurea Carolina, uma das candidatas mais votadas da história de Belo Horizonte, ao lado da dramaturga Cida Falabella, ativista pelo direito à cultura.

    Bella Gonçalves também participou da campanha coletiva, tendo uma votação muito próxima à de Falabella. Apesar de não se eleger, ela foi convidada para construir uma proposta de covereança, experiência inédita de mandato compartilhado que ajudou a tornar o Direito à Cidade um de seus eixos prioritários, ao lado de Direitos Humanos e Cultura e Educação.

    Movimentação Muitas na posse de Bella Goncalves na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Foto: Gabinetona.

    Juntas escolheram gabinetes um lado do outro no prédio da Câmara, e pediram que a parede que os separava fosse removida. A partir daí passaram a administrar coletivamente o mandato, em parceria com diversos movimentos sociais e todo o restante da plataforma que participou na campanha. Elas passaram a chamar seu gabinete unificado de “Gabinetona”.

    Dois anos depois, as Muitas repetiu a experiência, lançando candidaturas comprometidas com a ampliação de seu projeto nas esferas estadual e federal. Mais uma vez foram bem sucedidas: Áurea Carolina conseguiu multiplicar sua votação em Belo Horizonte, sendo a primeira candidata eleita deputada federal pelo PSOL de Minas. A advogada popular da periferia da capital, Andréia de Jesus, também foi eleita como deputada estadual pela mesma campanha.

    “A Gabinetona, hoje, inicia a sua expansão. Duas mulheres negras vão a frente. Áurea Carolina no Congresso Nacional e Andreia de Jesus na Assembleia Legislativa. Junto com Cida Falabella, continuaremos a luta na Câmara Municipal.” continua Bella Gonçalves em seu discurso. Agora, inauguram a experiência de um mandato coletivo em três esferas: a Gabinetona passará a contar com 4 parlamentares, todas mulheres, todas de perspectiva horizontalista, coletiva e democrática.

    As quatro parlamentares da Muitas, da esquerda para a direita: a vereadora Cida Falabella; a deputada estadual Andreia de Jesus; a vereadora Bella Gonçalves e a deputada federal Áurea Carolina. Foto: Fernando Olze.
  • Ataque de fascistas contra estudantes leva dezenas de milhares para as ruas no México

    Ataque de fascistas contra estudantes leva dezenas de milhares para as ruas no México

    Por Mauricio Barraza*

    Ontem, dia 5 de setembro, foi organizada uma marcha na Cidade Universitária em apoio aos estudantes agredidos e contra a violência e os grupos de porros existentes na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), a maior universidade da América Latina. O governo da Cidade do México calcula que participaram cerca de 30 mil estudantes. No dia 4 de setembro, estudantes, professores e trabalhadores da UNAM decidiram suspender suas atividades. Na véspera, estudantes do Colégio de Ciências e Humanidades (CCH) de Azcapotzalco foram violentamente atacados. Grupos estudantis de choque, conhecidos como porros, lançaram pedras e coquetéis molotov e chegaram a dar facadas nos alunos. 14 ficaram feridos, 2 em estado grave.

    Fotografia por Santiago Arau.

    Os estudantes organizavam uma marcha e protestavam em frente à reitoria da UNAM por agressões que já tinham sofrido em dias anteriores por parte desses grupos de choque. Eles tomaram a escola desde o dia 27 de agosto, exigindo a destituição de María Guadalupe Patricia Márquez Cárdenas como diretora do Colégio devido às suas atitudes antidemocráticas e por ter apagado vários murais que relembravam os movimentos estudantis históricos da UNAM. Outras demandas dos estudantes estavam relacionadas com a falta de professores no CCH Azcapotzalco, com a cobrança de taxas indevidas e com o esclarecimento do feminicídio de Miranda Mendoza Flores, aluna de outra unidade do Colégio, o CCH Oriente.

    Em dias anteriores, estudantes que tomaram o colégio já haviam sofrido algumas provocações pelos porros, que tentavam desmobilizar os membros da ocupação no CCH Azcapotzalco. 

    Os porros são aqueles que fazem parte de grupos de choque formados por estudantes que comumente pertencem a alguma torcida organizada de times universitários de futebol e futebol americano, têm ligações com alguns grupos e partidos políticos dentro e fora da universidade e são historicamente utilizados, desde a década de 40, para desarticular a organização e os movimentos estudantis. Os métodos para conseguir esta desarticulação podem ser desde a infiltração nos próprios movimentos e organizações estudantis, passando pela infiltração em marchas e mobilizações para ocasionar distúrbios, até chegar a extremos exercendo violência física direta contra os estudantes e podendo, inclusive, causar sua morte.

