Jornalistas Livres

Autor: Bruno Falci

  • Ditadura Nunca Mais: Aberta a última caixa da Vala Clandestina de Perus!

    Ditadura Nunca Mais: Aberta a última caixa da Vala Clandestina de Perus!

    Por Karina Morais / Jornalistas Livres

     

    O Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), vinculado à Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) concluiu ontem (13 de dezembro) a abertura da última caixa com os remanescentes ósseos da Vala Clandestina de Perus, do total de 1049 caixas.

    A vala foi descoberta em 04 de setembro de 1990, no Cemitério Dom Bosco, localizado no bairro de Perus, Zona Norte da capital paulista. O cemitério foi construído em 1971, durante a gestão de Paulo Maluf. Entre “indigentes” e presos políticos, foi lugar de escoamento dos corpos não identificados ou dos que não se pretendiam identificar.

    Fotografia: Reprodução/Instituto Lula

    Em meio à efervescência política, face ao processo de redemocratização do país, as suspeitas acerca do lugar ganharam fôlego e, logo no início da década de 1990, confirmou-se enquanto terreno de desova dos perseguidos pelas forças repressivas do Estado. Com o apoio da prefeitura de São Paulo, sob gestão de Luiza Erundina, as investigações lograram espaço, sobretudo por conta da criação da Comissão Especial de Investigação das Ossadas de Perus.

    Com o término de seu mandato e em meio a uma série de intervenções externas na perspectiva de cercear os trabalhos, o andamento das investigações foi bastante comprometido. Mais tarde, em 2014, houve uma nova conquista acerca do caso. Por meio de parceria firmada entre a prefeitura de São Paulo, na ocasião sob gestão de Fernando Haddad, o Ministério dos Direitos Humanos e a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), criou-se o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF/UNIFESP), na perspectiva de estimular e promover pesquisas e formação acerca dos Direitos Humanos, bem como atuar na investigação de práticas de violência institucional. Desse processo surge o Grupo de Trabalho Perus (GTP), sob a incumbência de analisar as ossadas encontradas na vala clandestina.

    O GTP foi fundamental tanto para novas identificações de desaparecidos políticos, quanto para a consolidação de um campo forense intrinsecamente comprometido com a tão almejada, complexa e permanente luta por memória, justiça e verdade.

    Entre avanços e retrocessos: Bolsonaro e as políticas de silenciamento da história

    Se é verdade que houve conquistas importantes, é verdade também que segue em curso uma política de austeridade mais interessada em manter seus cadáveres nos porões da história. Em 11 de abril deste ano, o Presidente Jair Bolsonaro assinou o Decreto 9.759 que “Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal”. O decreto impede a continuidade dos trabalhos da equipe de identificação do caso de Perus, o que significa, na prática, extinguir o GTP e a sua capacidade de gerar novos dados e seguir nos informando sobre o caso.

    De todo modo, seu desmonte não é novidade em uma gestão governada por um chefe de Estado que ovacionou, em rede nacional, o general Carlos Brilhante Ustra. Um militar que institucionalizou a prática de tortura no Brasil e adotou técnicas bem “refinadas”, como colocar ratos em vaginas de mulheres ou pôr crianças em contato com a mãe torturada. Além dos já conhecidos eletrochoques, afogamentos, atropelamentos e espancamentos, inclusive de mulheres grávidas.

    Não é novidade que o Decreto parta de um Chefe de Estado que estimula a comemoração do aniversário de início da Ditadura Militar no Brasil. Que, enquanto parlamentar, satirizava o assassinato dos presos no Araguaia, inclusive em fotografias com cartazes com frases como “quem procura osso é cachorro”, colocando-se claramente contra a investigação dos casos de tortura e a identificação dos corpos.

    Fotografia: Reprodução/Brasil de Fato

    O Presidente não é apenas um saudosista da ditadura por sua trajetória militar, é também quem defende o armamento público, ao passo em que vota pelo congelamento de verbas para saúde e educação. É também quem defende a privatização das universidades públicas e tem empregado uma série de medidas na perspectiva de sucatear a produção acadêmica e barrar o desenvolvimento de novas pesquisas.

