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América Latina e Mundo

As marcas deixadas pela extremadireita na Guatemala

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Por Murilo Matias

Um presidente de extrema direita sustentado pela elite militar, empresarial, representante de um governo antipopular responsável por ampliar as desigualdades e relacionado a acusações de corrupção envolvendo o executivo e parentes próximos. A Guatemala realiza eleições neste domingo enquanto caminha para o fim da gestão de Jimmy Morales, o humorista de televisão que pouco fez o povo sorrir ao chegar ao poder em 2016 antecipando no maior país da América Central a onda de rechaço à política que se repetiria nas potências do norte e do sul do continente com as vitória de Trump nos EUA e de Jair Bolsonaro no Brasil.

Dentre mais de vinte candidaturas presidenciais apresentadas prevalece a agenda conservadora, incluindo o projeto de Sandra Torres da Unidade Nacional da Esperança (UNE), que lidera as pesquisas e pode tornar-se a primeira mulher eleita para o cargo no retorno às urnas. Há quatro anos, o voto de punição dos guatemaltecos contra a classe política tradicional transformaria-se em um castigo às minorias e aos setores mais vulneráveis, cujos níveis de pobreza superam duas a cada três pessoas em algumas regiões do país. 

A migração forçada pela falta de oportunidades de milhares em direção ao norte em um dos fluxos mais numerosos já registrados e a impunidade são duas marcas do período na visão dos críticos, que criaram o termo pacto de corruptos, ecoado nas ruas, em referência à a aliança do executivo, legislativo e judiciário em práticas ilegais e de acobertamento de crimes. A morte em um incêndio de 41 meninas adolescentes sob a tutela do Estado na instituição Hogar Seguro em Solalá pouco dias após denúncias de abusos e mau tratos contra as menores e o falecimento de cinco crianças guatemaltecas sob custódia do governo estadunidense na fronteira  dos EUA- mais de vinte mil foram detidos -retratam momentos de pico das crises.

“O estado assassinou essas meninas submetidas a abusos, prostituição e segue um manto de impunidade sobre o fato. Talvez seja nossa maior vergonha depois do genocídio da guerra. Esse governo implementou uma pauta regressiva de direitos humanos junto ao modelo econômico de exploração dos trabalhadores. Os direitos indígenas, recursos naturais estão na periferia do debate, são levantados pela esquerda, mas nem sempre alcança-se a dimensão desejada”, pontua o deputado Amilcar Pop, único parlamentar do partido indigenista Winaq, fundado pela Prêmio Nobel da Paz Rigoberta Menchú e cujo significado é ser humano integral.

Na esteira do executivo, o parlamento impulsionou leis punitivas diante da maioria conservadora de deputados, aos quais cabe também a indicação dos juízes de primeira e segunda instâncias a cada fim de mandato. “Sempre se fala de cotas de poder e negociações nesses casos. Além disso, muitos partidos dizem defender a família e da vida, mas sugerem a reativação da pena de morte e rejeitam  o matrimônio igualitário, por exemplo”, explica o jornalista Henry Bin, lembrando que a lei 5272 prevendo inclusive penalização a mulheres que abortarem acidentalmente pode ser votada nos próximos meses.

Em paralelo à linha dura nos costumes, o governo apostou em projetos de infraestrutura e no embate com organismos internacionais sob o pretexto da soberania. O mais rumoroso caso deveu-se à expulsão do país da Comissão Internacional contra a Impunidade (Cicig) que investigava possíveis desvios do irmão e do filho do presidente Morales, afora outros casos. A ênfase à autonomia não replicou-se em outras áreas a exemplo da transferência da embaixada de Israel para Jerusalém seguindo orientação dos EUA – movimento iniciado também pelo Brasil – e da presença de militares estadunidenses dentro do território da Guatemala.

“Vários setores tentaram quitar a imunidade do presidente para desestabilizar o ambiente, mas incrementamos as forças policiais, diminuímos a violência, recuperamos estradas, as vítimas do vulcão de fogo receberam assistência, moradias”, afirma a deputada Flor Chajón da Frente de Convergência Nacional (FCN). A sigla que abriga Morales apostou para a sucessão no militar Estuardo Galdámez, cujo fraco desempenho confirma o desgaste do oficialismo, desaprovado por 81% dos cidadãos conforme o jornal Prensa Libre.

Favorita no interior, rejeitada na capital

A ex-primeira dama Sandra Torres tinha um tradutor no palco a esperando após cumprimentar sem muito entusiasmo os locais antes de mais um ato de campanha no interior da Guatemala, que possui 25 idiomas. Em comunidades indígenas e rurais não se habla espanhol  e são essas regiões negligenciadas pelo poder central nas quais a candidata concentra sua popularidade especialmente em razão do programa de bolsas solidárias para mães, idosos e deficientes de aproximadamente duzentos quetzales – 30 a 40 dólares -, desenvolvido durante a presidência de seu então marido, Álvaro Colom.