    Em resposta às agressões cometidas pelos porros,  os estudantes do CCH Azcapotzalco organizaram uma marcha cujas demandas principais eram “fora porros da UNAM” e o esclarecimento do feminicídio de Miranda Mendoza Flores, aluna de um dos CCH mencionada anteriormente. A marcha terminaria em um comício em frente à reitoria da UNAM, na Cidade Universitária. No começo do ato, um grupo de porros com camisetas de times de futebol americano da UNAM começou a jogar pedras e coquetéis molotov em direção aos presentes. No entanto, os porros avançaram contra os estudantes os agredindo e os esfaqueando. O saldo final do enfrentamento foram 14 estudantes feridos, dois em estado grave: Emilio Aguilar Sánchez e Joel Meza García. Um deles perdeu parte da orelha devido à um corte com faca e o outro precisou de uma transfusão de sangue e está em risco de perder um rim. Até o momento, nenhum dos agressores foi detido.

    Fotografias por Diego Arau Fotografia.

    Os estudantes acusam os porros de atuar sob a proteção das autoridades universitárias e inclusive apontam a Teófilo Licona, coordenador de auxílio da UNAM e chefe de segurança da universidade, como responsável pelos ataques, já que foi visto com os porros momentos antes do ataque.

    Alguns porros já foram identificados como estudantes de diferentes Colégios de Ciências e Humanidades pertencentes à UNAM e são acusados de ter vínculos com o Partido da Revolução Democrática (PRD), que atualmente governa a Cidade do México e com o Partido Revolucionário Institucional (PRI), ao qual pertence o atual presidente do México, Enrique Peña Nieto.

    Como resultado, distintas faculdades e escolas de ensino médio da UNAM organizaram, no dia 4 de setembro, assembleias em cada um dos espaços acadêmicos, nas quais se decidiu apoiar as demandas do CCH Azcapotzalco e fazer paralisações em cada uma das faculdades e escolas. Até agora, um total de 41 escolas e faculdades estão paralisadas.

    Além disso, no dia 4 de setembro o reitor da UNAM, Enrique Graue, se pronunciou contra as agressões sofridas pelos estudantes e condenou o ocorrido, prometendo a expulsão da universidade e a denúncia perante as instituições correspondentes dos porros que já foram identificados. No entanto, os estudantes responsabilizam o reitor pelo ataque e o acusam de ser cúmplice destes grupos que ainda não foram expulsos da vida estudantil da UNAM.

    Outras instituições de ensino superior, como a Universidade Autônoma Metropolitana (UAM), a Universidade Autônoma da Cidade do México (UACM), o Instituto Politécnico Nacional (IPN), a Escola Nacional de Antropologia e História (ENAH), a Universidade Pedagógica Nacional (UPN) e a Escola de Jornalismo Carlos Septién, manifestaram apoio total aos estudantes da UNAM, somando‐se aos protestos. A Universidade de Chapingo, localizada no município de Texcoco, Estado do México, também está paralisada.

    Fotografia por Azteca notícias

    Ontem, dia 5 de setembro, foi organizada uma marcha na Cidade Universitária em apoio aos estudantes agredidos e contra a violência e os grupos de porros existentes na UNAM, à qual se somaram grupos de estudantes das universidades e escolas já mencionadas. O governo da Cidade do México calcula que participaram da marcha cerca de 30 mil estudantes.

    Amanhã, sexta‐feira, 7 de setembro, se convocou uma assembleia geral da UNAM. Nela, se decidirão as seguintes ações a ser realizadas.

    Estes fatos ocorrem no contexto do aniversário de 50 anos do movimento estudantil mexicano de 1968, que impactou o país inteiro e culminou com o massacre de centenas de estudantes em Tlatelolco – um bairro da Cidade do México – perpetrado pelo exército mexicano no dia 2 de outubro daquele ano.

    *Mauricio Barraza é cientista político graduado pela Universidad Autónoma del Estado de México (UAEMéx).

    Fotografia por Azteca notícias
  • ENCONTROS E DESENCONTROS NO MÉXICO: Andrés Manuel e o EZLN

    ENCONTROS E DESENCONTROS NO MÉXICO: Andrés Manuel e o EZLN

    Por Mauricio Barraza* 

    Enquanto milhões de mexicanos saíam às ruas pela vitória do candidato esquerdista, Andrés Manuel López Obrador, apelidado de AMLO, outros permaneciam descrentes. Pela suas próprias experiências, não necessariamente a derrota do partido hegemônico, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), representaria a vitória do México.