    Desde 1970, na Vala de Perus camuflou-se a vida de diversos desaparecidos políticos, assassinados durante a Ditadura Militar no Brasil. Incontáveis são as famílias que não puderam velar os corpos de seus pais, filhos e netos, perseguidos e assassinados. O desmantelamento do GTP insere-se em uma articulação mais ampla de Jair Bolsonaro e do grupo político que o sustenta. No último mês, mais uma luta foi travada quando a União anunciou a proposta de retirar as ossadas da responsabilidade da UNIFESP e levá-las para Brasília, sob a justificativa de enxugar os gastos. É certo que, uma vez extinguido o grupo de identificação e concluída a transferência dos remanescentes ósseos para Brasília, os trabalhos se encerrariam. Manter-se-ia para sempre, nas tumbas clandestinas de nossa história, parte de um passado ainda não revelado.

    A importância do comprometimento social das pesquisas

    Os desafios são muitos e o caminho na busca da verdade segue árduo e longo. De todo modo, neste final de semana comemoremos a abertura da última de 1049 caixas com os corpos encontrados na Vala, não mais clandestina, de Perus. Confira a nota do CAAF a respeito disso:

    “Hoje, dia 13 de dezembro de 2019, após 5 anos de recebimento dos remanescentes ósseos da Vala de Perus no CAAF/Unifesp, temos a satisfação de comunicar que realizamos a abertura da última das 1.049 caixas.

    Nestes anos construímos uma forte institucionalidade (Ministério dos Direitos Humanos, Prefeitura de São Paulo e Unifesp), por meio de uma ação judicial movida pelo Ministério Público Federal, e, sempre, com a participação direta e decisiva dos familiares de mortos e desaparecidos políticos da Ditadura.

    O trabalho, inicialmente denominado Grupo de Trabalho Perus (GTP, grupo extinto pelo atual governo Bolsonaro), produziu protocolos únicos de análise de uma vala desta complexidade, colaborou com a formação de profissionais, estreitou laços com os movimentos sociais de denúncia da violência de Estado, entre outros ganhos.

    Identificamos dois militantes políticos, presos, torturados e assassinados pela Ditadura, no Doi-Codi do Exército, em São Paulo. São eles: Dimas Antônio Casemiro e Aluizio Palhano.
    Na próxima etapa, reabriremos 26% das caixas, as quais contém mais ossos misturados de outros indivíduos, exigindo um processo de reassociação dos ossos que não pertencem aos indivíduos principais destas caixas.

    Que este seja um passo colaborativo no sentido de constituir no país uma antropologia forense autônoma e independente de apuração da violência do Estado.

    Que novas identificações possam ser confirmadas e possamos restituir às famílias seus entes queridos e ao Brasil sua história de luta.

    Um grande abraço da equipe de análise dos remanescentes ósseos da Vala de Perus.”

    Fotografias: Prof. Dr. Edson Teles (CAAF/UNIFESP)

    Leia mais sobre esse assunto nos links abaixo:

    https://jornalistaslivres.org/bolsonaro-quer-transferir-ossadas-da-vala-de-perus/

     

    https://jornalistaslivres.org/torre-das-donzelas-a-historia-a-memoria-e-o-cinema/

  • O FIM DO SONHO DA CASA PRÓPRIA

    O FIM DO SONHO DA CASA PRÓPRIA

    Por Dilma Rousseff

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    O governo Bolsonaro vai acabar formalmente com o acesso das famílias mais pobres ao programa Minha Casa Minha Vida. Na prática, isto já aconteceu, faltava apenas formalizar esta decisão que extingue o sonho da casa própria para 80% dos brasileiros que não têm moradia.

    Miriam Belchior, que no meu governo foi Ministra do Planejamento e presidenta da Caixa Econômica Federal, responsável pela execução do programa, mostra que as famílias com renda mensal de até R$ 1.800 perderão o direito a uma habitação digna, que haviam conquistado durante os nossos mandatos.