“O trabalho do governo da UNE permitiu a Sandra demonstrar sua capacidade gerencial e sensibilidade social. Isso gerou uma liderança nacional que posiciona-se para conduzir o país”, comenta o deputado da sigla Oscar Argueta, crítico sobre a campanha. “Foi um processo excessivamente judicializado, carente de propostas, cheio de escândalos e pseudo notícias”, em referência aos ataques e denúncias que associam a política ao narcotráfico e à corrupção. Voltado ao eleitorado que historicamente rejeita a esquerda há materiais classificando a candidata como uma ameaça socialista., apelando à desinformação, uma vez que a UNE, majoritária no parlamento, alinha-se a grandes empresários e aos valores tradicionais.

A desconfiança gerada encontra eco maior na capital, incidindo na rejeição que faz um em cada três votantes rechaçarem a postulante. “Sandra apela ao assistencialismo, mas a pobreza não se combate com uma bolsita de produtos ao mês, mas com emprego”, expressa o adversário Alejandro Giammattei (Vamos), aspirante ao segundo turno. “A população necessita dar um giro quando prova governos corruptos, demagogos e incapazes. A isso se deveu o fenômeno do triunfo de Bolsonaro no Brasil”, avalia o presidenciável Roberto Arzú (PAN – Podemos), ligado à oligarquia – seu pai foi presidente e seu irmão chefia o Congresso.

Perfilados à direita, Arzú, Giamamattei, assim como Edmond Mulet (Humanista), beneficiaram-se do impedimento por descumprimento de normas eleitorais das promissoras candidaturas da ex-fiscal Thelma Aldana (Movimento Semilla) e da filha do ditador Efraín Montt, Zury Rios (Valor). Em comum ao grupo sublinha-se à defesa da família e do liberalismo econômico, amplamente praticado na nação e com poucos resultados na mobilidade social.

Na maior economia da centroamerica, com crescimento médio de 3% ao ano, uma diarista recebe menos 30 reais por um turno de atividade. O salário mínimo de 225 dólares não alcança a cesta básica e a informalidade atinge 80%. Os shoppings e condomínios na capital e os investimentos nas rotas turísticas de  Panajachel e Semuc Champey  comprovam que a economia se move, mas os privilégios permanecem ou agravam-se. A evasão escolar que, segundo o Ministério da Educação, atingiu 2,5 milhões de jovens em 2016, dentro de uma população de 16 milhões, retrata os problemas de inclusão desde a base educacional com consequências no mercado de trabalho e na qualificação das novas gerações.

” Sobrevivo com menos de um salário mínimo, com dívidas e não consegui terminar a universidade, mas sigo em frente porque acredito que podemos realizar mudanças de onde estamos. O governo segue centralizado, aqui há muito abandono, inundações, a energia elétrica é cara, as oportunidades estão quase todas na capital e não é fácil chegar chegar a Cidade da Guatemala. Para as mulheres há ainda menos chances, muitas engravidam na adolescência”, conta a produtora audiovisual Veronica Sacalxot , desde Quezaltenango.

Os povos originários para além da esquerda

De forma inédita três representantes de origem Mayas concorrem à presidência, Thelma Cabrera (Movimento pela Libertação dos Povos), Pablo Ceto, (Urng) e Benito Morales (Convergência). Novamente fragmentado, o campo progressista surpreendeu-se com a projeção alçada por Thelma, que aspira reverter a lógica que exclui os povos originários das esferas de poder mesmo com mais de 40% da população declarando-se indígena. “A esquerda tradicional está obrigada a transformar seu discurso e apoiar a agenda dos povos, o processo constituinte popular, plurinacional e a nacionalização dos bens privatizados”, assegura.

A dispersão de projetos populares em parte se explica pela repressão que grupos de esquerda e guerrilheiros enfrentaram durante 35 anos de ditadura e pela incapacidade de incorporação plena da luta indígena nesses processos. “Vivemos em uma sociedade produto do regime autoritário. Depois dos acordos de paz de 1996 impôs-se a privatização de bens estratégicos com o aumento da pobreza e consolidação de um sistema de máfias no poder que tem a capacidade de dirigir o estado. De nossa parte, precisamos uma renovação profunda das esquerdas”, observa o deputado  Enrique Alvarez, do Convergência, nascido da luta armada.

A divisão de votos entre forças oriundas da guerrilha e da luta campesina e indígena, somada ao preconceito e à criminalização contra movimentos sociais acresce problemas para os enfrentamentos na arena eleitoral. “Há uma grande incerteza sobre o que acontecerá no domingo.Houve ameaças de ex-militares sobre impedir as eleições, o fiscal de delitos eleitorais saiu do país em virtude de coações sofridas. As pessoas estão confusas “, resume o professor universitário Secil Oswaldo de León, direto da capital.

Além do presidente, oito milhões de votantes escolhem 160 deputados e 340 prefeitos para os próximos quatro anos na ponta do conflituoso triângulo norte da América Central. “A paz não é somente a ausência da guerra, enquanto haja pobreza, racismo, discriminação e exclusão dificilmente alcançaremos um mundo de paz”, já ensinou a nobel Rigoberta Menchu.

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América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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