    MORENA, o partido político do novo presidente, prevaleceu praticamente em todo o país, obtendo 53% dos votos. AMLO ganhou em 31 dos 32 estados do México. Os deputados de MORENA serão maioria em 19 congressos estaduais e terão 309 de 500 espaços na câmara de deputados federal, assim como 69 de 128 vagas na câmara do senado. As cifras avassalantes e o clamor do povo legitimam e concedem um poder quase absoluto ao novo governo que começará em dezembro.

    Neste primeiro mês depois da eleição, a ex-ministra da Suprema Corte de Justiça Nacional, proposta por AMLO como a próxima Ministra de Governação, o posto mais importante do gabinete, tem deixado clara a intenção de impulsionar a legalização do aborto, da maconha e da eutanásia no país inteiro. O presidente eleito também já divulgou seu plano de austeridade que propõe, entre outras coisas,  uma redução de 50% dos salários da alta burocracia do governo.

    Mas, ao mesmo tempo, desde os cantos mais apartados do México, surgem vozes dissidentes que não confiam na mudança representada por López Obrador. Entre essas vozes,  o movimento social mais célebre do México: o Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN). Em 1994 os zapatistas organizaram milhares de indígenas no estado de Chiapas, no sudeste mexicano, e convocaram o povo mexicano a tomar às armas por uma verdadeira democracia, mas em 2018 eles se distanciam do presidente que promete superar o mesmo sistema corroído que eles combatem há décadas.  “Não, nós zapatistas não faremos parte” escreveu a Sexta Comissão do EZLN, em um comunicado intitulado “Píntale caracolitos a los malos gobiernos pasados, presentes y futuros”. A nota, assinada pelo célebre Subcomandante Galeano (antigo sub Marcos) e o atual porta-voz da organização, Subcomandante Moisés, é contundente ao expressar a rejeição ao novo governo.  “Poderão mudar o capataz e os mordomos (…), mas o fazendeiro continua sendo o mesmo”.

    Para o EZLN, AMLO é filho e membro de uma democracia burguesa. De fato, ele  declarou que a enorme desigualdade que o povo mexicano sofre não é produto do sistema capitalista e sim da corrupção. Já nos primeiros dias depois da eleição, López Obrador se reuniu com os empresários mais poderosos do México, e verdadeiramente, López Obrador nunca declarou ser anticapitalista, mas apenas contrário ao modelo neoliberal.

    Nas últimas semanas, o EZLN embarcou numa discussão com Alejandro Solalinde, sacerdote mexicano defensor dos Direitos Humanos, especialmente dos direitos dos migrantes.  Solalinde, que integra a equipe de transição de López Obrador, declarou que o presidente eleito tem a intenção de dialogar com o EZLN e que inclusive já houve um diálogo entre zapatistas e integrantes da equipe de AMLO. Essa afirmação foi desmentida pelos  guerrilheiros de Chiapas através de outro comunicado, no qual chamam Solalinde de “racista, machista e mentiroso”, isto, entre outras coisas, porque o padre também já mencionou que “alguns poucos mestiços mantém o EZLN sequestrado, pois não permitiram o diálogo entre o próximo governo e as bases zapatistas”.

    Essa suspeita, que talvez beire a relutância,  não é arbitrária. O movimento já teve experiências amargas por  “dialogar” com governos em turno. Na primeira vez, o governo príista de Ernesto Zedillo cometeu um massacre na qual foram assassinados quase cinquenta indígenas, incluindo mulheres e crianças, no episódio lembrado como  “o massacre de Acteal”. Em um segundo momento, quando o EZLN tentou colocar em prática os “Acordos de San Andrés”, que abordavam questões como a autodeterminação dos povos indígenas e sua plena autonomia, o governo conservador de Vicente Fox violou sua promessa de respeitar tais acordos, depois de falar durante a campanha que solucionaria “a problemática zapatista em quinze segundos”. Agora, mais uma vez, o novo presidente eleito  se compromete a cumprir os acordos de San Andrés, mas, mesmo que López Obrador esteja agindo de boa fé, os zapatistas não acreditam em seu projeto de nação.

    Entre tanta confusão, desqualificação e desconfiança, a possibilidade de diálogo entre o EZLN e a nova presidência  seria rentável se houvesse uma vontade sincera das duas partes. Provavelmente as experiências e as sabedorias zapatistas ensinariam muito à jovem democracia mexicana, e eles  conseguiriam colocar sua agenda nas políticas públicas nacionais. Mas, enquanto uns chamam os outros de “radicais”, estes outros chamam os uns de “mentirosos” e “racistas”. Enquanto a maioria do povo do México vê  o novo governo de López Obrador com esperança, os “de baixo e a esquerda” se desencontram com quem eles consideram “mais um” da classe política tradicional mexicana.

     

    *Mauricio Barraza é cientista político graduado pela Universidad Autónoma del Estado de México (UAEMex).