    Enquanto a média de contratação dos governos do PT nessa faixa foi de 247 mil unidades por ano, durante o governo Temer foram apenas 66 mil unidades por ano e, no atual governo, nenhuma, isso mesmo, NENHUMA unidade foi contratada.

    Agora, o governo Bolsonaro está anunciando que, em vez de oferecer casa aos brasileiros mais pobres, vai distribuir um “voucher” para que decidam o que fazer com os escassos recursos que receberão. No máximo, terão condições de reformar os lugares em que moram, se forem próprios. Fica restabelecida, assim, a política elitista da casa própria para quem tem mais renda e do puxadinho para quem é pobre.

    Além disso, segundo o relator do projeto de orçamento para 2020 no Congresso, os recursos orçamentários previstos para o Minha Casa Minha Vida nas demais faixas de renda serão usados apenas para obras em andamento, cujos pagamentos estão em atraso. O relator sugere a hipótese de usar R$ 450 milhões de recursos do FGTS, o que é improvável e, mesmo com este dinheiro e com a distribuição de voucher, apenas 7 mil novas famílias seriam atendidas pelo programa. Nos dois primeiros anos do MCMV nos governos do PT, 2009 e 2010, portanto há mais de nove anos, foram aplicados R$ 2,6 bilhões em valores reais de julho de 2019.

     

    Algumas das quase 5 milhões de moradias construídas durante os governos do Partido dos Trabalhadores

    Leia a seguir, o texto completo de Miriam Belchior:

    Mudanças no Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) acabam com atendimento aos mais pobres

    Por Miriam Belchior

    O governo Bolsonaro vem prometendo fazer alterações no MCMV desde o início do ano. As informações sobre as linhas gerais das mudanças, que o próprio governo tem divulgado até o momento, são desalentadoras, mesmo sendo parciais.

    Em primeiro lugar porque o atendimento às famílias com renda até R$ 1.800 será definitivamente extinto. Na prática, ele já foi. Enquanto a média de contratação dos governos do PT nessa faixa foi de 247 mil unidades por ano, durante o governo Temer foram 66 mil unidades por ano e no atual governo nenhuma, isso mesmo, nenhuma unidade foi contratada, nem mesmo os projetos dos movimentos de habitação selecionados em 2018.

    A proposta que vem sendo anunciada é de atendimento por voucher para aquisição de moradia, reforma e autoconstrução com recursos do Orçamento Geral da União para famílias com renda mensal de até R$ 1,2 mil (valor ainda em discussão). O grande argumento para essa mudança é que as famílias teriam maior flexibilidade para escolher a casa de seu interesse, que o MCMV não permitiria.

    O voucher de aquisição substituiria a faixa 1 do MCMV. O seu valor seria próximo ao dessa faixa, com a diferença de ser pago em uma única vez ao beneficiário, enquanto o pagamento para realizar a obra é diluído ao longo de cerca de 2,5 anos.

    Em função do equivocado teto de gastos e do pagamento do voucher numa única parcela, o que deve ocorrer é o programa ficar restrito às modalidades de reforma, já criada no governo Temer e com resultados irrisórios, e talvez o de autoconstrução.

    Segundo o relator do Orçamento no Congresso Nacional, os recursos previstos para o 2020 dão apenas para obras em andamento, que o governo tem atrasado sistematicamente o pagamento, conforme a CBIC – Câmara Brasileira da Indústria da Construção tem reiteradamente divulgado.

    Segundo o relator, haveria uma hipótese de remanejar R$ 450 milhões para o novo programa, originalmente destinados ao subsídio das faixas 1,5 e 2 do MCMV, se o FGTS assumisse todo subsídio dessas faixas – o que já ocorreu em 2019.

    No entanto, essa quantia é insignificante. Mesmo nos anos com menor desembolso de Orçamento Geral da União para o MCMV durante os governos do PT, os dois primeiros do programa, 2009 e 2010, foram aplicados R$ 2,6 bilhões em valores reais de julho de 2019. Com esses R$ 450 milhões, se apenas o voucher aquisição fosse implementado, não chegaria a 7 mil o número de famílias atendidas.

    Na verdade, o argumento de maior flexibilidade para o beneficiário esconde o fato de que ele não terá flexibilidade alguma. Essa faixa de renda não será atendida, pois não haverá recursos para atendimento dessas famílias.

    Deixar de atendê-las é muito grave, pois cerca de 80% do déficit habitacional do Brasil se concentra nessa faixa de renda.

    A proposta prevê ainda foco no atendimento às cidades com até 50 mil habitantes. Outro equívoco, pois o déficit é muito maior nas médias e grandes cidades e nas regiões metropolitanas.

    Uma política séria de habitação precisa levar em conta todos os tipos de município, com ênfase onde o problema é maior, como fazia o MCMV nos governos do PT.

    Além disso, a política de voucher implica em menor impacto na cadeia produtiva da construção civil, logo perde-se um dos fatores mais positivos do MCMV: a grande criação de empregos. Já há críticas do setor ao programa, por deixar de fora as empresas de construção civil.

    Os movimentos populares de habitação, que puderam assumir função de provisão de habitação no MCMV, parece que também ficarão de fora

    Estudo feito pela FGV, para CBIC e Sinduscon, para avaliar o impacto da contratação de 3,5 milhões de moradias pelo MCMV, entre outubro de 2009 e junho de 2014, concluiu que 1,7 milhão de empregos foram criados – 70% dos quais empregos diretos. Ainda segundo esse estudo, retornaram aos cofres públicos, na forma de tributos, 49% do total dos subsídios desembolsados.

    A situação econômica que o país vive hoje é muito mais grave do que quando o MCMV foi lançado em 2009. A retomada do programa representaria importante incentivo ao crescimento econômico e à geração de empregos, além de atender as famílias que mais precisam de moradia. Mas atender a população pobre e gerar empregos de qualidade não está na agenda prioritária do atual governo.

    Vista aérea das casas construídas pelo programa Minha Casa Minha Vida na periferia de Marília/SP. Programa Interrompido pelo atual governo Bolsonaro
  • Homenagem de Jeremy Corbyn a Victor Jara finaliza campanha do Partido Trabalhista

    Homenagem de Jeremy Corbyn a Victor Jara finaliza campanha do Partido Trabalhista

    Por James B.A West, de Londres, especial para o Jornalistas Livres

    Tradução de Bruno Falci /Jornalistas Livres

     

    Amanhã vai haver eleições no Reino Unido. Ontem explicamos seu contexto que você pode ler aqui.

    Jeremy Corbyn nos momentos finais de seu discurso durante o ultimo ato de sua campanha histórica, em Londres, terminou com uma bela homenagem ao falecido músico chileno Victor Jara. Em um salão lotado que incluía membros de seu gabinete de oposição ao governo, onde falou sobre a vida e a morte do cantor. Victor Jara foi brutalmente morto logo após Pinochet tomar o poder no sangrento golpe de 1973. Corbyn passou muitos anos fazendo campanha pelas vítimas do cruel regime de Pinochet e participou ativamente junto com chilenos nos protestos quando o ditador esteve em Londres em 1998 e foi colocado em prisão domiciliar. Vinte anos antes, ele se manifestou contra a ditadura brasileira em São Paulo. O discurso foi uma homenagem apropriada por alguém que dedicou sua vida à causa dos direitos humanos e sempre com grande interesse na América Latina

    Abaixo a tradução da fala de Jeremy Corbyn que também pode ser vista no vídeo a seguir:

    “Uma pessoa que me inspira é o poeta chileno Victor Jara. Victor Jara era cantor, poeta e trabalhou incansavelmente para eleger o governo da Unidade Popular no Chile em 1970 e apoiou esse governo de forma aberta e franca, por isso sofreu os ataques mais terríveis. Depois do golpe de 1973, ele foi preso como milhares de outros e levado para o estádio (Estadio Nacional do Chile). Os soldados logo descobriram quem ele era e depois que eles atiraram em várias pessoas e as torturaram na frente de todos os outros, eles convidaram Victor para que fosse ao meio do palco e no centro do estádio disseram que ali havia um violão, e que ele poderia cantar agora. Ele foi para o centro do estádio, pegou o violão que eles haviam colocado lá, ficou bastante surpreso com isso, pensou que isso era estranho e o que eles fizeram foi cortar os seus dedos na frente de todos os outros e depois atiraram nele. Eles esmagaram suas mãos para que ele nunca mais tocasse. Ele escreveu um poema:

    Essa guitarra não é dos ricos

    Nem coisa parecida

    Meu canto é dos andaimes

    Para alcançar as estrelas

    Muito obrigado”

    Jeremy Corbyn , Londres, 11/12/2019

     

    Vídeo de James B.A West

    https://www.instagram.com/tv/B59OMnThb1p/?igshid=1wzg2w6vncj3x

  • Eleição: O Reino em uma encruzilhada

    Eleição: O Reino em uma encruzilhada

    Por James B.A West, de Londres, especial para o Jornalistas Livres

    Tradução: Bruno Falci / Jornalistas Livres

             Em 12 de dezembro, a Grã-Bretanha enfrentará possivelmente sua mais importante escolha política desde a eleição geral de 1945. Nessa eleição, o governo conservador, liderado pela imensa figura de Winston Churchill, enfrentou o Partido Trabalhista, comandado por seu líder menos carismático, Clement Atlee.       

             Atlee pode ter sido um homem discreto, mas era inteligente e politicamente astuto. Seu ministro da Saúde Anuerin Bevan, o homem que passou pelo Serviço Nacional de Saúde, mais do que compensou o que  faltava em carisma em Atlee. Churchill disse que ele era “uma das poucas pessoas que eu sentava quieto e ouvia.” De um lado, havia o Partido Trabalhista, com o objetivo de fornecer casas a preços acessíveis para todos, empregos para criar essas casas e, o mais importante, sua principal política: cuidados de saúde gratuitos. O governo conservador, por outro lado, era inflexível contra essa proposta e logo votaria contra. No entanto, o que o Partido Conservador tinha era Winston Churchill como carta na manga. Mas Churchill, o líder da II Guerra, não era Churchill, o  líder dos tempos de paz. Durante a guerra, ele estava em uma coalizão com, entre outros, seu agora rival Clement Atlee e lutava contra os males do fascismo. Sua posição em 1945 era marcadamente diferente e os eleitores sentiram essa diferença. A guerra acabou e o país estava com vontade de mudar. Os conservadores, acreditava o público, não forneceriam nada de novo, mas talvez os Trabalhistas pudessem. Os trabalhistas estavam apostando em uma plataforma de mudança e o partido conservador, em uma plataforma de continuidade. Mas, após seis anos de uma guerra devastadora, o povo britânico optou por mudanças. Em 5 de julho de 1945, o Partido Trabalhista, um governo socialista, foi eleito por uma vitória consagradora.       

    Clement Atlee em comício na década de 1940. Foto do Instagram do Partido Trabahlista

               O fato dos conservadores confiarem tanto na popularidade pessoal de Churchill para conquistar a maioria revelou a complacência no coração do projeto do Partido Conservador. Este, hoje, depende sobretudo de ser o principal partido que “fará o Brexit”, mas sua complacência, mais uma vez, pode provar ser sua ruína. Esse foi o caso em 2017, quando a primeira-ministra conservadora Theresa May, observando as péssimas classificações dos trabalhistas nas pesquisas, decidiu apostar em uma eleição na esperança de varrer a oposição do mapa eleitoral. Não apenas ela não alcançou seu objetivo, mas também perdeu a maioria, com os trabalhistas tendo um grande aumento em sua votação, até ganhando em alguns lugares que eram dos conservadores há um século. Em 1945, quando a guerra terminou, havia uma sensação de que poderia haver um futuro melhor. No documentário de 2015, O Espírito de 45/The Spirit of 45, de Ken Loach, ele volta ao período pós-guerra em busca de um espírito semelhante agora.

             Mas o clima político de 1945 não é o clima político de hoje, nenhuma guerra foi vencida e esse sentimento de otimismo está ausente. Em vez disso, temos uma população se recuperando de dez anos de austeridade aplicada pelos conservadores, apenas para ter um referendo imposto sobre nós, que dividiu o país firmemente ao meio. A confiança dos representantes eleitos do Parlamento está sempre baixa e o cinismo no ar é palpável. A maioria dos deputados trabalhistas é fortemente a favor de permanecer  na União Européia. O grande problema do Partido Trabalhista, porém, é que metade da sua base eleitoral votou no Brexit no referendo de 2016, enquanto a outra votou  para permanecer na UE. Um problema difícil de resolver e, como tal, eles demoraram a esclarecer sua posição. O objetivo de apelar para ambos os campos da base eleitoral tem sido a principal dificuldade dos trabalhistas desde o resultado do referendo do Brexit.        

            Mas os trabalhistas já estabeleceram seus planos. Se eleitos, eles pretendem negociar um acordo com a UE dentro de três meses e realizar um segundo referendo com duas opções – o acordo de saída ou permanecer. Caberá aos parlamentares decidir de que lado eles farão campanha. Corbyn afirmou que adotará uma posição neutra, de modo a diminuir a divisão política. Mas, com muitas divisões e emoções em alta, é difícil dizer se essa posição razoável e fundamentada os servirá bem na eleição. O que parece ter gerado entusiasmo é o manifesto trabalhista. Isso inclui uma enorme injeção de fundos no NHS (Serviço Nacional de Saúde), a remoção das privatizações e Banda larga gratuita para todos (rotulada pela mídia tradicional como ‘Comunismo de Banda Larga’). Corbyn apontou recentemente que, se o Partido Trabalhista  introduzir o Serviço Nacional de Saúde agora, ele será rotulado pela mídia como ‘Comunismo na Saúde’. As taxas nas universidades seriam abolidas e as ferrovias, os correios, a água e o gás seriam todos devolvidos à propriedade pública. Uma pesquisa recente da Yougov mostra que a maioria dos eleitores acredita que esses serviços públicos importantes devem retornar ao controle do Estado. Também há outras coisas igualmente promissoras no manifesto, como por exemplo o salário mínimo, que  será aumentado em 10 libras e, o mais importante para o Reino Unido e o planeta como um todo, o Green New Deal.         

                O manifesto tem algumas semelhanças com as propostas de Atlee, mas com uma inflexão moderna. A estratégia do Partido Trabalhista para a eleição até agora tem sido não focar no Brexit e e sim a adoção de um conjunto de políticas que reequilibrem a economia em favor de muitos (para utilizar o slogan trabalhista), não de poucos. A questão é se essas políticas serão suficientes para ganhar força sobre a questão do Brexit. Os conservadores se comprometeram a aumentar o investimento, mas grande parte disso simplesmente compensará os cortes devastadores que fizeram enquanto estiveram no governo. Ao contrário dos trabalhistas, sua estratégia tem sido focar no Brexit; visando especificamente a base de votos do Labour’s Leave, uma grande parte do eleitorado trabalhista que eles precisam anexar se quiserem maioria. O Brexit está em segundo plano na campanha do Partido Trabalhista e seu manifesto em primeiro plano; o oposto é  defendidio pelos conservadores. E cada parte está mais do que disposta a destacar a fraqueza percebida pela outra. Em uma era dominada pelo Brexit, com metade dos seus partidários votando na saída da UE, se os trabalhistas prometerem um segundo referendo, então é  correta a estratégia de tornar suas políticas ainda mais radicais         

               Muitas das políticas implementadas pelo Partido Trabalhista, em 1945, foram desmanteladas por Thatcher nos anos 1980. Sua maior conquista, o NHS, embora não tenha sido desmantelada pelos conservadores, sofreu cortes maciços desde que foram eleitos em 2010, com uma crescente privatização. Se os conservadores chegarem ao poder, o NHS corre o risco de ser dividido pela indústria farmacêutica global (Big Pharma), em um acordo Trump / Brexit. Esta foi a pedra angular da campanha trabalhista. O Partido Conservador  impôs austeridade à Grã-Bretanha, gerando grande parte da frustração que levou ao resultado do Brexit. Agora, risivelmente, os conservadores afirmam ter o remédio para a doença que ajudaram a criar. A questão é: o público comprará? As políticas trabalhistas visam desfazer grande parte dos danos infligidos pelos conservadores – mas com a promessa de um novo referendo, suas políticas radicais serão suficientes para conquistar seus eleitores, que optaram pelo Brexit? Essas são as duas perguntas principais que pairam sobre essa eleição – e a resposta está no tradicional coração trabalhista que votou no Brexit. Na eleição de 1945, contra todas as probabilidades, o Partido Trabalhista conquistou uma vitória  esmagadora. Dadas as divisões dentro do país, uma maioria trabalhista parece improvável. Na melhor das hipóteses, terá que ser uma coalizão entre os partidos da favoráveis à UE – Partido Trabalhista, Partido Liberal-Democrata, Partido Verde e o Partido Nacional Escocês. O manifesto colocou isso em questionamento. E, como a história mostrou, o Partido Trabalhista tem um talento especial para surpreender as expectativas das pessoas. A atmosfera política é febril. Dentro de alguns dias, descobriremos se os trabalhistas podem confundi-los mais uma vez.

  • “Torre das Donzelas”: a história, a memória e o cinema

    “Torre das Donzelas”: a história, a memória e o cinema

    Por Karina Morais, para o Jornalistas Livres                                                                                             

     

    “Torre das Donzelas” é o nome que ficou conhecido o Presídio Tiradentes, em São Paulo, durante a Ditadura Militar no Brasil. O nome decorre em função de um de seus pavilhões, destinado à presas políticas, como a ex-presidenta Dilma Rousseff, que lá permaneceu por mais de três anos.

    Na perspectiva de mantê-lo isolado, o local foi construído fora dos limites da cidade e conta com um longo histórico de repressões: foi criado ainda no período colonial, em 1852, enquanto Casa de Correção, para onde eram levados os negros escravizados pegos em fuga. Na jovem República, durante a ditadura Vargas, passou a receber presos políticos, função que se repetiu entre o final da década de 1960 até o início da década de 1970, com a Ditadura Militar.

    O espaço foi desativado em 1972 por conta das obras no metrô, para a abertura da estação Tiradentes. De sua edificação, quase nada sobrou. No local, mantém-se apenas um arco de entrada, enquanto remanescente de suas estruturas, sendo patrimônio histórico tombado pelo CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. O local entrou também para o “Guia dos Lugares Difíceis de São Paulo”, publicação organizada pelo Prof. Dr. Renato Cymbalista e lançado no último mês, na Casa do Povo, em São Paulo, na perspectiva de elucidar os espaços de conflito na cidade. Ainda que apenas um pórtico tenha sido mantido, sua preservação é importante pois registra na cidade a memória da dor e da opressão, sumariamente invisibilizadas nas linhas da história.

    Neste ano, em um contexto em que saudosistas dos anos de chumbo falam abertamente sobre fechar o Congresso, instaurar um novo AI-5 e comemorar o início do período ditatorial, a “Torre das Donzelas” se tornou nome de um dos mais importantes longa-metragens produzido desde o Golpe de 2016. Dirigido por Susanna Lira e estreado no último 19 de setembro, o documentário conta com diversos relatos de mulheres que foram confinadas ao Presídio Tiradentes, enquanto presas políticas, durante a Ditadura Militar. Relatos exclusivos de Dilma Rousseff e de suas companheiras da prisão são tratados no documentário, abordando temas como o cotidiano no cárcere, os métodos de tortura e as redes de solidariedade, compondo um rico e minucioso registro de história oral.

    Se você é de São Paulo, ainda não conferiu ou quer prestigiar esse importante trabalho mais uma vez, a oportunidade é essa! O Sindicato dos Advogados de São Paulo (SASP) promoverá, na próxima quinta-feira (05/12), às 18h30, uma exibição gratuita do longa contando com a presença de algumas das “donzelas”, que debaterão o tema com os convidados. O evento integra a programação do CineSASP e o sindicato está localizado na Rua Abolição, 167 – centro. Anote aí na agenda!

    Nós, Jornalistas Livres, temos clareza que a história não é linear, mas de avanços e retrocessos e de que a disputa pela memória é, sobretudo, uma ferramenta política.

    #DitaduraNuncaMais

     

    Arte sobre a exibição do documentário, “Torre das Donzelas”
  • Trabalhador Rural é Assassinado a Machadadas no Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia

    Trabalhador Rural é Assassinado a Machadadas no Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia

    por Yuri Silva via midia4p                                                                                                                              Publicado em 26/11/2019

    A comunidade do Quilombo Rio dos Macacos foi surpreendida na noite desta segunda-feira, 25, com o assassinato brutal de uma das lideranças locais. Conhecido como ‘Seu Vermelho’, o trabalhador rural José Izídio Dias, 89, foi encontrado morto em sua casa, com marcas de violência sofrida por um machado. O suposto objeto do crime também foi encontrado no local, de acordo com relato dos moradores.

    Não se sabe a motivação do crime, de acordo com os quilombolas, que já sofrem com conflito de terra envolvendo a Marinha do Brasil há mais de 50 anos, quando a Vila Naval de Aratu foi construída naquela área remanescente de quilombo.

    Entrada para o Quilombo Rio dos Macacos é controlada pela Marinha – Foto: Itana Alencar / G1 BA

    Entidades dos movimentos sociais, como a AATR, a Ideas Assessoria Jurídica Popular, o Coletivo de Entidades Negras (CEN) e a CONAQ estão acompanhando o caso no local, com representantes políticos e advogados, que informaram à Defensoria Publica do Estado e à Defensoria Publica da União sobre o ocorrido. O deputado estadual Hilton Coelho também esteve no local.

    Órgãos ligados à questão racial, como a Sepromi (Secretaria de Promoção da Igualdade da Bahia), que está presente no local, também já foram acionados e estão atuando para dar suporte à comunidade, além de cobrar a ação de outras instituições.

    A SSP (Secretaria de Segurança Públoca) e a Companhia de Polícia Militar da região também foram notificadas do ocorrido. Prepostos da PM já confirmaram presencialmente o homicídio e acionaram a Polícia Civil, que chegou para fazer a perícia por volta de 2 horas da manhã.

    Por ser área federal, devido à presença da Base Naval no entorno, o caso deve ser apurado pela Polícia Federal e por órgãos de segurança da União. Mas a situação envolvendo o Quilombo Rio dos Macacos tem contornos muito mais complexos, envolvendo diversos setores da estrutura estatal numa discussão longa sobre a demarcação e a posse do território.

    O corpo de Seu Vermelho foi removido após as 2h da manhã, depois de muita mobilização para que o rabecão chegasse até o local e realizasse a perícia.

    Quilombo Rio dos Macacos

    Estrutura

    O assassinato do trabalhador rural evidenciou a situação vivida pela comunidade de Rio dos Macacos, principalmente a falta de estrutura física digna para a moradia.

    O acesso à comunidade se dá por uma estrada de barro acidentada, a cerca de um quilômetro da guarita controlada pela Marinha que “protege” a entrada no quilombo.

    Não há iluminação básica nem saneamento que garanta condições de residência naquela região, apesar de esses temas já terem sido alvo de diversos debates durante as negociações sobre o território quilombola.

    Durante a espera para que o caso fosse apurado e a perícia ocorresse, nenhum preposto da Marinha do Brasil foi até a comunidade para checar o que aconteceu por lá.

    A entrada de ativistas e autoridades foi liberada durante toda a noite, diferente do que costuma acontecer. Mas passar da ponte que divide a moradia dos fuzileiros navais da residência dos quilombolas — uma espécie de marcador do apartheid — era uma tarefa inglória e hercúlea, intensificada pela chuva.

    Caía muita água sob Salvador desde a manhã da segunda-feira, o que não parou na madrugada de terça, provocando o acúmulo de lama